segunda-feira, 19 de março de 2018

Loteria judiciária: Editorial | O Estado de S. Paulo

O País passou os últimos dias a estudar avidamente os movimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de antecipar seu comportamento diante do caso envolvendo a condenação do ex-presidente Lula da Silva. Muito se especulou, por exemplo, sobre uma eventual decisão da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, que poderia colocar em pauta ações a respeito da prisão após condenação em segunda instância. Como a ministra não fez isso, surgiu a hipótese de que algum ministro pudesse trazer o tema à tona, sem a necessidade de aval da presidente da Corte. Tenha o desfecho que tiver, esse caso é significativo do caráter lotérico que o Judiciário assumiu em tempos recentes. Não tem sido possível antecipar julgamentos ou decisões importantes dos tribunais, especialmente do Supremo, em razão do comportamento errático de alguns dos magistrados.

Em situações de normalidade institucional, não haveria dúvida sobre o caso do sr. Lula da Silva. O Supremo Tribunal Federal contrariou a jurisprudência para permitir a possibilidade do início da execução penal após condenação em segunda instância, caso do ex-presidente. A mais recente decisão nesse sentido, tomada em outubro de 2016, concluiu que a condenação em segunda instância encerrava a presunção de inocência, que é o que se pretende proteger até o chamado “trânsito em julgado”, ou seja, quando todos os recursos possíveis para contestar a condenação se esgotam. No processo de Lula, a culpa já foi estabelecida, não cabendo dar-lhe mais chances de obter a revisão da decisão, restando à defesa contestar apenas questões de direito.

Os desabafos de Cármen Lúcia

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Na semana mais conturbada desde que assumiu o STF, a presidente Cármen Lúcia vira alvo de pressões de todos os lados e reage com a simplicidade e a firmeza moral que se exige de quem ocupa o posto mais importante da República no atual momento do País

Rudolfo Lago e Tábata Viapiana | Revista IstoÈ

Na terça-feira 13, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, desembarcou no Aeroporto de Congonhas para um evento em São Paulo. Um táxi a aguardava. Preocupada com o trânsito intenso, ela comentou sobre o risco de não chegar no horário. Sem dar um pio, o motorista enveredou por caminhos alternativos para driblar os congestionamentos. Ao fim, deixou Cármen Lúcia no local combinado e, para seu alívio, a tempo. A presidente do STF agradeceu. “Só fiz porque era a senhora. Se fosse qualquer outra daquelas autoridades de Brasília, ia ficar mofando no engarrafamento”, respondeu ele.

Situações como a vivida com o taxista em São Paulo representam um alento para a presidente do Supremo. Em sua avaliação, o STF nunca esteve sob tanta eletricidade político-jurídica. “Celso de Mello (decano, o ministro mais antigo) e Marco Aurélio Mello (o segundo mais experiente) me disseram, e eu concordo, que nunca na história o STF viveu momento tão tenso”, disse Cármen Lúcia a um interlocutor. Ela, porém, evita se deixar levar pelas inclementes pressões que vem sofrendo, oriundas especialmente daqueles que desejam livrar da cadeia o ex-presidente Lula, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a 12 anos de prisão. Esforça-se para sobreviver serena e incólume. Ocorre que, não raro, o presidente de um poder, como o Supremo, precisa falar não apenas nos autos, mas bem alto. Seguindo essa premissa, ela reagiu. Nos últimos dias, fez uma série de desabafos. ISTOÉ recolheu algumas frases ditas por ela em conversas com assessores e pessoas próximas, que resumem como Cármen Lúcia avalia os desafios enfrentados no comando do Poder Judiciário. “São desafios inerentes ao cargo, muito mal compreendidos nesse que é um dos momentos mais complexos da nossa história”, disse ela, numa das conversas.

Na verdade, longe de se contaminar pelas manifestações de apoio, Cármen Lúcia cultiva hoje a impressão de que sua atuação não agrada a ninguém. “Quando eu era professora, achava que um ou outro aluno provavelmente não gostava de mim. Porque era reprovado, porque tinha alguma nota baixa. Como juíza, imaginava que uns 50% não gostavam de mim, porque uns eu condenava e outros absolvia. Aqui na presidência do Supremo, fico com a sensação de que ninguém gosta de mim. Qualquer decisão que eu tome vai agradar e desagradar. Ainda mais num momento como esse”, avaliou em reunião com um de seus auxiliares.

Romaria
A razão principal das pressões sofridas por Cármen Lúcia diz respeito à indecorosa tentativa de revisão da prisão após condenação em segunda instância. Nos últimos dias, uma romaria de políticos – e também de ministros da própria Corte – se dirigiu ao gabinete da presidente do STF. No início da semana, cinco ministros do STF ensaiaram uma união para tentar tirar de Cármen a prerrogativa de recolocar o tema em pauta. Em vão. Na quarta-feira 14, Cármen recebeu um grupo de deputados da oposição. Os parlamentares entregaram a ela um documento assinado por 12 partidos no qual foi solicitada a inclusão do habeas corpus em favor de Lula na agenda do STF. Ao que a ministra jogou a bola para o relator a Lava Jato no STF, Edson Fachin, com quem se encontra hoje o novo pedido de HC do ex-presidente petista. Tudo indica, no entanto, que não irá prosperar. Como também não prosperou o pedido do petista ao TRF-4 de ser notificado por email sobre o julgamento dos embargos de declaração, cinco dias antes do derradeiro julgamento.

Os juízes perderam o juízo

Para protestar contra a ameaça de perder o auxílio-moradia de R$ 4.377 por mês, juízes marcam paralisação, mas movimento vira um retumbante fracasso. Menos mal. Eles já ganham salários de até R$ 33,7 mil

Tábata Viapiana | Revista IstoÉ

Qualquer movimento político, para dar certo, precisa de um mínimo de legitimidade. Do contrário, estará fadado ao fracasso. Este dia 15 de março ficará marcado como aquele em que uma das classes mais privilegiadas do país encenou uma pantomima na qual seus integrantes se apresentavam como explorados e vítimas. Para defender o recebimento de auxílio-moradia no valor de R$ 4.377 por mês, os juízes federais prometeram paralisar as atividades em todo o País nessa data. Felizmente, a grande maioria dos magistrados percebeu o ridículo o qual estava exposto e não aderiu à greve da categoria. Em alguns estados e no Distrito Federal, porém, a paralisação aconteceu e trouxe prejuízos à sociedade, com audiências canceladas e processos atrasados, conferindo ainda maior morosidade à Justiça, que, apesar de lenta, é muito bem paga.

Enquanto a renda média do brasileiro é de R$ 1.226 por mês, os juízes federais e do Trabalho estão insatisfeitos com salários que variam de R$ 27 mil a R$ 33,7 mil. Além de ocuparem um confortável lugar no topo da pirâmide social, os magistrados ainda recebem inúmeros benefícios, tais como auxílios-moradia, pré-escolar, de saúde, e de alimentação. Mesmo com tantas benesses, a categoria decidiu promover a greve com o objetivo de manter privilégios que não se justificam mais. Ao todo, mais de 17 mil juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores recebem auxílio-moradia de R$ 4.377 por mês. Sozinho, esse valor é superior à renda de 90% da população. Apesar de estar previsto em lei, o benefício tem sido questionado sob aspectos éticos e morais.

O arriscado decreto de Barroso escrito com a voz das ruas

Antonio Carlos Prado | Revista IstoÉ

Conceituado professor de direito constitucional, é difícil crer que o ministro do STF Luís Roberto Barroso não soubesse, na semana passada, que estava ferindo a tripartição dos poderes e a Constituição quando resolveu, monocraticamente, alterar o decreto de Michel Temer referente ao indulto natalino.

Tal decreto abrangia condenados por crime de corrupção, fixava cumprimento de um quinto da pena e não determinava tempo mínimo de execução da sentença. Barroso pode se indignar, dentro do Estado de Direito, mas não pode ferir o Estado de Direito porque está indignado. Foi, porém, o que resultou de seu ato.

Primeiro: Barroso invadiu o poder legislativo ao incluir condenados por corrupção, alterar o que era um quinto para um terço e impor o mínimo de oito anos de encarceramento. O ministro legislou, e ele não pode legislar, até porque a sua legislatura é ilegítima: jamais recebeu um voto popular que o legitimasse em tal função.

Segundo: no ato de legislar, Barroso invadiu também o poder executivo, porque disso nasceu liminarmente outro decreto – e o artigo 87, iniciso 12, da Carta Magna, cristaliza que decretar indulto “compete privativamente ao presidente da República”.

Terceiro: Barroso diz que o decreto de Temer não corresponde à “vontade manifestada pelos cidadãos” e apresenta “manifesta falta de sintonia com o sentimento social”. Barroso ataca, assim, o Estado de Direito, ao considerar que a voz das ruas (em nossa opinião, legítima somente se vier das urnas) deve ser ouvida em matéria penal.

Que risco! Nesse campo não cabe o ditado “vox populi, vox Dei”, de Tito Lívio (59 a.C – 17 d.C), até porque muitas das vozes das ruas apoiam linchamentos. Devemos então regredir à lapidação?

O governo respondeu, acionou a AGU e na quinta-feira 15 o ministro Carlos Marun já esboçara o pedido de impeachment de Barroso com base no artigo 39 da lei 1.079 (trata de crimes de responsabilidade).

Não está em jogo, aqui, se o texto original beneficiava condenados de colarinho branco, mesmo porque contemplava também milhares de presos pobres. O que se discute é o perigo da quebra de princípios republicanos. Temer deve lutar na Justiça, como está fazendo, porque é dele a prerrogativa de decretar indulto.

Entrevista Antonio Mariz: ‘Há um novo código penal no País, o do autoritarismo’

Antonio Claudio Mariz de Oliveira, advogado criminalista e defensor do presidente Michel Temer, vê ‘protagonismo social’ no STF e critica decisão de Barroso de alterar indulto natalino: ‘É ato soberano, ato do rei’

Eduardo Kattah e Fausto Macedo | O Estado de S. Paulo

O advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira, que defende o presidente Michel Temer, diz que o que chama de “cultura punitiva” no País está resultando em um novo código de processo penal: “o do autoritarismo”. Mariz acredita também que há uma “movimentação do sistema jurídico penal inusitada em relação a um presidente da República”. “É evidente esta devassa”, afirmou em entrevista ao Estado na quarta-feira passada, concedida em seu escritório na Avenida Paulista.

• O senhor disse que o presidente Michel Temer está sofrendo uma devassa. Por qual motivo?

Qualquer resposta que eu der é subjetiva. O que eu vejo é que há realmente uma movimentação do sistema jurídico penal inusitada em relação a um presidente da República. Por exemplo: por que se está recuperando um fato ocorrido em 2010 para colocar o presidente da República como investigado? Por que se está quebrando o sigilo bancário dele a partir de 2013 se os fatos objeto de inquérito se deram em 2017? E se ele, presidente da República, à mercê do artigo 86, parágrafo 4 (da Constituição), só pode ser investigado, e aí tem uma outra discussão, só pode ser responsabilizado por fatos contemporâneos à Presidência. Então eu acho que é evidente esta devassa. Há uma corrente preocupada no superdimensionamento, na supervalorização da atividade persecutória do Estado, que basicamente é comandada pelo Ministério Público e pelo Judiciário, com o auxílio da polícia, e está à mercê de todas essas ações. Esta cultura punitiva que tomou conta do País faz parte de um plano para dar prestígio, para dar força, para dar uma importância superior às demais instituições do Estado a essas que tomam conta da persecução penal.

• Como viu a manifestação do ministro Luís Roberto Barroso, que apontou vazamento da decisão da quebra do sigilo?

Foi uma manifestação açodada porque ele poderia perguntar para um assessor: “olha, esses números estão aí em algum lugar?”. Eu tirei os números do site. Essa pressa dele, esse descuido dele na verdade é fruto desta cultura punitiva, desta ânsia por punição contra o presidente da República. Por que eu não sei.

• O Planalto disse que o sigilo do presidente seria aberto espontaneamente e divulgado. O senhor é a favor?

Não. Já foi devassado. Divulgar ou não já é uma questão que foge, na minha opinião, à vontade do presidente. O relator que permita o acesso ou não a essas contas. Mas ele (Temer) ficou entusiasmado com essa ideia, alguém deu a ideia lá.

• O presidente errou ao editar o indulto natalino?

Não sei. Fui presidente do Conselho Nacional de Política Criminal. Nunca, não na minha gestão, mas na história do Conselho – que é quem prepara os indultos –, nunca houve uma interferência do Judiciário. Isto é ato soberano, é ato do rei, isto é histórico, isto é no mundo. Se você tiver uma ilegalidade, aí sim. Mas se você não tiver ilegalidade no mérito… Falam que esse indulto do presidente iria colocar corruptos (em liberdade). Não se apontou um.

• Embora não seja o chamado crime de sangue, a corrupção não é um crime tão gravoso quanto? O ex-ministro Ayres Britto disse que o indulto seria um convite para a reincidência, um cheque em branco…

Ou tem indulto ou não tem. Agora, o pior é dizer que, pela Constituição, o corrupto não pode ser beneficiado pelo indulto. Não existe isso.

'Não vou brigar com PT, vou olhar para o futuro', diz Alckmin

Governador de SP, presidenciável tucano diz que deixará pesadelos do passado de lado na campanha

Thais Bilenky – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou à Folha neste domingo (18) que evitará a polarização em sua campanha a presidente e prega a conciliação nacional, citando o ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956-61). "Deixo de lado os pesadelos do passado. Não vou ficar brigando por coisa de PT, não sei o quê, mas vou olhar para o futuro."

Em entrevista dentro de um carro que o levava da votação na prévia tucana para o governo do Estado para o Jaraguá, onde entregou um conjunto habitacional, o tucano disse que dará ênfase a infraestrutura, geração de emprego e redução da desigualdade.

Alckmin tem até 7 de abril para deixar o governo paulista. Ele é alvo de um pedido de inquérito no Superior Tribunal de Justiça a partir da delação da Odebrecht.

Um ex-executivo da empresa diz que negociou repasse de R$ 2 milhões em caixa dois para a campanha do tucano ao governo em 2010 com o cunhado Adhemar Ribeiro. Na semana passada, Alckmin disse que afirmação é uma "aleivosia".

• Folha - O palanque duplo em São Paulo [João Doria e Márcio França] vai prejudicar sua campanha?

Geraldo Alckmin - Todas as eleições vão ser muito fragmentas, nacional e estaduais.

• O presidente Temer pode tentar a reeleição, o que o sr. acha?

Vão ter "n" candidatos. É o resultado do quadro pluripartidário. Vai melhorar com a proibição da coligação proporcional, mas só para a próxima eleição.

• Nesta eleição, qual vai ser sua estratégia?

[Sorri]. Você viu a grande notícia de Minas Gerais, né? [O senador tucano Antonio Anastasia comunicou que aceita disputar o governo, dando palanque a Alckmin].

• Pode dar problema com o DEM, que queria lançar candidato próprio em Minas, com apoio do PSDB.

Anastasia é o candidato natural no estado. A campanha está tomando rumo.

Entrevista Persio Arida: Reformas e privatizações devem ser feitas já no 1º ano de governo

‘Alckmin não fará concessões populistas’

Pressa é necessária, segundo ele, para evitar o ‘inevitável desgaste político’ dos anos seguintes

David Friedlander e Renata Agostini | O Estado de S.Paulo

Coordenador do programa econômico que Geraldo Alckmin (PSDB) vai encampar como candidato à presidência da República, Persio Arida afirma que o tucano, uma vez eleito, vai tocar nos primeiros meses de governo um pacote com privatizações e as reformas do Estado, da Previdência e tributária. Explica que a pressa é necessária para tirar vantagem do capital político conquistado nas urnas.

Arida diz que não haverá aumento da carga tributária, mas é preciso tornar a cobrança de impostos mais simples e socialmente justa. “Não faz sentido, num país como o nosso, dar benefício fiscal aos mais ricos”, disse ao Estado, em sua primeira entrevista como integrante da equipe do tucano.

Um dos formuladores do Real, Arida afirmou que não é preciso um plano específico para conter o déficit público, mas determinação do governo para aplicar as regras que já existem. Segundo ele, a principal preocupação deve ser garantir a retomada. “Sem crescimento não há solução”, disse Arida, ex-presidente do BNDES e do Banco Central e, até 2017, sócio do banco BTG.

O economista afirma que a campanha de Geraldo Alckmin buscará o caminho do “centro democrático” tanto no campo econômico quando no dos costumes. Segundo ele, o tucano manterá a disposição de defender temas impopulares, como a reforma da Previdência, e não cederá a apelos populistas na área da segurança. “A aposta é que há um eleitorado maduro no Brasil”, disse.

A conversa com Persio Arida abre a série de entrevistas que o Estado passa a publicar com economistas que terão influência no debate eleitoral sobre a agenda de prioridades no campo econômico e o modelo de desenvolvimento que o País deve perseguir.

• O sr. já foi banqueiro, ocupou cargos no governo, é reconhecido como economista. Por que entrar numa campanha agora?

A vida corporativa e a puramente acadêmica são capítulos encerrados. A preocupação pública está viva em mim. Quero contribuir. Gosto do Alckmin e nos aproximamos depois que saí do BTG, no ano passado. Decidi aceitar o desafio de coordenar o programa. Tenho enorme preocupação. Essas eleições serão críticas.

• Por quê?

Uma escolha errada pode comprometer a recuperação que estamos vivendo. Sem crescimento, não há solução. Numa crise como essa, é natural que parte da população queira um salvador, alguém que venha do nada e resolva tudo. O Brasil está diante de dois riscos: ter uma esquerda retrógrada estatizante, com a noção de que esse ou aquele setor são estratégicos, o que é uma ideia claramente atrasada, ou ter uma direita populista e obscurantista.

• O que é a direita populista que o sr. diz ver como risco ao País?

Populista ao dizer que se resolve o problema da segurança dando armas a todos. Sabe o que acontecerá? O aumento de crimes passionais, de mortes por briga no trânsito. Imagine disputas de torcidas de futebol com pessoas armadas. A realidade não cansa de comprovar que, para todo problema complexo, há uma solução simples – e errada. São Paulo reduziu homicídios impondo o estatuto do desarmamento.

Elba Ramalho/Alceu Valença: Flor de Tangerina

Fernando Pessoa: Lembro-me

Lembro-me ou não? Ou sonhei?
Flui como um rio o que sinto.
Sou já quem nunca serei
Na certeza em que me minto.

O tédio de horas incertas
Pesa no meu coração,
Paro ante as portas abertas
Sem escolha nem decisão.

domingo, 18 de março de 2018

Opinião do dia: Fernando Gabeira

Eu vejo a intervenção federal com os olhos do Brasil de hoje. Não acredito que vá haver nenhum tipo de desrespeito aos direitos humanos. Acho que o Exército não aceitaria entrar numa aventura dessas para desrespeitar os direitos humanos e perder a credibilidade que tem.


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Fernando Gabeira, jornalista e escritor, Blog do Noblat, 18/3/2018

*Luiz Sérgio Henriques: O caos ao redor

- O Estado de S.Paulo

A esquerda abdicou da renovação do sistema político, contribuindo para sua deterioração

Os sinais de alarme agora soam com estridência e vêm das mais variadas partes: a democracia política, tal como a conhecemos, está submetida a tensões talvez inéditas, ameaçada por inimigos inesperados e considerada por muitos como incapaz de se expandir e garantir uma vida cívica à altura de suas promessas. A eleição de Donald Trump em 2016, mesmo descontado o fato não irrelevante de sua derrota no voto popular, como que acentuou brechas até então pouco percebidas: aqui e ali, vozes que se supunham definitivamente ultrapassadas ou, quando muito, com vocação minoritária adquiriram novo fôlego e, como se tornou comum dizer a partir de então, passaram a amplificar o mal-estar dos “perdedores” da globalização.

Na desorientação não só política, mas sobretudo cultural, que nos marca a todos e encurta nossos horizontes, houve quem, à esquerda, saudasse a ascensão do novo presidente americano como um revés fatal para o neoliberalismo globalista, tal como, algum tempo antes, a queda do Muro de Berlim havia selado a sorte do socialismo real. O nativismo e o protecionismo econômico de Trump seriam uma estratégia a ser imitada, com as devidas alterações, pela esquerda dita soberanista, que pressupunha assim as fronteiras nacionais como as mais adequadas para a defesa da cidadania política e social. Nenhuma reminiscência, nessa esquerda, do clássico internacionalismo do Manifesto marxiano, que cantava em prosa e verso a capacidade capitalista de arquivar provincianismos, dissolver barreiras nacionais e unificar, ainda que contraditoriamente, a sociedade dos homens e das coisas.

E talvez mais grave ainda: subestimava-se o impacto que a nova presidência teria, como tem tido, sobre a democracia na América e, consequentemente, em todo o mundo. De fato, as pulsões extremistas que sustentaram o triunfo de Trump, com sua carga de racismo, sexismo e xenofobia, inevitavelmente produziriam um efeito corrosivo sobre a coesão social. A polarização destrutiva viria a se confirmar como o novo padrão de enfrentamento político, amplificado, ainda por cima, por “guerras de cultura” em desfavor da mais recente geração de direitos, ambientais e de gênero, que pouco a pouco abria caminho. Projetando-se para além dos Estados Unidos, o trumpismo reforçaria tendências francamente reacionárias um pouco por toda parte, como nos é dado ver até bem perto de nós, entre outras coisas, com a instrumentalização irresponsável de valores familiares e religiosos.

Uma após outra, e já com exceções contadas, as democracias europeias entraram em sofrimento, arrastando nisso o extraordinário projeto da casa comum. A social-democracia alemã agora refaz sua aposta, não isenta de riscos, na grande coalizão com os democratas-cristãos de Angela Merkel, uma dirigente de exceção, como se viu no acolhimento dos fugitivos das guerras no Oriente Médio em 2015. Não fosse o fenômeno Emmanuel Macron, a repropor um “centro” que queremos ver ousado e renovador, a velha França de 1789 seria palco, hoje, de aventuras irresponsáveis. E na Itália, país de rica tradição de esquerda, duas modalidades relativamente distintas de populismo, uma das quais de extrema direita – a Liga de Matteo Salvini –, amealharam os votos de expressiva maioria. Ainda que por ora não se saiba o que farão exatamente com o largo consenso obtido, trata-se de uma mudança de tal ordem que faz do notório Silvio Berlusconi um exemplo de “moderação”. E a esquerda, quer a reformista do Partido Democrático, quer as formações radicais, terá de se reconstruir em condições críticas, com déficits programáticos e dificuldades de inserção, dada a mudança verdadeiramente epocal das estruturas econômicas e sociais.

O ciclo da esquerda latino-americana no poder não foi a luz no fim do túnel. A transição exemplar no Chile, com a passagem de bastão entre Michelle Bachelet e Sebastián Piñera, entre o centro-esquerda e o centro-direita, é acontecimento a ser saudado efusivamente na perspectiva de uma regular democracia de alternância. Processos muito diferentes entre si – eleições no Equador e na Argentina, impeachment no Brasil – sofrem o estigma do “golpe”, palavra que se vulgariza no pensamento único de uma certa esquerda populista e autoritária, que, como mostra o caso chileno, está longe de ser a única possível. Na Bolívia, reeleições indefinidas para sagrar o mesmo mandatário, ainda que contra o veredicto formal de um plebiscito, são justificadas como expressão de respeito aos direitos humanos do mandatário: nada mais do que um acinte. E a infeliz Venezuela, à beira de tragédia humanitária, contribui para desonrar o conceito de esquerda aos olhos dos democratas de todos os matizes. A insanidade, com efeito, não se detém diante de limites ideológicos. Será, ao contrário, uma das propriedades mais bem distribuídas entre dramas e atores de qualquer orientação.

A esquerda latino-americana, na floração mais recente, deu sua chancela à polarização que destrói o terreno comum representado pelas democracias constitucionais. Fugiu do tema crucial do centro político, apostando na contraposição entre povo e “elites”, aí incluídas as modernas classes médias e as profissões liberais, que seriam reacionárias por definição. Ou, então, considerou aquele tema de modo matreiro, acionando mecanismos de cooptação dos adversários/inimigos a partir do controle das alavancas estatais. Como mostrou o exemplo brasileiro, abdicou do papel histórico de renovação do sistema político, contribuindo antes para sua deterioração e ruína.

Os sinais são múltiplos e contraditórios – e nem todos auguram bom desfecho. Na falta de uma gazua ideológica, só por tentativa e erro será possível lê-los. Em outras ocasiões de risco extremo, houve uma esquerda, inclusive comunista, que soube interpretar o mundo real e acorrer em defesa da civilização. Só venceremos o caos ao redor se assim for também desta vez.
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* Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci.

*Celso Lafer: Incerteza jurídica

- O Estado de S.Paulo

Ela vem substituindo o governo das leis pelo imponderável do governo dos homens

A distinção entre risco e incerteza foi proposta por um respeitável economista do século passado, Frank Knight. O risco tem inúmeras dimensões, que se multiplicaram no mundo contemporâneo. Delas se ocupam profissionalmente os diversificados analistas de risco.

O que caracteriza o risco é a possibilidade de ser estimado e calculado, com alguma orientação de certeza, por meio das técnicas de previsão, cálculo de probabilidades e algoritmos. Em contraste, o que caracteriza a incerteza é a impossibilidade da estimativa e do cálculo.

Valho-me da sugestividade da distinção entre risco e incerteza para apontar que ela esclarece uma importante dimensão da discussão, ora em curso no Brasil, em torno do Estado de Direito, da dinâmica da divisão dos Poderes, do papel da magistratura, do Ministério Público e da Polícia Federal. Com efeito, um dos ingredientes fundamentais da vida do Direito hoje no País é a incerteza jurídica. Essa incerteza vem minando um dos valores de um ordenamento democrático, que é a segurança das expectativas, descortinadora da calculabilidade das consequências das nossas próprias ações. A incerteza jurídica vem traduzindo na sua dinâmica atual uma gradual substituição do governo das leis pelo imponderável do governo dos homens – por mais bem-intencionadas que sejam suas condutas, inclusive o meritório combate ao cupim da corrupção.

“Um direito incerto é também um direito injusto”, observou Teóphilo Cavalcanti Filho em pioneiro livro de 1964 sobre a questão. É o nexo incerto/injusto que faz da segurança jurídica um valor de primeira grandeza em qualquer ordenamento democrático. Na sua acepção normativa se configura, como expõe Humberto Ávila na sua notável obra sobre a matéria, como uma norma-princípio. Essa norma-princípio é o pressuposto para a eficácia da ordem de princípios – dos muitos princípios que permeiam a Constituição de 1988. É por isso que, no contexto da aplicação das normas na interação de princípios e regras que transita pela ponderação, a ponderação da segurança jurídica tem relevo hierárquico. Trata-se do princípio que “funda a validade e instrumentaliza a eficácia das outras normas jurídicas”. Por essa razão, como diz Humberto Ávila, o princípio da segurança jurídica é “a norma das normas”. É ela que dá, observo eu, identidade própria ao “governo das leis”.

Hélio Schwartsman: A vitória do Iluminismo

- Folha de S. Paulo

Steve Pinker mostra como a vida melhorou ao longo dos séculos, apesar do nosso pessimismo

Em “A Vida de Galileu”, o dramaturgo Bertolt Brecht concebe uma cena em que o cientista toscano fracassa em convencer seus interlocutores (um filósofo, um matemático e o grão-duque de Florença) a dar uma espiadela pelo telescópio e observar as luas de Júpiter, o que comprovaria sua tese de que o sistema ptolomaico não era completo. Eles preferem agarrar-se a suas velhas crenças.

Foi essa a imagem que me veio à cabeça ao terminar “Enlightenment Now” (iluminismo já), o novo livro de Steven Pinker. O autor exibe dezenas de gráficos que mostram que, ao longo dos últimos séculos e décadas, a vida dos humanos melhorou (e muito) em praticamente todos os aspectos que podemos mensurar, mas é como se as pessoas se recusassem a vê-los e, agarrando-se a seus vieses, falam e agem como se vivêssemos num mundo que corre para o abismo.

O livro é muito bom e seu ponto forte são justamente os capítulos em que Pinker dá detalhes de como a humanidade experimentou melhorias expressivas na expectativa de vida, na saúde, na alimentação, no acesso a bens, na equalização de direitos, na democracia, na segurança e até na felicidade e na inteligência.

Especialistas poderão apontar problemas metodológicos que afetem um ou outro ponto levantado por Pinker, mas me parece improvável que derrubem tudo. Estamos aqui lidando com “hard data”, e o mundo efetivamente se tornou um lugar melhor. Também me parece correto afirmar, como faz o autor, que o avanço das ciências e de ideais que poderíamos genericamente chamar de iluministas e humanistas têm algo a ver com isso.

Pinker não se sai tão bem quando procura identificar as forças responsáveis pela cultura de pessimismo e se lança numa cruzada algo maniqueísta —e por vezes histriônica— contra as humanidades, o populismo, o romantismo, a esquerda, a direita, a imprensa e até contra o pobre Nietzsche.

Merval Pereira: Desvios políticos

- O Globo

Assassinato de Marielle exacerba radicalismos. O brutal assassinato da vereadora Marielle Franco está exacerbando a radicalização política, levando a que direita e esquerda, categorias políticas consideradas à beira da extinção que um mundo pós-moderno tensionado pelos fundamentalismos e preconceitos ressuscitou, mostrem suas faces perversas.

Historicamente, vemos que essa divisão no Rio tem levado governantes ligados à esquerda e à direita a tomarem atitudes, ou deixarem de tomá-las, em relação ao tráfico de drogas e às milícias de acordo com sua ideologia política, permitindo que a situação de descontrole chegasse ao ponto em que estamos.

De um lado, acusações nem sempre anônimas, como é o caso da desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, lançam sobre a vereadora assassinada insinuações de ligações com o tráfico de drogas e facções criminosas. O melhor exemplo desse estado de coisas é o silêncio do deputado federal Jair Bolsonaro, um dos favoritos na eleição para presidente da República.

Um assessor explicou que o que ele gostaria de dizer seria polêmico, então prefere silenciar por enquanto. Mas mandou um filho seu retirar do Facebook uma mensagem de pêsames para a família da vítima. Para quem considera que “bandido bom é bandido morto”, é possível imaginar sem erro o que Bolsonaro gostaria de dizer. E é certo que ele aguarda a confirmação das teorias que ligam a vereadora Marielle a traficantes e facções criminosas para se pronunciar. Como se esse fato, se confirmado, justificasse a barbárie.

Eliane Cantanhêde: Cartada final do STF

- O Estado de S.Paulo

Ministros discutem solução engenhosa e complexa contra a prisão de Lula

Avançam as articulações de ministros do Supremo para, em tratativas com a defesa do ex-presidente Lula, acabar com a prisão após condenação em segunda instância e mudar os rumos da Lava Jato. Como a presidente Cármen Lúcia mantém firmemente sua palavra de não colocar a questão em pauta, a solução que emerge é criativa e sofisticada.

Habeas corpus (HC) só pode ser posto “em pauta” pela presidência ou “em mesa” por um deles, o que já não é usual, mas embargos de declaração em liminares podem ir ao plenário e os ministros foram buscar uma liminar de outubro de 2016 para ancorar toda a estratégia: justamente a liminar que permitiu a prisão após a segunda instância, confirmada pelo plenário em dezembro daquele ano por 6 a 5.

A defesa de Lula descobriu, e soprou aos ouvidos de ministros, que o acórdão da liminar nunca tinha sido publicado e isso abria uma brecha para a revisão. Ora, ora, o acórdão acaba de ser publicado agora, em 7 de março, abrindo prazo de cinco dias úteis para a apresentação de recursos. E, ora, ora, o Instituto Ibero Americano de Direito Público entrou com embargo de declaração no último dia do prazo, 14 de março, quarta-feira passada.

Um embargo de declaração numa liminar de um ano e meio atrás, que gerou dois meses depois uma decisão em plenário? Tudo soa muito estranho, muito nebuloso, mas faz um sentido enorme para aqueles que articulam o fim da prisão em segunda instância não apenas para Lula, mas para todos os poderosos que estão ou estarão no mesmo caso.

Elio Gaspari: Marielle, Manuel Fiel e Riocentro

- O Globo

Execução é recado da bandidagem a Braga Netto. Só as investigações poderão dizer quem armou os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Pedro Gomes. O crime aconteceu 26 dias depois do “lance de mestre” de Michel Temer, decretando intervenção federal na Segurança do Rio de Janeiro.

Um dia antes de sua execução, Marielle denunciou o assassinato de Matheus Melo, um jovem trabalhador que saíra da igreja, deixara a namorada em casa e ia para o Jacarezinho, onde vivia: “Chega de matarem a nossa gente”, escreveu Marielle. A família de Matheus acusa uma patrulha da PM de ter atirado nele.

A execução da vereadora revela que os criminosos mandaram um sinal ao governo e à sociedade, demarcando a extensão de seu poder: Aqui a gente manda e mata. Quando delinquentes se julgam protegidos pela anarquia e, sobretudo, pela desorientação e derretimento da autoridade, esse é um desdobramento natural da crise.

O presidente Michel Temer preferiu o “lance de mestre” da intervenção federal na Segurança do Rio a uma natural intervenção ampla e desmilitarizada no governo de Luiz Fernando Pezão e do PMDB. Dois episódios de demarcação de território ocorridos com chefes militares merecem ser lembrados.

1976: GEISEL MOSTRA QUEM MANDA
Na noite de 18 de janeiro de 1976, na hora do “Fantástico”, o governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins, telefonou para o presidente Ernesto Geisel:

— Desculpe incomodá-lo. Morreu outro preso no DOI. Outro enforcamento.

— Paulo, não tome providência nenhuma. Você terá notícias minhas.

Morrera no DOI do II Exército o metalúrgico Manuel Fiel Filho. Três meses antes, haviam matado o jornalista Vladimir Herzog no mesmo DOI.

Enquanto viveu, o general Geisel esteve convencido de que a morte de Fiel foi um desafio direto à sua autoridade. Em pouco tempo ele decidiu demitir o comandante da guarnição de São Paulo. Passou a noite sem dormir, pensando nas consequências. Não consultou ninguém e, na manhã seguinte, o general estava fora do comando.

Se alguém queria demarcar autoridade, a linha estava traçada.

Vera Magalhães: Farinha pouca

- O Estado de S.Paulo

Pouco dinheiro faz partidos reverem candidaturas majoritárias em 2018

Não é só a tendência de aglutinação de blocos políticos segundo afinidade ideológica e programática que deve determinar um enxugamento do quadro inicial de pré-candidatos a presidente.

Existe um movimento menos visível, mas bastante palpável no interior dos partidos, por parte dos candidatos a deputado, que veem na ideia de lançar candidatos majoritários pouco viáveis eleitoralmente um gasto desnecessário de recursos financeiros – artigo de luxo numa eleição sem financiamento empresarial de campanhas.

Escapam da patrulha do baixo clero aqueles postulantes que injetarão recursos próprios nas candidaturas, como João Amoêdo, do Novo, ou o empresário Flávio Rocha, que ainda flerta com várias legendas e esboça pular na água fria da política – algo que outros com seu perfil já desistiram de fazer, como o apresentador Luciano Huck.

Vigora na urdidura das candidaturas pelos partidos o velho ditado que diz que farinha pouca, meu pirão primeiro.

A necessidade de usar o fundo partidário e o recém-criado fundo eleitoral para engordar a bancada na Câmara dos Deputados foi um dos fatores, por exemplo, que levaram Gilberto Kassab, o mais pragmático dos “cartolas" partidários, a desistir de vez de lançar Henrique Meirelles à Presidência.

Para o PSD, vigora o cálculo segundo o qual quanto mais deputados, maior o dinheiro futuro para custear o próprio partido. E, assim, aumenta seu cacife político qualquer que seja o governo eleito.

Sem candidatos majoritários nas principais praças – a aliança com os tucanos se repetirá em São Paulo, e em Minas, segundo colégio, o PSD já se associou a Márcio Lacerda –, sobra mais dinheiro para a disputa Legislativo.

Bruno Boghossian: Palanque instável

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- Folha de S. Paulo

Episódio revela desafio do tucano para montar palanques fortes em sua campanha

A disputa que pode definir o candidato do PSDB ao governo paulista, neste domingo (18), rompe um impasse elementar na montagem de palanques para Geraldo Alckmin na corrida presidencial. A conduta vacilante do tucano nas articulações, porém, revela um equilíbrioinstável, com possíveis efeitos colaterais sobre sua campanha.

Alckmin adotou comportamento dúbio nas tratativas sobre sua sucessão. Dizia ser fundamental que seu campo político tivesse um único candidato, mas foi tão tímido nas negociações que acabou permitindo uma divisão. Tanto o vice-governador Márcio França (PSB) quanto o prefeito João Doria (PSDB) devem concorrer sob sua bandeira.

A bifurcação tende a consumir parte do capital político que Alckmin preservaria se pudesse apostar em um único cavalo. Com dois apadrinhados na praça, o tucano precisará dividir atenções e fazer acenos constantes a dois adversários —de quem espera indiscutível empenho a favor de sua própria campanha.

A divisão do palanque provoca desgastes inevitáveis. Para fazer gestos de apoio a França (que controlará a máquina do governo estadual quando Alckmin deixar o cargo), o tucano estimulou indiretamente deserções nas fileiras do PSDB para beneficiar seu vice, reduzindo o poder que a sigla emprestará a Doria.

Carlos Pereira: Quando o feitiço acaba?

- Folha de S. Paulo

Como uma condenação afeta a intenção de voto

Já existe informação suficiente do malfeito cometido. Não faltam evidências ou mesmo provas do envolvimento em esquemas de corrupção. Há até mesmo condenações judiciais em primeira e segunda instâncias. Ainda assim, uma grande parcela dos eleitores e dos partidos aliados históricos do PT não consegue se livrar do "feitiço" do ex-presidente Lula.

Votar em políticos reconhecidamente corruptos não é um fenômeno particular do Brasil. Os exemplos existem, inclusive, em democracias avançadas. Por que pessoas continuam a votar em políticos desonestos, até mesmo naqueles já condenados pela Justiça? O que justifica esse comportamento aparentemente irracional?

É lógico esperar que o malfeito cometido por um político, uma vez revelado, leve os eleitores a penalizar comportamentos desviantes, a votar em políticos honestos. E isso de fato se confirma em certa medida: em pesquisa feita com Marcus André Melo (Universidade Federal de Pernambuco), publicada em 2015 no periódico acadêmico Latin American Politics and Society, demonstramos que prefeitos com contas rejeitadas pelos tribunais de contas têm chances 30% menores de reeleição.

No entanto, testemunhamos rotineiramente na história das democracias a eleição e reeleição de políticos corruptos, mesmo quando os cidadãos são informados sobre sua improbidade.

Essa constatação desafia a expectativa de que informação é ferramenta suficiente no cálculo da escolha de bons representantes. O que conta, então, na decisão aparentemente irracional de eleger políticos sabidamente desonestos?

Uma explicação possível é a oferta de bens materiais ou mesmo de bens públicos por governantes acusados de corrupção. Conforme demonstrado na pesquisa mencionada, o efeito negativo da rejeição das contas tende a diminuir quando a oferta de bens públicos aumenta --e não necessariamente por meio de desvio de recursos e pagamento de propinas, mas com a implementação de políticas públicas que levam à diminuição da pobreza e da desigualdade social, por exemplo.

A psicologia política tem oferecido ferramentas complementares para explicar o aparente paradoxo da existência de políticos que são, ao mesmo tempo, corruptos e populares. A conclusão é que eleitores podem tolerar comportamentos desonestos quando compartilham das preferências ideológicas dos candidatos.

Luiz Carlos Azedo: Falsa contradição

- Correio Braziliense

A tentativa de transformar o caso Marielle numa bandeira partidária e eleitoral está fadada ao fracasso, ainda que empolgue e mobilize setores da classe média e da juventude

Por causa dos 20 anos de ditadura militar, estabeleceu-se uma falsa contradição entre as políticas de segurança pública, contaminadas por métodos violentos e ilegais herdados da repressão à oposição ao regime, e a defesa dos direitos humanos, bandeira empunhada pelos antigos oposicionistas até como uma forma de sobrevivência. Incorporados à Constituição de 1988, de certa forma, esses direitos passaram a ter mais centralidade na atuação das antigas forças oposicionistas do que a defesa das instituições políticas que efetivamente garantiram a redemocratização do país, entre as quais se destacou o Congresso.

A violência generalizada e o colapso da segurança pública no Rio de Janeiro, em parte, é fruto do imbricamento dessa contradição com a corrupção em sucessivos governos e na Assembleia Legislativa fluminense, assim como no Tribunal de Contas do Estado. E não se sabe, ainda, se chegou às entranhas do Judiciário local. Afinal, desde a eleição de Leonel Brizola (PDT), em 1982, foram as antigas forças de oposição que governaram o Rio de Janeiro, ou seja, governos do PDT, do PSDB, do PT e do PMDB.

O fato é que o sistema de poder que controla o Estado foi progressivamente tomado de assalto por políticos e empresários corruptos, a partir de um bunker instalado na Assembleia Legislativa; por sua vez, permitiu-se que o crime organizado se enraizasse no sistema de segurança e se fez vista grossa à ocupação de “territórios” pelo tráfico de drogas, sobretudo nas favelas, e pelas milícias, nos subúrbios. A tentativa de retomá-los pelo Estado, sob a liderança do delegado federal José Mariano Beltrame, com as unidades de pacificação, por ironia e contra seus objetivos, fracassou em decorrência do grau de contaminação do aparelho de Estado, sem embargo da discussão sobre essa política em si.

Cacá Diegues: Em nome da paz

- O Globo

No final de meu artigo de domingo passado, falando da segurança pública no Rio de Janeiro, citei o pensamento de um secretário estadual recente que dizia o seguinte: “As UPPs foram uma tentativa ousada demais (...) e talvez estejamos pagando um preço caro por essa tentativa de levar a paz a todas as áreas, inclusive as mais carentes”. Quer dizer que não merecemos nada que seja superior à nossa carência, à nossa insignificância como povo e nação. A paz com que sonhamos não é para o nosso bico. Era isso o que o secretário queria nos dizer?

Pois Marielle Franco morreu porque acreditava naquele sonho e lutava por ele. Morreu nas muito prováveis mãos de carrascos bem pagos, que nos queriam oferecer seu assassinato como lição, uma luz saindo de dentro de um cano de pistola para o escuro de sua irresistível rebeldia. Uma luz em direção à paz para todos, a paz que Marielle deve ter sempre desejado conquistar.

Não conheci Marielle pessoalmente, votei nela para vereadora por sugestão de minha filha Flora, que me explicou quem era. Mulher, negra, favelada, homossexual, culta, politicamente ligada às minorias que sabem pelo que batalhar em benefício da maioria. Não é necessário tê-la conhecido pessoalmente para perceber que Marielle era uma nova líder de novas ideias, produzidas por uma seção do povo brasileiro, que quase nunca se manifesta organizadamente em relação a seu próprio futuro. Que mal construíra a utopia desse futuro a que sempre teve direito e pelo qual precisava lutar.

Vou ajudar a Polícia Civil, encarregada de descobrir o assassino de nossa heroína, a encontrar o bandido que matou Marielle. Podemos começar por Dom João VI, que criou nossa primeira polícia, assim que chegou ao Rio de Janeiro, em 1808, para proteger sua Corte dos brasileiros folgados e boçais, os negrinhos que sujavam suas calçadas de merda e sangue. Na lista de suspeitos, lembremos também do neto e da bisneta do príncipe português. Quando a Princesa Isabel, sob as ordens de Dom Pedro II, seu pai, promulgou, em 1888, a Lei Áurea, os latifundiários donos do país já sabiam, pelo andar da carruagem, que isso estava mesmo por acontecer e já haviam tomado as devidas providências.

Vinicius Torres Freire: Viagem pelo rio das mortes

- Folha de S. Paulo

Jornalista zanza pelo Rio sob intervenção e não vê nenhuma patrulha

Estive no Rio na semana passada. Não vi PM ou militar das Forças Armadas na rua. Nenhum. Caminhei pela praia do Flamengo e zanzei em torno do Museu do Amanhã, lugares que juntam muita gente. Andei nas redondezas de Petrobras, Lapa, BNDES, centro antigo, Confeitaria Colombo. Nenhum PM.

Caminhei pelas Laranjeiras, do intenso largo do Machado à paz do parque Guinle; estive na praça São Salvador, com seu coreto, roda de choro, fonte, feirinha e bares, com noites lotadas de jovens. Lá, faz 11 dias, duas pessoas foram mortas a tiro. Nenhum PM.

Não é, claro, uma avaliação de entendedor, mas a observação de um curioso engajado que queria ver as ruas do Rio sob a intervenção na segurança. Nenhum PM.

Pode ser que o restante da tropa e suas carroças estejam mobilizados nas zonas de guerra. Mas o Rio é uma cidade sob intervenção excepcional na segurança, certo? Cadê? Essa operação até sexta (16) não tinha orçamento. Não se conhecem seus objetivos e planos, apenas as ações de sítio de bairros pobres.

Isto posto, qual a evidência da crise aguda? A taxa de homicídios no Rio caíra entre 2002 e 2012, de 55 para 29 mortes por 100 mil habitantes. Voltou a 40, um horror, quatro vezes a de São Paulo. Mas a incidência de homicídios de agora não difere daquela do biênio 2009-10, quando a cidade e o país viviam euforia oca.

Há decerto alguns dados e a impressão fortíssima de que a anarquia violenta piorou nos bairros pobres, se esparramou para avenidas maiores e leva o transporte de mercadorias e a prestação de serviços públicos ao colapso.

O que especialistas têm a dizer sobre uma situação que parece remediável, na superfície, e cronicamente inviável, no fundo?

Ricardo Noblat: Governo teme novos crimes políticos

- Blog do Noblat

Morte de Marielle foi resposta do crime à intervenção no Rio

Dizer, por enquanto, nenhuma autoridade diz para não produzir uma eventual onda de pânico.

Mas várias delas, sob a condição de não terem seus nomes revelados, admitem que o governo teme a ocorrência de novos crimes políticos na esteira do que custou a vida da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ).

“Cada um, não só no Rio, mas também fora dali, que crie seu próprio estado de exceção”, ouvi de uma delas, ontem.

O alvo são ativistas políticos que defendem os direitos humanos.

A morte de Marielle está sendo considerada pelo governo como uma clara resposta à intervenção federal no Rio.

Pela primeira vez, segundo o raciocínio oficial, o crime organizado sente-se desafiado e não gosta nem um pouco do que vê.

O tráfico de drogas e as organizações paramilitares (milícias) não contavam com mudanças tão radicais na cúpula da segurança pública do Rio. E as mudanças apenas começaram.

Assim, a morte de Marielle seria o primeiro e forte sinal do que poderá vir por aí.

Lula e a História: Editorial | O Estado de S. Paulo

Chama-se apropriadamente A Verdade Vencerá o livro que Lula da Silva assina e com o qual anuncia, como costumam fazer os espíritos autoritários, sua pretensão de ser julgado somente pelo tribunal da História. É o que lhe resta, já que, nos tribunais em que valem as leis do País, o ex-presidente foi condenado por corrupção e sentenciado a mais de 12 anos de prisão – isto em apenas um dos vários processos aos quais ele responde.

Nesse tribunal da História ao qual Lula está a recorrer, as leis não contam, e sim a narrativa. E de construir narrativas o demiurgo de Garanhuns entende como poucos, tendo sido capaz de elaborar, para seus embasbacados adoradores, uma imagem de herói da ética e de campeão do povo, mesmo tendo protagonizado os maiores escândalos de corrupção da história nacional e mesmo tendo sido o grande responsável pela catastrófica Presidência de Dilma Rousseff, sob a qual os pobres tanto padeceram.

A construção histórica de Lula inclui absolvê-lo mesmo que se reconheçam seus crimes, como fez recentemente, em entrevista ao Valor, o ativista argentino Adolfo Pérez Esquivel – para quem, afinal, “não somos uma sociedade de anjos, mas de homens e mulheres com virtudes e defeitos”, e “todos os governos podem cometer erros”, mas “o importante é ver os aportes que fazem a seu povo”. Ou seja, é a legitimação do bom ladrão e do bom selvagem como arquétipos de estadistas. Já que Lula provavelmente não poderá concorrer à Presidência por ser oficialmente ficha-suja, Esquivel acha – a sério – que o petista poderá ao menos concorrer ao Prêmio Nobel da Paz. É a atração dos semelhantes, que isso também existe.

A democracia de Putin: Editorial | Folha de S. Paulo

Em eleição pouco competitiva, presidente russo deve obter seu quarto mandato neste domingo

Na teoria, uma eleição presidencial em que o atual ocupante do cargo disputa com outros sete candidatos sem restrições a fazer campanha é sinal de vitalidade democrática. Na prática, fala-se aqui da Rússia, o que põe sob suspeição tal pressuposto.

Vladimir Putin deve ser conduzido neste domingo (18) a um quarto mandato e uma segunda reeleição (mais quatro anos como primeiro-ministro). As pesquisas lhe dão mais de 60% dos votos; nenhum adversário deve superar 10%.

Não se questiona a autenticidade da expressiva preferência pelo mandatário. Ele detém mais de 80% de popularidade, muito em razão de sua abordagem agressiva contra o Ocidente, eficaz para reavivar o orgulho pátrio dos russos. Quaisquer que fossem seus concorrentes, provavelmente sairia vencedor da mesma maneira.

Pesa contra o processo eleitoral, na verdade, a real natureza das demais candidaturas. Há entre os postulantes figuras próximas ao presidente --que, para críticos do governo, estariam no páreo apenas para conferir um verniz de legitimidade à votação.

Sem a reforma, governadores padecem com Previdência: Editorial | O Globo

As mudanças foram adiadas, à espera do novo governo, mas a situação continua difícil em estados e grandes municípios, que não emitem títulos como a União

Frustrada a tentativa de aprovar uma reforma da Previdência com Michel Temer, o assunto foi engavetado à espera do novo governo. Enquanto isso, a questão evolui, e para pior. Há, é certo, uma tendência definida de retomada do crescimento econômico, que já se reflete no aumento da arrecadação.

Mas não se pode deixar enganar: o desequilíbrio estrutural do sistema é tão sério que a melhoria na arrecadação tributária pode apenas adiar a debacle inexorável. Afinal, no âmbito do INSS, no chamado regime geral, onde estão os assalariados do setor privado, continuam as aposentadorias na faixa abaixo dos 60 anos de idade, com uma sobrevida dos beneficiários estimada em acima de 80. Os déficits, portanto, vão às nuvens. No ano passado, o rombo do INSS foi de R$182,4 bilhões, crescendo de 2,4% do PIB em 2016, para 2,8%.

No funcionalismo federal, por sua vez, foi de R$ 86,3 bilhões, mas causado por um milhão de aposentados, enquanto estão no INSS 30 milhões de pessoas. Somados todos os regimes de seguridade, as despesas chegam a 10% do PIB, algo como o Japão, um país rico e onde a população tem uma idade média muito superior à brasileira. O Brasil está fora do prumo.

Reformas para o crescimento: Editorial | O Estado de S. Paulo

É consenso que, para avançar no caminho do desenvolvimento econômico e social, o País precisa realizar reformas estruturais. Um recente estudo do Banco Mundial sobre o Brasil – Emprego e Crescimento: A Agenda da Produtividade – pode ser muito útil na identificação dos atuais gargalos do crescimento da renda e do emprego no País. “No cerne da produtividade baixa e estagnada do Brasil existe um sistema econômico que desestimula a concorrência e incentiva a ineficiência e a alocação inadequada de recursos”, diz o estudo.

O Banco Mundial reconhece que o Brasil tem amplas condições de crescimento. O País possui abundantes recursos naturais, uma força de trabalho cada vez mais capacitada e empresas de ponta em diversos setores, como, por exemplo, o agronegócio, a aeronáutica e a extração de petróleo. No entanto, o relatório avalia que os seus ativos estão sendo mal utilizados. A produtividade brasileira é muito baixa. Se ela fosse similar à dos Estados Unidos, por exemplo, a renda per capita brasileira aumentaria 2,7 vezes.

O mau uso dos ativos não é fruto de uma suposta especialização do País em áreas equivocadas, diz o estudo, rebatendo a ideia de que o problema da produtividade nacional seria uma decorrência de decisões históricas erradas. Não é o fato de a atividade econômica estar orientada para alguns setores que a torna improdutiva. “O País é ineficiente na grande maioria das atividades que realiza”, diz o Banco Mundial.

Marcos Lisboa: Lição cara

- Folha de S. Paulo

Políticas econômicas do passado nos ensinam a ter mais cautela frente aos desafios do governo

O país pagou caro pelo experimentalismo do governo Dilma, com a disseminação dos créditos subsidiados, a tentativa fracassada de fortalecimento de algumas estatais e as intervenções setoriais desastradas.

A combinação explosiva de incompetência técnica com voluntarismo desenfreado contaminou a política monetária. O governo tentou controlar a inflação intervindo nas tarifas de transporte e nos preços dos combustíveis e da energia. A tese tinha a ligeireza das conversas de botequim: controla-se a inflação evitando-se o aumento dos custos.

Deu tudo errado. A inflação continuou alta e as medidas tiveram o dano colateral de fragilizar a Petrobras e as empresas de energia, prejudicando o investimento.

Não deveria surpreender. Afinal, ideias similares resultaram nos Planos Cruzado 2, Bresser e Collor. Não bastasse a folha corrida, decretaram que o Real fracassaria e que o Bolsa Família seria uma política liberal equivocada. Em junho de 2003, o manifesto “A Agenda Interditada” declarou que a política econômica levaria o país a Brasil “beco sem saída de estagnação e desemprego”.

Samuel Pessôa: Poupança e escolha

Para heterodoxos, poupança da China é alta porque o câmbio é artificialmente desvalorizado

O clássico "Teoria da Taxa de Juros", de Irving Fisher, para muitos o maior economista americano de seu tempo, estabeleceu os termos da teoria da formação da taxa de juros e da poupança.

A poupança -- deixar de consumir parte da renda que se tem -- envolve escolha entre o presente e o futuro. Essa escolha é influenciada pelas instituições de cada sociedade e pela percepção de risco dos indivíduos.

Sociedades em que a maior parte da população está em idade de trabalhar poupam mais do que sociedades envelhecidas ou com muitas crianças.

Também o desenho dos seguros públicos influencia as escolhas ao longo do tempo: em geral a poupança familiar é baixa em sociedades quando o sistema público garante aposentadoria com taxa de reposição próxima de 100% - -razão entre o benefício previdenciário e a renda na atividade.

Mario Vargas Llosa*: Novas inquisições

- O Estado de S.Paulo

Os que querem que a literatura seja inofensiva querem tornar a vida impossível de ser vivida

Tento ser otimista, lembrando diariamente, como sugeria Popper, que, apesar de o mundo estar tão mal, a humanidade nunca esteve tão bem como hoje. Mas confesso, esse otimismo a cada dia fica mais difícil. Se fosse um dissidente russo e crítico de Putin, morreria de medo de entrar em um restaurante ou em uma sorveteria e ingerir o veneno que ali estaria a minha espera.

Como peruano (e espanhol) o sobressalto não é menor com um presidente dos EUA como Donald Trump, irresponsável e terceiro-mundista que, a qualquer momento, pode desencadear com suas bravatas insanas uma guerra nuclear que extinguirá uma boa parte dos habitantes deste planeta. Mas o que mais me deixa desanimado ultimamente é a suspeita de que, da maneira que vão as coisas, não é impossível que a literatura, que melhor me tem defendido nesta vida contra o pessimismo, pode desaparecer.

A literatura sempre teve inimigos. A religião, no passado, foi a mais determinada a liquidá-la, estabelecendo censuras severíssimas e acendendo fogueiras para queimar escritores e editores que desafiavam a moral e a ortodoxia. Depois, foram os sistemas totalitários, o comunismo e o fascismo, que mantiveram viva essa sinistra tradição. Mas também as democracias, por razões morais e legais, proibiram livros. Mas, neste caso, foi possível resistir, lutar nos tribunais e, pouco a pouco, aquela guerra foi sendo vencida – pelo menos era o que se acreditava –, convencendo juízes e governantes que, se um país deseja ter uma literatura (e, em última instância, uma cultura), realmente criativa e de alto nível, é preciso tolerar no campo das ideias e formas dissidências, dissonâncias e excessos de toda classe.

Aliados históricos, DEM e PSDB podem se opor em 5 estados

Talita Fernandes, Daniel Carvalho | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Aliados históricos, DEM e PSDB podem se enfrentar em ao menos cinco estados na disputa pelos governos locais nas eleições de outubro deste ano.

O DEM já definiu que terá candidato em sete estados, entre eles Bahia, Minas, Distrito Federal, Mato Grosso e Goiás, e avalia candidaturas em outros lugares, como São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará.

Já o PSDB tem como meta lançar candidaturas próprias em 11, incluindo, assim como o DEM, nomes em Minas, Mato Grosso, DF, São Paulo e Rio.

O caso de Minas, que detém o segundo maior número de eleitores do Brasil, preocupa o governador de São Paulo e pré-candidato ao Planalto pelo PSDB, Geraldo Alckmin.

Os tucanos querem ter candidatura própria para o governo mineiro. Para isso, articulam para que o senador Antonio Anastasia (MG) aceite o apelo de tucanos para se candidatar ao cargo.

Eleito senador em 2014, ele tem mandato vigente até 2023, mas já avisou que aceita discutir sua candidatura ao cargo.

Anastasia governou Minas entre 2010 e 2014, sucedendo Aécio Neves (PSDB-MG).

No estado, o DEM deve lançar candidatura de Rodrigo Pacheco. Atualmente deputado federal pelo MDB, o mineiro está com malas prontas para se filiar ao Democratas nesta segunda (19). Termina do dia 7 de abril a janela partidária, período em que deputados ficam autorizados a mudar de legenda sem o risco de perderem os mandatos.

Temer decide disputar a reeleição e avisa aliados

Presidente afirmou a interlocutores estar disposto a defender legado na campanha e buscar novo mandato

Marcelo de Moraes | O Estado de S. Paulo.

O presidente Michel Temer afirmou a pelo menos três interlocutores estar decidido a buscar em outubro um novo mandato, informa o BR18, novo site de notícias do Grupo Estado com foco na eleição. Apesar da elevada rejeição apontada nas pesquisas, Temer entende que ninguém melhor do que ele será capaz de defender seu legado. Assessores entusiastas da reeleição avaliam que a recuperação da economia e outras medidas que o governo pretende adotar até o final deste atual mandato podem alavancar seus índices de aprovação. A tendência dentro do Planalto é de que essa decisão por enquanto não seja anunciada em caráter oficial porque, conforme a legislação, o presidente pode concorrer à reeleição sem ser obrigado a deixar o cargo em abril, como acontece, por exemplo, com governadores e ministros. Com isso, evita também a politização das futuras ações de seu governo.

O presidente Michel Temer já começou a avisar seus principais interlocutores que está disposto a disputar a reeleição presidencial, informa o BR18, novo site de notícias do Grupo Estado. Apesar dos baixos índices de aprovação do seu governo – 6% segundo o último levantamento do Instituto Ibope –, o presidente acha que ninguém melhor do que ele será capaz de defender seu legado e sua própria honra. Mesmo sabendo que esse patamar de popularidade é um obstáculo pesado para sua candidatura, Temer acha que poderá melhorar de situação com a confirmação da recuperação da economia e com outras medidas que pretende adotar até o final de seu mandato.

Temer não tem a pressão do calendário eleitoral, já que pela legislação ele não precisa deixar o cargo até abril para concorrer – como acontece, por exemplo, com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Este precisa, obrigatoriamente, deixar a pasta nos próximos dias se quiser concorrer ao Planalto. Por isso, Temer não tem pressa – pode decidir até julho – e vai esticar ao máximo o anúncio oficial de sua candidatura. Com isso, evita também a politização de todas as futuras ações de seu governo.

Quando assumiu o governo, Temer se comprometeu com os partidos aliados a não tentar uma eventual reeleição em troca da sustentação política. O problema é que o quadro que havia em 2016 mudou radicalmente, na sua avaliação. O senador tucano Aécio Neves (MG), que poderia ser um candidato em potencial em 2018, saiu do páreo depois das investigações abertas a partir do escândalo da J&F. Além disso, depois de ser central na formação do primeiro escalão de Temer, o PSDB passou a adotar tom crítico e se afastou do governo federal.

Alckmin. Temer também se considerou liberado de qualquer compromissos formal com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, depois de avaliar que o pré-candidato tucano não fez força para impedir que a bancada paulista do PSDB votasse a favor dos pedidos de seu afastamento.

Elza Soares: Vingança (Lupicínio Rodrigues)

Carlos Drummond de Andrade: Ainda que mal

Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.