O Globo
Em café da manhã com jornalistas, presidente
demonstra incômodo com entraves para colocar em marcha projeto de Estado como
indutor do crescimento
No café da manhã com jornalistas para
marcar os primeiros 100 dias de seu terceiro mandato, Lula disse que a próxima
obsessão da gestão, tão logo ele volte da China, será em colocar em marcha um
ambicioso programa de crédito para destravar o crescimento econômico. Todas as
falas do presidente, no entanto, demonstram que ele tem consciência de como a
taxa de juros e a inflação ainda não domada são fatores que podem impedir a
concretização dessa promessa.
O desconforto reiterado com o Banco Central
e o ruído causado pela declaração a respeito da possibilidade de rever as metas
de inflação para propiciar a queda de juros vêm dessa constatação.
Não é o BC o único obstáculo para que Lula
possa, de fato, deixar de olhar para o passado — tanto para as realizações de
seus governos anteriores quanto para os embates com Jair Bolsonaro e Sérgio
Moro — e passar a falar apenas de futuro e de novas ideias para o Brasil. O
Congresso também é um fator de incerteza quanto ao apoio de que o petista
dispõe para descortinar esse tal futuro, sobre o qual o próprio governo
demonstra não ter total clareza.
Ao flertar com a ideia de que o governo possa vir a propor o aumento da meta de inflação na próxima reunião do Conselho Monetário Nacional, Lula acaba criando mais ruído e dificultando que a inflação caminhe para algo mais próximo da meta. Fernando Haddad e Simone Tebet trabalham para fechar o texto do arcabouço fiscal e mandá-lo para o Congresso.
Avaliam que, tal qual foi desenhada pela
Fazenda, a proposta será aprovada, com votos até da oposição. Qual o entrave?
Dentro do próprio governo não param as tentativas de mexer no texto, tornando
os compromissos fiscais mais frouxos, antes mesmo de o projeto atravessar a
Praça dos Três Poderes.
Quando Lula diz que a reforma do Ensino
Médio não será
revogada, mas aprimorada, demonstra ter consciência de que o
Congresso atual não espelha a pressão dos grupos de esquerda que historicamente
militam na Educação. Portanto, não seria possível simplesmente rasgar o que foi
aprovado no governo Michel Temer.
Desenhar o futuro com o qual o presidente
se comprometeu depende de que todo o governo caia na real e compreenda esse
contexto. Como diria Renato Russo, "o futuro não é mais como era
antigamente". Vale para a possibilidade de fazer política econômica
indutora do crescimento depois que Dilma Roussef falhou nesse propósito e gerou
recessão histórica, vale para a ideia (passadista, e não futurista) de botar
abaixo tudo que foi aprovado nos últimos anos. É preciso remover o entulho
imposto por decretos e portarias por Bolsonaro e aceitar que, o que foi
aprovado pelo Legislativo, tem legitimidade. E tocar o barco.
Olhar para a frente, no governo Lula 3,
significa investir na agenda de fortalecimento da democracia e no resgate das
políticas de direitos humanos e tornar compatível o combate à desigualdade
social aprovado nas urnas com a responsabilidade fiscal sem a qual qualquer
governo, de esquerda ou de direita, fracassa. E uma das frases cabais de Lula
nesta quinta-feira foi: “Não vou fracassar”.
Assegurar a última premissa depende, por
mais que o presidente e setores do PT torçam o nariz para isso, de aprovar um
marco fiscal crível, mas não leniente com todo e qualquer gasto.A última
tentativa de setores que se opõem a Haddad na Esplanada e seu entorno e excluir
do controle de gastos uma série de outras rubricas, inclusive os fundos. A
equipe econômica finca o pé na proposta inicial.
Se quiser deslanchar com seu governo sem
ficar preso ao "Coiso", à "Coisa" e nem ao fantasma da
reedição do dilmismo, Lula terá de dar apoio total a Haddad nessa negociação
com o Congresso, que não será um passeio no bosque.
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