sexta-feira, 7 de abril de 2023

Hélio Schwartsman - Quando não ser não basta

Folha de S. Paulo

Lula precisa fazer mais do que não ser Bolsonaro

Com pouco mais de três meses de existência, já deu para sentir um gostinho de como será o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Comecemos pelos aspectos positivos. Lula trouxe de volta à Presidência um pouco de normalidade. Não temos mais um mandatário que debocha das vítimas da Covid-19 ou que governa pela sabotagem, editando decretos e portarias que erodem as leis que deveriam regulamentar e nomeando desqualificados ou mesmo infiltrados para dirigir órgãos com cuja missão não concorda.

Mais do que isso, foi bom ver o governo federal finalmente agindo para retirar os garimpeiros ilegais de territórios indígenas e enfatizando a importância de políticas públicas básicas, como a vacinação. Lula não é Bolsonaro, e isso é ótimo. Convenhamos, porém, que não ser Bolsonaro é a parte fácil. Infelizmente, não basta para credenciar Lula, à frente de seu terceiro mandato, como um bom presidente.

É aí que eu começo a me preocupar. Minha impressão é que Lula já não exibe a mesma forma política de antigamente. Trocou o pragmatismo que caracterizou suas duas primeiras gestões por uma espécie de anseio em acertar as contas com o passado. Contrariando a ideia de governo de união nacional esboçada durante a campanha, Lula parece guiar-se pelo menos parcialmente pelo fígado, voltando-se contra as principais leis aprovadas durante o governo de Michel Temer e a tudo o que evoque, ainda que muito vagamente, a operação Lava Jato.

Ao fim e ao cabo, o que definirá o sucesso ou fracasso de Lula 3 não serão reinterpretações da história e sim o desempenho da economia. Aqui os sinais são ambíguos. O presidente parece hesitar entre uma agenda estruturante, que permitiria uma retomada consistente mais adiante, e a ideia, tão popular quanto equivocada, de que basta um bom volume de gastos públicos para assegurar o crescimento.

Lula vai bem em não ser Bolsonaro, mas precisamos de muito mais.

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