O governo de Dilma Rousseff abriu mão da coordenação política, adotou uma visão de ajustes da economia em tudo oposta à que pregou na campanha eleitoral e agora abdicou da tarefa de apresentar um Orçamento equilibrado, entregando-a ao Congresso, após não encontrar consenso interno sobre o melhor caminho a seguir. A saída mais confortável para o governo era criar a CPMF, mas ela foi rechaçada liminarmente pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB), por empresários, pelos líderes partidários e por boa parte dos governadores.
Há um leque de significados na renúncia a confeccionar um Orçamento sem superávit primário - que é do que se trata, já que o Brasil coleciona déficits nominais ao longo dos anos, pelo peso de sua peculiar carga de juros. O primeiro deles é que, ao acertar as contas e fazê-las corretamente, o ministro Joaquim Levy indicou que a contabilidade pública tornou-se um horror que nem mesmo os mais pessimistas tinham sido capazes de prever. Ao pagar tudo como se deve, especialmente os subsídios a empréstimos do BNDES (PSI) as contas simplesmente não fecham, apesar dos sucessivos recuos das pretensões. Em espaço de dois meses, a meta de economia primária caiu de 1,13% do PIB para 0,1% este ano, que terá quase certamente um déficit. Para 2016, sabe-se agora da previsão de novo rombo- sempre levando-se em conta a decisão política de até aonde levar os cortes.
Esse é o segundo ponto. A Fazenda tinha a intenção de uma "reestruturação fiscal", com persistência do ajuste e mais cortes. Há espaço para isso, porque as receitas serão mais favoráveis no ano que vem. Não pela recuperação da economia, mas por um abrandamento da recessão, e pelo pacote de ajuste suavizado que passou pelo Congresso, com acréscimos da ordem de R$ 11 bilhões, com a reoneração da folha de pagamento - e o fim da equalização à Previdência pelo Tesouro.
A presidente e seus aliados, porém, consideram que os cortes já chegaram ao máximo que poderiam, mal decorridos 8 meses do segundo mandato. Quis encerrar a história tapando o rombo quase integralmente com a CPMF e, se possível, obtendo recursos extras para políticas anticíclicas. Como esse recurso foi bloqueado politicamente, o governo não se comprometeu com mais austeridade e entregou a decisão ao Congresso.
Esse lance político pode ser visto como uma tentativa de dividir o ônus de medidas impopulares com deputados e senadores, ou até mesmo como um chamado à razão de um Parlamento rebelde, feito na forma de apresentação de contas "realistas" que não deixam dúvida quanto ao desastre ocorrido.
O resultado da manobra ainda está indefinido, mas as chances de sucesso não parecem ser grandes. A receita de ajuste inicial entregue ao Congresso, no início do ano, foi abrandada, especialmente em medidas que atingiam os trabalhadores, embora se tratasse de exageros evidentes, como no caso da pensão por morte e seguro desemprego.
Além disso, até pelo menos vislumbrar o deprimente raio X das contas públicas, os partidos no Congresso estavam mais interessados em restringir ao máximo a capacidade de ação da presidente e obter vantagens mais substanciais em troca do apoio político. A Agenda Brasil, supondo-se que seja séria, e não expediente provisório para mostrar que PMDB e PT fazem parte do mesmo governo, vai mais na direção de limitar gastos do que de expandi-los.
PT, PMDB e as legendas que formavam a base governista, são mais propensas a aumentar despesas. Dividir a responsabilidade com o Congresso, que tem poderes sobre o Orçamento, pode ser a única saída para um governo que luta para sobreviver, mas tem seus riscos. Várias vezes, no passado, os congressistas não se recusaram a aumentar impostos, diante de pedidos de um Executivo com prestígio político e boa base de sustentação parlamentar. O cenário agora é bastante diverso. O Planalto depende do PMDB - ele próprio dividido -, e, sem apoio da base, depende também do Congresso. Ele perdeu o poder de dirigir e coordenar os desejos do Congresso de acordo com suas próprias aspirações.
O caminho do meio pode ser a tentativa de seduzir o Congresso para a criação de "receitas de emergência" que permitam estancar a deterioração rápida e aguda das contas públicas no momento. A resultante de tantas variáveis negativas políticas e econômicas, contudo, é imprevisível.
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