terça-feira, 1 de setembro de 2015

Merval Pereira - Nunca antes

- O Globo

Dilma pede ajuda e admite publicamente falência governamental. Nada como uma grande dificuldade para estimular a ação dos que estavam inertes diante dos problemas. O governo acena agora com um grande plano de reformas estruturais a ser apresentado até o fim do ano, enquanto tenta descobrir uma saída para o déficit orçamentário que oficialmente acontecerá no próximo ano, se não houver uma solução negociada com o Congresso.

A presidente Dilma está pedindo aos deputados e senadores de sua antiga base política ( a nova, ninguém sabe qual é, e se existe) que ajudem a encontrar maneiras de fechar o buraco de R$ 30 bilhões do Orçamento que enviou ao Congresso, criando uma situação inédita de admissão pública de falência governamental.

A ideia brilhante de colocar os parlamentares contra a parede, enfiando- lhes um déficit orçamentário goela adentro, deve ter saído da cachola de algum sábio neófito nas lides com o Congresso. Só um desses assessores desavisados que transitam em torno da presidente poderia tê- la convencido de que, agindo assim, conseguiria apoio político para aumentar impostos, quem sabe até mesmo aprovar a volta da CPMF.

Só que, como dizia Ulysses Guimarães, de bobo ali não tem ninguém, o mais bobo ficou na suplência. Será uma tarefa impossível pedir que os congressistas encontrem uma saída para equilibrar as contas, tanto que o vice Michel Temer anunciou ontem mesmo: não há possibilidade de aumentar impostos, é preciso cortar gastos do governo.

Essa admissão oficial de que não temos condições de pagar nossas dívidas, que nunca antes neste país acontecera, certamente trará consequências graves para o país, que no limite devem chegar à perda do grau de investimento dado pelas agências de risco internacionais.

O PT está à frente do governo central desde 2003, isto é, há quase 13 anos, e nada fez para realizar as reformas estruturais de que o país necessita. O próprio ex- presidente Lula assumiu o governo disposto a continuar na senda reformista do governo de FH, e logo no primeiro ano apresentou uma continuação da reforma previdenciária.

Conseguiu a duras penas, e só com o apoio da oposição, aprovar o fundo de pensão dos funcionários públicos, mas mesmo assim desistiu de regulamentálo diante da crise que enfrentou junto a uma de suas principais bases políticas, os sindicatos dos servidores públicos.

A Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo ( Funpresp- Exe), que será o regime de previdência complementar de servidores públicos civis, foi regulamentada por Dilma em 2013, dez anos, portanto, depois de sua aprovação no Congresso.

Lula desistiu das demais reformas, e Dilma nem chegou perto, tudo para não perderem suas bases. Como é que pretende o governo agora, no auge de sua impopularidade, apresentar um plano desses?

Mas, se não houver esse movimento, corremos o risco de sofrer como a Grécia, que só foi mexer na Previdência, ou na legislação trabalhista, depois que quebrou. O problema atual é que não temos um governo com capacidade de operacionalizar um movimento desse tipo, pois já não tem apoio político nem popular para enfrentar as reações que fatalmente virão.

A luta política que o governo Dilma tem que enfrentar é pela sua própria sobrevivência, como bem definiu seu ex- marido Carlos Araújo, que continua sendo o melhor intérprete da presidente Dilma, se não o único: “A agenda da Dilma é sair da crise”, admitiu em uma entrevista recente.

O momento em que a crise retira do governo toda sua capacidade de ação, a ponto de levá- lo a um ato de sincericídio como esse de admitir a incapacidade de organizar um Orçamento equilibrado, não é o mais adequado para assumir um projeto grandioso como o das reformas estruturantes de que o país precisa.

Essa tarefa será cumprida por outro governo, e encontrará o PT na oposição, tentando continuar a enganar o cidadão incauto.

Bernardo Mello Franco - Um bombeiro no Guanabara

- Folha de S. Paulo

O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, tenta atuar como bombeiro contra os incendiários do PMDB. Ele defende que o partido supere os atritos com o PT e garanta a sustentação do governo Dilma.

À frente de um dos Estados mais afetados pela crise, Pezão tem procurado parlamentares da sigla para pedir um armistício com o Planalto. Nessas conversas, repete que a instabilidade em Brasília tem agravado a crise econômica no resto do país.

"Sempre joguei a favor da governabilidade. Não dá para brincar com o país. O ambiente político ruim não ajuda em nada a recuperação da economia", afirma o peemedebista.

Segundo o governador, a ameaça de abertura de um processo de impeachment estaria levando empresas multinacionais a adiar negócios no Brasil. "Ninguém investe em um país se o presidente está correndo um risco desses", argumenta.

Pezão também critica a tentativa de reabrir a análise das contas da campanha presidencial de 2014. O pedido foi apresentado na semana passada pelo ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral.

"A democracia é um ativo importante do Brasil. Passou a eleição, temos que obedecer às urnas. Qualquer coisa diferente disso é muito ruim para o país", diz o governador.

Apesar do distanciamento entre Dilma e o vice Michel Temer, Pezão defende que o PMDB permaneça fiel ao governo. Em julho, ele declarou que "quem ajudou a eleger tem que ajudar a governar". Agora, pede moderação ao deputado Eduardo Cunha, também do PMDB do Rio. "Ele não pode levar os problemas dele para todo o Parlamento", adverte.

Assim como o presidente da Câmara, Pezão está na lista da Lava Jato. Ele foi acusado de participar de uma reunião no Palácio Guanabara para acertar repasses de empresas sob suspeita à campanha de Sérgio Cabral em 2010. O governador defende o aliado e nega envolvimento com caixa dois de campanha. "Entrei de gaiato nesse navio", afirma.

Luiz Carlos Azedo - No colo do Congresso

• Orçamento no vermelho é uma maneira de o Palácio do Planalto confrontar o Congresso, responsabilizando-o pelo fato de suas lideranças terem rejeitado a proposta de recriação da CPMF

- Correio Braziliense

A presidente Dilma Rousseff decidiu jogar no colo do Congresso o rombo nas contas públicas, ao encaminhar a proposta de Orçamento da União para 2016 com deficit de R$ 30,5 bilhões, o que representa 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Argumenta que a proposta é mais realista. Será?

Na verdade, se considerarmos as projeções feitas para a economia em 2016, a proposta é furada: o documento encaminhado ao Congresso prevê crescimento econômico de 0,2%, quando a maioria dos analistas já dá como certa que a recessão deste ano, estimada em 2,5%, deve se projetar para o ano que vem. A inflação estimada pelo governo também é falsa, pois nada garante que ficará em 5,4%, com o governo gastando mais do que arrecada.

O governo também faz projeções otimistas quanto a novas fontes de arrecadação, como o aumento do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que seria de R$ 11,2 bilhões, e a ampliação das concessões e vendas de imóveis, com a qual espera arrecadar mais R$ 37,3 bilhões.

Orçamento no vermelho é uma maneira de o Palácio do Planalto confrontar o Congresso, responsabilizando-o pelo fato de suas lideranças terem rejeitado no nascedouro a proposta de recriação do antigo imposto do cheque, a CPMF (Contribuição sobre Operações Financeiras).

Anunciada na quinta-feira, rejeitada pelo vice-presidente Michel Temer; pelos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL); e por lideranças empresariais, a proposta foi abortada pela presidente Dilma Rousseff, depois de uma reunião com seus ministros, no sábado.

Enquanto a criação de mais impostos ronda o Congresso, a proposta orçamentária não apresenta o corte de ministérios prometido pela presidente Dilma com pompa e circunstância. O ministro do Planejamento anunciou que o governo pretende cortar 10 pastas, o que reduziria para 29. Além disso, está sendo analisada a extinção de mil cargos comissionados.

Segundo Barbosa, a economia seria de “algumas centenas de milhões de reais”. A expectativa é de que o anúncio, a ser negociado com os partidos aliados, seja feito até o fim deste mês. A mudança nem de longe representa uma reforma administrativa de verdade, enxugando a máquina pública. É mais um factoide para dizer que o governo cortou na própria carne.

O governo não conseguiu fazer um ajuste fiscal, continuará gastando mais do que arrecada e ampliando a dívida pública. A consequência pode ser a temida perda do grau de investimento. Na verdade, uma parte do governo e o PT responsabilizam o ajuste fiscal pela recessão e o aumento do desemprego.

Essa lógica deve orientar a mobilização dos 13 petistas que compõem o ministério para uma maratona de viagens pelo país, de setembro a dezembro, mirando municípios com mais de 100 mil habitantes. Foram selecionadas 189 cidades. Nas mais importantes, a mobilização será liderada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nova distância
Enquanto não há luz no fim do túnel da economia, a situação política continua indefinida. O PMDB exibirá nesta semana uma série de inserções na TV na qual se reposicionará em relação ao governo. Um recado para a presidente Dilma está causando muito desconforto: “A verdade é sempre a melhor escolha”. O vice-presidente da República, Michel Temer; o ministro da Aviação, Eliseu Padilha; e o ex-ministro Moreira Franco protagonizam os filmetes.

Temer, que deixou a coordenação política do governo, sinaliza distância calculada do governo: “O Brasil sempre vai ser maior e mais importante do que qualquer governo. Esta é a verdade”. O vice-presidente fala novamente da necessidade de reunificar a sociedade.

No Palácio do Planalto, porém, a orientação é não passar recibo. Avalia-se que o PMDB não deixará o governo a curto prazo e que o acordo feito com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é robusto o suficiente para dar certa estabilidade à relação com o Congresso.

Esse acordo também tem garantido à presidente Dilma Rousseff um certo alívio em relação ao Tribunal de Contas da União (TCU). Dilma ganhou mais 15 dias para que responda a dois novos questionamentos sobre irregularidades nos gastos do governo de 2014. O prazo termina em 11 de setembro. Com isso, a previsão é que o julgamento das contas do governo ocorra apenas em outubro.

Mesmo que as contas venham a ser rejeitadas pelo TCU, recente liminar do ministro Luiz Barroso determinou que contas sejam examinadas em sessão do Congresso e não pela Câmara e pelo Senado, separadamente. Com isso, a iniciativa de pautar a matéria saiu das mãos de Eduardo Cunha para as de Calheiros, ou seja, o presidente do Senado pode matar no peito a apreciação das contas de 2014, jogando-as para as calendas.

Hélio Schwartsman - Produto em falta

- Folha de S. Paulo

A essa altura, a ideia mais próxima de um consenso social no Brasil é a de que devemos tomar as medidas necessárias para tornar a recessão tão breve quanto possível. As receitas para fazê-lo evidentemente variam segundo os interesses e as necessidades de cada segmento, mas parece impossível que se possa fugir de alguma combinação de muitos cortes de gastos com algum aumento de impostos.

Obviamente, é melhor tentar chegar a uma fórmula através de negociações políticas do que deixar que as forças de mercado procedam ao ajuste por conta própria, já que elas tendem a fazê-lo de modo mais desorganizado, o que cobraria mais sangue do que o estritamente necessário.

A dificuldade é que, para costurar um pacto, é preciso que existam lideranças políticas e, no momento, este é um produto em falta. O presidente da República, que seria a figura natural a quem recorrer em situações como essa, é Dilma Rousseff, que é a principal responsável pela crise –e isso não lhe confere muita credibilidade para liderar o processo. Para agravar o quadro, sempre que as coisas parecem melhorar um pouquinho para seu lado, ela comete um erro político que volta a alijá-la.

O ministro Joaquim Levy, que chegara a ser apontado como uma espécie de primeiro-ministro de Dilma, talvez por ser muito identificado com o setor financeiro e tendo sofrido algumas sabotagens palacianas, não conseguiu impor-se politicamente.

O vice Michel Temer por um momento também pareceu ser a figura em torno da qual seria possível articular uma saída, mas, justamente por isso, teve suas asinhas cortadas.

É sempre possível aguardar até que a solução política amadureça. O problema é que, quanto mais postergamos as medidas econômicas, mais prolongamos a crise. E o calendário é implacável. Mudanças mais significativas em impostos, por exemplo, precisam ser aprovadas ainda este ano, ou só poderão valer em 2017.

Raymundo Costa - A crise do governo é política e tem nome

• Dilma faz acordo com verbetes da Operação Lava-Jato

- Valor Econômico

A presidente Dilma Rousseff renunciou a parte de suas atribuições, ao jogar a batata quente do Orçamento de 2016 nas mãos do Congresso. Há quem diga até que a presidente, na verdade, abdicou. Nem tanto. Não há o menor perigo de o Congresso acertar nessa questão. Seria a consagração do orçamento impositivo. Nem deputados e senadores têm poderes legais para tanto. Eles não podem criar despesas, por exemplo. O erro de Dilma - outra vez - foi político. O projeto de lei do orçamento do próximo ano foi entregue sem a definição de uma política econômica e nenhuma conversa capaz de viabilizá-lo politicamente.

Alguma coisa agradou: não há como negar que a presidente entregou uma proposta com menos efeitos especiais. Pior seria se tivesse apresentado uma peça de ficção, grávida de receitas condicionadas, como já aconteceu outras vezes. Certamente há omissões que ainda não foram detectadas, como cerca de R$ 4,9 bilhões da Lei Kandir que o governo não nega que deve mas todos os anos ficam para o "pago quando puder".

Dizer que Dilma abdicou ou renunciou é um exagero. Mais certo é dizer que é seu o nome da crise. Dilma não maneja mais os cordéis da política. Ela bem que tentou, ao perceber as chamas do impeachment nas vestes, mas de maneira errática, sem resultado prático.

Até para os iniciados é difícil entender aonde a presidente quer chegar, quando afirma que vai recorrer aos empresários e movimentos sociais em busca de apoio para votar um Orçamento que ela não teve condições de arbitrar. Tanto que passou a empreitada adiante. A presidente não percebe que já vão longe os idos de maio/junho de 2013, quando ostentava uma popularidade de mais de 65%, segundo as pesquisas.

Não é preciso ir tão longe: basta lembrar as três manifestações e os panelaços deste ano, grandes o bastante para mostrar ao governo que não está agradando. Se não contaram a Dilma, a presidente pode ter a certeza de que foi com regozijo que petistas com pedigree assistiram a vaia ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, quando tentava entrar na Livraria Cultura, na Avenida Paulista.

O militante petista de São Paulo talvez seja o mais acabrunhado com a desgraça do partido. Ele está na linha de frente do combate. A cidade foi palco das maiores manifestações contra Dilma, mas também a que reuniu mais gente a favor. A vaia a Cardozo é chamada de "choque de realidade", de vez que boa parcela dos petistas paulistanos acha que a corte de Dilma entendeu que os apupos mostraram que o impopular governo federal não deixa mal só o militante, mas também um ministro praticamente desconhecido do grande público, reconhecido mesmo por trás de óculos escuros.

Até chegar à trapalhada do Orçamento, que deixou em dúvida o grau de entrosamento entre os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento), o governo Dilma patrocinou uma série de outros erros políticos capazes de inviabilizar a mais bem intencionada iniciativa da presidente no Congresso.

O maior deles, sem dúvida, foi o afastamento do vice-presidente Michel Temer da coordenação política do governo. É o tipo de missão que presidente não dá a vice. Dilma deu, boa parte do PT acha que Temer agiu com lealdade, mas a presidente preferiu sucumbir à paranoia palaciana de que o vice quer e conspira para ser titular.

Simultaneamente, Dilma construiu uma coordenação paralela. Era inevitável - a atividade é inerente ao próprio presidente ou alguém muito próximo -, como inevitável era Temer, boicotado pela entourage presidencial, pedir as contas e sair. Indecifrável é Dilma logo depois correr atrás do apoio de Temer para aprovar a recriação da CPMF. Em vez de um Temer discreto, a presidente agora tem um vice disponível para jantares e homenagens empresariais.

Ainda está por ser mais bem contada a história da traição de Jorge e Leonardo Picciani a Eduardo Cunha, presidente da Câmara denunciado na Lava-Jato e verdadeira pedra no sapato de Dilma. Da articulação também fizeram parte o governador Luiz Pezão, o prefeito Eduardo Paes e o ex-governador Sérgio Cabral, dois deles também verbetes da operação conduzida pelo juiz Sérgio Moro a partir de Curitiba.

Ao saber do encontro dos Piccianis com Dilma, um amigo comum de Temer e Cunha exclamou: "Traição!". O fato é que Picciani, líder do PMDB na Câmara, após receber as mesuras palacianas passou a contrariar Eduardo Cunha na votação de projetos do interesse do presidente da Câmara, ao qual sempre fora obediente, e de uma hora para a outra passou a apoiar a recriação da CPMF, o que também antes condenava. Nem as declarações do vice Temer contra a recriação do imposto do cheque constrangeram o deputado a manter posição.

Se tudo correr como parece combinado, a bancada do PMDB do Rio será fortalecida em uma nova etapa da coordenação política de Dilma, se ela não for o desastre que foram as outras. Picciani terá um nome no novo ministério da presidente e será o senhor das indicações dos cargos no governo que Michel e o ministro Eliseu Padilha não conseguiram nomear.

Um interlocutor de Cunha costuma dizer que a política avança com a força das traições, mas odeia os traidores. Neste fim de semana, Dilma telefonou para Cunha, que estava nos Estados Unidos. Quer conversar sobre a confusão do Orçamento de 2016. O roteiro da presidente é tortuoso: ela outorgou a confecção do Orçamento para o Congresso, depois disse que vai pedir a ajuda da sociedade organizada para pressionar este mesmo Congresso a achar a solução que ela não encontrou ou não quis arbitrar, e acabou batendo às portas de Eduardo Cunha, o inimigo juramentado e com quem está rompida há mais de mês.

O PT levou quase duas décadas para construir a imagem do "Lulinha Paz e Amor", magistral criação do publicitário Duda Mendonça, na campanha de 2002, quando Lula ainda causava medo em setores da classe média. Hoje o PT está isolado, a oposição ensaia uma caravana da cidadania com o boneco de Lula à frente, vestido de presidiário, e as palavras de ordem são outras: desamor e guerra.

Marco Antonio Villa - O velho e o novo

• Por que as crises política e econômica se estendem? Porque não foi encontrada uma saída segura para a classe dirigente

- O Globo

No Brasil, a construção da democracia e de suas instituições é um longo processo. Isto porque o passado patrimonialista ainda nos aprisiona. Qualquer avanço é fruto de muita luta e de pequenas vitórias. Como não temos tradição de rupturas, a tendência é sempre incorporar o derrotado na nova ordem. Que, obviamente, deixa de ser plenamente nova; pois, ora mais, ora menos, rearranja o poder político mantendo frações do passado no presente. Esta permanência não só dificulta a plena constituição do Estado Democrático de Direito, como impede até que o pensamento crítico se incorpore à vida política nacional.

A tendência histórica à conciliação transformou o aparelho de Estado numa esfera onde os antigos vícios da gestão da coisa pública permaneceram petrificados. O entorno era modificado mas a essência mantinha-se a mesma. Como se a História não se movimentasse. Pior, como até se o processo eleitoral de nada adiantasse, restringindo-se à mera substituição dos gestores, sem alterar seus fundamentos.

Virou lugar-comum afirmar que as instituições de Estado brasileiro estão em pleno funcionamento. As ações de combate à corrupção são demonstrações que reforçam a afirmativa. Contudo, cabe perguntar se a permanência da corrupção em todos os níveis e em todos os poderes da República não representa justamente o contrário. Ou seja, que as instituições funcionam mal, muito mal. Se há tanta corrupção, é porque é fácil instalar uma organização criminosa, político-partidária ou não, no interior dos órgãos estatais. E com a garantia da impunidade ou, no máximo, de suaves punições que estimulam, em um segundo momento, novos atos contrários ao interesse público, como no binômio mensalão-petrolão, onde o núcleo duro é o mesmo, mas em uma magnitude — em termos financeiros e temporais — muito maior.

Identificar a permanência e apontar a necessidade urgente de enfrentá-la não é bem visto no país das Polianas. E haja Poliana. Se a análise se concentrar em Brasília, como símbolo do poder, é possível detectar que, apesar de vivermos uma das mais graves crises da história republicana, não há nenhuma possibilidade de mudança, mudança efetiva. A atual paralisia política é resultado da dificuldade de construir uma saída mantendo os velhos interesses no aparelho de Estado. O resto é pura fraseologia vazia. Como diria o titio Joel Santana: cock-and-bull story.

O petismo, no auge, contou com apoio entusiástico da elite brasileira. Mesmo após as denúncias do mensalão, publicizadas na CPMI dos Correios. Para as classes dirigentes, o projeto criminoso de poder foi visto, apenas, como uma forma de governança, nada mais que isso. Quando Dilma Rousseff iniciou seu primeiro mandato, foi muito elogiada pela forma como administrava o governo e pelo combate — ah, Polianas — aos malfeitos, forma singela como definia a corrupção, marca indelével do seu período presidencial. Quem apontava as mazelas era visto como rancoroso, um pessimista contumaz.

No momento que Fernando Collor renunciou à Presidência da República, já tinha ocorrido uma recomposição de forças, desde o mês anterior à autorização para a abertura do processo de impeachment pela Câmara dos Deputados, a 29 de setembro de 1992. Ou seja, a movimentação em torno de Itamar Franco, vice-presidente, permitiu que o bloco político-empresarial estabelecesse e garantisse as condições de governabilidade, que tinham sido afetadas desde o início do mandato, um ponto fora da curva entre os períodos presidenciais desde 1945. A queda de Collor — sem nenhuma sustentação social ou no Congresso Nacional — pode ser compreendida, então, mais como um rearranjo do bloco político-empresarial, redefinindo interesses no interior do aparelho de Estado, do que uma vitória das ruas, dos caras-pintadas. As ruas — mesmo sem o querer — acabaram permitindo uma saída confiável no interior de uma ordem política intrinsecamente antirrepublicana.

As acusações que pesam contra Dilma Rousseff são incomparavelmente mais graves do que aquelas imputadas a Fernando Collor. Os atos de corrupção, a desastrosa gestão econômica e o controle da máquina estatal por uma organização criminosa com tentáculos nos Três Poderes não têm paralelo na nossa História. Mas por que a crise política se estende? Por que a crise econômica parece não ter fim? Porque não foi encontrada uma saída segura para a classe dirigente, porque Michel Temer não é Itamar Franco, porque Dilma Rousseff não é Fernando Collor, porque o Partido dos Trabalhadores não é o Partido da Reconstrução Nacional e porque as crises político-econômica de 2015 é mais complexa que a de 1992.

A principal dificuldade para ser encontrada uma saída política nos moldes da (triste) tradição brasileira deve-se principalmente à sociedade civil. Hoje, com todas as limitações, ela vem se organizando e se mobilizando de forma independente do Estado e de seus braços, como os partidos políticos. As três grandes manifestações — de 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto — não têm paralelo na História do Brasil. Um acordo pelo alto, costurado pelos velhos interesses, é muito difícil — e pode ter vida curta. É necessário ir mais fundo. Não basta a simples troca de presidente. O receio maior de Brasília é ter de enfrentar o Brasil real. Aquele que não quer mais ver a corrupção impregnando as ações de Estado, tenebroso método de gestão e de desqualificar a política, “fazendo-a descer ao plano subalterno da delinquência institucional”, como bem escreveu o ministro Celso de Mello.
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Marco Antonio Villa é historiador

Celso Ming - Acredite se quiser

• A presidente Dilma quer passar a impressão de que finalmente abraçou o realismo fiscal; Até seria boa notícia se inspirasse crédito

- O Estado de S. Paulo

Depois de ter governado quatro anos nas nuvens, na enganação e na irrealidade, a presidente Dilma quer passar a impressão de que finalmente abraçou o realismo fiscal. Sua proposta orçamentária para 2016 chega ao Congresso com um rombo de R$ 30,5 bilhões, equivalente a 0,5% do PIB.

Esta até seria boa notícia se inspirasse crédito, mas a presidente Dilma apresenta um diagnóstico por dia e o que diz depois não combina com o que disse antes.

A situação das contas públicas é desastrosa não pelo que vem sendo repetido pelo governo, mas pela lógica das estatísticas e dos fatos. Mudanças no discurso, como as desta segunda-feira, feitas em nome da transparência não garantem compromisso com o que se seguirá a partir de agora.

Em agosto de 2014, a então ministra do Planejamento, Miriam Belchior, à parte a impressionante peça de ficção identificada na proposta orçamentária de 2015, ainda sugeria que neste ano haveria um crescimento econômico de 3% e um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 2% do PIB.

Antes disso, ainda em abril do ano passado, o governo mandou demitir o funcionário Leonardo Rolim que apontou para uma diferença a menos de R$ 10 bilhões nas contas róseas de 2014 apresentadas pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Pois o rombo não só cresceu mais do que isso, como a própria presidente Dilma nos vem dizer agora que é preciso atacar com uma reforma corajosa o déficit da Previdência Social.

Os resultados do calamitoso 2014 são conhecidos. Apesar das mágicas contábeis, das pedaladas e das manobras conhecidas como “restos a pagar”, o ano fechou com déficit primário de R$ 32,53 bilhões, 0,63% do PIB.

Há pouco mais de um mês, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, veio a público para garantir que o superávit primário de 2016 seria de 0,7% do PIB. Não demorou para mudar de ideia. Na semana passada, os desencontros e as contradições se sucederam em ritmo alucinante.

Sem nem sequer notificar o seu vice-presidente, Michel Temer, que ainda exerce a função de principal negociador político do governo, a presidente Dilma avisou que enviaria ao Congresso a proposta para recriação da CPMF, cuja perspectiva de arrecadação em 2016 seria de R$ 60 bilhões. 

Ainda assim, já contando com essa receita extra, mandou dizer que haveria um rombo de R$ 70 bilhões a tapar. Ou seja, sem a CPMF, o déficit seria de R$ 130 bilhões.

Neste fim de semana, desistiu da CPMF e preparou proposta orçamentária em que o déficit (e não mais superávit) sem a CPMF já não seria de R$ 130 bilhões, mas de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões, ou de algo em torno de 0,5% do PIB. E não se sabe das reformas, nem da reforma política que viria por plebiscito, nem da reforma da Previdência Social, nem da Agenda Brasil, que conteria 47 itens, nem da extinção de 10 entre os 39 ministérios, nem da anunciada redução de mil entre os 22 mil cargos de confiança.

As mistificações continuam, desta vez com um discurso que apela mais para o realismo fiscal.

Continua o otimismo
O governo Dilma conta com queda mais branda do PIB neste ano e com pequeno crescimento de 0,2% em 2016. Não são números tão delirantes quanto os da administração anterior, mas são bem mais otimistas do que os projetados pelo mercado. A equipe econômica entende que os principais canais de recuperação serão as exportações e o tombo da inflação. Parece pouco diante da alta probabilidade de o País perder o grau de investimento.

Vinicius Torres Freire - Ponte para lugar algum

• Impasse entre empresas e governo atrasa obras de infraestrutura, possível alívio da crise

- Folha de S. Paulo

O último baile do ajuste fiscal é problema econômico bastante para reduzir quase todo o resto ao acessório. Mas a esperança de atenuar a recessão está nestes pequenos suspensórios: melhoras no comércio exterior e investimento adicional em obras de infraestrutura. As concessões de estradas e aeroportos podem emperrar. No caso de portos e, pior ainda, ferrovias, a chance de algo sair do papel é remota.

A disputa entre governo e empresas é a de sempre: preço, financiamento e exigências sobre qualidade e quantidade de obras. Dado o impasse desta vez, o novo programa de concessões de estradas pode ficar para as calendas; o programa lançado sob Dilma 1 vai atrasar ainda mais. Trata-se do Programa de Investimentos em Logística, o PIL 1, lançado em 2012, e o PIL 2, de junho passado.

Ouviram-se queixas de três grupos: dois direta ou indiretamente afetados pela Lava Jato; um que nada tem a ver com o caso. Ocioso dizer que empresas sempre fazem campanha para melhorar as condições do negócio. Mas é fato que:

1) Os financiamentos prometidos estão muito atrasados;

2) O governo quer modificar condições negociadas antes dos leilões de concessão de Dilma 1;

3) Empresas e governo não chegam a acordo nem sobre as preliminares que permitem dar o primeiro passo na maratona que é a elaboração de um edital de concessão. O governo superestimou exigências de prazo curto, quantidade e qualidade demais para preço de menos. Ou o investimento terá de ser reduzido ou o custo vai ser maior, para o consumidor direto (tarifa maior) ou para o público (subsídio maior no financiamento).

No caso do PIL 1, as empresas dizem que o governo e seus bancos se comprometeram, por meio de cartas, a oferecer financiamento dentro de certas condições favoráveis, o que é fato. Segundo as empresas, o BNDES ora exige garantias inviáveis, alegando que as condições de mercado e governo mudaram.

As empresas tomaram empréstimos para financiar o início do negócio ("empréstimos-ponte"), que deveriam bastar para uma espera de três meses, até sair financiamento de longo prazo. Algumas pontes já duram ano e meio, pois o financiamento longo não sai. Se a obra da concessão atrasa, paga-se multa. As empresas pensam que talvez seja o caso, pois a punição custaria menos do que tomar empréstimos no mercado, ao custo de 18% ao ano (o dobro do financiamento subsidiado pelo BNDES, grosso modo).

Na prática, quais as concessões ora mais viáveis? A "Rodovia do Frango" (no Paraná e em Santa Catarina, que escoaria produção dos frigoríficos), além de obras extras em concessões existentes e aeroportos, as mais bem-sucedidas do PIL 1. Porém, mesmo no caso de aeroportos, de início ocorreriam apenas obras que melhoram o padrão de funcionamento, não aquelas de infraestrutura, como novas pistas.

O resto, na visão das empresas, o pacote de leilões seria viável apenas no final de 2016; obras do PIL 1 estão à beira de ficar para 2016. Uma empresa acredita que o governo pode tentar fazer um leilão de concessão "na raça", no fim do primeiro semestre de 2016 (com grande risco de insucesso). Os investimentos, de qualquer modo, começariam a pingar apenas em 2017.

Míriam Leitão - Orçamento vermelho

- O Globo

Espaço para Joaquim Levy no governo tem ficado cada vez menor. A presidente Dilma estava reunida no sábado com os ministros Nelson Barbosa e Aloizio Mercadante quando mandou ligar para o ministro Joaquim Levy, que estava em Campos do Jordão. A ordem a Levy foi que ele voltasse no jatinho que seria enviado para pegá- lo. Quando ele entrou no Alvorada, as decisões já haviam sido tomadas: a CPMF não seria ressuscitada, e o Orçamento iria com déficit para o Congresso.

Era o final de discussões que haviam dividido a equipe econômica nos últimos dias, e por equipe inclua- se o chefe da Casa Civil, que tem participado de tudo com voz ativa. O ministro Levy defendeu mais corte de gastos para equilibrar despesas e receitas, o ministro Nelson Barbosa e Mercadante disseram que o Orçamento estava “no osso” e que era impossível fazer novas reduções. 

A primeira versão da proposta orçamentária havia sido preparada na semana passada com a inclusão da CPMF. Nas discussões internas, Levy não queria o imposto e também ponderou que, se fosse recriado, não poderia ser com uma alíquota alta como foi.

Mesmo assim, Levy foi para a reunião com empresários para defender a CPMF, da qual o governo horas depois recuou. O Orçamento é função do Ministério do Planejamento e foi de lá que surgiu a ideia da volta da CPMF. A notícia de que o governo decidira pela recriação não foi comunicada por ninguém diretamente. O governo deixou circular a informação, sem qualquer estratégia de comunicação. A forte reação do país pegou o governo de surpresa, apesar de ser bem previsível.

Correram então atrás de outros impostos que foram apresentados ontem: bebidas, eletrônicos, como sempre acontece, e a novidade do aumento do imposto de renda sobre uso de imagem.

Há várias outras ideias sendo discutidas agora para saber como cobrir este rombo, e que foram elaboradas por Mercadante e Nelson Barbosa, junto com a presidente da República. Uma delas é a securitização da dívida ativa. Aqueles créditos que o governo tem contra contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, e que por sua própria natureza são de difícil recebimento. A ideia é transformar uma parte da dívida ativa em papéis, antecipando a receita que o governo terá quando os débitos forem pagos.

O governo não desistiu ainda da CPMF. Quer reapresentála em três meses dentro de uma proposta para o orçamento da saúde. É por isso que está se falando em rever as receitas e despesas da área. Vai ser apresentada também uma proposta de reforma da Previdência, com o estabelecimento de idade mínima para a aposentadoria. Claro que é necessária, mas agora é cortina de fumaça para o que está no centro do problema: o Orçamento vermelho. Outra proposta que o governo discute é como reduzir a concessão de auxílio- doença. A média nos outros países é que 10% dos benefícios sejam de auxílio- doença, no Brasil é 16%. Há, certamente, um exagero. O governo está juntando ideias para convencer que está fazendo um ajuste fiscal.

A notícia de que o Orçamento será enviado com déficit caiu muito mal no mercado. O dólar subiu, e a bolsa caiu. Em um encontro de empresários e economistas organizado pela revista “Exame”, a impressão geral foi que o governo já está tirando o chão de 2016. Isso depois de ter começado 2015 prometendo um superávit primário que foi reduzido drasticamente e corre o risco de terminar o ano em déficit.

Um Orçamento com déficit é meio caminho andado para a perda do grau de investimento porque significa que a dívida continuará subindo. O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/ FGV, lembrou que o Orçamento está em contradição com a Lei de Diretrizes Orçamentárias que estabeleceu uma meta de superávit primário. Mas, como a LDO foi não foi votada, o governo pode não segui- la. Segundo Afonso, a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo aplicada parcialmente apenas, porque nunca foi regulamentada a exigência de haver um limite para a dívida pública.

O espaço para o ministro Joaquim Levy no governo está ficando cada vez menor, até porque ele tem perdido sistematicamente as discussões. A presidente tende a concordar com seus ministros do Planejamento e da Casa Civil, economistas com os quais tem mais afinidade.

Atestado de incompetência – Editorial / O Estado de S. Paulo

Continuar maquiando as contas públicas com novas pedaladas fiscais e recursos do gênero só faria aumentar o desastre provocado pela gastança desenfreada que teve seu ápice no ano eleitoral de 2014. Por falta de opção politicamente viável e pretextando a intenção de ser “transparente”, Dilma Rousseff acabou tomando a decisão de apresentar ao Congresso, pela primeira vez na história, uma proposta de orçamento deficitária. E acabou passando o atestado definitivo de sua incompetência como presidente da República – se é que ainda existia no País, inclusive no governo, alguém que disso duvidasse de boa-fé.

Como não têm mais nada a perder, pois já estão no fundo do poço da credibilidade política e popular, a presidente Dilma Rousseff e o PT vão continuar tentando jogar sobre ombros alheios a responsabilidade principal pelo vexame de ter que admitir pública e oficialmente que o governo não tem dinheiro para pagar suas contas.

À conjuntura internacional adversa, recentemente agravada pelos problemas da China, certamente será atribuída boa parte da culpa pela inflação fora de controle, o desemprego que não para de aumentar, os juros altos, a crescente falta de competitividade da indústria nacional – enfim, pelo fato de a economia brasileira estar em recessão. O dedo acusador será apontado também para a oposição e para as “pautas-bomba” que desfiguraram a proposta de ajuste fiscal. E certamente não faltarão referências à falta de chuvas.

Em resumo, a grande responsável pela crise brasileira é uma trinca do mal que no momento conspira contra as boas intenções do lulopetismo: a China, a Câmara dos Deputados e El Niño.
Os brasileiros, porém, já se deram conta de que ninguém melhor do que Dilma Rousseff personifica a crise política, econômica e social – agravada pela completa falência moral – que infelicita o País. É claro que não se pode esquecer a parte que cabe nesse latifúndio ao populismo irresponsável de Luiz Inácio Lula da Silva. Ninguém mais do que ele tem culpa pelo fato de a incompetência de Dilma estar hoje instalada no Palácio do Planalto.

Haverá quem diga, com maldosa esperteza, que essa responsabilidade deve ser compartilhada com os milhões de brasileiros que elegeram e reelegeram o flagelo que hoje nos preside. Mas à imensa maioria dos que votaram em Dilma socorre a justificativa de que agiram de boa-fé e hoje estão arrependidos. Já Lula pode até ter descoberto também que colocar a pupila no Palácio não foi uma boa ideia. Mas jamais admitirá isso publicamente e para manter a pose de super-herói ameaça candidatar-se de novo em 2018.

O fato é que o País enfrenta uma crise de desenlace imprevisível na área política e de consequências previsivelmente assustadoras no campo econômico. O fato é, ainda, que tudo começou a dar errado quando, do alto da soberba e da empáfia entranhadas em seu DNA, os petistas no poder, ainda no segundo mandato de Lula, entenderam que era chegada a hora de parar de fazer concessões ao “liberalismo” e impor ao País suas convicções estatistas e uma “nova matriz econômica”.

Felizmente, até como consequência da amarga experiência brasileira em duas décadas de regime autocrático militar, nossas instituições republicanas se têm revelado suficientemente fortes para impedir que o Brasil se deixe contaminar por aventuras “bolivarianas” como as que hoje são responsáveis pelo retrocesso, sob todos os aspectos, de vários países do Continente que sintomaticamente o desgoverno brasileiro tem como aliados. Mas o Brasil paga o preço de ser dominado por um sistema político de representatividade quase nula, pois o paternalismo petista é quando muito uma panaceia, jamais a solução para coisa alguma.

Neste momento de vergonha nacional cabe propor uma reflexão aos brasileiros que, de boa-fé, ainda defendem Dilma Rousseff: o que se pode esperar de um governo que é incapaz de cumprir aquilo que se exige de qualquer cidadão – a capacidade de pagar suas próprias contas?

Congresso terá de achar saída para o rombo do Orçamento – Editorial / Valor Econômico

O governo de Dilma Rousseff abriu mão da coordenação política, adotou uma visão de ajustes da economia em tudo oposta à que pregou na campanha eleitoral e agora abdicou da tarefa de apresentar um Orçamento equilibrado, entregando-a ao Congresso, após não encontrar consenso interno sobre o melhor caminho a seguir. A saída mais confortável para o governo era criar a CPMF, mas ela foi rechaçada liminarmente pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB), por empresários, pelos líderes partidários e por boa parte dos governadores.

Há um leque de significados na renúncia a confeccionar um Orçamento sem superávit primário - que é do que se trata, já que o Brasil coleciona déficits nominais ao longo dos anos, pelo peso de sua peculiar carga de juros. O primeiro deles é que, ao acertar as contas e fazê-las corretamente, o ministro Joaquim Levy indicou que a contabilidade pública tornou-se um horror que nem mesmo os mais pessimistas tinham sido capazes de prever. Ao pagar tudo como se deve, especialmente os subsídios a empréstimos do BNDES (PSI) as contas simplesmente não fecham, apesar dos sucessivos recuos das pretensões. Em espaço de dois meses, a meta de economia primária caiu de 1,13% do PIB para 0,1% este ano, que terá quase certamente um déficit. Para 2016, sabe-se agora da previsão de novo rombo- sempre levando-se em conta a decisão política de até aonde levar os cortes.

Esse é o segundo ponto. A Fazenda tinha a intenção de uma "reestruturação fiscal", com persistência do ajuste e mais cortes. Há espaço para isso, porque as receitas serão mais favoráveis no ano que vem. Não pela recuperação da economia, mas por um abrandamento da recessão, e pelo pacote de ajuste suavizado que passou pelo Congresso, com acréscimos da ordem de R$ 11 bilhões, com a reoneração da folha de pagamento - e o fim da equalização à Previdência pelo Tesouro.

A presidente e seus aliados, porém, consideram que os cortes já chegaram ao máximo que poderiam, mal decorridos 8 meses do segundo mandato. Quis encerrar a história tapando o rombo quase integralmente com a CPMF e, se possível, obtendo recursos extras para políticas anticíclicas. Como esse recurso foi bloqueado politicamente, o governo não se comprometeu com mais austeridade e entregou a decisão ao Congresso.

Esse lance político pode ser visto como uma tentativa de dividir o ônus de medidas impopulares com deputados e senadores, ou até mesmo como um chamado à razão de um Parlamento rebelde, feito na forma de apresentação de contas "realistas" que não deixam dúvida quanto ao desastre ocorrido.

O resultado da manobra ainda está indefinido, mas as chances de sucesso não parecem ser grandes. A receita de ajuste inicial entregue ao Congresso, no início do ano, foi abrandada, especialmente em medidas que atingiam os trabalhadores, embora se tratasse de exageros evidentes, como no caso da pensão por morte e seguro desemprego.

Além disso, até pelo menos vislumbrar o deprimente raio X das contas públicas, os partidos no Congresso estavam mais interessados em restringir ao máximo a capacidade de ação da presidente e obter vantagens mais substanciais em troca do apoio político. A Agenda Brasil, supondo-se que seja séria, e não expediente provisório para mostrar que PMDB e PT fazem parte do mesmo governo, vai mais na direção de limitar gastos do que de expandi-los.

PT, PMDB e as legendas que formavam a base governista, são mais propensas a aumentar despesas. Dividir a responsabilidade com o Congresso, que tem poderes sobre o Orçamento, pode ser a única saída para um governo que luta para sobreviver, mas tem seus riscos. Várias vezes, no passado, os congressistas não se recusaram a aumentar impostos, diante de pedidos de um Executivo com prestígio político e boa base de sustentação parlamentar. O cenário agora é bastante diverso. O Planalto depende do PMDB - ele próprio dividido -, e, sem apoio da base, depende também do Congresso. Ele perdeu o poder de dirigir e coordenar os desejos do Congresso de acordo com suas próprias aspirações.

O caminho do meio pode ser a tentativa de seduzir o Congresso para a criação de "receitas de emergência" que permitam estancar a deterioração rápida e aguda das contas públicas no momento. A resultante de tantas variáveis negativas políticas e econômicas, contudo, é imprevisível.

Orçamento torna urgentes as reformas – Editorial / O Globo

• Déficits gerados por despesas que aumentam mesmo na recessão, portanto com a queda na coleta de impostos, forçam mudanças na Previdência e no salário mínimo

Parte do cenário de terra arrasada da economia brasileira, construído pelo experimentalismo da política do “novo marco macroeconômico”, executada a partir do final do segundo governo Lula e aprofundada em Dilma 1, foi conhecida na semana passada com a divulgação do PIB do segundo trimestre. Ficou sacramentada a entrada do país em recessão — depois de dois trimestres seguidos de queda do PIB, com uma retração de 2,1% na primeira metade do ano.

Junto com os dados negativos do primeiro semestre, veio a deterioração das perspectivas para o ano. E ontem, o quadro de pessimismo foi reforçado com a decisão do governo de, pela primeira vez na História, enviar ao Congresso uma proposta de Orçamento para o exercício seguinte com déficit primário: R$ 30,5 bilhões, ou 0,5% do PIB. Vale lembrar que a meta inicial para 2016 era de um superávit de 2%.

Na parte da manhã, em São Paulo, o vice-presidente da República, Michel Temer, ressaltou que o governo, com a decisão de enviar um projeto orçamentário com saldo negativo, sinalizava rejeitar qualquer maquiagem. Que assim seja.

Antes, porém, o Planalto ensaiou um show de incompetência política — mais um —, ao tentar ressuscitar o malfadado imposto da CPMF, numa manobra engendrada a partir do Ministério da Saúde, sob controle do PT, contra a opinião geral de empresários e políticos. Teve, então, de recuar às pressas, no fim de semana.

Houve quem entendesse a proposta de um orçamento deficitário como forma de transferir o problema para o Congresso, onde a CPMF, imposto dos sonhos lulopetistas — apesar de sua iniquidade social e malefícios econômicos —, não tem trânsito. Nem na sociedade. Sucede que a União não pode fugir às suas responsabilidades na formatação final do Orçamento.

Na entrevista concedida à tarde, em Brasília, pelos ministros da Fazenda e Planejamento, Joaquim Levy e Nelson Barbosa, após a entrega formal da proposta ao Congresso, ficou evidente que a evolução rápida da crise colocou governo e sociedade diante da crucial e inadiável tarefa de conter o crescimento dos gastos públicos obrigatórios — Previdência, Saúde, Educação e folha do funcionalismo, para citar os principais itens.

Como são despesas indexadas, muitas ao salário mínimo, elas crescem mesmo na recessão e consequente queda de receita. Um dado: enquanto a coleta de impostos deverá continuar a cair, esses gastos compulsórios subirão, no ano que vem, de R$ 871,8 bilhões para R$ 960,2 bilhões. Trata-se, por óbvio, da fórmula da hecatombe fiscal.

Portanto, não há alternativa a não ser atacar logo algumas reformas: a da Previdência, por exemplo, com a fixação da idade mínima para se obter o benefício, bem como acabar com a atual fórmula de reajuste do salário mínimo. Ele terá um aumento de cerca de 10% em 2016, o suficiente, calcula-se, para gerar um gasto adicional equivalente a 0,2% do PIB. Algo inviável.

A biruta – Editorial / O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff não sabe o que quer. Como uma biruta, vai para o lado que o vento sopra. Toma decisões de dia e recua delas à noite, quer porque se mostram inexequíveis, quer porque tendem a aprofundar seu isolamento político, ou quer simplesmente porque são estapafúrdias, fruto de sua já proverbial incompetência. A desastrada tentativa de restabelecimento da CPMF é apenas o último de uma imensa série de zigue-zagues de Dilma, incapaz de transmitir o mínimo de segurança e firmeza que se exige de quem ocupa a Presidência da República, especialmente em tempos de crise.

Não surpreende que esteja disseminada a sensação de que o governo petista é uma nau sem rumo. Às vezes bastam apenas algumas horas para que a presidente tresande, e aquilo que era líquido e certo se transforme em um retumbante nada. Exemplos não faltam.

No começo do ano, quando já estava claro que teria de mexer em benefícios sociais para conseguir fechar a conta, Dilma informou que pretendia endurecer a concessão do seguro-desemprego. Diante da gritaria das centrais sindicais e até de ministros petistas de raiz, Dilma achou melhor recuar, desfigurando uma das primeiras medidas do ajuste fiscal.

Na mesma toada, a presidente havia decidido recentemente adiar para dezembro o pagamento do 13.º salário dos aposentados, cuja primeira parcela há nove anos vinha sendo paga em agosto; poucos dias depois, ela voltou atrás e mandou pagar a parcela de uma só vez, em setembro. Incapaz de definir prioridades, Dilma não se viu em condições de enfrentar a chiadeira dos aposentados.

Há casos dignos de antologia, como o “recuo do recuo” em relação ao sigilo eterno de documentos oficiais – primeiro ela defendeu o fim do sigilo; depois, voltou atrás; em seguida, tornou a defender. Também é inesquecível sua defesa apaixonada de uma mirabolante Constituinte exclusiva para a reforma política, ideia rapidamente abandonada – para o bem do País, é bom que se diga.

A indefinição crônica de Dilma contamina suas decisões, das pequenas às grandes. Como esquecer que a presidente levou inacreditáveis oito meses e meio para indicar um ministro do Supremo Tribunal Federal? Como não notar que as regras para as concessões e privatizações mudam conforme as idiossincrasias de Dilma, gerando insegurança jurídica e desinteresse das empresas?

Dentre todas as lambanças, porém, a da CPMF é particularmente grave porque denota o desespero de uma governante diante do estrago que sua administração fez nas contas nacionais e também sua inaptidão para interpretar um cenário político totalmente avesso a iniciativas como essa. Como o governo não consegue cortar gastos para reequilibrar suas finanças, Dilma resolveu avançar ainda mais no bolso dos brasileiros, tungando-lhes um naco de cada transferência de dinheiro – uma óbvia aberração tributária, com a qual o País espera nunca mais ter de conviver.

Bem ao estilo dilmista, a ideia vazou antes da hora e, ao chegar ao conhecimento do distinto público, gerou as esperadas reações de repúdio por parte de empresários, políticos e contribuintes em geral. Bastaram três dias para que alertassem a presidente do óbvio: que a recriação da CPMF seria a pá de cal política em seu já cambaleante governo.

Nesse meio tempo, porém, Dilma – num grau de alheamento da realidade difícil de ser superado – acreditou que, mesmo tendo apenas um mísero dígito de popularidade, conseguiria convencer os governadores e o Congresso a dividir com ela o ônus do novo imposto, cuja única serventia era cobrir o rombo criado pelos delírios estatistas do lulopetismo.

Ao ser informada pelo vice-presidente Michel Temer de que a CPMF não passaria de jeito nenhum no Congresso, coisa que até os faxineiros do Planalto já intuíam, Dilma mandou dizer que desistiu do imposto. E anunciou o primeiro orçamento deficitário da história do Brasil. Parecia pirraça. Do episódio, restou a constatação, a esta altura já óbvia, de que a principal habilidade da presidente é piorar o que já está muito ruim.

A crise do governo Dilma e a possibilidade do impeachment em debate

Vivemos uma crise, como é óbvio. Mas já existem condições políticas para um impeachment? Há alguma comparação com a situação do país em 1992, ano da queda deCollor? Quais as semelhanças e diferenças? A História se repete? O vice Michel Temerseria um novo Itamar Franco?

A partir do recém-lançado livro do sociólogo e professor da USP Brasilio Sallum Jr. ("O Impeachment de Fernando Collor - Sociologia de Uma Crise"), o #ProgramaDiferente, daTVFAP.net, debate a crise política e a possibilidade do impeachment ou da renúncia da presidente Dilma Roussef.

Discutem o tema, além do autor do livro, Brasilio Sallum, também Alberto Aggio, historiador, professor da Unesp Franca e presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP); e Luiz Sérgio Henriques, ensaísta, tradutor, editor do site Gramsci e o Brasil e da página Esquerda Democrática.

Quais as possíveis saídas para a crise e para o "pós-PT"? Quais os prós e contras de um processo de impeachment? Como vencer a recessão econômica, a descrença da população e a falta de representatividade política? Qual o papel da oposição? O protagonismo do Judiciário é benéfico para a democracia? Assista

Teresa Cristina - A Felicidade

Fernando Pessoa - O Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo.Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Opinião do dia – Fernando Gabeira

O Brasil é dirigido por um governo que transformou a política numa delinquência institucional. O país acaba de descobrir o maior escândalo de corrupção da História. Gilmar Mendes apenas colocou o ovo de pé: houve um grande escândalo de corrupção que beneficiou o PT. Dilma fez uma campanha milionária. Depoimentos do Petrolão indicam que o dinheiro foi para a campanha. Empresas fantasmas já apareceram. Por que não investigar o elo entre a campanha de Dilma e as revelações da Lava-Jato?

Não se trata de ser contra ou a favor. Trata-se apenas de não sentar nos fatos, Como velho jornalista, sei que os fatos são como baioneta: sentando neles, espetam.

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Fernando Gabeira é jornalista – ‘Dilma no teatro do absurdo’. O Globo, 30 de agosto de 2015.

Dilma envia Orçamento ao Congresso com déficit

• Em atitude inédita, Planalto indica não ter como economizar para pagar juros

Dilma manda Orçamento ao Congresso com deficit

• Sem nova CPMF, equipe econômica ficou sem alternativa para cobrir rombo

• Numa tentativa de conter reação negativa dos mercados nesta segunda, governo fala em reformas no futuro

Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Depois de desistir de recriar a CPMF, o governo decidiu neste domingo (30) encaminhar ao Congresso sua proposta de Orçamento da União para o próximo ano com uma previsão de deficit primário.

A própria presidente Dilma Rousseff comunicou a decisão a líderes aliados, entre eles o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). De acordo com assessores da presidente, o governo optou por encaminhar um orçamento "realista e transparente".

Ao apresentar o orçamento com deficit primário, o governo indica que não vê como economizar o suficiente para pagar os juros da dívida pública e que precisará se endividar ainda mais para financiar suas despesas em 2016.

Esta será a primeira vez que o orçamento federal é enviado ao Congresso com deficit primário desde que o governo passou a contabilizar seus números dessa maneira, na administração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Ao expor a fragilidade das finanças do governo, o orçamento poderá levar as agências internacionais de classificação de risco a rebaixar a nota do Brasil e excluir o país do grupo considerado mais seguro pelos investidores, agravando a crise econômica.

Um assessor disse à Folha que, para evitar reações negativas do mercado, o governo vai anunciar que enviará ainda neste ano propostas de reformas econômicas, como na Previdência Social, para melhorar as contas públicas.

Segundo este auxiliar, o governo preferiu não enviar um orçamento com receitas ainda não seguras, o que poderia alimentar mais desconfianças dos investidores.

Antes de reconhecer o deficit, o governo trabalhava com a possibilidade de apresentar um superávit primário equivalente a 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto) para todo o setor público, sendo 0,55% apenas do governo federal.

O tamanho do deficit estava sendo definido na noite de domingo e ainda passará por uma última análise nesta segunda-feira (31), quando a proposta precisa ser enviada ao Congresso. Segundo a Folha apurou, o deficit primário deverá ficar entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões.

Nos debates internos do governo, a Casa Civil e o Ministério do Planejamento defenderam a proposta de assumir o deficit no próximo ano. O Ministério da Fazenda preferia aprofundar os cortes de gastos, mas foi convencido de que há a rigidez das despesas obrigatórias impõe limites.

Expectativas
O receio da equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é que aceitar um deficit nas contas públicas em 2016 piore as expectativas sobre o rumo da economia brasileira, tornando mais difícil a recuperação econômica.

Antes de comunicar a decisão, a presidente e sua equipe fizeram consultas a aliados no Congresso e governadores.

Um dos consultados, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) disse à Folha ser a favor da ideia. "O governo tem de enviar um orçamento real, reconhecendo os problemas fiscais do setor público", afirmou, acrescentando que o reconhecimento do problema levará o Congresso a buscar alternativas para superá-lo.

O governo desistiu da ideia de recriar um imposto sobre transações financeiras nos moldes da CPMF três dias depois de lançar a proposta, por causa da reação negativa de políticos e empresários.

O relator da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, deputado Ricardo Barros (PP-PR), que também foi consultado pelo governo, disse ser contra a apresentação do orçamento com deficit.

Segundo ele, o melhor seria debater o que é "mais nocivo para a economia do país, pagar um pouco mais de imposto ou perder o grau de investimento?" O vice-presidente Michel Temer (PMDB) também foi ouvido e avalia que o melhor caminho é adotar um "orçamento realista".

Governo pressiona Congresso com Orçamento deficitário

• Planalto acha que expor rombo terá ‘ efeito pedagógico’ entre parlamentares

• Joaquim Levy, que defendia grande corte nas despesas públicas, saiu derrotado no embate interno e diz que há risco de agências rebaixarem a nota do Brasil, tirando o grau de investimento e agravando a situação econômica

A presidente Dilma Rousseff informou ao vice Michel Temer que vai enviar ao Congresso, hoje, o projeto de Orçamento de 2016 com uma previsão de déficit nas contas públicas. Com isso, ela transfere aos parlamentares a tarefa de decidir se cortam despesas ou propõem aumento de receita para cobrir o rombo. E espera que a exposição do déficit tenha “efeito pedagógico” sobre um Congresso que já aprovou pautasbomba. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, saiu derrotado porque era a favor do corte de gastos.

Rombo no Orçamento

• Após desistir de CPMF, Dilma transfere ao Congresso decisão de cortar gastos ou aumentar impostos

Fernanda Krakovics e Martha Beck - O Globo

- BRASÍLIA- Sem conseguir fechar as contas públicas depois de desistir da recriação da CPMF, o governo decidiu enviar hoje para o Congresso o Orçamento de 2016 com uma previsão de grande déficit. Após passar o fim de semana conversando com ministros de Fazenda, Planejamento e Casa Civil, a presidente Dilma Rousseff informou sua decisão ao vicepresidente Michel Temer ontem à tarde. O governo aposta que a exposição do déficit nas contas terá “um efeito pedagógico” sobre o Congresso. À noite, o tamanho do déficit ainda não estava definido.

A expectativa é que deputados e senadores ajudem a encontrar soluções para equilibrar as contas públicas, e não deem seguimento às chamadas pautasbomba. O Congresso terá de indicar de que forma vai cortar as despesas do governo ou aumentar a receita.

O Palácio do Planalto desistiu anteontem da volta da CPMF depois da reação negativa de parlamentares, empresariado e até de governadores. A avaliação foi que o novo imposto não seria aprovado pelo Congresso, provocando um desgaste desnecessário. Trabalhava- se com uma arrecadação de R$ 60 bilhões com a contribuição, depois de todos os repasses para estados e municípios.

— Mandar a peça do Orçamento com a proposta de criação da CPMF, que teria baixa chance de aprovação, seria a mesma coisa que mandar um Orçamento com déficit — argumentou um integrante da equipe econômica.

O ministro Joaquim Levy ( Fazenda), que discordava frontalmente da apresentação de um Orçamento com déficit, foi novamente vencido no debate interno do governo. Há pouco mais de um mês, ele havia sido derrotado na discussão sobre a meta fiscal, que foi reduzida contra sua vontade. O temor de Levy é que as agências de risco rebaixem novamente a avaliação da economia brasileira e retirem o chamado “grau de investimento” — uma espécie de selo de bom pagador.

O discurso amarrado ontem no governo, no entanto, é que a peça orçamentária está sendo montada de forma realista, e que a discussão aberta sobre a política fiscal a longo prazo deverá ser compreendida pelas agências.

Rombo na Previdência: R$ 125 bilhões
Um dos dados mais impactantes do novo Orçamento é a previsão de gastos com a Previdência. As despesas com as aposentadorias vão bater R$ 500 bilhões, e o déficit só com o INSS será de R$ 125 bilhões. É um aumento grande em relação ao rombo atual. O último relatório bimestral de receitas e despesas do governo prevê que o déficit este ano será de R$ 89 bilhões.

O número exato do déficit que será apresentado hoje ao Congresso ainda não estava fechado na noite de ontem. A área econômica trabalhava em cima de uma possível elevação na projeção do PIB ( soma das riquezas produzidas pelo país), o que consequentemente aumentaria a previsão de receitas.

No Orçamento, Levy defendia que fosse feita uma ampla reavaliação de programas e de despesas, para não precisar recorrer a aumento de imposto ou ao déficit. Ontem, ao ser novamente derrotado, o ministro externou claramente seu incômodo para a presidente e para Temer. A partir de agora, mesmo com a peça orçamentária já no Congresso, o ministro da Fazenda ainda acredita que um corte mais profundo nas despesas é necessário para mexer em programas ineficientes.

Na Fazenda, a avaliação ontem era de que, diante da impossibilidade de recorrer a um imposto e de mascarar o Orçamento, seria preciso trabalhar para que o país não perca o grau de investimento. Levy telefonou para o vicepresidente na manhã de ontem e disse que havia dificuldade em fechar o Orçamento. Temer defendeu então que o governo tratasse a questão com transparência e fizesse uma peça realista. A partir daí, peemedebistas passaram a defender publicamente essa solução.

— Eu defendo um Orçamento real. Se não tem receita, tem que fazer Orçamento com déficit. Isso refreia a criação de novas despesas, discute com o Congresso e com a sociedade ações para mudar o jogo. Não adianta maquiar — disse o senador Romero Jucá ( PMDB- RR), que foi relator do Orçamento de 2015.

Para Jucá, diante desse cenário, o Congresso tem que discutir formas de superar o déficit. Ele defendeu aumento de imposto durante um prazo determinado. E minimizou o risco de perda do grau de investimento provocado pelo envio de um Orçamento com déficit:

— As agências de investimento estão acompanhando toda essa realidade. Cada vez que o governo faz uma ação desastrada como a da CPMF, a leitura piora. Não é inflar um número que vai dar garantia aos credores de que vão receber — afirmou Jucá.

Relator- geral do Orçamento de 2016, o deputado Ricardo Barros ( PP- PR) afirmou que o Congresso terá que encontrar uma forma de equilibrar as contas, fazendo cortes de despesas mais profundos do que o governo se dispôs a fazer, ou criando novas receitas:

— O Congresso tem que ter coragem de arrumar as contas, não dar, por exemplo, reajuste aos servidores. Como a iniciativa privada está arrumando suas contas? Demitindo. O servidor público não pode estar fora, tem que dar sua cota de sacrifício.

Dia de conversas ao telefone
Ontem, desde o início do dia o Ministério do Planejamento já havia decidido que não haveria espaço para cortes adicionais nos gastos previstos pelo governo para o próximo ano. Isso porque a peça orçamentária já teria vindo com cortes em vários segmentos, e nenhum compensaria integralmente a falta dos recursos da nova CPMF.

A presidente Dilma passou o dia em conversas pelo telefone com os ministros de seu núcleo político e da área econômica. O ministro Nelson Barbosa ( Planejamento) e Levy também tiveram longas conversas com políticos. Barbosa foi no fim da tarde à residência oficial do presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL).

A equipe econômica já tinha contabilizado um corte de cerca de R$ 50 bilhões nas despesas. Ainda assim, diante da desistência de criar um novo imposto, o déficit se tornou inevitável. Dilma se encontrou com os ministros da área econômica no sábado, quando os avisou sobre o recuo em relação à CPMF e ordenou que refizessem os cálculos sem a previsão dessa receita. Depois disso, técnicos trabalharam no Palácio do Planalto em cima desse novo cenário, mas não houve espaço para novos cortes.

(Colaboraram Geralda Doca e Catarina Alencastro)

‘ É melhor expor a realidade que pedalar depois’, diz Cunha

• Para oposição, decisão reflete o ‘ descontrole total das contas’ do governo; empresário também critica

Júnia Gama e Aguinaldo Novo - O Globo

- BRASÍLIA- Responsável por impor diversas derrotas ao governo Dilma no Congresso este ano, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), disse ontem que não se surpreendeu com a previsão de déficit orçamentário, mas que tem receio de que o déficit real seja ainda maior que o previsto. Segundo ele, cabe agora ao governo enviar para análise dos parlamentares propostas para recuperar a economia. Cunha adiantou que qualquer aumento de imposto não será aprovado.

— Mesmo com déficit no Orçamento, está arriscado o déficit real ser maior do que eles vão prever. E não podem errar de novo. Dar déficit e aumentar esse déficit depois será um desastre fenomenal — disse o presidente da Câmara.

Cunha acrescentou que isso terá um forte impacto sobre o nível de credibilidade da economia, o que aumenta o risco de o Brasil perder o grau de investimento:

—É a realidade do governo. É melhor mandar a realidade do que ficar pedalando depois — disse ele, numa referência às “pedaladas fiscais” que o Tribunal de Contas da União afirma que o governo deu para chegar as contas de 2014.

Para “contribuir” com o governo na tarefa de recuperar as contas, Cunha afirmou que a Câmara deve segurar aumentos salariais de servidores públicos que começaram a ser aprovados na Casa e manter o veto presidencial ao reajuste do Judiciário, por exemplo. O líder do DEM na Casa, Mendonça Filho ( PE), defendeu que o governo faça um corte profundo nas despesas para adequá- las à receita.

—É a consagração do quadro de irresponsabilidade econômica e de descontrole total das contas públicas e de incapacidade de fazer o dever de casa. Tem que cortar na carne, diminuir o tamanho da máquina. A sociedade não aguenta mais aumento de imposto. O Estado está grande demais, sufocando o setor produtivo e os trabalhadores. Tem que cortar cargos comissionados, ministérios, funcionários terceirizados. As agências de risco e o mercado têm sido muito tolerantes com o governo, mas ele está anestesiado, não consegue apresentar nada de solução — defendeu.

Empresário vê “chantagem”
O presidente- executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos ( Abimaq), José Velloso, afirmou que o governo federal faz “chantagem” ao atribuir o déficit no Orçamento de 2016 à falta de novos impostos, especificamente a CPMF. Para ele, a solução passaria, em primeiro lugar, por cortes nas despesas do próprio governo.

— O governo quer terceirizar os problemas dele. É uma chantagem dizer que sem a CPMF não é possível fechar o próximo Orçamento — criticou ele.

Velloso afirmou que, apesar do discurso, o governo não reduziu os gastos correntes. Segundo ele, errou ainda ao apostar numa política econômica que combinou aumento de juros e de impostos. Velloso rechaçou o argumento de que o Brasil poderia perder o grau de investimento:

— O país já perdeu ( o grau de investimento). O principal indicador que as agências levam em consideração é a relação entre dívida ( do governo) e PIB. E esse valor caminha para chegar a 70%. Parece que o governo já se prepara para colocar a culpa em alguém.

Governo vai expor déficit nas contas em proposta de Orçamento ao Congresso

• Pela primeira vez, Executivo federal inclui desequilíbrio fiscal na proposta orçamentária de 2016 e resultado negativo deve ficar próximo de R$ 30 bi

Vera Rosa, Adriana Fernandes, Erich Decat e Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo vai apresentar hoje ao Congresso uma proposta de Orçamento para 2016 com déficit primário da ordem de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), admitindo que gastará mais do que vai arrecadar, mesmo sem levar em conta despesas com pagamento de juros. Trata-se da primeira vez na história que o governo não consegue fechar as contas e entra no vermelho, prevendo desequilíbrio fiscal. O resultado negativo deve ficar próximo de R$ 30 bilhões.

O reconhecimento das dificuldades foi a forma encontrada pelo Palácio do Planalto para evitar “mascarar” o Orçamento, num momento de crise política e econômica, às vésperas de a presidente Dilma Rousseff enfrentar julgamento no Tribunal de Contas da União (TCU) por causa de manobras conhecidas como “pedaladas fiscais”.

Um dia após abandonar a ideia de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), por não encontrar respaldo para o projeto nem no Congresso nem entre empresários, Dilma arbitrou a disputa interna no governo e decidiu escancarar os problemas.

Com a decisão, a meta de superávit primário de 2016, de 0,7% do PIB, será reduzida novamente e é possível que haja corte de programas sociais. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, chegou a manifestar preocupação com a exposição do rombo, por considerar que a medida embute um sinal negativo para o mercado e pode levar o Brasil a perder o grau de investimento, com severas consequências para a economia, que já está em recessão.

Transparência. Ao fim das discussões, porém, Levy acabou concordando com o núcleo político do Planalto. A estratégia do governo, ao deixar claro o vermelho, consiste em negociar com o Congresso. A ideia é que ou os parlamentares autorizam o aumento de receitas, com desonerações e até, mais adiante, com a volta da CPMF, ou o Executivo será obrigado a propor medidas mais duras, como a reforma da Previdência.

O vice-presidente Michel Temer conversou pela manhã com Levy, que o informou sobre as dificuldades de fechar o Orçamento. O ministro defendeu um corte adicional de R$ 15 bilhões, mas Dilma não aprovou.

“Sejam o mais transparente possível e revelem as condições das finanças ao País”, disse Temer.

“O Orçamento deve ser realista, para evitar perda de credibilidade.” Levy definiu como “muito prudentes” as observações de Temer. Mais tarde, a própria Dilma informou o vice de que os seus argumentos foram ouvidos. Em conversas reservadas, Levy afirmou que, embora haja risco de as expectativas piorarem em relação à política fiscal, a exposição do déficit diminui o desgaste com o Congresso e abre a discussão sobre a nova meta de superávit.

O TCU deve julgar em setembro as manobras fiscais levadas a cabo por Dilma para fechar o caixa, em seu primeiro mandato, atrasando repasses de recursos a bancos públicos. Se o tribunal condenar a prática e se rejeitar as contas de 2014 do governo, a presidente corre risco de sofrer processo de impeachment no Congresso. Além de conversar com Temer, Dilma também falou por telefone com aliados e pediu apoio à proposta. No fim da tarde, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa se reuniu com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para apresentar o projeto de lei.

A proposta orçamentária trará, ainda, elevações pontuais de receitas, com revisão de desonerações. Mesmo desistindo do “imposto do cheque”, o governo quer mostrar que também tem um programa fiscal de longo prazo para a Saúde e a Previdência.

O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), disse que Dilma agiu certo ao escancarar as dificuldades de caixa. “É melhor apresentar um Orçamento realista e buscar soluções conjuntas do que encaminhar uma proposta sem sustentação”, afirmou. “A partir daí, Congresso e Executivo podem buscar alternativas lá na frente para fechar esse buraco.”

Para o senador Romero Jucá (PMDB-RR), haveria “impacto maior no mercado se o governo tentasse tapar o sol com a peneira”.

Grande Berta. O governo desistiu de incluir a nova CPMF no Orçamento depois de forte reação negativa de empresários e políticos. A ideia inicial do Palácio do Planalto era ressuscitar o imposto do cheque com o nome de Contribuição Interfederativa da Saúde, mas, diante da crise política e econômica, o plano foi bombardeado até por aliados e por Temer.

Um integrante da equipe econômica admitiu ao Estado que houve uma "ilusão" no governo de que a CPMF poderia resolver o problema fiscal de 2016, como uma espécie de "Grande Berta", canhão produzido para a Primeira Guerra Mundial, que disparava munições de até 830 quilos de peso, a uma distância de12 quilômetros. Era uma "colossal" peça de artilharia com capacidade para destruir as fortificações francesas, mas que pesava 70 toneladas e era muito difícil de ser transportado, o que limitava bastante sua eficácia.

No Ministério da Fazenda há preocupação com o risco de uma nova sinalização de déficit primário nas contas do governo em 2016. Em 2014, as contas fecharam no vermelho e não está descartado um novo déficit esse ano diante do rombo já anunciado nos sete primeiros meses do ano. Quando o governo reduziu a meta de superávit primário de 2015 de 1,1% do Produto Interno Bruto para 0,15% do PIB, foi introduzida uma regra de abatimento que permite que as contas fechem o ano deficitárias.

A avaliação é de que a proposta de Orçamento terá que ser reformulada pelo Congresso Nacional em conjunto com a "Agenda Brasil", lançada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que contou com apoio de Levy. A Fazenda avalia que, desta vez, o papel do Congresso será determinante para a "construção" do equilíbrio fiscal. "O Congresso vai ter de acertar o Orçamento nos próximos quatro meses", disse ao Estado um integrante da equipe econômica. / Colaborou Lorenna Rodrigues