O Brasil está órfão: sem oxigênio, sem responsável para cuidar do tratamento que precisa, nem tem quem lhe assegure vacina. Não teve um responsável que alertasse com autoridade que a doença era grave. Não recebeu as recomendações preventivas, nem os cuidados no período inicial. O Brasil não teve um responsável que lhe alertasse dos riscos. Ao contrário, ouviu “não fique em casa”, “vá para a rua”, “é uma gripezinha”. O oposto do que dizem pai e mãe preocupados com filho.
O Brasil
não teve um responsável, um líder, um governante que o protegesse da doença e
estivesse atento para obter e aplicar a vacina. Qualquer pai ou mãe ou tio ou
padrinho protege o filho, natural ou adotado, cuida para ele ficar em casa,
usar máscara, álcool em gel, e o leva para tomar a vacina. O Brasil não tem quem cuide dele neste
momento em que está sofrendo os horrores de uma epidemia. A orfandade não
decorre apenas da falta de governante que cuide dele com amor e competência
neste momento de epidemia. O atual governante não cuida do presente, nem
formula rumos para o futuro.
O Brasil está órfão. Mas a orfandade é anterior. Se o Brasil não fosse órfão antes, não teria preferido o atual governante. Foi o órfão que buscou ser adotado por ele, com o voto de milhões de eleitores descontentes. O Brasil sentia-se abandonado: 12 milhões de analfabetos, 100 milhões sem rede de esgoto, 35 milhões sem água, 12 milhões de desempregados, a mesma concentração de renda e persistência da pobreza de que sofre desde sua origem.
Os
moradores da periferia das grandes cidades já estavam órfãos há décadas, os
jovens sem perspectiva, as crianças sem escolas de qualidade. Desde a
escravidão, a população negra é órfã. Os desempregados, as vítimas de
violência, os doentes sem dinheiro, todos são partes do órfão chamado Brasil.
Seus líderes o deixaram órfão de ética, diante da corrupção. O Brasil é órfão
por falta das reformas em suas estruturas arcaicas, que persistem desde a
escravidão.
De todos
os erros e crimes cometidos pelos políticos, o mais grave foi não perceber e
não agir para impedir que o Brasil escolhesse o atual governo. E agora cometem
erro ainda maior ao não apresentar aos eleitores uma alternativa que empolgue,
que mereça confiança e mais: que impeça a continuação da orfandade atual. Em
vez de reconhecerem os erros e pedirem desculpas aos brasileiros, de se
apresentarem unidos com uma proposta alternativa, nossos líderes estão se
acusando mutuamente. Parecem imaginar que o erro foi dos eleitores em 2018.
Como se o órfão fosse culpado da escolha que fez na busca por quem o adotasse.
Todos
que ocupamos cargos ao longo dos 130 anos da República, temos parte de
responsabilidade, por omissão, por incompetência ou por corrupção nas
prioridades ou no comportamento. Sobretudo, responsabilidade pela eleição do
atual governo que aprofunda a orfandade por seu comportamento que nega a
ciência, desmoraliza o país no exterior, degrada o meio ambiente, descuida das
prioridades do povo, defende o armamentismo e consequente violência, regride no
respeito aos direitos humanos, ameaça as conquistas democráticas.
O Brasil
precisa de líderes que cuidem dele com novas ideias, propostas e comportamento.
Não teria sido difícil acabar com a orfandade do Brasil: bastaria adotar uma
geração de suas crianças, de todas as raças, em todos os endereços e de todas
as rendas. Esta geração adotada adotaria depois o Brasil com competência e
ética. A orfandade do Brasil começa na orfandade como suas crianças pobres são
tratadas.
Mas o
momento é para levarmos à Presidência alguém comprometido com a continuação das
conquistas democráticas das últimas décadas. Para isso, é preciso barrar a
marcha ao desastre de mais quatro anos desta orfandade desastrosa. Para isso,
os que desejam um novo rumo precisam entender que a hora é de coesão. Em tempo
de tormenta, a âncora é mais importante que a bússola e a vela.
Precisamos
unir os democratas, já no primeiro turno de 2022, com um candidato que
transmita ao eleitor a capacidade de unir e manter as conquistas democráticas e
presidir o debate dos candidatos que em 2026 apontarão suas propostas para o
eleitor escolher o rumo que o Brasil deve seguir em direção ao futuro
democrático, eficiente, justo, sustentável.
*Cristovam Buarque, professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)
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