Não
se sabe se Galileu Galilei de fato proferiu a famosa frase depois de ter
renegado a teoria heliocêntrica e se retratado perante a Inquisição, mas ela é,
até hoje, um libelo em favor da razão e da Ciência — e contra a censura e a
perseguição político-religiosa.
Sim,
a Terra gira em torno do Sol, e não o contrário. (Além de se mover, ela é
redonda, como recentemente atestou até Jair Bolsonaro, ao aparecer com um globo
terrestre movido a pilha numa das suas infernais lives semanais.)
A frase imputada a Galileu me voltou à mente diante da resistência cívico-jurídica organizada pelo influenciador Felipe Neto, que, diante da tentativa de intimidação judicial que sofreu por parte de Carlos Bolsonaro, filho e guarda-costas do presidente da República, montou uma rede com alguns dos melhores advogados criminalistas do Brasil, para defender gratuitamente aqueles que vierem a ser perseguidos por se manifestar contra o governo e o capitão.
A
inaceitável tentativa de enquadrar o youtuber na Lei de Segurança Nacional caiu
por ora, graças a uma liminar, mas a ameaça autoritária já há muito saiu do
campo da possibilidade e da retórica para virar realidade cotidiana.
Nesta
quinta-feira, foi a vez de manifestantes serem presos por protestar em frente
ao Palácio do Planalto portando cartazes e faixas chamando Bolsonaro de
“genocida”.
A
Polícia Militar do Distrito Federal executou a ação e tentou envolver a Polícia
Federal, que liberou os manifestantes e, desta vez, não participou da tentativa
de cerceamento à livre manifestação.
Digo
“desta vez” porque, acionada diretamente pelo ministro da Justiça, André
Mendonça, a mesma PF abriu recentemente inquérito contra um sociólogo do
Tocantins que confeccionou um outdoor dizendo que o presidente vale menos que
um caroço de pequi roído.
O
cerco não é hipotético, não se trata de paranoia da oposição nem de exagero dos
críticos. Mais: ele é alimentado pelo recurso cada vez mais frequente do
próprio presidente a ameaças veladas ou abertas a medidas “drásticas” ou
“precipitadas”, como ele fez nesta quinta naquele bate-papo com puxa-sacos no
cercadinho do Alvorada.
Que
haja por parte da sociedade civil organizada — influenciadores, advogados,
artistas, jornalistas — a organização de respostas claras, imediatas,
destemidas e, sobretudo, concretas a esse caldo de cultura golpista é,
finalmente, um alento, uma vez que as instituições, que tenho cobrado a cada
artigo neste espaço, seguem inertes.
Bolsonaro
é, cada vez mais, um bicho acuado. Pela própria covardia, pelo negacionismo que
praticou neste ano de pandemia — e que é, sim, o grande responsável pela
maioria das mais de 287 mil mortes registradas pela Covid-19 — e pela falta de
equipe e de bússola que tire a ele e ao país desta gravíssima crise sanitária,
econômica, social, moral e política que atravessamos.
Alguém
com pendor autoritário assim assustado é um perigo para um país já traumatizado
e com instituições frouxas, dirigidas por homens frouxos. Ainda bem que alguém
encabeçou uma ação de fácil compreensão e rápida eficácia.
Felipe
Neto, diante dos inquisidores, berrou que a Terra se move, sim, e continuará se
movendo a despeito da tentativa de mordaça. E não é a primeira vez: no episódio
na censura do ex-prefeito Marcelo Crivella a quadrinhos na Bienal do Rio, em
2019, foi o “moleque”, como gostam de bradar os bolsonaristas, a ir lá e
comprar todos os livros com temática LGBTQIA+ e distribuir gratuitamente.
Para
além das notas de repúdio e da indignação diluída das redes sociais, esse tipo
de iniciativa gera resultado. Que ela inspire os que são pagos por nós para
zelar pela democracia.
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