“Se
Lula montar um ‘shadow cabinet’ acaba com Bolsonaro”
O resultado da pesquisa Datafolha desta semana mostrou a popularidade de Jair Bolsonaro em queda, ainda que o presidente mantenha os 30% que consideram seu governo ótimo ou bom, a despeito de tudo. A questão é por quanto tempo o ocupante do Planalto vai resistir às pressões para que este piso não seja quebrado. O eleitorado de Bolsonaro mostra uma resiliência que a racionalidade da ciência política tem dificuldades de explicar. Não passa somente pela economia, que vai mal, muito menos pela estupidez da gestão da crise sanitária. Pertence também à ordem das paixões e da maneira como Bolsonaro desperta, na sua base social, uma identidade de sentimentos com o cidadão comum, conservador, orgulhoso com a grosseria e a sabedoria de WhatsApp. Com um presidente assim, estão todos livres para errar. E vida - ou morte - que segue.
No Brasil, Bolsonaro é o líder, sem concorrência, do politicamente incorreto e do negacionismo. Pelo mundo, um de seus raros congêneres na condução da pandemia é, ou era, o presidente da Tanzânia, John Magufuli. O líder africano negou a existência da covid-19, debochou dos testes para detectar o coronavírus, apontou as vacinas como parte de uma “conspiração internacional” e foi contra o uso de máscaras e o distanciamento social. Seu discurso era o de que Deus, acima de tudo, protegeria a população, e que o recomendável seria fazer, no máximo, uma simples inalação. Magufuli estava havia quase 20 dias sem ser visto em público e morreu nessa quarta-feira, aos 61 anos. Oficialmente, por problemas cardíacos. A oposição afirma ter sido vítima da covid. No Turcomenistão, na Ásia Central, o presidente Gurbanguly Berdimuhammedow proibiu o uso da palavra coronavírus na mídia e até em conversas privadas.
Bolsonaro
não chega a tanto, mas é com líderes dessa categoria que se sentiria à vontade
e com afinidade de pensamento para um diálogo sobre a pandemia. Nada de Macron,
Merkel, Johnson ou da premiê Jacinda Ardern, da Nova Zelândia, que no fim do
mês passado adotou um “lockdown” de sete dias na maior cidade do país,
Auckland, depois do surgimento de um único caso de covid-19. No entanto, de
olho na retomada da popularidade, e acossado pela concorrência à altura trazida
pela volta do ex-presidente Lula ao jogo político, Bolsonaro buscou indicar
ontem que tem um canal com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para
obter ajuda no combate ao coronavírus.
Foi
mais um recibo assinado, que dá conta do grau de preocupação que Bolsonaro está
tendo com os movimentos de Lula, desde que o petista retomou seus direitos
políticos, no dia 8. Em entrevista à jornalista Christiane Amanpour, da CNN americana,
Lula sugeriu a Joe Biden que convoque uma reunião emergencial com os líderes
dos países mais ricos do G20 para se expandir a vacinação pelo mundo. O
ex-presidente já foi responsável por intermediar a negociação da vacina Sputnik
V entre os russos e o consórcio de governadores que procuram alternativas à
letargia de Bolsonaro.
Com
o aceno de Lula a Biden, transmitido na quarta-feira, a Secretaria de
Comunicação se apressou em divulgar uma carta antiga, de 26 de fevereiro, em
que o presidente americano teria prometido “estreita colaboração com o governo
brasileiro neste novo capítulo da relação bilateral”. Bolsonaro nunca havia
demonstrado interesse sincero em se aproximar de Biden, contra quem torceu na
eleição em que o democrata desbancou Donald Trump.
Mas
com a presença de Lula no tabuleiro de 2022 o presidente tem sido obrigado a
mudar de comportamento e a reduzir o negacionismo, antes que o petista comece a
dominar as pesquisas e a atrair aliados no Centrão. “O Lula é o fator de
desequilíbrio desse jogo. Fez um movimento brilhante ao mandar o recado para o
Biden”, afirma Alexandre Borges, responsável pelo marketing de Flávio Bolsonaro
(Republicanos-RJ), quando o senador e filho do presidente concorreu à
Prefeitura do Rio, em 2016, e de parte da campanha do governador afastado do
Rio, Wilson Witzel (PSC), em 2018.
Para
o analista, dois dos fatores mais importantes que explicam por que Bolsonaro
continua com um piso de apoio na faixa dos 30%, apesar das mais de 280 mil
mortes na pandemia, seriam a falta de um concorrente de peso no cenário
político e a falta de uma comunicação clara sobre a responsabilidade do governo
federal no combate ao coronavírus. O governador de São Paulo, João Doria
(PSDB), apostou na vacina e se tornou um adversário, mas com pouca
credibilidade aos olhos do eleitorado, diz. “Não se separa o meio da mensagem.
Mesmo que Doria esteja certo, o eleitor desconfia porque ele é da elite,
almofadinha”, afirma Borges, para quem a clivagem na política hoje se daria
mais pela dicotomia oligarquia versus populismo, povo versus elite, do que pela
oposição entre direita e esquerda.
Além
da capacidade de comunicação, Lula mostrou disposição em pautar o debate e a
incomodar Bolsonaro no que o adversário tem de mais vulnerável: a gestão, a
busca de soluções concretas. Já no primeiro pronunciamento, depois de retomar a
elegibilidade, o petista deixou de lado mágoas pela prisão ou o radicalismo que
dele se esperava. Agora, foi além. “Ele está fazendo um ‘shadow cabinet’. Se
chamar os correligionários, apoiadores e falar: ‘Olha, vou começar a brincar de
presidente, vou começar a viajar para ser recebido por autoridades mundiais,
vou à OMS, vou dar palestra na ONU’; se essa é a ideia, ele acaba com o
Bolsonaro”, diz Borges.
Caso siga esse caminho, acrescenta, Lula poderia desestabilizar Bolsonaro emocionalmente, pois sabe que entre os maiores pontos fracos do adversário está a política externa. Aproveitaria o vácuo dessa área, comandada por um “bando” em que pontua o ministro Ernesto Araújo, seguidor do pensamento do italiano Julius Evola (1899-1974), a quem citou no discurso de posse. “Esse foi o cara que o [ditador] Benito Mussolini mandou prender porque era radical, fascista demais. Tá bom de currículo, ou não? Não precisamos dizer mais nada”, afirma Borges.
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