O
Brasil chega ao momento mais grave, dramático, letal da pandemia da Covid-19
sem ter conseguido nem sequer padronizar os sinais de orientação à população.
Na falta da articulação do Ministério da Saúde — nunca é demais repetir quanto
a liderança positiva da União salvaria vidas —, governadores e prefeitos
trilham caminhos próprios. E muito confundem, infelizmente. No Rio Grande Sul,
bandeira preta indica a gravidade; em Minas Gerais, a cor é roxa; em São Paulo,
vermelha, assim como no Rio de Janeiro e na Bahia. São indicadores de
importância secundária, em princípio. Mas a profusão de cores evidencia a Babel
de avaliações e a dificuldade do país em ter um norte no enfrentamento à
pandemia. E caminhar na direção dele.
A responsabilidade maior pelo infortúnio é do presidente da República, que, com prepostos na pasta da Saúde, orienta os descaminhos no combate ao coronavírus: da sabotagem às medidas de isolamento e distanciamento social à resistência ao uso de máscaras, da indicação de medicamentos ineficazes à desqualificação de vacinas. Um ano de pandemia ensinou ao planeta que políticos responsáveis são capazes de aliviar a dor dos compatriotas, evitar mortes, preservar atividade econômica e empregos. Portugal é o exemplo recente mais festejado. Era o pior da Europa em número de casos, em um mês de lockdown, passou a terceiro melhor. O total de óbitos diários caiu de 303 no fim de janeiro para 15 anteontem. Sem o negacionismo de Donald Trump, o cenário também vem melhorando nos EUA. O plano de imunização do democrata Joe Biden bateu a meta de cem milhões de americanos vacinados em 50 dias, metade do prazo prometido na posse.
O
Brasil, enquanto isso, se equilibra entre dois ministros da Saúde: o general
Eduardo Pazuello, que não saiu; e o cardiologista Marcelo Queiroga, que
oficialmente não entrou. E conta corpos. E acumula casos da doença. E assiste
perplexo ao esgotamento do sistema da saúde. A Fiocruz identificou mais de 80%
de ocupação de leitos de UTI Covid em 24 estados e no Distrito Federal; em 25
das 27 capitais. São números que explicam por que a entidade classificou o
atual estágio da pandemia como “o maior colapso sanitário e hospitalar da
História do Brasil”.
Jair
Bolsonaro já está pagando a conta em queda de popularidade. O último Datafolha
foi claríssimo; a mobilização nas milícias digitais com ataques em todas
direções, também. Mais da metade dos brasileiros (54%) considera a gestão da
crise sanitária ruim ou péssima; 43% responsabilizam o presidente pela fase
aguda da pandemia. Mais de 285 mil brasileiros perderam a vida, e o ritmo atual
de mortes é o maior do mundo. A resistência do mandatário e de seus aliados às
medidas de restrição fizeram do país uma área de livre circulação do
coronavírus, agora em cepas ainda mais transmissíveis.
O
auxílio emergencial foi suspenso na virada do ano e volta em abril. Emagrecido.
O programa começou, no ano passado, com R$ 600-R$ 1.200 por cinco meses, passou
a R$ 300-R$ 600 por três, voltará em faixas de R$ 150, R$ 250 e R$ 375 até
junho. Perdeu valor nominal, enquanto a inflação dos alimentos dos
supermercados e feiras saltou 19,42% em 12 meses, segundo o IPCA. O custo da
cesta básica, apurado pelo Dieese em 17 capitais, varia de R$ 445,90 (Aracaju)
a R$ 639,81 (Florianópolis).
O
governo brasileiro não quer — ou é incapaz de — entender que transferência de
renda é medida para conter a vulnerabilidade social, mas também apoiar o
isolamento e, assim, deter a transmissão do vírus. O desemprego é recorde —
mais de 13 milhões de brasileiros — e mais dramático entre os trabalhadores
informais. A fome avança. Sem dinheiro, a população sai às ruas. O IBGE já
tinha identificado, entre 2017-18, que um terço dos lares brasileiros (36,7%)
enfrentava algum nível de insegurança alimentar. A pandemia agravou o problema.
Pesquisa do instituto DataFavela mostrou que, neste início de ano, a
alimentação piorou para sete em cada dez moradores de comunidades; nas duas
últimas semanas, dois terços ficaram sem dinheiro para comer por ao menos um
dia; oito em dez dependem de doações.
Por causa disso, organizações sociais e comunitárias reeditaram ações de arrecadação de recursos para compra e distribuição de kits de alimentos, itens de higiene e limpeza. Campanhas como Prato da Comunidade, do jornal “Voz das Comunidades”, e Mães de Favela, da Cufa, foram reativadas. A Coalizão Negra por Direitos — com uma legião de parceiros, da Anistia Internacional à Oxfam, da Redes da Maré ao 342 Artes e ao Instituto Ethos — lançou a ação “Tem gente com fome”, para apoiar 222.895 famílias nas cinco regiões. A sociedade civil responde às demandas brasileiras com diagnóstico preciso, iniciativas rápidas e eficientes. Dá de comer, como ensinou o poeta pernambucano Solano Trindade em verso que batiza a campanha. E dá aula a governantes tão arrogantes quanto incompetentes.
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