Folha de S. Paulo
A bala tornou-se um meio de expressão e, à
falta dela, o porrete, o punhal ou a machadinha
Em minha última coluna, escrevi que Bolsonaro corrompeu, estuprou e prostituiu instituições civis e militares. Faltou espaço para acrescentar o que já me passava pela cabeça e que, poucas horas depois, a tragédia de Blumenau —crianças assassinadas a machadadas numa creche— viria confirmar: o embrutecimento e a desumanidade que ele nos legou. Bolsonaro conseguiu acrescentar um fator novo à violência a que já estávamos habituados. Acrescentou o ódio.
Nossa violência até então tinha cenários,
personagens e motivações previsíveis: latrocínio, tiroteios em comunidades,
balas perdidas, chacinas em prisões, ajuste de contas, queima de arquivo,
crimes passionais, disputa de terras, extermínio de indígenas, assassinato de
missionários e ecologistas —quase sempre, coisa de profissionais. O povo fazia
parte desse horror, mas, basicamente, como vítima. Não mais. Bolsonaro ensinou
os amadores a odiar.
Em quatro anos, o Brasil se reduziu a um
puxadinho da Taurus. As pessoas se armaram. Trabucos saltam dos cintos nos
ambientes mais inesperados. Pistolas, fuzis e metralhadoras abarrotam o porão
de políticos, ex-policiais e cafajestes comuns, alguns, bem a propósito, vizinhos
de condomínio de Bolsonaro. A banalização desses arsenais passou uma mensagem
para o brasileiro comum: a bala é um meio de expressão. À falta dela, o
porrete, o punhal, a picareta, a machadinha, alguns, aliás, usados no 8 de
janeiro.
Daí a escalada de crimes contra mulheres,
pretos e trans, apenas porque são "diferentes". E, não por acaso,
várias escolas têm sido cenário desses surtos de ódio. É o ódio à educação, à
razão —que Bolsonaro, também não por acaso, levou quatro anos tentando destruir.
E é disso que nasce o ódio mais perigoso:
aquele que não se sabe contra quem ou por quê, nem precisa saber —mas que, como
Bolsonaro ensinou, agora temos o direito de expressar com uma arma.
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