São
os preconceitos e o obscurantismo de um obtuso que definem a política contra a
covid
Quando
desistiu do cargo de ministro da Saúde, a dra. Ludhmila Hajjar afirmou que o
panorama no Brasil é sombrio. Diria que é singularmente sombrio, por algumas
razões. O Brasil é o único país que teve quatro ministro diferentes durante a
pandemia. E desponta como o segundo colocado no mundo em número de mortos, que
deve chegar próximo dos 300 mil neste fim de semana.
Para
completar o quadro, uma nova variante do coronavírus não só tem contribuído
para expandir o vírus, esgotando os leitos de hospital, mas também vai
devastando uma parte da juventude, setor da população que estava mais protegido
na primeira onda da pandemia.
Apesar
de toda a gravidade do momento, a dra. Ludhmila tinha esperanças. Afinal, fora
chamada para conversar sobre o cargo pelo presidente Bolsonaro. Isso
significava, aparentemente, que o próprio governo queria mudar. Convocava uma
especialista para quem a política do governo contra a covid-19 é um conjunto de
erros.
A
dra. Ludhmila foi massacrada pelos hostes bolsonaristas e o presidente recuou.
Ela falava uma linguagem muito próxima do que dizem os médicos e a maioria
esmagadora dos políticos. E, consequentemente, muito distante da família
Bolsonaro e de seus dogmas diante da pandemia.
Embora não tenha sido escolhida para o ministério, a dra. Ludhmila, em curtas e fragmentadas declarações, acabou reafirmando uma série de pontos vitais no combate ao coronavírus, uma espécie de consenso nacional do qual só não participam a família Bolsonaro e seus seguidores.
Ponto
decisivo no seu programa de trabalho era criar um comitê de crise que atendesse
governadores e prefeitos 24 horas por dia. Uma resposta ao clamor de todos por
uma coordenação nacional.
Outra
indicação importante é a ideia de ser preciso adotar medidas de isolamento
social, mesmo que se chegue necessariamente a um lockdown em todo o País,
grande e complexo demais para ser abordado com uma única medida.
Admitir
que não existem remédios eficazes contra a covid-19 não significa que se deva
deixar de buscar contatos com todo o mundo científico, com abertura a todas as
iniciativas que se mostrem eficazes e seguras. Mas tudo dentro de uma linha de
raciocínio que privilegie a vacina.
Esse
ponto de intensificar a vacinação como saída não só para poupar vidas, como
retomar a economia, é tão consensual que o próprio governo Bolsonaro decidiu
adotá-lo depois de meses de hesitação e sabotagem. O ex-ministro Mandetta
calcula que era possível começar a vacinação nos últimos meses de 2020 se o governo
tivesse aproveitado a oportunidade. Perdemos meses e continuamos perdendo
tempo, apesar da contratação de 545 milhões de doses.
Ao
falar do tratamento da covid, a dra. Ludhmila mencionou também a necessidade de
protocolos e treinamento adequado. Há gente morrendo porque foi intubada de
forma equivocada.
Acrescentaria
a isso algo que ela não mencionou, mas circula nos meios especializados: a
necessidade de contratar mais gente, no mínimo 50 mil novos funcionários. De
fato, as equipes de trabalho estão esgotadas, física e psicologicamente.
Um
ponto novo no debate foi incluído também nas declarações da dra Ludhmila: a
necessidade de um esforço nacional para recuperar vítimas de covid-19, tratar
as sequelas, propiciar que voltem ao trabalho. É uma tarefa também para o SUS,
uma vez que milhares de pessoas não têm recursos para pagar um processo de
reabilitação. Os preços são muito altos. Na briga de governo federal e Estados
para que Brasília pagasse leitos de UTI, ficou claro que um único leito desses
custa R$ 1.600 por dia. Sem o SUS os pobres morreriam nas enfermarias.
Um
novo ministro da Saúde foi escolhido e esses temas foram varridos para debaixo
do tapete, ao menos por enquanto. O ministro Marcelo Queiroga não tem projeto
próprio. Já disse que executará uma política do governo. É uma versão mais
palatável do general Pazuello: um manda, o outro obedece. No fundo, Queiroga
está dizendo a mesma coisa, sem refletir como é limitada uma política de
governo definida pelos preconceitos e pelo obscurantismo de Bolsonaro.
O
presidente sempre subestimou a pandemia, sempre considerou um ato contra o seu
governo restringir a circulação de pessoas, sempre acreditou em remédios
milagrosos, em vez de investir na vacina, que bombardeou das trincheiras da
ideologia e da pura superstição.
O
fato de ter-se recusado a aceitar os seus erros e investir na mudança
personificada pela dra. Ludhmila mostra também como Bolsonaro está isolado. Nem
os presidentes da Câmara e do Senado, ambos eleitos com seu apoio, o acompanham
em sua política contra a pandemia.
Ainda não se percebeu que a tão decantada frente ampla existe de uma forma que beira o consenso quando se trata da pandemia. Bolsonaro está só com sua família e a minoria de seguidores. A existência de um quase consenso dessa importância é animadora, mas o fato de instrumentos tão poderosos estarem nas mãos de um presidente obtuso torna o panorama sombrio.
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