Bolsonaro
controla a situação
Jair
Bolsonaro dispensa intermediários. Ele, em pessoa, como presidente da
República, arrasta o Brasil na direção de dois tipos de colapso: o sanitário
hospitalar, o maior da história, e o democrático – esse, certamente difícil de
superar os pavorosos 21 anos da ditadura militar de 64. Os tempos são outros. O
autoritarismo tem várias faces e diferentes meios de se impor.
O
Brasil tem 2,7% da população mundial. Nas últimas 24 horas, o número de mortos
pela Covid representou 27,9% de todas as mortes ocorridas no mundo. Foram mais
2.724 mortes, o segundo maior número em toda a pandemia. O aumento só foi
menor que o registrado na última terça-feira – 2.841. É o terceiro dia
consecutivo em que os óbitos ficam acima de 2.600.
Foram registrados mais 86.982 casos, totalizando 11.780.820. Dezesseis estados e o Distrito Federal estão com ocupação de leitos de UTI acima de 90%. Dos 27 estados, 18 adotam toque de recolher. O estoque de remédios para atendimento de doentes graves está perto do fim. Quem toma decisões – o ministro da Saúde demitido ou seu sucessor ainda não empossado?
por
que imaginar que a troca de ministros poderá resultar em um salto de qualidade
no combate ao vírus? O ministro de saída antecipou que seu substituto “reza
pela mesma cartilha”. O ministro de entrada, que obedecerá às orientações de
Bolsonaro porque foi ele o eleito para governar. Por tudo que diz e repete,
Bolsonaro não mudou de lado. Segue parceiro do vírus.
Somente
ontem, no período de 12 horas, em conversa com devotos nos jardins do Palácio
da Alvorada e na live das quintas-feiras no Facebook, Bolsonaro voltou a
defender o tratamento preventivo de de infectados com drogas ineficazes, entrou
com uma ação no Supremo Tribunal Federal contra o toque de recolher que chama
de Estado de Sítio, e atacou governadores, Lula e o PT.
A
quem desconfia estar doente, aconselhou: “Você passou mal, está com um pouco de
dor de cabeça, dor nos olhos, um pouco de febre, resfriado, vai para o médico.
Alguns nem vão, já tomam logo remédio ‘para matar piolho’, porque falar o nome
também não pode. E eu tomei outro e me dei bem, e milhares de pessoas têm se
socorrido nesse tratamento inicial e seguraram”.
Para desacreditar o avanço da doença no Brasil, tentou plantar a dúvida: “Parece que só morre de Covid. Os hospitais estão com 90% da UTI ocupada. O que a gente precisa fazer? Quantos são de Covid e quantos são de outra enfermidade”. E completou: “A gente pergunta aí, qual país do mundo que está tratando bem a questão do covid? Aponte um. Todo local está morrendo gente”.
A
seu mando, a Advocacia-Geral da União tentará derrubar na justiça medidas
restritivas adotadas por três governadores. Justifica: “Isso [toque de
recolher] é estado de defesa, estado de sítio que só uma pessoa pode decretar:
eu. Mas, quando assino um decreto de defesa ou sítio, vai para dentro do
Parlamento”. Isolamento em excesso, segundo ele, empobrece o país.
Adiantou
ter enviado ao Congresso um projeto de lei com urgência em que define o que são
atividades consideradas essenciais durante a pandemia. “É toda aquela que serve
para o cidadão botar pão na mesa. Então, tudo passa a ser atividade essencial”,
aduziu. Atividade essencial não fecha. Nada fecha se tudo for considerado
atividade essencial. Portanto, mais mortes à vista.
Enquanto
Bolsonaro preparava o país para encarar novas mortes que poderiam ser evitadas,
aconteceu mais um episódio de apagão democrático – desta vez a prisão em
Brasília de três militantes do PT que estenderam uma faixa na Esplanada dos
Ministérios acusando-o de genocídio. A Polícia Militar invocou a Lei de
Segurança Nacional (LSN) para prendê-los.
Herança
da ditadura militar de 64 que o Congresso, por medo, finge que não existe, a
LSN está sendo usada para intimidar os opositores e críticos eventuais de
Bolsonaro e do seu governo. Em nome dela, no dia anterior, um sociólogo de
Palmas foi intimado a depor por ter pagado um outdoor onde Bolsonaro era
comparado a um “pequi roído”, algo de pouco valor no Tocantins.
Com
base na LSN, a Polícia Federal abriu 26 inquéritos em 2019 e 51 em 2020. Nos
anos anteriores, a média era de 11. Outro dia, professores da Universidade
Federal de Pelotas foram obrigados a assinar um termo de ajustamento de conduta
depois de criticar Bolsonaro numa transmissão digital. No ano passado, o
Ministério da Justiça investigou policiais que se diziam antifascistas.
A
pesquisa Datafolha mais recente mostra que 79% dos brasileiros estão
convencidos de que a pandemia fugiu ao controle das autoridades públicas, e por
isso sentem medo. Enganam-se. Ao seu modo, Bolsonaro está no controle da
situação, sempre esteve. Tudo está saindo conforme ele planejou. Morram os que
tiveram de morrer, e daí? Se a economia afundar, seu governo acaba.
O mais será decidido ao longo da batalha de narrativas a ser travada até o último voto da eleição de 2022 – e nisso, ele e sua turma costumam se dar bem.
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