O
caminho é resolver a emergência e avançar a sério no debate fiscal. Não no
tapetão
O
debate sobre a Proposta de Emenda à Constituição n.º 186, a PEC Emergencial,
ressurgiu em meio à urgência de um novo programa de auxílio social. A
vinculação do programa a reformas fiscais constitucionais não é uma boa
estratégia, mas é possível endereçar as duas questões tempestivamente.
Responsabilidade fiscal e sensibilidade social andam de mãos dadas.
É
preocupante que pareça ser necessário bater na responsabilidade fiscal para
obter legitimidade na defesa de um gasto social urgente. Ou você banca o durão
e defende a ideia de que só será possível pagar R$ 250 a famílias que estão à
míngua se houver compensações ou abraça a lassidão fiscal. É preferível o
caminho da ponderação.
As simulações consideradas pela Instituição Fiscal Independente (IFI) mostram que o auxílio emergencial poderia custar R$ 34,2 bilhões se destinado a 45 milhões de pessoas, com quatro cotas mensais de R$ 250. Essa conta já é líquida dos pagamentos aos beneficiários do Programa Bolsa Família, que receberiam apenas a diferença entre o valor do novo auxílio e a transferência atual.
Esse
gasto não é pequeno, mas a PEC Emergencial não é condição para pagar essa
despesa. Ao lado da aceleração do programa de vacinação, o auxílio se impõe.
Agora, não se afirme ser impossível compensar o gasto sem antes olhar o
Orçamento de 2021. Em meu último artigo neste espaço, mostrei uma lista de
cortes e medidas possíveis.
Os
reajustes salariais dos militares correspondem a R$ 7,1 bilhões; os concursos
públicos programados, a R$ 2,4 bilhões; e os subsídios sujeitos ao teto de
gastos, a R$ 14 bilhões – que poderiam ser reduzidos em R$ 4 bilhões. Além
disso, a revisão das renúncias tributárias poderia colaborar com R$ 20 bilhões,
totalizando R$ 33,5 bilhões. Se a primeira medida se mostrar impossível, em razão
da lei que garante os reajustes, a economia ainda seria de R$ 26,4 bilhões.
Portanto,
as medidas de ajuste fiscal previstas na PEC não seriam condições necessárias
para pagar o auxílio. Bastaria cortar o Orçamento. Mas isso não significa que
ela não contenha tópicos importantes. São assuntos complexos, que demandam
debate técnico e político adequado, com tempo suficiente para não se promover
uma virada de mesa na Constituição. Separe-se o joio do trigo.
A
PEC Emergencial fixa a sustentabilidade da dívida como uma dimensão inescapável
na fixação de limites e metas fiscais, obriga a administração pública a avaliar
políticas públicas, propõe a extinção de fundos públicos, manda reduzir gastos
tributários, estabelece as regras para a despesa com o novo auxílio social,
cria novos instrumentos de ajuste para os Estados e municípios e estabelece uma
nova forma de acionar os gatilhos – medidas automáticas de ajuste – no âmbito
da regra do teto de gastos.
Mas
ela também acaba com os pisos constitucionais da saúde e da educação. Melhor
seria consolidar os dois valores, dando maior liberdade aos gestores, sobretudo
municipais e estaduais, na alocação dos recursos públicos para essas duas áreas
essenciais.
A
inclusão do auxílio no texto da PEC, por sua vez, tem que ver com o receio do
Ministério da Economia de editar um crédito extraordinário para pagar a nova
transferência social sem conseguir justificar a imprevisibilidade, exigência da
Constituição. Vale dizer, os dispositivos que tratam do auxílio são independentes
do resto da proposta, um convite ao Congresso para fatiá-la. É curioso notar
que a intenção do ministro Paulo Guedes é o simétrico oposto: incentivar a
aprovação das medidas de ajuste como condição para o auxílio.
Quanto
ao teto de gastos, sabe-se que a Emenda Constitucional n.º 95 impossibilita o
acionamento dos gatilhos (medidas de ajuste), ao menos sob a interpretação
jurídica majoritária. A propósito, essa foi a motivação original da PEC, em
2019: tornar viável o acionamento das medidas automáticas de ajuste no caso de
rompimento do teto.
Então,
à guisa de solucionar esse problema, a PEC determina que, quando as despesas
obrigatórias sujeitas ao teto atingirem 95% das despesas primárias totais
(também limitadas ao teto), a lista de gatilhos será ativada. Incluem-se, aí, a
proibição dos reajustes salariais e das chamadas progressões automáticas no
serviço público. O efeito fiscal poderia chegar a 1% do produto interno bruto
(PIB) até o quinto ano.
Vincular
o debate sobre regras fiscais à concessão do auxílio, mesmo abandonados os
outros tópicos da PEC, prejudica as duas coisas: nem o dinheiro é liberado nem
a proposta de ajuste fiscal alcança o consenso político suficiente. Segue
indefinida a estratégia para recobrar a sustentabilidade das contas públicas.
O
caminho é resolver a emergência do auxílio e avançar a sério no debate fiscal.
Não no tapetão. As prioridades orçamentárias têm de ser expostas, o lado da
receita tem de entrar no jogo e os privilégios dos estamentos estatais têm de
ser combatidos. Que tal começar pelo Orçamento de 2021?
Ou isso ou seguiremos postergando o auxílio e o ajuste fiscal.
*Diretor Executivo da IFI, é professor do IDP
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