Para protestar contra a ameaça de perder o auxílio-moradia de R$ 4.377 por mês, juízes marcam paralisação, mas movimento vira um retumbante fracasso. Menos mal. Eles já ganham salários de até R$ 33,7 mil
Tábata Viapiana | Revista IstoÉ
Qualquer movimento político, para dar certo, precisa de um mínimo de legitimidade. Do contrário, estará fadado ao fracasso. Este dia 15 de março ficará marcado como aquele em que uma das classes mais privilegiadas do país encenou uma pantomima na qual seus integrantes se apresentavam como explorados e vítimas. Para defender o recebimento de auxílio-moradia no valor de R$ 4.377 por mês, os juízes federais prometeram paralisar as atividades em todo o País nessa data. Felizmente, a grande maioria dos magistrados percebeu o ridículo o qual estava exposto e não aderiu à greve da categoria. Em alguns estados e no Distrito Federal, porém, a paralisação aconteceu e trouxe prejuízos à sociedade, com audiências canceladas e processos atrasados, conferindo ainda maior morosidade à Justiça, que, apesar de lenta, é muito bem paga.
Enquanto a renda média do brasileiro é de R$ 1.226 por mês, os juízes federais e do Trabalho estão insatisfeitos com salários que variam de R$ 27 mil a R$ 33,7 mil. Além de ocuparem um confortável lugar no topo da pirâmide social, os magistrados ainda recebem inúmeros benefícios, tais como auxílios-moradia, pré-escolar, de saúde, e de alimentação. Mesmo com tantas benesses, a categoria decidiu promover a greve com o objetivo de manter privilégios que não se justificam mais. Ao todo, mais de 17 mil juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores recebem auxílio-moradia de R$ 4.377 por mês. Sozinho, esse valor é superior à renda de 90% da população. Apesar de estar previsto em lei, o benefício tem sido questionado sob aspectos éticos e morais.
Mesmo com a morte da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL), em uma possível execução que comoveu e revoltou o País, os magistrados mantiveram a paralisação num gesto completamente fora da realidade. Eles realizaram atos públicos em cidades como Brasília, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro pela manutenção das regalias. Alguns juízes do Trabalho também aderiram ao movimento. Procuradores do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Trabalho apoiaram os atos, mas não suspenderam as atividades. A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) informou que a Justiça Federal funcionaria em regime de plantão. Serviços urgentes e processos de réus presos, decretação de prisão, busca e apreensão e condução coercitiva continuariam a ser despachados. Mas os serviços foram prejudicados em pelo menos cinco estados, com suspensão de prazos e audiências adiadas: Pará, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul, além do Distrito Federal. Em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Tocantins, Amazonas e Maranhão não houve paralisação. A grande maioria dos juízes declarou apoio ao movimento, mas sem suspender os trabalhos. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), a maior da categoria, não aderiu, enfraquecendo o movimento.
Um levantamento da Consultoria Legislativa do Senado apontou que o auxílio-moradia é pago a 14.882 juízes, 2.381 desembargadores e 88 ministros de cortes superiores. Também recebem o benefício 10.687 promotores dos Ministérios Públicos estaduais, 2.390 procuradores do Ministério Público da União, 553 conselheiros dos tribunais de contas e nove ministros do Tribunal de Contas da União. Recentemente, veio a público a grande quantidade de juízes que recebem auxílio-moradia mesmo possuindo imóveis próprios nas cidades em que trabalham. Na cidade de São Paulo, há casos absurdos, como o do desembargador José Antônio de Paula Santos Neto, que tem em seu nome 60 imóveis e, mesmo assim, recebe auxílio-moradia. São raros os casos de juízes que abrem mão do benefício. Um exemplo é o de Celso Fernando Karsburg, do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região, que não recebe o recurso por considerá-lo “imoral e antiético”.
A população não tolera mais privilégios. Mas os juízes caminham na direção oposta. Por ora, se agarram em uma liminar concedida em 2014 pelo ministro Luiz Fux para receber o auxílio-moradia. A ONG Contas Abertas estima que, desde que a liminar foi proferida, os gastos chegaram a R$ 5,4 bilhões. O caso será discutido no Plenário do Supremo Tribunal Federal no dia 22. A expectativa é de que o benefício seja melhor regulamentado, afinal, trata-se de dinheiro público.
O artigo 65 da Lei Orgânica da Magistratura, datada de 1979, prevê que o benefício seja pago “nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado”. Mas, para o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, o auxílio-moradia acabou se tornando um aumento de salário disfarçado.
Os juízes falam que a tentativa de corte do auxílio é uma “retaliação” ao trabalho desempenhado na Lava Jato. “A perseguição à magistratura é similar à que ocorreu depois da Operação Mãos Limpas, na Itália dos anos 90, quando foram aprovadas medidas como punição aos juízes”, disse Roberto Veloso, presidente da Ajufe. Ele alega que a magistratura sofre hoje uma defasagem de 40%. A sociedade já demonstrou, contudo, que deseja, sim, é o bom uso dos recursos públicos, sem margem para privilégios de qualquer natureza.
Colaborou: Alan Rodrigues
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