a) Os
populistas duram mais no cargo. Em média, os líderes populistas permanecem no
cargo duas vezes mais do que os líderes democraticamente eleitos que não são
populistas. Os populistas também são quase cinco vezes mais propensos do que os
não-populistas a sobreviver no cargo por mais de dez anos.
b) Os
populistas geralmente deixam o cargo em circunstâncias dramáticas. Apenas 34%
dos líderes populistas deixam o cargo após eleições livres e justas ou porque respeitam
os limites dos mandatos. Um número muito maior é forçado a renunciar ou é
impedido, ou não deixa o cargo.
c) Os populistas são muito mais propensos a prejudicar a democracia. No geral, 23% dos populistas causam um retrocesso democrático significativo, comparado com 6% dos líderes democraticamente eleitos não populistas. Em outras palavras, os governos populistas são cerca de quatro vezes mais propensos do que os não-populistas a prejudicar as instituições democráticas.
d) Os
populistas frequentemente erodem os freios e contrapesos ao executivo. Mais de
50% dos líderes populistas alteram ou reescrevem as constituições de seus
países, e muitas dessas mudanças ampliam os limites dos mandatos ou enfraquecem
os controles sobre o poder executivo. As evidências também sugerem que os
ataques dos populistas ao Estado de Direito abrem caminho para uma maior
corrupção: 40% dos líderes populistas são acusados de
corrupção, e os países que lideram experimentam quedas
significativas nos rankings internacionais de corrupção.
e) Os populistas
atacam os direitos individuais. Sob o domínio populista, a liberdade de
imprensa cai em cerca de 7%, as liberdades civis em 8% e os direitos políticos
em 13% (*).
2 – Quando um
populismo (de esquerda ou de direita) chega a ultrapassar 20% de audiência é
sinal de que já há um processo de autocratização em curso. Se, no entanto, dois
populismos (de esquerda x de direita) polarizarem a cena política,
cada qual com mais de 20% de audiência, então é porque a democracia já foi
envenenada. Pode até não morrer, mas só se encontrar a tempo um antídoto
eficaz.
3 – Todavia, se
um processo eleitoral é antecipado, colocando em confronto dois populismos,
cada qual com mais de 20% de audiência, então são quase nulas as chances de
evitar a vitória de um dos polos se as demais forças não-populistas ficarem
esperando o desfecho das eleições. Pode-se sempre apostar todas as fichas na
loteria do calculismo eleitoreiro, mas aí a probabilidade de vitória é
semelhante à de ganhar na loteria mesmo. Nestas circunstâncias, só algum
movimento que desarrume o arranjo das forças políticas, desalinhe os blocos em
formação e altere a configuração do ambiente onde se dá a disputa, pode nos
livrar da dependência da trajetória recente.
4 – Um movimento
desse tipo não pode surgir apenas a partir da vontade dos atores não-alinhados
aos polos em disputa. É necessário que haja condições políticas objetivas para
a sua deflagração: algo tão grave que seja capaz de mobilizar a indignação das
pessoas comuns, independentemente de suas preferências eleitorais ou
partidárias.
5 – No Brasil
existem atualmente essas condições objetivas com a tragédia dos mais de 11
milhões de infectados e quase 300 mil mortos pelo SARS-CoV-2 e da condução
criminosa do enfrentamento à pandemia por parte do atual governo. Essa janela
de maior fragilidade de Bolsonaro – e de oportunidade de parar a sua obra de
destruição de vidas e de depredação da democracia – está aberta agora, com o
agravamento da segunda onda do novo coronavírus, mas pode se fechar bem antes
do início do segundo semestre.
6 – Portanto, o
momento é propício para que um conjunto de atores políticos democráticos,
não-populistas, de forma pluripartidária ou não-partidária, se apresente à
nação exigindo o fim da matança em curso e dos ataques cotidianos ao regime
democrático por parte do chefe de governo, de sua família e das forças
obscurantistas que o apoiam.
7 – Antes de
qualquer coisa, Bolsonaro tem que ser declarado, por esse conjunto de
democratas, como um presidente ilegítimo – não porque não tenha sido eleito
legitimamente e sim porque não governou legitimamente, colocando em risco vidas
humanas que deveria proteger e ameaçando a paz social, a harmonia entre os
poderes os demais fundamentos da democracia.
8 – Essa
declaração deve desencadear uma ação da cidadania pela vida e não deve anunciar
um nome particular para concorrer às eleições de 2022. É uma intervenção no
trágico presente em que vivemos em 2021. Sem uma ação da cidadania pela vida,
Bolsonaro não cairá.
9 – É uma recusa
a manter no poder, por mais de vinte meses, um facínora cujo tempo restante de
governo não se pode mais contar apenas em número de dias, mas em vidas humanas
(às centenas de milhares), em devastação do meio ambiente, em extinção de
direitos de populações tradicionais, em destruição dos sistemas públicos de
saúde e educação, em desvirtuamento da segurança pública, em desmoralização das
forças armadas e policiais, em uso privado e escuso dos aparatos de segurança,
informação e controle do Estado, em desproteção aos mais pobres e aos pequenos
e médios empreendedores, em negação de direitos de minorias sociais, em
degeneração e aparelhamento das instituições democráticas, em ataques à
imprensa, em estímulo ao caos para instalar uma guerra civil que jogará brasileiros
(que o atual presidente quer armar) contra brasileiros.
10 – Tudo isso
tem que ser parado agora. Um presidente que promove esses malfeitos tornou-se
ilegítimo e não pode ser mantido no poder para que complete sua obra de
destruição. Bolsonaro deve ser instado a renunciar, ser interditado ou sofrer
um processo de impeachment. Por pior que seja, um governante não cai sem ter
quem o derrube. Se os deputados federais e os senadores não vão assumir a
liderança desse movimento, a sociedade deve fazê-lo.
11 – Esse
movimento amplo não pode recusar quem queira apoiá-lo, mas também não pode
servir de palco para que uma força neopopulista de esquerda substitua a força
populista-autoritária e reacionária de extrema-direita. Essa troca não convém à
democracia. Não se pode substituir o populismo que está no poder por outro
populismo, iliberal e majoritarista, que já esteve no poder e que pretenda
reeditar a maligna dinâmica do “nós” contra “eles”, que se baseie numa visão de
que a sociedade está atravessada apenas por uma clivagem que opõe o povo às
elites e que pretenda falar como único representante legítimo do povo.
12 – Por isso, um
movimento desse tipo deve ser lançado e impulsionado pelas forças democráticas
não-populistas que, conquanto agora dispersas, ainda constituem – como
mostraram as eleições municipais de 2020 – a maioria da nação. Chegou a hora de
cogitados pré-candidatos não-populistas – como Dória, Eduardo Leite, Mandetta,
Huck e Amoedo – se mexerem. Chegou a hora de partidos como o Cidadania, o Verde,
a Rede, o PSDB e até parte do MDB e do DEM entenderem que, se não tomarem uma
atitude, serão cúmplices da tragédia. Nada disso é para antecipar as eleições,
mas é para exigir a saída do populista-autoritário, reacionário de
extrema-direita, corrupto e genocida Jair Messias Bolsonaro.
13 – Deixar a
oportunidade passar, deixar esta janela se fechar, é se render à marcha insana
de derruição da vida e da democracia que prosseguirá avançando se nada for
feito. É preciso agir agora. Em 2021. Não ficar esperando 2022. Não dá para
precificar as mortes que virão e assumir esse custo em troca de ter um bom
desempenho nas eleições de 2022. Quinhentos mil brasileiros mortos não têm
preço.
14 – Os próximos 90 dias serão cruéis. Falta de vacinas, vacinação a passo de tartaruga, falta de coordenação nacional de enfrentamento à Covid-19, auxílio emergencial pífio, presidente da República sabotando todos os esforços de distanciamento social, enganando a população com remédios falsos, ridicularizando as máscaras e tentando colocar a culpa por tudo nos governadores e prefeitos (inclusive pela inflação dos alimentos e pelo desemprego), colapso hospitalar, mais mortes (talvez chegando ao patamar de 4 mil diárias) e, os deuses nos livrem, novas variantes do coronavírus mais infecciosas, mais ofensivas e mais resistentes às vacinas. Mas esses 90 dias são tudo que temos. São a janela para tirar Bolsonaro.
(*) Cf. The Populist Harm to Democracy: An Empirical Assessment de Jordan Kyle (Senior Fellow and Chief of Data and Analytics, Renewing the Centre) & Yascha Mounk (Executive Director, Renewing the Centre), Tony Blair Institut for Global Change, 26th December 2018.
*Augusto de Franco, Consultor, palestrante e escritor
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