Que
os políticos e os magistrados se lembrem de que a destruição do devido processo
legal nos legou a Terra dos Mortos
Na
minha contabilidade, Jair
Bolsonaro cometeu 26 crimes de responsabilidade, alguns deles também crimes
comuns. Por qualquer caminho, não entrarei em minudências, seriam
necessários dois terços da Câmara para retirar das suas mãos os instrumentos de
Estado que servem, por ação e omissão, ao morticínio em massa. Os etimologistas
do caos contestam a palavra
"genocídio". Mesmo diante do genocídio. Se operadores da política
e da Justiça cometerem erros importantes agora, morreremos todos. Sem estrondo
nem respiradores.
O país já enfrenta a falta de anestésicos e de neurobloqueadores para intubar pacientes. Entes públicos e privados precisam da autorização imediata para tentar comprá-los onde quer que estejam disponíveis no mundo. O colapso chegou. O caos se avizinha. Não temos mais UTIs. Não temos mais respiradores. Não temos mais mão de obra disponível. E agora o pior: há o risco de a infraestrutura existente se tornar inútil porque faltam as drogas necessárias.
Não
obstante, até esta quinta, tínhamos, na prática, dois ministros da Saúde que
não valiam por um. Porque, de fato, a pasta é conduzida por Bolsonaro. Marcelo
Queiroga chegou simulando apego à ciência. Indagado sobre o uso da
cloroquina, afirmou: "É algo que precisa ser analisado para que a gente
consiga chegar a um ponto comum que permita contextualizar essa questão no
âmbito da evidência científica e da ciência".
Madame Natasha, fonte
exclusiva de Elio Gaspari, fiquei sabendo, deu o rapaz como caso perdido. E
aí digo eu, não ela: há uma dimensão da linguagem que não guarda relação com a
sintaxe ou com a etimologia. O conteúdo, ainda que meio atrapalhado, tem mais
intimidade é com o caráter mesmo.
Quanto
ao ministro que está saindo, um general da ativa, não resisto a lembrar aqui,
mais uma vez —e o farei quantas forem necessárias—, o tuíte
do general Villas Bôas, então comandante do Exército, escrito para
intimidar magistrados e pavimentar, querendo ou não, o terreno para homicidas
em massa: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às
instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das
gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?".
No
começo, como é mesmo?, a Covid-19 matava "nossas avós", como
discursava o "Lírico da Cloroquina". Eram as gerações passadas.
"Todo mundo morre um dia", ele avançou, com o realismo típico
aprendido ali pelas bandas da zona oeste do Rio. Jovens e crianças estão
morrendo agora. São as "gerações futuras", em nome das quais o
general ameaçou civis desarmados, ora vítimas da irresponsabilidade, da
ignorância, da mesquinharia sórdida.
E
agora retomo o fio que deixei lá no primeiro parágrafo. As forças e lideranças
que se opõem a Bolsonaro e os operadores da Justiça comprometidos com a
Constituição têm de se perguntar, a cada dia, se sua ação pode concorrer para a
eventual reeleição do mandatário. Sairemos lanhados dessa tragédia humanitária
e civilizatória. Precisaremos reconstruir o tecido esgarçado da democracia.
Ainda é possível. Resta-nos a esperança no fundo da caixa.
O governador
do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), num raciocínio essencialmente correto e
moral, falou sobre a necessidade de as esquerdas e o centro se unirem em defesa
de algum futuro. É pouco provável que aconteça no primeiro turno. Mas saibam
todos: discursos e postulações, no terreno antibolsonarista, que criem zonas de
exclusão —dando mais relevo ao inconciliável do que a uma pauta mínima de
defesa da ordem democrática— concorrem para a permanência daquilo que nos mata
como indivíduos e nos inviabiliza como país.
Da mesma sorte, nunca foi tão grande a responsabilidade dos togados. A destruição do devido processo legal e da política como espaço de resolução de conflitos nos conduziu ao desastre. A exemplo de todo salvacionismo, também o dos fanáticos de Curitiba resultou em devastação e morte. Tenham a coragem, senhores ministros, de resgatar as regras do jogo. Não é um golpe que nos ameaça. É a desordem. Ou morreremos todos. Sem estrondo nem respiradores.
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