O País passou os últimos dias a estudar avidamente os movimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de antecipar seu comportamento diante do caso envolvendo a condenação do ex-presidente Lula da Silva. Muito se especulou, por exemplo, sobre uma eventual decisão da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, que poderia colocar em pauta ações a respeito da prisão após condenação em segunda instância. Como a ministra não fez isso, surgiu a hipótese de que algum ministro pudesse trazer o tema à tona, sem a necessidade de aval da presidente da Corte. Tenha o desfecho que tiver, esse caso é significativo do caráter lotérico que o Judiciário assumiu em tempos recentes. Não tem sido possível antecipar julgamentos ou decisões importantes dos tribunais, especialmente do Supremo, em razão do comportamento errático de alguns dos magistrados.
Em situações de normalidade institucional, não haveria dúvida sobre o caso do sr. Lula da Silva. O Supremo Tribunal Federal contrariou a jurisprudência para permitir a possibilidade do início da execução penal após condenação em segunda instância, caso do ex-presidente. A mais recente decisão nesse sentido, tomada em outubro de 2016, concluiu que a condenação em segunda instância encerrava a presunção de inocência, que é o que se pretende proteger até o chamado “trânsito em julgado”, ou seja, quando todos os recursos possíveis para contestar a condenação se esgotam. No processo de Lula, a culpa já foi estabelecida, não cabendo dar-lhe mais chances de obter a revisão da decisão, restando à defesa contestar apenas questões de direito.
No entanto, brotam do noticiário sobre os bastidores do Supremo rumores sobre a disposição deste ou daquele ministro de retomar o assunto por meio de manobras regimentais. É como se as decisões anteriores da Corte não tivessem valor nenhum, a depender do personagem que pode ganhar ou perder com uma eventual revisão da jurisprudência.
Essa situação não se construiu da noite para o dia. Trata-se de um processo cujo ápice foi atingido com as revelações da Operação Lava Jato. Com a crescente desmoralização da classe política, magistrados sentiram-se, indevidamente, com o poder – e até o dever – de assumir o papel de legisladores e de políticos, com a vantagem de estarem, como achavam, acima de qualquer suspeita. O fato de esses juízes não terem recebido um único voto popular para desempenhar essas tarefas parece ter se tornado irrelevante. Fizeram-se representantes da soberania – e ponto final.
Assim, há ministros do STF que pensam estar lá não para garantir que a Constituição seja preservada, mas para atuar politicamente, fazendo prevalecer em suas decisões, muitas vezes monocráticas, um ativismo cujo óbvio resultado é a insegurança jurídica. Já se disse que o Supremo se tornou um arquipélago de juízes, que não raro se dedicam a hostilizar-se mutuamente. Não se trata de confronto doutrinário sobre o direito, o que seria muito saudável, mas sim sobre picuinhas pessoais e divergências políticas – matéria farta para fuxicos de bastidores, mas nociva para a vida institucional do País.
Disso tudo resulta que ninguém sabe o que esperar do STF a respeito nem das pequenas nem das grandes questões. A sorte da lei fica a depender do ministro a quem couber a relatoria do processo, a apreciação de um pedido de liminar ou o desempate de uma votação. Assim, pode até ser que a última decisão do próprio Supremo seja levada em conta e Lula da Silva seja tratado como qualquer outro cidadão nas mesmas condições, mas isso não é garantido.
Essa aleatoriedade anima os que julgam ter poder de pressionar os magistrados a reverter decisões desfavoráveis, seja no Congresso, a exemplo do que frequentemente fazem os partidos inconformados com derrotas em votações, seja em instâncias judiciais inferiores, caso do igualmente inconformado Lula da Silva. Ao se permitirem fazer política, seja em nome do que for, alguns ministros transformaram o Supremo em caixa-preta. Resta ao País tentar adivinhar seu conteúdo.
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