Britânicos
não discutem o que está incluído no rol de atendimento, nem pede o que não está
incluído, resolvendo um problema que, no Brasil, começa a adquirir proporções
sérias
A
Grã-Bretanha não tem esse problema. Lá existe um rol oficial, que é
periodicamente revisto e atualizado, que serve de base para o atendimento
médico-hospitalar, incluída a distribuição de medicamentos para a
população.
Ninguém
discute o que está incluído no rol, nem pede o que não está incluído,
resolvendo um problema que, no Brasil, começa a adquirir proporções sérias,
pela disparidade entre o fornecimento de medicamentos extremamente caros para
poucas pessoas, sangrando o combalido orçamento da saúde pública, que fica
ainda com menos recursos para atender o grosso da população.
A
questão é delicada porque envolve o dever moral de atender o máximo de pessoas
com os recursos existentes e o direito individual, garantido pela Constituição
Federal, de todo cidadão ter suas necessidades de saúde atendidas.
Saúde
pública tem como pedra angular o atendimento do maior número de pessoas
possível, garantindo a elas a melhor saúde e qualidade de vida, dentro de um
cenário semelhante para todos, no qual as oportunidades de cada um não são
exceções, nem se contrapõem ao número de atendimentos, realizados com recursos
limitados, orçamentariamente destinados a esse fim.
Na
Grã-Bretanha, que tem o melhor, ou um dos melhores serviços de saúde pública do
mundo, a regra é clara. Todos têm direito ao que é incluído na lista oficial,
ninguém tem direito a mais do que o ali disposto, ainda que exista medicamento
mais moderno, com capacidade de cura muito mais elevada do que o constante no
rol oficial.
Tanto faz se custa mais barato ou mais caro, o que não está na relação oficial não é fornecido pelo serviço de saúde. Se o interessado desejar, ele assume, particularmente, o custo da aquisição. A premissa básica por trás do desenho é o atendimento ao maior número possível de pacientes, o que pode ser conseguido se houver uma limitação de gastos, não por paciente, mas por procedimento muito caro.
O
não pagamento desses tratamentos permite a aplicação dos recursos num maior
número de procedimentos, o que faz mais justa a divisão dos recursos e,
consequentemente, beneficia um número maior de pessoas.
O
Brasil também tem um rol oficial de procedimentos, tratamentos e medicamentos,
que deveria ser semelhante para todos, mas que, na prática, não é. O fenômeno
da judicialização está crescendo acentuadamente nas demandas envolvendo as
questões de saúde pública. E onde o quadro fica mais complicado é nas
diretrizes da Constituição, que determina que “A saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas” (Art.196).
Se o artigo fosse até aí, todo cidadão brasileiro teria direito a tratamento de
saúde integral e gratuito, ilimitadamente. Mas o artigo prossegue: “... que
visem a redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação”.
O
acesso universal e igualitário deixa de ser verdade quando alguns conseguem
medicamentos caros, para tratamentos específicos, e outros, em função desses
gastos, ficam sem acesso a procedimentos básicos, como o rápido atendimento na
rede pública de saúde, por falta de recursos para aumentar a capacidade de
atendimento.
O
fenômeno se repete nos planos de saúde privados, apenas o desenho é um pouco
diferente. Neles, as ordens judiciais são cumpridas e os planos assumem os
custos dos procedimentos fora do rol oficial, pagando integralmente as despesas
decorrentes do atendimento de um paciente em particular. Só que, no momento do
reajuste anual do preço das mensalidades, os planos repassam os custos dos
atendimentos sem cobertura, rateando a despesa deles decorrentes entre todos os
seus segurados.
As
duas situações são injustas. Na rede pública, milhares de pessoas deixam de ser
atendidas porque parte dos recursos são destinados a atendimentos
extraordinários. E, na rede privada, essas despesas são rateadas entre todos os
segurados. O problema é que do outro lado está a Constituição e sua
interpretação cabe ao Judiciário.
* Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e secretário-geral da Academia Paulista de Letras
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