segunda-feira, 1 de março de 2021

Ana Cristina Rosa - O inacreditável virou banal

- Folha de S. Paulo

Depois de um ano marcado por mortes e recessão, a sensação é de que pouco ou nada aprendemos

São tantos os absurdos ocorrendo de maneira concomitante ao longo da pandemia de Covid-19 no Brasil que a palavra inacreditável parece ter perdido um pouco do sentido por essas bandas. Quem iria imaginar que transcorridos 12 meses da maior crise sanitária, econômica e social do século seríamos capazes de sincronizar em todo o país a gravidade dos efeitos do coronavírus levando o sistema de saúde nacional à beira do colapso?

De norte a sul, a ocupação das UTIs e das enfermarias margeia o esgotamento, com filas de espera para internação. Tudo pela negligência de medidas básicas que se mostraram eficazes na prevenção da doença mundo afora, como o distanciamento social e o uso de máscara.

Na semana em que o Brasil atingiu a marca de 250 mil mortos por Covid-19 e a Organização Mundial da Saúde resumiu a situação como “uma tragédia”, cerca de quatro centenas de pessoas se aglomeraram, boa parte delas sem máscara, em solenidade oficial na capital federal. Paralelamente, festas clandestinas seguiram bombando por toda parte.

Nem o que sempre foi feito com excelência está sendo realizado com eficácia. Embora a aplicação das vacinas contra a Covid-19 se dê com seringa e agulha, a distribuição do imunizante está ocorrendo a conta-gotas. E quando tem vacina, também tem fura-fila, denúncia de fraude, problema no armazenamento, erro na distribuição das doses...

Em Portugal, em meio à tendência de redução de casos e de mortes, ao defender a manutenção das medidas restritivas adotadas por lá, o presidente Marcelo Souza referiu-se à importância de aprender com o passado para não repetir os erros no futuro.

A observação parece servir como uma luva para o Brasil. Depois de um ano inteiro marcado por mortes, recessão econômica, desemprego crescente, escalada da violência e muita incerteza, a sensação é de que pouco ou nada aprendemos. O que banaliza o termo inacreditável de uma forma inacreditável.

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