• Dilma faz acordo com verbetes da Operação Lava-Jato
- Valor Econômico
A presidente Dilma Rousseff renunciou a parte de suas atribuições, ao jogar a batata quente do Orçamento de 2016 nas mãos do Congresso. Há quem diga até que a presidente, na verdade, abdicou. Nem tanto. Não há o menor perigo de o Congresso acertar nessa questão. Seria a consagração do orçamento impositivo. Nem deputados e senadores têm poderes legais para tanto. Eles não podem criar despesas, por exemplo. O erro de Dilma - outra vez - foi político. O projeto de lei do orçamento do próximo ano foi entregue sem a definição de uma política econômica e nenhuma conversa capaz de viabilizá-lo politicamente.
Alguma coisa agradou: não há como negar que a presidente entregou uma proposta com menos efeitos especiais. Pior seria se tivesse apresentado uma peça de ficção, grávida de receitas condicionadas, como já aconteceu outras vezes. Certamente há omissões que ainda não foram detectadas, como cerca de R$ 4,9 bilhões da Lei Kandir que o governo não nega que deve mas todos os anos ficam para o "pago quando puder".
Dizer que Dilma abdicou ou renunciou é um exagero. Mais certo é dizer que é seu o nome da crise. Dilma não maneja mais os cordéis da política. Ela bem que tentou, ao perceber as chamas do impeachment nas vestes, mas de maneira errática, sem resultado prático.
Até para os iniciados é difícil entender aonde a presidente quer chegar, quando afirma que vai recorrer aos empresários e movimentos sociais em busca de apoio para votar um Orçamento que ela não teve condições de arbitrar. Tanto que passou a empreitada adiante. A presidente não percebe que já vão longe os idos de maio/junho de 2013, quando ostentava uma popularidade de mais de 65%, segundo as pesquisas.
Não é preciso ir tão longe: basta lembrar as três manifestações e os panelaços deste ano, grandes o bastante para mostrar ao governo que não está agradando. Se não contaram a Dilma, a presidente pode ter a certeza de que foi com regozijo que petistas com pedigree assistiram a vaia ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, quando tentava entrar na Livraria Cultura, na Avenida Paulista.
O militante petista de São Paulo talvez seja o mais acabrunhado com a desgraça do partido. Ele está na linha de frente do combate. A cidade foi palco das maiores manifestações contra Dilma, mas também a que reuniu mais gente a favor. A vaia a Cardozo é chamada de "choque de realidade", de vez que boa parcela dos petistas paulistanos acha que a corte de Dilma entendeu que os apupos mostraram que o impopular governo federal não deixa mal só o militante, mas também um ministro praticamente desconhecido do grande público, reconhecido mesmo por trás de óculos escuros.
Até chegar à trapalhada do Orçamento, que deixou em dúvida o grau de entrosamento entre os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento), o governo Dilma patrocinou uma série de outros erros políticos capazes de inviabilizar a mais bem intencionada iniciativa da presidente no Congresso.
O maior deles, sem dúvida, foi o afastamento do vice-presidente Michel Temer da coordenação política do governo. É o tipo de missão que presidente não dá a vice. Dilma deu, boa parte do PT acha que Temer agiu com lealdade, mas a presidente preferiu sucumbir à paranoia palaciana de que o vice quer e conspira para ser titular.
Simultaneamente, Dilma construiu uma coordenação paralela. Era inevitável - a atividade é inerente ao próprio presidente ou alguém muito próximo -, como inevitável era Temer, boicotado pela entourage presidencial, pedir as contas e sair. Indecifrável é Dilma logo depois correr atrás do apoio de Temer para aprovar a recriação da CPMF. Em vez de um Temer discreto, a presidente agora tem um vice disponível para jantares e homenagens empresariais.
Ainda está por ser mais bem contada a história da traição de Jorge e Leonardo Picciani a Eduardo Cunha, presidente da Câmara denunciado na Lava-Jato e verdadeira pedra no sapato de Dilma. Da articulação também fizeram parte o governador Luiz Pezão, o prefeito Eduardo Paes e o ex-governador Sérgio Cabral, dois deles também verbetes da operação conduzida pelo juiz Sérgio Moro a partir de Curitiba.
Ao saber do encontro dos Piccianis com Dilma, um amigo comum de Temer e Cunha exclamou: "Traição!". O fato é que Picciani, líder do PMDB na Câmara, após receber as mesuras palacianas passou a contrariar Eduardo Cunha na votação de projetos do interesse do presidente da Câmara, ao qual sempre fora obediente, e de uma hora para a outra passou a apoiar a recriação da CPMF, o que também antes condenava. Nem as declarações do vice Temer contra a recriação do imposto do cheque constrangeram o deputado a manter posição.
Se tudo correr como parece combinado, a bancada do PMDB do Rio será fortalecida em uma nova etapa da coordenação política de Dilma, se ela não for o desastre que foram as outras. Picciani terá um nome no novo ministério da presidente e será o senhor das indicações dos cargos no governo que Michel e o ministro Eliseu Padilha não conseguiram nomear.
Um interlocutor de Cunha costuma dizer que a política avança com a força das traições, mas odeia os traidores. Neste fim de semana, Dilma telefonou para Cunha, que estava nos Estados Unidos. Quer conversar sobre a confusão do Orçamento de 2016. O roteiro da presidente é tortuoso: ela outorgou a confecção do Orçamento para o Congresso, depois disse que vai pedir a ajuda da sociedade organizada para pressionar este mesmo Congresso a achar a solução que ela não encontrou ou não quis arbitrar, e acabou batendo às portas de Eduardo Cunha, o inimigo juramentado e com quem está rompida há mais de mês.
O PT levou quase duas décadas para construir a imagem do "Lulinha Paz e Amor", magistral criação do publicitário Duda Mendonça, na campanha de 2002, quando Lula ainda causava medo em setores da classe média. Hoje o PT está isolado, a oposição ensaia uma caravana da cidadania com o boneco de Lula à frente, vestido de presidiário, e as palavras de ordem são outras: desamor e guerra.
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