A liberdade de expressão parecia questão pacificada na democracia brasileira. A Constituição de 1988 protege o discurso em termos quase absolutos, com exceções mínimas. O Supremo Tribunal Federal (STF), quando instado a se manifestar sobre o tema, vinha garantindo tal liberdade várias vezes: sepultou a Lei de Imprensa da ditadura, assegurou o direito à publicação de biografias não autorizadas, à livre manifestação política nas universidades, à exibição de um especial natalino ofensivo a grupos religiosos — e sempre vetou tentativas de censura judicial.
Em
tempos recentes, a questão voltou a irromper do pântano dos conflitos
institucionais. No inquérito das fake news, o próprio STF censurou uma
reportagem da revista “Crusoé”. O Executivo vem exercendo vigilância cerrada
sobre vozes contrárias ao presidente Jair Bolsonaro. No arsenal usado pelo
governo federal para intimidar os críticos, ressurgiu a infame Lei de Segurança
Nacional (LSN), que caíra em desuso. A PF abriu 26 inquéritos com base nela em
2019 e 51 em 2020 (nos anos anteriores, a média era de 11).
Os alvos da intimidação são variados. Pode ser um cartaz em Palmas comparando Bolsonaro a um “pequi roído” (algo de pouco valor, na gíria local). Ou os professores da Universidade Federal de Pelotas, obrigados a assinar um termo de ajustamento de conduta depois de criticar Bolsonaro numa transmissão digital. O humorista Danilo Gentili. O colunista da “Folha de S.Paulo” Hélio Schwartsman. O youtuber Felipe Neto, intimado pela PF a depor por ter chamado Bolsonaro de “genocida”. Os manifestantes que estenderam faixa com os mesmos dizeres em Brasília.
Em
nenhum desses casos, as ações se justificam. A essência da democracia é o
convívio com divergências, que exige tolerância com opiniões absurdas,
agressivas ou mesmo abjetas. A liberdade de expressão existe para proteger
aquilo de que não gostamos. Para assegurar o direito ao erro e à mentira. Se a
lei protege o discurso dos piores, certamente os melhores estarão garantidos.
Numa sociedade aberta, baseada na ideia de que podemos discordar na essência,
haverá valores verdadeiros e, ao mesmo tempo, incompatíveis.
É
preciso, por isso, aprender a conviver com quem pensa diferente. Não faz
sentido, como fez o Supremo, suspender contas em redes sociais de empresários
ou blogueiros apenas porque são bolsonaristas (um deles chegou a ser preso pelo
“risco potencial” do que publica, decisão equivalente à censura prévia). As
únicas situações em que é aceitável punir alguém pelo que diz são as previstas
na lei e decisões da Justiça: discurso de ódio (como racismo, homofobia ou
antissemitismo) e, em especial, ataques verossímeis contra a própria
democracia, com conclamação à subversão e incitação à violência.
Foi
essa violação que embasou a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL), em
virtude de ameaças e ofensas que proferiu contra o STF. Há uma diferença óbvia
entre a agressão de alguém que integra um Poder e pode oferecer risco real à
democracia — e as bravatas proferidas por blogueiros ou militantes das redes
sociais. Cabe ao Judiciário interpretar essas diferenças, com base no critério
mais objetivo possível: o risco concreto que as palavras oferecem.
Tal
interpretação seria mais simples, não fosse a contradição evidente entre o
espírito da LSN e a Constituição. Por ser ambígua, sujeita a exegeses ao gosto
do freguês, a LSN deveria ser revogada e substituída por um instrumento mais
moderno, capaz de conciliar dois valores: a proteção ao Estado de direito
democrático e o respeito aos direitos individuais, entre os quais a plena —e
essencial — liberdade de expressão.
Paes e Castro precisam adotar medidas mais rígidas de restrição – Opinião / O Globo
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, demorou a tomar medidas para conter a transmissão do novo coronavírus e, quando tomou, optou pela timidez e pelo açodamento. Estabelecimentos comerciais tiveram menos de 24 horas para se preparar para os novos horários. Na esfera estadual, foi pior ainda. Quando o país inteiro restringia a circulação para tentar segurar a avalanche de pacientes nos sistemas de saúde, o governador Cláudio Castro agia como se vivêssemos na Nova Zelândia. Não podia mesmo dar certo, como não deu.
Enquanto
os casos de Covid-19 explodiam no país, e hospitais entravam em colapso, no Rio
a situação parecia sob controle. Até o início da semana, era um dos dois únicos
estados com queda na média de mortes — o outro era o Amazonas. Não é preciso
ser epidemiologista para saber que, cedo ou tarde, a situação mudaria. Não
haveria motivo para o Rio ser poupado. O tsunami já está a caminho.
Na
semana passada, os números da Fiocruz apontavam um aumento preocupante nas
internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave. O secretário municipal de
Saúde, Daniel Soranz, admitiu que o cenário mudou. Hoje não há mais dúvida de
que a situação é bem crítica. Na quarta-feira, a taxa de ocupação das UTIs na
capital fluminense chegou a 95%. Quase cem pacientes aguardam na fila por um
leito.
Não
é difícil prever o que espera o Rio se medidas de restrição não forem adotadas.
Basta olhar para o drama que aflige o Sul. Compreende-se a preocupação com as
atividades econômicas e os empregos, principalmente no setor de bares e restaurantes.
Mas deve-se seguir o que os comitês científicos recomendam para salvar vidas,
sem “jeitinhos” que driblam a Ciência e a economia. Quanto antes a pandemia
estiver controlada, melhor.
Espera-se
que o evidente agravamento do quadro no Rio leve prefeito e governador a adotar
medidas mais drásticas para reduzir a circulação, mais adequadas à situação de
calamidade. É inútil achar que, sem elas, haverá vagas em hospitais para todos.
O toque de recolher durante a noite e a madrugada diminuiu as aglomerações nas
áreas boêmias da cidade. Porém não há sentido em manter as praias lotadas — é
sensata a intenção, anunciada ontem, de fechá-las este fim de semana. Mas é
necessário ir além.
É
preciso resolver também a questão do transporte. É inadmissível que, na situação
atual, os ônibus continuem a operar como latas de sardinha. Pedir às empresas
que aumentem a frota não tem adiantado. As aglomerações no BRT são indecentes.
Ou prefeito e governador fazem agora o que tem de ser feito para poupar vidas
no momento mais grave da pandemia, ou mais tarde terão de acertar contas com a
História.
Reviravolta nos juros – Opinião / O Estado de S. Paulo
Com
os preços disparados e muita incerteza sobre o futuro das contas públicas,
analistas davam como inevitável uma alta da Selic, a taxa básica
Incapaz de conter o presidente Jair Bolsonaro, o Banco Central (BC) limitou-se a uma decisão mais convencional, porém mais custosa. Apertou a política de juros, tentando mexer nas expectativas, tornar o dólar menos instável e encaixar a inflação, de novo, nos objetivos oficiais. Com os preços disparados e muita incerteza sobre o futuro das contas públicas, analistas davam como inevitável uma alta da Selic, a taxa básica. Vários especialistas, no entanto, qualificaram como surpreendente a elevação de 2% para 2,75%, anunciada no começo da noite de quarta-feira, depois da reunião periódica do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. Poucos haviam apostado num aumento superior a 0,50 ponto porcentual.
A
decisão foi um recado forte. Além da alta de 0,75 ponto, o comitê, formado por
diretores do banco, anunciou como quase certo um ajuste igual em sua próxima
reunião, em 4 e 5 de maio. Mas já se especula sobre um ajuste mais amplo. Até o
fim do ano, segundo se estima no mercado, a taxa deverá chegar a 4,50%, encarecendo
a dívida pública e atrapalhando, talvez, o crescimento.
O
recado poderá afetar, no curto prazo, as expectativas de inflação e, talvez, a
evolução do câmbio. De certa forma, a decisão do Copom é uma resposta a
cobranças de investidores e de economistas. Mas o alcance efetivo da nova
política é obscuro.
Não
se pode falar seriamente de inflação de demanda, quando dezenas de milhões de
pessoas dependem da volta do auxílio emergencial para sobreviver. Não se trata
de cuidar de um mercado superaquecido. Juros mais altos serão inócuos contra um
problema inexistente. Mas poderão funcionar, de outra forma, contra ameaças de
outro tipo.
O
aumento de preços internacionais das commodities, com reflexos no mercado
brasileiro, aparece no comunicado emitido pelo Copom logo depois da reunião.
Alimentos e matérias-primas de origem agropecuária têm ficado mais caros.
Economistas discutem se ocorre um novo superciclo das commodities. Enquanto o
debate prossegue, os consumidores pagam mais pela comida. As cotações internacionais
do petróleo, assim como o câmbio, também afetam direta e indiretamente o
conjunto dos preços internos.
Enquanto
sobe o custo do sustento familiar, pioram as projeções de inflação e números
acima da meta – 3,75% em 2021 – já são correntes. Mas o Copom mantém o
diagnóstico de choques temporários. Nesta altura, essa é uma insistência um
tanto estranha.
Mas
há, no comunicado, outras passagens curiosas. Exemplo: “... o agravamento da
pandemia pode atrasar o processo de recuperação econômica, produzindo
trajetória de inflação abaixo do esperado”. Isso faria sentido se a alta de
preços, no Brasil, dependesse apenas, ou principalmente, da demanda final. Mas
o caso brasileiro é diferente.
Como
o agravamento da pandemia, no País, é associado ao negacionismo e a outros
erros do governo, a ampliação do desastre sanitário realimenta as incertezas,
pressiona o câmbio e se reflete na inflação. Há um evidente parentesco,
certamente percebido no mercado, entre a má condução da política de saúde,
inegável até agora, e as decisões inseguras e erráticas sobre a política
econômica e, de modo especial, sobre as contas oficiais e a dívida pública.
Resumindo:
o risco fiscal mencionado no informe do Copom é indistinguível do aumento de
contágios e de mortes na pandemia. Os dois conjuntos de fatos têm uma origem
comum – a cabeça de um presidente obcecado por interesses eleitorais e
familiares. A intervenção do presidente na política de preços de combustíveis e
na gestão do Banco do Brasil é irmã gêmea de sua atuação catastrófica nas
questões ligadas à pandemia.
Impossível
evitar estranheza, também, diante do aparente otimismo em relação ao andamento
da economia. “O cenário atual”, segundo o comunicado, “já não prescreve um grau
de estímulo extraordinário.” Mesmo com a piora, a cada semana, das projeções de
crescimento? Mais detalhada, a ata da reunião deve sair na próxima terça-feira.
Talvez seja mais esclarecedora e menos estranha.
O
escândalo dos vetos – Opinião / O Estado de S. Paulo
O
presidente Bolsonaro deseja isentar-se dos deveres politicamente custosos
A Constituição confere ao presidente da República o poder de vetar, integral ou parcialmente, um projeto de lei aprovado pelo Congresso, que considere ser inconstitucional ou contrário ao interesse público. Esse importante controle está sendo, no entanto, frequentemente subvertido pelo presidente Jair Bolsonaro, como se viu no dia 17 de março, numa demonstração de descaso com a Constituição e com o interesse público.
A
manobra se dá da seguinte forma. Jair Bolsonaro apõe vetos a projetos de lei,
mas depois, na apreciação desses vetos pelo Congresso, não apenas libera muitas
vezes a base governista para derrubá-los, como às vezes trabalha ativamente
para restabelecer dispositivos que ele mesmo vetou.
Surgem,
então, as perguntas. A inconstitucionalidade que antes motivara o veto sumiu
por passe de mágica? E a defesa do interesse público, alegado fundamento de
muitos vetos, foi esquecida no caminho?
Um
exemplo da manobra são dois vetos derrubados, com aval do presidente Jair
Bolsonaro, no dia 17 de março, referentes a dívidas fiscais e previdenciárias
de igrejas. Em setembro de 2020, o Congresso aprovou duas medidas que, em plena
crise fiscal, conferiram uma bilionária ajuda para as igrejas. Segundo cálculos
do próprio governo, essa ajuda deve representar, nos próximos quatro anos, um
custo aos cofres públicos de R$ 1,4 bilhão, em renúncia fiscal.
O
projeto de lei aprovado por deputados e senadores estendeu equivocada e
escandalosamente a imunidade constitucional das igrejas (“é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos
de qualquer culto”) à cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL). Além disso, perdoou dívidas de igrejas relativas a essa contribuição.
O
segundo dispositivo aprovado pelo Congresso anistiou multas e outras cobranças
de natureza previdenciária aplicadas sobre a prebenda, como é chamada a
remuneração de pastores e líderes do ministério religioso.
É
de estranhar, em primeiro lugar, que entidades “religiosas” façam distribuição
de lucro, o que a rigor deveria levar a um questionamento se essas entidades
fazem jus à imunidade tributária prevista na Constituição.
O
problema, no entanto, é ainda mais grave. Nos últimos anos, a Receita Federal
identificou manobras de igrejas para distribuir lucros e remuneração variável
de acordo com o número de fiéis sem o devido pagamento das contribuições
sociais, como a CSLL. Daí nasceram as dívidas para as quais as igrejas almejam
o perdão – e a futura e irrestrita isenção.
Ao
vetar os dois dispositivos em setembro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro
afirmou que não houve a devida compensação fiscal, o que poderia configurar
crime de responsabilidade caso sancionasse as medidas. No entanto, no mesmo dia
em que os vetos foram anunciados, Jair Bolsonaro escreveu em uma rede social:
“Confesso, caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que
deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo”.
Ou
seja, Jair Bolsonaro deixava claro que seu comportamento não atendia a fins
constitucionais ou ao interesse público. Sua paradoxal atuação tinha tão
somente o objetivo de buscar a irresponsabilidade jurídica – não lhe ser
imputado crime de responsabilidade – e política – caso fosse parlamentar,
votaria pela derrubada do veto mesmo sabendo que o veto simplesmente cumpria
normas orçamentário-financeiras, ou seja, seguia apoiando essas igrejas e os
interesses financeiros de suas lideranças.
Nesse
diapasão, no dia 17 de março, foi derrubada à balaiada uma longa série de
vetos, que, além das igrejas, envolviam Lei de Falências, Código de Trânsito,
Programa Casa Verde e Amarela e Fundo de Universalização das Telecomunicações
(Fust), entre outros. Esse modo de atuar de Jair Bolsonaro, trabalhando pela
derrubada de seus próprios atos, é a perversão da política. Em vez de assumir
sua competência constitucional e a correspondente responsabilidade, Bolsonaro
deseja isentar-se dos deveres politicamente custosos. A conta vai, uma vez
mais, para o cidadão.
União
nacional – Opinião / O Estado de S. Paulo
Só
com vacinas e adesão ao isolamento social podem-se evitar ainda mais mortes
O País assiste apreensivo à evolução da curva epidemiológica da covid-19 acompanhada por especialistas há meses. Os alertas sucessivos não evitaram o pior. A média móvel de mortes diárias ultrapassou o patamar de 2 mil pela primeira vez desde o início deste flagelo. Apenas em São Paulo, cerca de 700 pessoas morreram em um único dia em decorrência da doença – 93 delas na fila de espera por leitos nos hospitais de 25 municípios, inclusive da capital.
O
Brasil enfrenta o “maior colapso sanitário e hospitalar de sua história”, na
definição da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Faltam
leitos para socorrer todos os doentes. Faltam anestésicos para intubação. O
estoque de cilindros de oxigênio é precário. Mas, ainda que em um esforço
hercúleo de gestão todos estes insumos fossem providos, falta o essencial: profissionais
de saúde, em especial intensivistas. E este não é um ativo que se encontra nas
prateleiras. As equipes estão exauridas.
É
imperativo interromper sem mais delongas o ciclo de transmissão do coronavírus.
E isto só pode ser feito de duas maneiras, basicamente: por meio da vacinação
em massa da população ou, enquanto este processo não atingir um patamar mínimo
para frear o espalhamento do vírus, por meio de medidas que restrinjam o
contato entre as pessoas. Não há elixir, não há saída fácil. A extrema
gravidade da situação impõe união nacional, das mais altas esferas de poder ao
mais anônimo dos cidadãos, para salvar vidas.
A
opção mais segura para fazer cessar a espiral de mortes, sem dúvida, é avançar
rapidamente com a vacinação da população. Em paralelo, os cidadãos que podem
devem permanecer isolados em suas casas. Isto é capaz de salvar vidas já nas
próximas duas semanas. Outra opção é insistir no combate a hábitos perigosos
até que, enfim, o isolamento social interrompa a circulação do vírus, mas a um
alto custo em vidas.
Por
mais absurdo que possa parecer a esta altura, não há cronograma confiável
indicando quando o País terá vacinas em quantidade suficiente para imunizar
toda a população. A responsabilidade individual é mais necessária que nunca
para mitigar os efeitos da desídia do governo federal.
No
entanto, um número expressivo de cidadãos ainda desrespeita as normas de
segurança determinadas pelas autoridades sanitárias, seja porque precisam, seja
porque desdenham da doença e da dor de seus concidadãos. Aliada ao mau
comportamento, a circulação de cepas mais contagiosas do vírus aumenta o tempo
de internação – comprometendo a capacidade de atendimento das equipes
hospitalares – e acomete pessoas cada vez mais jovens.
Em
São Paulo, a ocupação dos leitos de UTI está em 89,9% (90,6% na Grande São
Paulo). No pico da pandemia no ano passado, no dia 29 de julho, havia 6.250
pessoas internadas em UTI no Estado. Hoje há 10.756.
O
Palácio dos Bandeirantes anunciou um pacote de medidas para socorrer empresas
que devem permanecer fechadas e baixar o custo dos alimentos para os paulistas.
São medidas que, ao fim e ao cabo, contribuem de alguma forma para a
permanência em casa no momento mais difícil desta crise. A ampliação de
feriados, formando praticamente uma semana sem trabalho, também será uma boa
providência para quebrar a cadeia de transmissão do vírus.
É
bom lembrar que os brasileiros estão morrendo por uma doença contra a qual já
existem seis vacinas. Todos os esforços nacionais, portanto, devem ser
dedicados à compra e aplicação destas vacinas o mais rápido possível. Enquanto
isto não ocorre, que todos os que podem ficar em casa o façam em um esforço de
união nacional.
É
em momentos de grave ameaça como este que os cidadãos devem se unir em torno de
propósitos comuns demonstrando que formam uma Nação.
‘Normalização parcial’ pode encurtar ciclo de alta dos juros – Opinião / Valor Econômico
BC
poderá suavizar os danos à economia que a elevação dos juros causará
especialmente agora, durante a pandemia
O
Comitê de Política Monetária fugiu a qualquer roteiro previsível - aumentou a
taxa Selic em 0,75 pontos percentuais, a maior estimativa entre as apostas do
mercado e prometeu repetir a dose em sua próxima reunião, se as condições
atuais não mudarem. Com as expectativas de inflação se deslocando para além do
centro da meta - o sinal de alerta foi o salto de 3,32% para 4,60% no boletim
Focus na semana da reunião - e indicando um risco de desancoragem das
expectativas, o BC agiu fortemente a curto prazo - não teve muita alternativa a
não ser elevar os juros. Resta saber até aonde vai chegar e com que ritmo.
O
BC se moveu em campo minado e atuou para realinhar as expectativas quando a
inflação corrente, a 5,2% nos doze meses findos em fevereiro, ameaçava
ultrapassar o teto da meta (5,25%) no ano. A economia, após uma reação no
quarto trimestre de 2020, “na ponta”, perdeu fôlego e, segundo o BC, “a
incerteza sobre o ritmo de crescimento permanece acima da usual, sobretudo para
o primeiro e segundo trimestres deste ano”. Na verdade, as previsões são de
retração no primeiro trimestre e possível contração também no segundo,
motivadas pelas restrições à mobilidade decorrente de uma segunda onda de maior
letalidade da pandemia e da morosidade da vacinação.
A
menção no comunicado à “recuperação consistente da economia” é um dos maiores
ruídos da decisão, já que a frase seguinte, a da inusual incerteza,
praticamente a deixa sem efeito. No primeiro semestre não há fatores de demanda
acelerando os preços e esse foi outro dilema do BC. Juros mais altos são
indicados para combater choques de demanda, e não de oferta, como é o caso
agora. O primeiro tipo exige uma resposta firme da autoridade monetária, o
segundo, acomodação dentro do sistema de metas.
A
inflação subiu sem contribuição do consumo, contido pela queda salarial, aumento
do desemprego e fim do auxílio emergencial, com a economia a caminho da
estagnação. O câmbio então foi um protagonista central. “A continuidade da
recente elevação no preço de commodities internacionais em moeda local tem
afetado a inflação corrente e causou elevação adicional das projeções para os
próximos meses, especialmente através de seus efeitos sobre os preços dos
combustíveis”. A inflação foi mais forte e persistente do que o BC previa,
segundo o Copom, que manteve o diagnóstico de que “os choques atuais são
temporários”, outro ponto contraditório pelo menos em relação à decisão firme
de dar duas pancadas de 0,75 pontos na Selic.
Comparado
ao caos do surgimento da pandemia no país e à recessão subsequente, o cenário
econômico é hoje um pouco mais confortável. Para o BC, ele “já não prescreve um
grau de estímulo extraordinário”. Mas, com a economia se arrastando no início
do ano, seu estágio atual também não prescreve, de maneira cabal, o fim de
todos os estímulos.
Talvez
por isso o Copom tenha iniciado nova fase de adequação da política monetária, a
da “normalização parcial”, isto é, uma redução do “grau extraordinário” do
estímulo, o que pode ser entendido de várias formas. Antes da pandemia, e com
crescimento na casa de 1% a 1,5%, a taxa Selic era de 4,5%. Possivelmente o
ajuste pretendido para o horizonte relevante será maior em 2021 e bem menor em
2022. Com as projeções do Focus e câmbio a R$ 5,70 por dólar (com evolução pela
paridade de compra), o IPCA atingiria 5% com juro a 4,5%, segundo o Copom.
Por
outro lado, a situação em 2022 é bem mais folgada, com a inflação na meta de
3,5% e com a Selic a 5,5%. O que o comunicado do Copom sugere é que os juros
subirão mais rápido no curto prazo, antecipando um calendário que se tornaria
de certa maneira inevitável depois, com a normalização da economia em 2022, e
que se tornou incontornável agora, com o câmbio empurrando o IPCA para cima e
ameaçando contaminar as expectativas para o ano que vem, o que começara
discretamente a ocorrer.
Por
isso, a estratégia do BC é a de “ajuste mais célere do grau de estímulo” que
teria o duplo benefício de “reduzir a probabilidade de não cumprimento da meta
deste ano, assim como manter a ancoragem das expectativas para horizontes mais
longos”. Colocado dessa forma, o BC poderá equilibrar sua missão de cumprir as
regras do sistema de metas e suavizar os danos à economia que a elevação dos
juros causará especialmente agora, durante a pandemia, sem referendar as taxas
muito altas que surgiram ao longo da curva de juros - fazer uma normalização de
fato parcial.
Mal necessário – Opinião / Folha de S. Paulo
Má
gestão de Bolsonaro e choque de preço forçam BC a elevar juro contra inflação
Diante
de todos os problemas acumulados nos últimos meses, o Banco Central não teve
opção a não ser iniciar um ciclo
de alta da taxa básica de juros. Por amargo que seja, o remédio é
necessário para evitar uma alta descontrolada da inflação.
O
quadro que levou ao aumento da Selic de 2% para 2,75% ao ano decorre
essencialmente de dois choques simultâneos que deterioraram as perspectivas
para a economia brasileira e favoreceram elevações mais aceleradas dos preços.
O
primeiro é a absoluta incompetência do governo federal para lidar com a
emergência sanitária. Além do drama da perda de vidas, a má gestão da pandemia
eleva os riscos econômicos. Tornam-se inevitáveis mais despesas para mitigar o
impacto do isolamento, e piora a trajetória da dívida pública.
Tudo
isso contribui para minar a credibilidade do país, e o resultado é a
persistente desvalorização da moeda, muito superior à observada na maior parte
dos emergentes.
À
falta de confiança quanto à solidez fiscal, que eleva os riscos para todos os
ativos brasileiros, somou-se um segundo choque —a alta acelerada dos preços das
commodities no mercado internacional.
Energia,
alimentos e metais industriais estão em falta, com problemas de oferta em
vários setores num momento em que a economia mundial inicia uma retomada.
A
combinação do real fraco com preços em dólar mais elevados mudou drasticamente
o ambiente para o Banco Central. Desde o início do ano, a alta das
matérias-primas em moeda local supera 20%. Não surpreende, assim, que os preços
no atacado tenham subido 40% nos 12 meses encerrados em fevereiro.
A
contaminação dos preços no varejo, uma possibilidade há poucos meses, materializou-se.
O IPCA acelerou no primeiro bimestre e as simulações do BC apontaram para
variação de 5% em 2021, bem acima da meta de 3,75%.
O
BC tinha a opção de iniciar o ciclo com uma alta de 0,5 ponto percentual, mas
optou por um movimento mais rápido, que classifica como um ajuste parcial. Na
prática, o objetivo parece ser retornar a Selic ao patamar anterior à pandemia,
de 4,5% ao ano, o que ainda manteria a política monetária em terreno
expansionista.
Há
riscos, por certo, a começar pela piora da atividade econômica, que de todo
modo já foi comprometida neste primeiro trimestre pelo agravamento da pandemia.
A
esta altura não é possível saber até que nível o BC elevará os juros. É
evidente, no entanto, que a autoridade monetária pode contribuir, mas não conseguirá
sozinha estabilizar as variáveis financeiras, notadamente a taxa de câmbio e os
juros de longo prazo.
Para
tanto, depende da colaboração do governo, que é errático na gestão das contas
públicas e desastroso no combate à pandemia.
Vício boliviano – Opinião / Folha de S. Paulo
Recorrente
no país vizinho, perseguição judicial a adversários volta à cena
Depois
de uma crise social e política que se estendeu por um ano, a Bolívia teve nas
eleições presidenciais de outubro de 2020 —um pleito limpo e cujo resultado foi
reconhecido por todos os envolvidos no processo— uma chance
de superar os fantasmas do passado.
O
vencedor, Luis Arce, assumiu com um discurso conciliador, afirmando que seu
partido, o MAS, havia aprendido com a experiência pregressa e que buscaria
corrigir os erros na nova administração.
Tais
esperanças, contudo, começaram a cair por terra com as
prisões da ex-presidente Jeanine Añez e de outras autoridades do
antigo governo interino do país, que levantaram a suspeita de uso da Justiça
como instrumento de perseguição a adversários políticos.
Añez,
recorde-se, chegou à Presidência após a deposição de Evo Morales em 2019 utilizando
procedimento não previsto na Constituição. Várias lideranças desse processo são
agora acusadas de sedição, terrorismo e conspiração.
Imputações
dessa natureza não são incomuns na história da Bolívia. Como observou a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, constata-se ali uma recorrência de
denúncias de atos de perseguição judicial de opositores em diferentes
administrações.
Durante
o governo de Añez, por exemplo, foram instaurados processos contra Evo e outros
nomes do MAS por terrorismo e sedição. Os acusadores de ontem tornam-se agora
alvo das mesmas acusações.
A
entidade multilateral aponta ainda que tais tipos penais estão sob análise do
Tribunal Constitucional do país desde que a bancada do MAS apresentou, em junho
do ano passado, uma ação contra os artigos do Código Penal boliviano que tratam
desses crimes.
Já
o diretor para as Américas da ONG Human Rights Watch, José Miguel Vivanco,
ressalta que as ordens de prisão contra Añez e seus ministros “não contêm
nenhuma evidência de que tenham cometido o delito de terrorismo”.
Malgrado
os potenciais vícios do processo, as violações de direitos humanos ocorridas na
repressão a protestos contra a saída de Evo, que deixaram dezenas de mortos,
precisam de fato ser investigadas.
Para isso, entretanto, a Justiça boliviana precisará desempenhar um papel que não exerce há muito —o de atuar de forma imparcial, independente e segundo os princípios do Estado democrático de Direito.
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