terça-feira, 28 de outubro de 2014

‘Dilma não tem direito a lua de mel’, afirma Aloysio Nunes

• Vice da chapa de Aécio promete ‘não dar trégua’ à presidentee adverte que oposição ‘firme’ e ‘sem transigência’ começa agora

Débora Bergamasco e Ricardo Chapola - O Estado de S. Paulo

Um dia depois da derrota de Aécio Neves na disputa presidencial, o candidato a vice da chapa tucana, Aloysio Nunes Ferreira, disse ontem que a presidente Dilma Rousseff "não tem direito à lua de mel" e prometeu fazer oposição "firme" e "sem transigência". Aloysio e Aécio são senadores eleitos em 2010 - o primeiro, por São Paulo, e o segundo por Minas - e retornam às atividades parlamentares após o fim das eleições.

"Não tem por que diminuir a intensidade da oposição. Ela (Dilma) não tem direito à lua de mel que todo governante recém-eleito tem quando tem novo mandato", afirmou Aloysio ao Estado. "Nós vamos trabalhar para cobrar aquilo que ela prometeu (na campanha), para revelar aquilo que ela escondeu. Ela não terá trégua da nossa parte." Para Aloysio, o PSDB deixou as eleições deste ano "com um mandato": o de endurecer a oposição.

Com a derrota de Aécio, o PSDB está focado a partir de agora em manter o tom duro de oposição a Dilma usado ao longo da campanha eleitoral. O partido tem como objetivo levar ao Congresso um discurso afinado com o adotado pelo partido principalmente em São Paulo, onde capitalizou praticamente sozinho o sentimento antipetista dos eleitores. Além de Aécio e Aloysio, o PSDB contará com outros nomes combativos da sigla para defender essa nova postura, como José Serra (SP), Alvaro Dias (PR) e Tasso Jereissati (CE). Em 2015, a bancada do PSDB no Senado será menor: a legenda conta hoje com 12 parlamentares e terá 10 a partir do ano que vem.

Na Câmara dos Deputados, onde o PSDB aumento sua bancada - saltou de 44 para 57 parlamentares -, o partido já se articula para fortalecer a oposição. Hoje, representantes de partidos do bloco oposicionista se reunirão na casa do deputado Mendonça Filho (DEM-PE) para começar a alinhar discursos e traçar estratégias.

"Nós não vamos afrouxar as nossas convicções. Quem ganha governa. Quem perde fiscaliza", disse o deputado reeleito Duarte Nogueira (PSDB-SP), que participará do encontro em Brasília. "Nossa oposição vai ser muito intensa e durante todo o mandato (de Dilma). Vamos cobrá-la dos compromissos assumidos."

Diálogo. Alguns parlamentares são céticos sobre a disposição de Dilma em dialogar com a bancada oposicionista no segundo mandato. O deputado Marcus Pestana, presidente do PSDB em Minas, disse que a presidente "não tem vocação para o diálogo" e é dona de uma "índole autoritária".

'Em momento algum a presidente propôs um diálogo com a oposição. Ela não teve a humildade de mencionar nada em relação aos 48 milhões de eleitores que a rejeitaram e o que fez foi um discurso em que reafirma a continuidade", afirmou o deputado mineiro. "E não acho que depois de certa idade as pessoas mudem. Não creio nessa conversão súbita, não creio que mude sua índole autoritária. Nossa oposição não vai titubear em vocalizar o desejo de metade do Brasil."

Para Duarte Nogueira, conversar com a oposição seria "um bom começo" da presidente. O tucano sugeriu que Dilma fizesse o mesmo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua gestão, segundo quem não fechou os canais de diálogo com representantes de fora da base aliada.

"Se ela (Dilma) quiser, para efeito de início de diálogo, pode sentar para conversar com a gente para explicarmos as nossas teses, que podem ser unidas às ideias que ela já tem. Fica aqui minha sugestão", disse.

Eleição acabou, mas partidos já se preparam para a próxima – Valor Econômico / Editorial

Uma eleição é apenas o prelúdio de outra e, mal contados os votos, as peças da próxima disputa presidencial já se movem no tabuleiro político. A montagem da nova equipe ministerial de Dilma Rousseff abre o leque de indicações de futuros candidatos bem posicionados ao Planalto em 2018. As movimentações de Lula darão sinais na mesma direção. No PSDB, mesmo a votação de 51,64 milhões para o senador Aécio Neves, a maior para um tucano em eleições em que enfrentou o PT, não lhe garante posição cativa para tentar novamente retirar os petistas do poder. Marina Silva, com mais de 20 milhões de votos, eliminada no primeiro turno, continua em busca de um rumo para construir uma candidatura mais sólida.

Tudo será definido, em última instância, pelo sucesso ou fracasso do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Sem que ela modifique os rumos de sua política, é possível que o desejo de Agripino Maia, presidente do DEM e coordenador da campanha derrotada de Aécio Neves à Presidência se cumpra e o país assistirá à "contagem regressiva" do domínio petista no governo federal. Interpretações de alas petistas de que a eleição, em que um candidato da legenda menos votos recebeu, e a mais apertada desde 1989, ratificou apoio à política econômica atual apenas mostram que lições óbvias das urnas não foram assimiladas.

Ainda que seja uma simplificação, entre a plena autonomia e tutela de Lula os destinos de Dilma balançam. Um segundo mandato liberta a presidente de boa parte dos compromissos com o futuro, mas não em um partido como o PT. Um bom governo de Dilma será essencial para a continuidade do projeto petista e para a própria presidente, cuja marca na história que gostaria de deixar seguramente não seria a de uma coveira desse projeto. O primeiro mandato, porém, não foi bom e o PT e Lula se mostraram muito preocupados com isso durante a campanha.

Ao que se sabe, o ex-presidente Lula tem mais reparos ao estilo político de Dilma, pouco afeito ao diálogo com o Congresso, políticos, empresários etc, do que com seu receituário econômico. Se for isso, um reforço na coordenação política seria suficiente para que um nome de consenso entre ambos para a sucessão fosse em frente. Do lado de Lula, parece claro que sua disposição é entrar na disputa se o PT estiver seriamente ameaçado de perder o poder. Ele tem se inclinado por novas lideranças, mas suas apostas nas eleições de 2014 deram errado - Lindbergh Farias, Gleisi Hoffmann e Alexandre Padilha.

O próximo candidato petista terá de ter a visibilidade de um governo, e por isso os nomes que surgem são os de Fernando Pimentel, que ajudou a derrotar Aécio em seu próprio Estado, ou o de Fernando Haddad, o prefeito paulista cuja projeção política está mudando para melhor, depois de um início difícil. Não se sabe por quem se inclinaria Dilma, mas isso poderá ficar claro com a indicação dos postos de maior projeção política do novo ministério.

O segundo mandato da presidente será mais conturbado que o primeiro, e não apenas no front econômico. O novelo de escândalos que aflige a Petrobras apenas começou a ser desenrolado e, pelo pouco que veio à tona com a delação premiada de Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Yousseff, há potencial suficiente para destruir caciques petistas e da base aliada, assim como seus grandes financiadores de campanha.

Lula, um observador sagaz, comentou que ficou insatisfeito com a facilidade com que a pecha da corrupção colou no partido. Essa foi uma mancha com peso eleitoral e que facilitou o trabalho da oposição, ainda que ela mesma tenha telhado de vidro. O escândalo da Petrobras pode abrir uma crise política, e é um dos pontos que permitem antever que Dilma, PT e Lula precisarão agir na mesma direção ao longo do próximo governo.

Aécio teve grande desempenho eleitoral, mas perdeu em seu território e só ganhou a densidade que teve no maior colégio eleitoral, São Paulo, com a chancela de Geraldo Alckmin e dos caciques paulistas da legenda. Alckmin é um candidato óbvio ao Planalto. Marina Silva, a outra voz com votos da oposição, precisa definir o que quer. Ela terá de optar por construir o Rede ou permanecer no PSB. Seu apoio a Aécio trouxe dúvidas sobre sua capacidade de transferir votos. Das 41 cidades em que Marina venceu no primeiro turno, Aécio só ganhou em 4 no segundo. Mas ela tem muita força eleitoral para ser desprezada.

A mensagem das urnas – O Globo / Editorial

• A eleição presidencial mais parelha dos 125 anos de República deixa o país dividido entre os que produzem e pagam impostos e os beneficiários de programas sociais

A 21ª eleição presidencial direta ganha o merecido destaque nos 125 anos de história da República brasileira. O seu desfecho foi não só o mais parelho desde 1989, quando Collor venceu Lula, como de todos os tempos, com a vitória da candidata petista à reeleição, Dilma Rousseff, por apenas 3,2 pontos percentuais sobre o oposicionista tucano Aécio Neves, metade da já estreita margem observada em 89: 51,64% contra 48,36%, uma diferença, em grandes número, de 3 milhões de votos, equivalente a um eleitorado pouco maior que o da Paraíba. O desenho esboçado no primeiro turno, com a divisão do país em dois grandes blocos, recebeu traços mais fortes: grosso modo, o Norte-Nordeste perfilado ao PT, o Sudeste-Sul-Centro/Oeste com a oposição. Fica evidente que o país que produz e paga impostos — pesados, ressalte-se — deseja o PT longe do Planalto, enquanto aquele Brasil cuja população se beneficia dos lautos programas sociais — não só o Bolsa Família —, financiados pelos impostos, não quer mudanças em Brasília, por óbvias razões.

Este comportamento eleitoral previsível foi explorado pelo PT. A campanha de Aécio denunciou uma série de golpes baixos desfechados para aterrorizar beneficiários desses programas — considerando os dependentes, apenas o Bolsa Família congrega uma clientela de 50 milhões de pessoas, um quarto da população brasileira, muitos deles eleitores. Há registro de mensagens recebidas por bolsistas de que Aécio acabaria com o BF, o mesmo tendo ocorrido com participantes do Minha Casa Minha Vida. Quem teria acesso a esses cadastros a não ser gente do governo? A arma do terrorismo é peça de artilharia da marquetagem eleitoral já conhecida. Mas, desta vez, seu emprego teria aumentado de escala.

Partidos do governo, num país como o Brasil, de grandes desníveis sociais e regionais, costumam cavar trincheiras nas áreas mais pobres, por serem elas as mais dependentes de repasses de recursos públicos. Não é novidade. A ressalva está na demarcação de um forte sentimento antipetista no Sudeste, Centro-Oeste e Sul, mais que em outros pleitos.

A avassaladora antipetização do Estado de São Paulo, o mais populoso e rico da Federação, leva mensagem que precisa ser decifrada pelo Planalto e partido. O mais otimista tucano não poderia esperar que um mineiro receberia 15,3 milhões de votos no estado, 64,3% do colégio eleitoral paulista, contra 35,6% confiados a Dilma. Foi dura a derrota do PT no estado em que nasceu, inclusive na região específica do ABC, na qual o movimento sindical dos metalúrgicos, na década de 70, gerou Lula e outras lideranças do partido e da CUT.

Em contrapartida, o mais pessimista tucano não imaginaria que Aécio perderia na própria Minas, no primeiro turno e no segundo. No primeiro, além de ficar atrás de Dilma, não conseguiu que seu candidato Pimenta da Veiga impedisse Fernando Pimentel (PT) de vencer a eleição para governador no primeiro turno. No segundo, o máximo que o tucano conseguiu foi reduzir danos, perder para Dilma por uma diferença menor (52,4% a 47,6%). O equívoco na escolha para disputar Minas de um político já desligado do Estado, uma demonstração de excesso de confiança, se somou à enorme e nada surpreendente vitória de Dilma no Nordeste e Norte para explicar a derrota de Aécio, na maior chance que a oposição teve de voltar ao Planalto desde a primeira vitória de Lula, em 2002.

Foi, portanto, com justificada alegria que Dilma, Lula e correligionários subiram ao palco, num hotel em Brasília, na noite de domingo, para comemorar a difícil vitória. O fato de Dilma e Lula estarem de branco, e uma bandeira do Brasil ficar exposta no púlpito, foi um símbolo positivo: os dois fizeram questão de não trajar o vermelho partidário, forma de sinalizar uma adequada preocupação em engavetar, pelo menos naquela hora, a paixão partidária. Que continue assim.

No primeiro discurso como candidata reeleita, a presidente reforçou a mensagem simbólica ao dar um importante aceno, mesmo sem admitir a divisão do país: “algumas vezes na história, os resultados apertados produziram mudanças mais fortes e rápidas do que as vitórias amplas. (...) Minhas primeiras palavras são de chamamento da base e da união. (...) Esta presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo."

O discurso, infelizmente, teve partes contraditórias, como se houvesse sido escrito por dois redatores diferentes. Esta parte da proposta de diálogo, e uma outra, em oposição ao entendimento, de defesa de uma reforma política por meio de plebiscito, já rejeitada pelo Congresso, no ano passado, quando a ideia foi gestada em frações nacional-populistas do PT, em meio às manifestações de junho, e levadas a Dilma.

Ora, se em 2013 a ameaça de inspiração chavista de escantear o Congresso por meio de uma consulta popular para viabilizar projetos petistas — eleição em lista fechada, financiamento público de campanha, etc — já não prosperou, na próxima legislatura é que não vingará mesmo. Afinal, no Congresso que assume em 2015, o PT continuará o maior partido da Câmara (70 deputados), porém com a supressão de 18 cadeiras. O PMDB, contra o plebiscito, perderá menos deputados — 66 contra 71 —, e ainda haverá um PSDB com 54 cadeiras, dez a mais que no Congresso que está em fim de legislatura. Isso sem considerar a forte bancada que a oposição terá no Senado, com a volta dos tucanos José Serra (SP) e Tasso Jereissatti (CE), que se juntam a Aloysio Nunes e Aécio, donos de ainda quatro anos de mandato, tendo o candidato derrotado por Dilma saído da eleição como forte líder das oposições. A melhor alternativa é negociar alterações tópicas e eficazes: cláusula de barreira e fim das coligações em eleições proporcionais.,

Erra Dilma ao anular seu aceno de diálogo com a reafirmação de uma proposta que crispará os ânimos a partir de 2015. Entende-se que ela, no domingo, precisava animar a militância. Mas exagerou. Em vez de semear conflitos, a presidente reeleita deve tratar de começar a desatar nós cegos que existem na economia — razão pela qual os mercados regiram ontem com mau humor aos mais quatro anos deste governo. Esta urgente lição de casa passa pela escolha de nomes para postos-chave da área econômica que mostre que a presidente não cometerá o erro fatal de dobrar a aposta numa política fracassada. Os sinais são gritantes: inflação engessada em torno do limite superior da meta (6,5%), estagnação na produção com inexoráveis reflexos no mercado de trabalho — um trunfo eleitoral que se esvai —, contas externas em sério desequilíbrio e contas públicas desalinhadas e em total descrédito.

Este quadro também foi denunciado pela metade do país que ficou na oposição. Faz parte da mensagem a ser entendida.

Dilma 'melhor', só vendo - O Estado de S. Paulo / Editorial

Contados os votos, resta ao País avaliar se, reeleita, Dilma Rousseff conseguirá ser a presidente "muito melhor do que fui até agora" e uma pessoa "ainda melhor", como disse desejar no discurso de vitória. Sem isso, o diálogo que ela anunciou como "primeiro compromisso do segundo mandato" terá como interlocutor apenas o seu espelho. A transfiguração prometida é indissociável da aspiração nacional por mudança, "a palavra dominante" da campanha, conforme reconheceu. Para que venha a dominar também os seus atos nos próximos quatro anos, Dilma não deveria perder de vista que as urnas de domingo foram muito mais severas consigo do que as de 2010. Desde a redemocratização, aliás, nenhum candidato ao Planalto levou a melhor por tão escassa vantagem - 3,2 pontos porcentuais, ou 3,5 milhões de votos, em 105 milhões validados.

A apertada aritmética talvez nem sequer exprima suficientemente o amargor dos antagonismos entre os brasileiros divididos entre manter ou remover o PT do poder - a questão de fundo da disputa recém-concluída que passará para a história, entre outras ignomínias, pela maneira feroz com que a incumbente e o seu partido se lançaram sobre a candidata Marina Silva para estraçalhar as suas chances de chegar ao segundo turno. O fato impossível de desconhecer é que, de tanto ser agredida pela estridente retórica petista de que o Brasil vive um permanente confronto à morte entre "nós e eles", a oposição só teve a alternativa de responder na mesma moeda, contaminando, afinal, o seu próprio eleitorado. A inescapável conclusão é de que o País saiu da sucessão presidencial mais crispado do que nela entrou. Diante disso, ainda que tomando pelo valor de face a sua fala aparentemente conciliadora, será um feito de enormes proporções ela construir uma liderança que dê conta dessa realidade adversa e, a partir daí, comandar o seu desmanche.

De resto, ela mesma já começou dando motivos para o ceticismo. A Dilma de sempre confinou ao palavrório o chamamento à abertura e disposição para o diálogo. De um lado, porque não teve a decência política elementar - para não falar em mera cortesia pessoal - de mencionar o nome do adversário Aécio Neves, a quem superou a duras penas na incerta jornada de horas antes e que, por sua vez, não hesitou em lhe telefonar tão logo se tornaram conhecidos os resultados da disputa. De outro lado, porque voltou atrás no tempo, aos idos de 2013, quando tentou responder ao clamor por mudanças que ecoava pelo País com a proposta de reforma política mediante plebiscito. Qual reforma seria essa e quais seriam os termos de uma consulta popular sobre um tema que não pode ser reduzido a umas poucas disjuntivas a presidente não se deu ao trabalho de esclarecer.

Nem o PMDB, que vinha sendo o esteio da base governista no Congresso, abriu espaço para tal. Abateu sumariamente a tentativa de impor ao Legislativo a agenda petista das regras do jogo político-eleitoral, começando pelo financiamento público das campanhas e a adoção do voto para deputado em listas fechadas, compostas pelas cúpulas partidárias. Agora, a legenda do seu vice, Michel Temer - o qual, à época, manifestou à titular o seu desagrado com o lance oportunista -, só pode se sentir injuriado com a sua exumação. Mesmo que, numa tentativa de dourar a pílula, Dilma tenha concedido que a reforma é de "responsabilidade constitucional do Congresso", como se esta fosse complementar à consulta a resultar de uma discussão do governo "com todos os movimentos sociais e as forças da sociedade civil".

Nesse momento, ademais, a sociedade está de olhos postos em outra questão - os escândalos da Petrobrás. No ano que se aproxima, os desdobramentos judiciais das delações premiadas do ex-diretor de abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa e do seu comparsa, o megadoleiro Alberto Youssef, com a provável identificação da trintena de políticos que teria citado em conexão com a lambança - e que deve incluir parlamentares do PT, PMDB e PP, pelo menos -, representarão um obstáculo de monta para a distensão política que Dilma apregoa. Nesse clima, não convém esperar o advento de uma presidente "muito melhor do que fui até agora".

Devassa na Petrobras – Folha de S. Paulo / Editorial

• Às graves distorções econômicas e institucionais impostas à estatal somam-se os testemunhos sobre vasto esquema de corrupção

Até o ano passado, a Petrobras era objeto de uma discussão em grande parte centrada nos muitos problemas econômicos e financeiros da empresa, causados por interferências equivocadas ou indevidas do governo federal, como a política industrial, o controle de preços e mudanças nas leis e programas de exploração do petróleo.

As primeiras evidências decisivas sobre um vastíssimo sistema de corrupção na estatal relegou o debate econômico ao segundo plano.

No entanto, as degradações de ordem variada de que padece a petroleira derivam todas do descaso federal em relação a princípios institucionais e de racionalidade econômica, da indiferença a normas e à ideia de eficiência. A estatal tornou-se, assim, quase mero instrumento do governo.

Não deveria ser necessário lembrar que se trata de uma empresa de relevância maior na economia brasileira. Apenas seu faturamento equivale a 6% do PIB. No ano passado, a Petrobras pagou R$ 68,6 bilhões em impostos no país, cerca de 1,5% do PIB (no segundo governo Lula, a contribuição da empresa era de 2,1% do PIB).

Somadas as participações governamentais nos rendimentos, como royalties, os pagamentos da estatal aos governos se aproxima de R$ 100 bilhões por ano, o equivalente, por exemplo, a quatro vezes o desembolso com o Bolsa Família.

Essa empresa de grande capacidade técnica tornou-se, lamentavelmente, caso exemplar dos descalabros da administração federal.

Perdeu receita devido à política de controle de preços dos combustíveis, um artifício contraproducente para maquiar a inflação. Foi sujeita à política industrial de conteúdo nacional (dar certas preferências a fornecedores brasileiros).

Dentro de certos limites, tal programa é razoável. Quando atrasa investimentos e deteriora a qualidade de projetos e balanços, fomenta ineficiências em toda a cadeia produtiva nacional.

Um programa de investimentos por demais ambicioso e a receita reduzida fizeram com que o endividamento relativo da empresa triplicasse desde 2009. Observe-se que parte dos investimentos é de uma extravagância perdulária, caso da refinaria Abreu e Lima --para nem mencionar os episódios de superfaturamento.

Não bastassem todos esses problemas, os testemunhos sobre corrupção indicam que os mecanismos de controle da Petrobras não são apenas falhos. A atuação criminosa de pelo menos uma diretoria indica o quanto a estatal está sujeita aos efeitos do nível mais baixo da política e é conivente com o conluio de grandes fornecedoras.

Parece pouco o anúncio de que a empresa contratou duas agências independentes de investigação para apurar as denúncias do ex-diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef.

Politizada, prejudicada financeiramente, sujeita ao arbítrio político, a maior empresa do Brasil foi entregue a interesses privados e partidários bancados pelo governo. É preciso uma devassa na Petrobras.

Merval Pereira - Ao vencedor, os problemas

- O Globo

Só saberemos quais são as verdadeiras intenções da presidente Dilma reeleita quando ela anunciar os integrantes de seu futuro Ministério, especialmente o ministro da Fazenda e o da negociação política. A presidente e o PT saem das urnas enfraquecidos, com menos votos do que jamais conseguiram, tanto para a Presidência da República quanto para o Congresso.

Por região, é possível ver-se a redução de votação do PT. Em 2010, a candidata Dilma venceu em três regiões: Norte, Nordeste e Sudeste. No domingo, venceu no Norte e no Nordeste. Sua votação cresceu apenas no Nordeste, onde obteve 72% dos votos, contra 70% em 2010. No Norte, repetiu o mesmo índice: 57%.

No Centro-Oeste, em vez de um empate virtual em 2010, perdeu de 57% a 43%. Já no Sudeste, apesar da vitória em Minas, perdeu de 56% a 44%. Em 2010, vencera na região de 51% a 48%. No Sul, perdeu de 59% a 41%, quando tivera, em 2010, 46% dos votos.

O novo governo tem pela frente um mandato dificílimo, basicamente devido à própria "herança maldita" com que terá que lidar. Não apenas na parte econômica, mas, sobretudo, no combate à corrupção, com o caso da Petrobras já em processo de delação premiada que levará ao envolvimento de inúmeros políticos do Congresso e do Executivo, com o risco de a própria Dilma e Lula verem-se às voltas com acusações do doleiro Alberto Youssef, como revelaram a revista "Veja" e os jornais "Folha de S. Paulo" e "O Estado de S. Paulo".

Temos, portanto, crises econômicas, políticas e institucionais já programadas, e pouca capacidade negociadora da presidente para enfrentá-las, pelo que apresentou até agora, e mesmo na hora de seu discurso de vencedora. Sua impaciência com os militantes poderia ser até folclórica, se não tivesse permitido os gritos de guerra contra a imprensa profissional independente, na figura da Rede Globo, com um sorrisinho no canto da boca, enquanto o presidente do partido, Rui Falcão, fazia o sinal de positivo.

Seu chamamento à concórdia e ao diálogo poderia ser até bom recomeço, se não viesse acoplado à insistência em fazer reforma política com a aprovação de um plebiscito. Controle da chamada mídia profissional e plebiscito sobre formas de governo são receitas típicas de regimes autoritários de países vizinhos muito ao gosto de setores importantes do atual governo.

Se a presidente Dilma se preparava para fazer um governo marcado por seu toque pessoal, terá agora que negociar duplamente: dentro de seu próprio partido, que passou por um susto tremendo e não vai querer deixar em mãos tão incompetentes o futuro de um projeto político que pretende se perpetuar no poder; e com o Congresso, que terá uma oposição revigorada com a maior votação já recebida desde o fim da era Fernando Henrique, justamente no momento em que o projeto político e econômico do PSDB foi recuperado.

Mesmo perdendo, Aécio fez coisas admiráveis nesta eleição: enfrentou os ataques do PT contra as políticas do PSDB, revigorando o legado do Plano Real e exorcizando a lenda de que perderia votos quem enfrentasse o PT e Lula. A oposição aprendeu nesta campanha a ser oposição de verdade, e será muito mais dura na próxima legislatura, sob a liderança do presidente do PSDB.

A dificuldade que os petistas tiveram para reeleger Dilma só demonstra o esgotamento deste modelo. Os métodos utilizados na campanha para alcançar os objetivos foram muito além do "fazer o diabo" já anunciado pela própria presidente.

A legitimidade de um mandato não se basta em si mesma, mas advém da maneira como foi conquistado. Embora as baixarias da campanha petista tenham ficado num nível comum ao de grandes democracias como os EUA, não é bom sinal que tenhamos importado esse tipo de marketing político negativo, em vez de nos equiparamos a democracias mais avançadas que reprovam instrumentos como esses.

O abuso da máquina pública, por exemplo, é prática ilegal que não encontra equivalente em nenhuma democracia moderna. O PT continua com a maior bancada da Câmara, mas perdeu nada menos que 18 deputados federais. No Senado, continuará sendo a segunda maior bancada, mas com um senador a menos. Elegeu 5 governadores, sendo que a joia da coroa é sem dúvida Minas, arrebatada do grupo político de Aécio.

Mas será o partido que governará a menor percentagem do PIB nacional entre os três maiores, com 16,1%. O PSDB continuará a governar a maior parcela do PIB (44,4%). Em segundo lugar no PIB está o PMDB, com (22,4%), que ficou com o maior número de governadores e dois dos maiores colégios eleitorais, Rio e RS.

João Bosco Rabello - Sinais trocados

– O Estado de S. Paulo

Não foram boas as sinalizações da presidente reeleita, Dilma Rousseff, no seu discurso de vitória, em que sobressai a proposta de uma reforma política plebiscitária, já rejeitada pelo Congresso Nacional quando proposta no auge das manifestações de rua em junho de 2013.

Ali atribuiu-se à falta de resposta imediata ao clamor das ruas por melhor gestão pública, o recurso reforma como panaceia para as mazelas nacionais. Mas sua reinserção no discurso da presidente vitoriosa nas urnas parece desconhecer a ineficiência da proposta para a reversão dos problemas que respondem pelo desgaste de seu governo.

Dilma não mencionou a oposição na sua proposta de diálogo, uma omissão que, em discurso lido, preparado com antecedência, não pode ser debitada a uma falha comum ao improviso dos pronunciamentos feitos no calor das comemorações.

Sua oferta de diálogo pareceu ter como destinatário o eleitor, mesmo finda a campanha, resvalando novamente para a relação direta com a população, que a proposta plebiscitária já traíra no início de sua fala. Disse não ver o país dividido e respaldou a exortação à união na abstrata figura de “uma energia mobilizadora, um bom terreno para a construção e pontes”.

É um mau começo para quem precisa sinalizar a um legislativo que reduziu numericamente a bancada do PT, fortaleceu o PMDB que, por sua vez, sai das eleições dividido em duas alas – a governista e a oposicionista. E que terá um PSDB motivado na oposição , o que não ocorreu em todo o seu primeiro mandato.

Dilma insistiu na crença de que o plebiscito legitimará a reforma política que pretende fazer, abraçando a linha bolivariana do PT que reduz a importância do Congresso Nacional como fórum , este sim, legitimador das mudanças a serem implementadas no país.

A opção por fazer o discurso da vitória em ambiente de militância, transformou o que deveria ser uma peça isenta, em consonância com a proposta de conciliação nacional, em uma comemoração partidária, cuja moldura era formada pelos dirigentes do PT que vocalizam o discurso do “nós contra eles”, que permeou a campanha da candidata vitoriosa.

O palco do pronunciamento teve o desenho de gueto, a denunciar a pressão que o PT tentará exercer sobre o segundo mandato da presidente, sob os aplausos da militância, desprezando a importância do ritual político que simboliza um governo para todos.

Dilma reeleita mostrou-se a mesma Dilma do primeiro mandato, que continua sem pressa na indispensável reconciliação com o mercado, que amanheceu de ressaca com o resultado eleitoral: bolsa em queda de 6%, dólar em alta, a R$ 2,56 e as ações da Petrobras em baixa superior a 14%.

Não houve na campanha, e continua ausente, a informação essencial ao mercado: o que pensa a presidente reeleita , para a economia, em seu segundo mandato. A única menção ao tema foi tão vaga quanta desalentadora, pela sugestão de medidas de varejo: “Promoverei ações localizadas para retomar o ritmo de crescimento e manter a garantia de níveis altos de emprego e salários”.

A corrupção, que seguramente será a principal protagonista do cenário político, mereceu referência breve e genérica: “Terei um compromisso rigoroso com o combate à corrupção, com mudanças na legislação para acabar com a impunidade”.

É surpreendente que a presidente mantenha discurso que associa o combate à corrupção com mais legislação, quando esta já garantiu o avanço das investigações sobre a Petrobrás até o Supremo Tribunal Federal, palco anterior das condenações de dirigentes de seu partido, e de outros da base aliada, sem que fosse preciso uma parágrafo a mais no texto legal.

O descuido com uma cena de vitória mais sintonizada com o momento de divisão eleitoral do país, revela um bastidor conflagrado no PT, que entrou na campanha dividido, inclusive com os dois principais atores do teatro político, o ex-presidente Lula e a presidente reeleita, estremecidos pessoalmente.

O discurso da presidente não contribuiu para a difícil tarefa de dar a um governo reeleito sob forte desgaste político, um clima de novo. Subtraídos os 15 milhões de votos dos beneficiários do bolsa-família obtidos no primeiro turno – e ratificados no segundo -, pode-se dizer que o governo foi politicamente reprovado nas urnas pela maioria da sociedade organizada.

Com o país registrando crescimento abaixo de 1%, sem investimentos, com inflação acima da meta e credibilidade internacional abalada (há expectativa de novos rebaixamentos de crédito), analistas do próprio universo governista temem que a presidente acredite que foi reeleita por seus acertos.

Eliane Cantanhêde - Nós contra nós

- Folha de S. Paulo

Em campanha, Dilma falava em "nós contra eles", comparando os governos do PT aos de FHC, encerrados há 12 anos. De volta à realidade, Dilma vai ter de enfrentar o "nós contra nós", com o PT confrontando os seus quatro anos aos oito de Lula. Ela perde feio.

Dilma venceu a eleição por menos de quatro pontos (51,64%) e já tem três frentes de batalha antes mesmo do segundo mandato: o buraco na economia, os escândalos da Petrobras e uma negociação política difícil não só com sua gulosa base aliada, mas sobretudo com o próprio PT. Onde encaixar os derrotados? São "só" 39 ministérios. E o Sesi é uma mãe, mas não tem vaga para todos.

É quando Lula entra em cena. Dilma é o presente, mas Lula não é só o passado, é o guardião do futuro do PT. Não porque ele seja obrigatoriamente o candidato do partido em 2018, como muitos creem, mas porque há uma simbiose indissolúvel entre Lula e o partido.

Nos dois governos Lula, sobretudo no segundo, os ventos internacionais eram favoráveis, os ministros e o presidente do BC eram fortes, o Brasil era a grande vedete do momento e a economia era considerada um sucesso por pobres e ricos, sindicatos e bancos. O clima mudou, todos esses ativos perderam valor no primeiro mandato de Dilma e até ameaçaram o projeto continuísta do PT.

Na sua segunda chance, Dilma tem duas opções: ouvir Lula, reconhecer os erros e resgatar os pilares da economia e a confiança dos investidores ou, ao contrário, dobrar a aposta. Aí mora o perigo.

Por isso, as Bolsas despencam, o dólar dispara. Mas engana-se quem pensa que é só um chilique do mercado, como o das mocinhas do Leblon, sem consequências. Com a economia e a indústria vacilando, quem mais vai sofrer é o pobre, a classe C.

Os tucanos perdem por não superar a imagem cristalizada de que o PT cuida dos pobres, e o PSDB, dos ricos. Mas, neste momento, como sempre, os pobres é que estão sob risco.

Dora Kramer - Fala mansa

- O Estado de S. Paulo

A vantagem da reeleição é que o País não precisa esperar os dois meses que separam a eleição da posse nem os tradicionais primeiros 100 dias de governo para conferir se a figura do candidato se encaixa na pessoa do presidente. Ou melhor: se o que foi feito para ganhar combina com o que será feito para governar.

A presidente Dilma Rousseff que surgiu reeleita na noite de domingo para discursar em prol do diálogo e da união nacional era outra na forma, mas ainda ficou devendo a prova de que na essência não continua a mesma.

Livre das jogadas ensaiadas que fizeram dela mera repetidora de frases desconexas, Dilma pôde se dirigir à nação com surpreendente fluência. Um alívio, pois se vê que não há nada de preocupante com ela. Apenas, não sendo política de raiz, tampouco é uma atriz. Nem improvisa nem segue com naturalidade o script.

Dilma disse as palavras adequadas no momento certo. A cobrança dos últimos dias eram todas no sentido em que foi construído o discurso. Era o que se esperava dela. Correspondeu bem a essa expectativa, principalmente quando exaltou o valor dos resultados apertados como agentes de mudanças mais eficazes do que vitórias muito amplas.

Foi ao ponto ao estabelecer que falar em união não significa defender unidade de ação e pensamento, pois o espaço para a divergência é sagrado. E foi em frente no comprometimento com reformas, com o reconhecimento de que pode ser uma pessoa de trato bastante melhorado, que a economia necessita de mudança de rumos, que o diálogo com todos os setores precisa ser qualificado, que a corrupção requer duro combate e o Congresso um relacionamento renovado.

As palavras da presidente são completamente diferentes das atitudes da candidata. Em quem o País deve acreditar? Aí depende da disposição de se aceitar, ou não, a teoria do "diabo", segundo a qual pela vitória vale tudo. Ou os fins justificam os meios.

O problema da tese é que quem se orienta por ela pode adotá-la em qualquer situação: na campanha ou no governo. De onde a correção do discurso presidencial logo após a vitória deve ser visto com ressalvas. Primeira delas: tão amoldado à expectativa e contraditório em relação ao que gritava a militância que o ouvia ensandecida contra a "mídia golpista", que autoriza a desconfiança de que seja mais uma peça de marketing.

A suspeita tem base em práticas anteriores. Já vivemos a publicidade da "faxina", da "gerente", da "durona", que hoje promete ser "uma pessoa melhor". Mas, sigamos com fé. Para que essa fé não nos falhe é necessário que a formalidade das palavras seja correspondida pela efetividade dos atos.

A presidente acena com diálogo. Se a memória não comete grave traição, ela fez gesto semelhante ao assumir a Presidência em 2010. A realidade resultou em isolamento. Sim, pode ter havido aprendizado, mas desta vez é preciso explicitar quais as bases, com quem e como o governo pretende estabelecer a interlocução para ganhar crédito. Terá de levar o PT a adotar a mesma orientação de que a crítica não significa "golpismo" e representa apenas uma parcela substantiva da população.

O compromisso com as reformas também não pode se resumir à repetição da proposta já repudiada do plebiscito para a reforma política. Há outras na pauta que implicam disposição do Poder Executivo de enfrentar e arbitrar contenciosos.

Para concluir, o enrosco urgente da Petrobrás. A presidente aborda o tema da corrupção falando em mudanças nas leis. Não poderá, no entanto, passar os próximos quatro anos de olhos fechados para o fato de o PT ter optado por financiar seu projeto de poder por meio de traficâncias no aparelho do Estado.

Raymundo Costa - Diálogo começa pelos governadores eleitos

• Dilma quer votar novo indexador da dívida até dezembro

- Valor Econômico

Da retórica à prática, a presidente Dilma Rousseff começou ontem mesmo a telefonar para os governadores eleitos com os quais deve tratar, no início do próximo ano, do compartilhamento da gestão de serviços públicos, especialmente segurança e saúde, conforme promessa de campanha.

Segundo o ministro Miguel Rossetto, um dos integrantes da coordenação da campanha da presidente à reeleição, "as eleições acabaram". Pode parecer óbvio, mas significa que a presidente deixou para trás o embate eleitoral e está disposta a iniciar o prometido diálogo, inclusive com adversários na disputa que acabou em 26 de outubro.

Diálogo com o Congresso, com o Judiciário, com os movimentos sociais e até com aqueles que mais reclamaram de seus ouvidos moucos, os empresários e o sistema financeiro. Não há previsão de uma conversa com Aécio Neves, o candidato derrotado do PSDB.

O discurso surpreendeu positivamente as alas mais moderadas do PT. Numa tradução livre, Dilma falou que entendeu o recado de mudança enviado pelas urnas, que lhe deram a menor vantagem já obtida por um presidente eleito do PT, e que vai mudar inclusive pessoalmente.

Mudança no governo, mudança pessoal e diálogo. Nos termos de seu slogan de campanha, o "Mais Mudanças"

De acordo com Rossetto, o fim das eleições determina também o fim dos alinhamentos automáticos, o que permite à presidente procurar os governadores eleitos, sejam quais forem seus partidos, sem nenhum constrangimento. "Ela está ligando para todos. No tempo adequado vai chamá-los para uma reunião".

O encontro deve ser feito mais à frente, pois os atuais governadores ainda têm quase dois meses de mandato a cumprir. Com estes Dilma deve tratar do projeto que muda o indexador da dívida dos Estados. A ideia é votá-lo até dezembro, antes do recesso de fim de ano do Congresso

Rossetto, que deixou o Ministério do Desenvolvimento Agrário para se tornar uma espécie de sombra da presidente, durante a campanha eleitoral, conta que a intenção de Dilma é "qualificar a relação federativa". De imediato ela deve tratar com os governadores da emenda constitucional que enviará ao Congresso tratando da gestão compartilhada da segurança pública.

Atualmente a segurança pública é uma atribuição constitucional dos Estados. União e Estados costumam se recriminar mutuamente, sobretudo nos períodos eleitorais, pela crise no setor. O fato é que o crime não tem fronteiras estaduais nem internacionais e o modelo brasileiro para tratar da segurança é obsoleto, para dizer o mínimo. Há um consenso de que precisa mudar.

Com os governadores a presidente deve tratar também do compartilhamento da gestão da saúde. O modelo deve sair da discussão da União com os Estados. A reforma que já tem as bases assentadas é a reforma política. O desenho é o projeto que a presidente propôs como resposta às manifestações de junho de 2013.

À época o projeto não foi bem recebido pelo Congresso, mas o ministro Miguel Rossetto deixa entrever que há um largo espaço para a negociação. Não só com os partidos e o Congresso. A presidente Dilma também pretende ouvir as iniciativas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB.

"O básico, para o governo, é acabar com o financiamento empresarial que produz campanhas extremamente caras", diz o ministro. Em sua opinião, "há um consenso de que o atual modelo se esgotou. É uma fonte de corrupção e produz uma relação ruim das empresas com a estrutura pública. Essa é a base da cultura da corrupção".

O financiamento empresarial parece com os dias contados no Supremo Tribunal Federal (STF), onde seis ministros já votaram por sua extinção. Mas pode voltar, mesmo depois de uma decisão do Judiciário, por meio de uma legislação congressual. É nesse terreno que o governo deve se movimentar para viabilizar o financiamento público.

"A democracia não pode ser vista como investimento econômico no país", insiste Miguel Rossetto.

O ministro considerou a eleição "difícil, polarizada e politizada" talvez como nenhuma outra desde a redemocratização. "Que eleição discutiu a independência do Banco Central, juros, inflação, superávit primário, emprego e renda, violência contra mulher, bancos públicos e programas sociais como esta"? Segundo o ministro, "a campanha repassou todos os temas da agenda nacional, o que a distingue das outras, e dela saiu uma agenda de reformas e mudanças".

Apesar da estreita diferença de votos em relação à oposição, o ministro Rossetto diz que a presidente da República "sai fortalecida para chamar o diálogo com os movimentos sociais, o Congresso, o Judiciário para negociar uma agenda eleita. Isso o processo eleitoral teve". Nessa agenda, evidentemente, está o tema da "corrupção e eficiência da máquina administrativa".

Pelo que fala Rossetto, o projeto de regulação da mídia pode caminhar num segundo governo Dilma, mas com cautela e sem ferir a liberdade de expressão. O ministro usa palavras duras contra a revista 'Veja', que às vésperas da eleição publicou reportagem sobre o suposto aval de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um esquema de cobrança de propina na Petrobras.

"Todos devem avaliar seu desempenho, todas as estruturas, buscando aperfeiçoar", diz. "Há um fato grave produzido pela editora para manipular a decisão dos eleitores. O TSE considerou ilegal. As decisões foram desconsideradas. A utilização de meios de comunicação social para burlar e fazer campanha é um fato que preocupa e precisamos compreender o que aconteceu, a dimensão dessa 'Operação Abril'. É inaceitável no regime democrático. É um tema que deve ser avaliado", afirma Rossetto.

Para o ministro, a eventual lei dos meios de comunicação tem de levar em conta dois marcos. O primeiro é "a liberdade de expressão e restrição a qualquer tipo de censura à imprensa". O segundo "é o direito à informação democrática e plural fora de um regime de monopólio da imprensa - entre esses dois modelos há uma espaço para discussão", arremata o ministro. Com Rossetto só não há diálogo sobre o que será no futuro governo. Está cotado para a Secretaria Geral da Presidência da República. Mas sobre isso o ministro não fala. Nada.

José Roberto de Toledo - Pela volta do fusível

- O Estado de S. Paulo

O 3.º turno começou, e não tem nada a ver com doleiros e diretores da Petrobrás. Por enquanto, é entre Aloizio Mercadante e Luiz Carlos Trabuco. Não é uma disputa de fato, é só o jeito que o mercado financeiro preferiu para simbolizar a escolha da nova equipe econômica de Dilma Rousseff (PT). A hipotética polarização entre o ministro-chefe da Casa Civil e o presidente do Bradesco pela vaga de Guido Mantega é o novo 26 de outubro.

É uma disputa muito improvável, mas embute uma ideia importante e que poderia fazer muita diferença na tranquilidade da presidente e do País. A adoção de um fusível econômico.
Ao longo do primeiro mandato, sobrou pressão, dentro e fora do governo, de dentro e fora do Brasil, para Dilma demitir Mantega. Afora o fato de a presidente traduzir cada uma dessas pressões como um motivo a menos para demitir seu subordinado, havia uma razão mais importante para que isso não acontecesse, como explica o professor Delfim Netto: "Pra quê? Pra nada."

Dilma era a inspiradora, fiadora e - dirão alguns - a autora das medidas econômicas mais fundamentais da gestão Mantega, como segurar o preço da gasolina e diminuir os juros na raça. Logo, demiti-lo só teria algum efeito prático se, junto com o ato de demissão do ministro de direito, Dilma assinasse também uma carta renunciando ao cargo de ministro da Fazenda de fato. E esse foi, talvez, o principal problema político de sua gestão.

Até Fernando Henrique Cardoso assumir a Fazenda, lançar o Plano Real e controlar a inflação, o cargo sempre serviu como fusível para o presidente da República. Mesmo Itamar Franco só transferiu FHC do Itamaraty para a Fazenda por falta de opção. Já tinha trocado três fusíveis queimados, sem sucesso.

Com José Sarney e Fernando Collor já havia sido assim, uma sucessão de nomeações e demissões à medida que novos planos econômicos eram lançados e fracassavam. Foram 13 ministros da Fazenda durante a ditadura (contando os interinos); quatro durante o governo Sarney; dois durante o governo de Collor, o breve; seis durante o governo Itamar.

O tira e põe ministro da Fazenda só terminou quando Fernando Henrique virou presidente. Ele assumiu com Pedro Malan, em 1.º de janeiro de 1995, e foi com ele até o fim do segundo mandato, em 31 de dezembro de 2002. Foram oito anos de mandarinato econômico malanês que tiveram o mérito de dar estabilidade à sempre turbulenta economia brasileira.

Luiz Inácio Lula da Silva percebeu as vantagens que isso implicava e segurou o quanto pôde Antonio Palocci na Fazenda. Só sacou-o quando não deu mais, por causa do escândalo do caseiro. Colocou Mantega na Fazenda em 27 de março de 2006, e deixou-o lá até entregar as chaves do Palácio do Planalto a Dilma. A presidente manteve Mantega por mais quatro anos.

No total, terão sido quase nove anos de Mantega como ministro da Fazenda. É o mais longo período contínuo de uma pessoa no cargo. Durante a maior parte do tempo, Mantega contribuiu para manter o clima de estabilidade econômica. Mas quando os indicadores começaram a piorar e as políticas foram mantidas, a impossibilidade de tirar o ministro produziu o efeito oposto ao de um fusível. Virou ligação direta entre crise e presidente.

A única maneira de isolar a presidente das altas e baixas do PIB e das taxas de inflação e, assim, preservá-la dos choques econômicos é dar autonomia ao novo ministro da Fazenda, seja ele quem for. Para funcionar como fusível, o sucessor de Mantega precisará de liberdade para fazer o que acha mais adequado. Só assim poderá ser responsabilizado pelas consequências de suas decisões e, eventualmente, substituído. Caso contrário, Dilma continuará sendo o para-raios da economia.

Assim, o papel do novo ministro é mais importante do que seu nome. E isso só ficará claro no decorrer do segundo mandato.

Luiz Carlos Azedo - O enigma da Fazenda

• A escolha do novo ministro tornou-se fundamental para uma mudança nas relações entre o governo e a própria presidente da República com os setores produtivos do país

- Correio Braziliense

Os mercados reagiram negativamente à eleição da presidente Dilma Rousseff (PT), com a Bolsa de São Paulo despencando, principalmente por causa da queda das ações da Petrobras e de outras estatais. Estava escrito nas estrelas que isso ocorreria. Dilma, no discurso da vitória, não sinalizou claramente o que pretende na economia. E o ministro Guido Mantega, da Fazenda, não tem muito o que fazer, a não ser arrumar as gavetas e, melancolicamente, esperar o substituto. O problema é que ninguém sabe quem será esse cara.

Ontem, a bolsa de apostas quanto ao futuro do cargo estava agitada. Havia nomes para todos os gostos, desde o do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, ao do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que vinha sendo o porta-voz de Dilma durante a campanha nos temas econômicos. Especulava-se também com os nomes do ex-presidente do Banco Central (BC) Henrique Meirelles e do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que seriam supostamente os favoritos do ex-presidente Lula. Outros nomes cotados são os do ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa; do presidente do BNDES, Luciano Coutinho; e do empresário Josué Gomes da Silva, da Coteminas.

Apesar de muito radicalizada, a campanha eleitoral produziu alguns consensos entre Dilma e a oposição: as conquistas sociais precisam ser mantidas, a corrupção na administração pública deve ser contida, é preciso reduzir a inflação e voltar a crescer, a educação precisa de um salto de qualidade, urge um basta à violência, as questões ambientais, climáticas e energéticas devem ser consideradas mais seriamente, vide o problema da seca no Sudeste, principalmente em São Paulo. O problema é que os recursos públicos para isso são limitados e as mágicas contábeis do secretário do Tesouro, Arno Augustin, não resolvem isso.

Sendo assim, a escolha do novo ministro da Fazenda tornou-se fundamental para uma mudança nas relações entre o governo e a própria presidente da República com os setores produtivos do país. Haveria dois caminhos a seguir: o predomínio de uma política econômica centrada no “mais do mesmo” — câmbio flutuante, meta de inflação e superavit fiscal — ou os experimentos da “economia política”, com manutenção da rota intervencionista no mercado adotada no primeiro mandato. A retórica da campanha eleitoral foi uma afirmação da segunda opção, mas o resultado apertado sugere ao governo ir mais devagar com o andor e trilhar a segunda.

O plebiscito
Um fator político pode ser complicador para o governo no Congresso: a tese de um plebiscito para fazer a reforma política. Há muitas restrições a esse tipo de solução entre os constitucionalistas — a começar pelo vice-presidente, Michel Temer (PMDB). O PT tentou várias vezes aprovar propostas como o voto em lista e o financiamento público de campanha, mas não conseguiu convencer os próprios aliados de que essa seria a melhor alternativa. A proposta do plebiscito surgiu durante as manifestações de junho do ano passado, no bojo de várias articulações do Palácio do Planalto com lideranças dos jovens que participaram dos protestos. Eleitoralmente, foi uma estratégia bem-sucedida, principalmente no segundo turno, quando esses líderes declararam apoio à reeleição de Dilma.

Ocorre, porém, que a representação desses setores no Congresso é irrisória, mesmo se considerando a taxa de renovação de 39%. Dos 513 deputados federais, 290 são políticos reeleitos e 25 deputados estão voltando à Casa. Entre os 138 novos deputados, a maioria é formada por políticos tradicionais (ex-prefeitos e ex-deputados estaduais), e alguns novatos são herdeiros de velhos clãs políticos. Não será fácil para Dilma articular a base do governo para fazer a reforma. E o tema do plebiscito não unifica os partidos aliados.

Mesmo que a presidente Dilma não goste disso, o país saiu das urnas dividido. A derrota de Aécio Neves (PSDB), em termos de votação, é autoexplicativa: a votação imprevista em Minas Gerais. O estado é um mosaico da realidade econômica e social do país. A vitória de Dilma em Minas desequilibrou a balança. Mas, independentemente disso, o político mineiro é agora um líder nacional, ao lado de outros oposicionistas, como José Serra, Geraldo Alckmin e Marina Silva. Durante o segundo turno, essas lideranças caminharam juntas. Construíram uma agenda comum que pautará atuação da oposição, e Dilma deveria levar isso em conta.

José Casado - Descida rápida

- O Globo

A vida real insiste em bater à porta de Dilma Rousseff. Em sua mesa, no domingo da reeleição, acumulavam-se informes e relatórios recentes sobre as aflições governamentais provocadas pela seca, inflação, recessão e evidências de fragilidades no sistema financeiro.

Não haverá "pacote", expressão há muito banida do léxico governamental. Vêm aí "ações localizadas, em especial na economia" - ela anunciou na noite de domingo, ao celebrar a vitória, seguindo sugestão da equipe de propaganda. Arrematou: "Antes mesmo do início do meu próximo governo."

Por trás dessa dezena de palavras está um governo atormentado pelos efeitos da seca na maior parte do Brasil. Na sexta-feira, por exemplo, chegou ao Palácio do Planalto a previsão de estoque de água durante esta semana nos reservatórios das hidrelétricas. No Sudeste e Centro-Oeste, 18%, nas usinas do Nordeste, 15%.

Pela régua do Operador Nacional do Sistema Elétrico, a situação hoje seria mais grave do que aquela de 2001, no governo Fernando Henrique, quando o armazenamento nas usinas era de 21% e o consumo precisou ser racionado.

A crise no abastecimento de energia só não aconteceu neste ano eleitoral porque a indústria, maior consumidora, está em recessão há 12 meses. "Vamos dar mais impulso à atividade econômica em todos os setores, em especial no setor industrial", prometeu Dilma, no discurso.

Desta vez, não haverá "racionamento" - outra palavra banida do vocabulário oficial. Vem aí uma "racionalização" do consumo, se Dilma decidir agir e, nesse caso, adotar a proposta vocabular do serviço de propaganda pós-eleitoral.

Em qualquer hipótese, as contas domésticas de luz devem atravessar 2015 sob bandeira vermelha, código de aviso ao consumidor sobre como a coisa está feia no sistema gerador. Por causa dos desequilíbrios, naturais ou governamentais, ele deverá pagar uma taxa extra.

Os efeitos da seca se espraiam pelo sistema de preços de uma economia estagnada. A saída com anabolizantes no consumo já não existe, porque esgotou-se a capacidade de endividamento familiar. O crédito deixou de fluir na praça, apesar das ações emergenciais do Banco Central, que atravessou os últimos quatro meses da campanha eleitoral liberando R$ 17 bilhões mensais aos bancos.

O alto custo do dinheiro, em tempos de inflação crescente e taxa de câmbio incerta, gelou o ritmo de negócios. Os maiores bancos ampliaram as restrições ao crédito de grandes clientes. Principalmente, daqueles que fornecem à Petrobras e têm sido obrigados, na melhor das hipóteses, a renegociar valores de contratos arguidos nas múltiplas investigações sobre as traficâncias na empresa estatal.

Culpar o sistema financeiro pode ser útil à retórica, mas é inócuo. Como dizia o industrial Antonio Ermírio de Moraes, guarda-chuva de banco só abre quando faz sol. Além disso, uma em cada cinco das 100 maiores casas bancárias brasileiras fechou o balanço dos primeiros nove meses com exuberantes prejuízos - um pedaço teve origem em dívidas não pagas de fornecedores da Petrobras envolvidos nos escândalos petro-partidários.

Dilma Rousseff será obrigada a descer do palanque bem mais rápido do que previa.

Rubens Barbosa - O dia seguinte

- O Estado de S. Paulo

Na disputa entre dois modelos distintos de governo, a maioria mais apertada desde 1945 optou pelo do PT. O governo vai ter de cumprir os principais compromissos assumidos pela presidente reeleita, como medidas para estabilizar a economia, ajustes na política econômica para reduzir a inflação, volta do crescimento para manter o nível de emprego e reforma política para permitir o avanço das mudanças de que tanto o país necessita. Por outro lado, espera-se o prometido combate à corrupção e o restabelecimento dos princípios éticos com a punição dos culpados pelo assalto aos cofres públicos que tanto prejuízo causaram à maior e mais prestigiosa empresa brasileira.

As oposições que saem derrotadas têm de se reinventar e atuar de forma diferente da dos últimos 12 anos para melhor defenderem o modelo e as políticas que expuseram na campanha, e cobrarem resultados do governo nas áreas política, econômica e social.

O ardor da disputa eleitoral em diversos momentos fez com que o país emergisse, depois da eleição, dividido eleitoralmente entre Norte/Nordeste e Sul/Sudeste, e socialmente, entre pobres e ricos, povo e elite, entre "nós e eles".

A insistência na divisão, tão explorada pelo PT para manter-se no poder, é uma receita perigosa para a preservação da democracia e da tranquilidade no país.

Se a tática de divisão entre "nós e eles" continuar, a radicalização política e o enfrentamento derivado das opções que serão adotadas vão gerar uma situação de conflito que não deveria interessar a ninguém.

Desde o início do novo governo PT, teremos de estabelecer pontes e canais de comunicação para evitar que a radicalização e a polarização dos últimos meses da campanha eleitoral se mantenham fracionando nossa sociedade.

Algumas das políticas e medidas prometidas pela então candidata, agora presidente reeleita, têm um grande potencial de gerar o aprofundamento das divisões internas: o plebiscito para a reforma política, o controle social da mídia, o controle econômico das empresas de comunicação, a revisão da Lei de Anistia, a criação da política nacional de representação social, para mencionar apenas algumas. Caso o governo reconduzido queira aplicá-las, haverá, sem dúvida, o aprofundamento da divisão interna e um novo inevitável choque de consequências imprevisíveis para a democracia e a estabilidade do país.

Embora o discurso da presidente Dilma após o anúncio oficial dos resultados no domingo tenha conclamado "todos os brasileiros e todas as brasileiras sem exceção" para a união e o diálogo, não houve um gesto em relação à oposição, nem qualquer referência, como de praxe, ao seu opositor que a havia cumprimentado pouco antes. O grande desafio que o país vai enfrentar nos próximos meses será como estabelecer as referidas pontes para evitar a radicalização e procurar deixar as diferenças de lado. Não será tarefa fácil.

Governo e oposição têm responsabilidade compartilhada para evitar que a divisão se agrave, se aprofunde e leve a uma crise institucional.

Míriam Leitão - A hora dos sinais

- O Globo

Há uma lista de tarefas a fazer para melhorar o clima econômico desde já e abreviar o tempo da incerteza que tem feito muito mal à economia brasileira. O governo precisa anunciar nomes da composição da equipe econômica, nova diretriz e correções de rumo. Ninguém, evidentemente, votou pela continuidade da estagnação com inflação, mas com esperança de que isso possa ser mudado.

A ação da Petrobras despencou ontem por razões óbvias. A empresa está enfrentando ataques em dois flancos: de um lado, uma política de preços que a levou a ficar descapitalizada e com alto endividamento; de outro, um escândalo de proporções oceânicas. As denúncias feitas pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef mostram, além dos crimes em si, um gravíssimo problema de governança e de perda de rentabilidade. Se em cada negócio, cada lote de tubos e conexões, cada refinaria, cada importação, fretamento de navio, havia sobrepreço para pagar o "comissionamento aos agentes políticos" - como Youssef relatou -, tudo fica mais caro. Em alguns casos, como se viu, os preços são proibitivos. A Petrobras perde competitividade em relação às outras empresas do mundo no setor. Por melhor que seja a companhia, ela fica sob suspeição dos investidores se seu acionista controlador não demonstrar que sabe como tirá-la do fundo do poço.

O mercado acionário tem um comportamento conhecido. Com o preço da ação ficando muito baixo, aparecerão compradores e ela vai subir. Mas eles carregarão os papéis até o ponto de venda e a ação cairá de novo. É preciso restabelecer a confiança na governança da companhia. A ação da empresa ontem bateu em R$ 14,2. A maior cotação do ano havia sido R$ 24,9, em setembro, quando saiu a pesquisa com Marina Silva à frente. Houve altas que acompanharam as subidas de Aécio Neves. Em 2008, o papel valia R$ 41,2.

Em moeda local, a Petrobras já chegou ao valor de R$ 510 bilhões e hoje vale R$ 181 bilhões. Os grandes que entraram e saíram, vendendo na alta e comprando na baixa, lucraram com a desdita da companhia. Mas o pequeno ficou segurando a ação na mão.

A comparação com seus pares globais dá uma tristeza enorme. A Ecopetrol, estatal colombiana, que tem reservas bem menores - de 1,9 bilhão de barris contra 16,6 bilhões da brasileira - valia ontem US$ 57 bi, enquanto o valor da brasileira era US$ 72,8 bilhões. De acordo com o levantamento da corretora Mirae, a Exxon vale US$ 399 bilhões; a Shell, US$ 277 bilhões; a Chevron, US$ 218 bilhões. Qualquer que seja a medida, a maior empresa brasileira, cuja ação mergulhou ontem de novo, está com valor muito abaixo do que deveria.

Em relação à economia em geral, há uma queda generalizada dos índices de confiança do empresário. Eles vêm caindo há muito tempo. É preciso atuar nesse ponto. Se o governo der horizonte para as empresas - e não apenas um novo pacote de benefícios localizados e temporários - a confiança pode começar a ser restabelecida, aumentando a chance de mais investimento. O problema é que os sinais são de mais um pacotezinho de ajuda a empresário. Ontem, alguns estavam sendo chamados a Brasília.

Há uma chance de o segundo mandato ser melhor do que o primeiro na economia, até porque a base de comparação será baixa. O crescimento médio anual não deve superar 1,6% no primeiro mandato de Dilma. E a inflação ficou o tempo todo roçando o teto da meta. Mas essa melhora não virá por inércia. Terá que ser construída e quanto mais cedo o governo agir, melhor.

O Tesouro terá que pedir ao Congresso, nos próximos dias, para diminuir a meta fiscal porque não vai cumpri-la. Adianta pouco jogar palavras ao vento como se ainda se estivesse no palanque. Ninguém se convence com declarações como a do ministro Guido Mantega ontem de que a meta fiscal do ano que vem será maior do que a de 2014. Menor não poderia ser, porque hoje na prática nem superávit primário há nos oito meses terminados em agosto.

Com a força que recebeu das urnas, é hora de a presidente dizer como pretende fazer a economia sair da lamentável situação em que está. A demanda é por otimismo, mas é preciso que a presidente demonstre que se cercará de uma equipe capaz de corrigir os rumos e retomar o crescimento.

Carlos Matheus - A lentidão das mudanças

- O Estado de S. Paulo

A recente campanha eleitoral revelou uma contradição entre a forte expectativa de mudança de grande parte do eleitorado e a mesmice do resultado das urnas. Esse aparente paradoxo está presente em tudo o que sempre aconteceu no Brasil e, talvez, em todo o mundo. Na História do Brasil, mudanças sempre ocorreram lentamente. Depois que Cabral deixou as praias da Bahia, foram necessários quase 200 anos para os brasileiros descobrirem que eram brasileiros, e não mais portugueses.

Ao tomarmos consciência de nossa nacionalidade, tivemos de sofrer um século de perseguições violentas dos portugueses, passando por Felipe dos Santos até Tiradentes, para conseguirmos nossa tardia e tão sonhada independência. Independentes, nossos antepassados precisaram de quase um século para acabar com a escravidão no País. O tenentismo já proclamara o envelhecimento da Primeira República quando Vargas tomou o poder. E este também envelheceu tão rápido a ponto de implantar uma ditadura para permanecer mais longamente no poder.

Ao tomar posse em 1955, Juscelino tentou apressar a História com seu projeto de realizar "50 anos em 5" em seu governo, mas tudo ficou incompleto. Jânio, em 1960, teve a mesma pressa. Não suportou o ritmo e desistiu logo. A tentativa parlamentarista de colocar lentidão na vida política brasileira também malogrou e a pressa com que João Goulart pretendeu realizar suas chamadas "reformas de base" trouxe de volta a ditadura. E foram necessários mais 20 anos para os militares tomarem consciência do engano que cometeram.

Escreveu Hegel que as mudanças na História amadurecem com o amanhecer: antes do primeiro raio de sol surgem os sinais prematuros do dia que desponta no horizonte. Assim também tem sido na História do Brasil. A República já amanhecia enquanto a monarquia fazia sua festa na Ilha Fiscal e as ditaduras envelheciam enquanto o sentimento democrático germinava. A deposição de Vargas em 1945 foi como um fruto maduro ou um ocaso melancólico de um regime esgotado. A campanha pelas eleições diretas iniciada em 1984 também anunciava o mesmo esgotamento da ditadura militar.

A partir de 1985 os brasileiros tiveram de reinventar a democracia. Os que haviam lutado contra a ditadura foram chamados para construir o futuro, que começou a ser escrito por Ulysses Guimarães, com sua "Constituição cidadã". Ulysses foi preterido pela História e lançado ao mar, deixando em seu lugar Tancredo Neves, a quem a História também não deu lugar. Tempos de transição se seguiram, em busca de um regime mais bem ajustado à realidade brasileira.

Foram necessários mais dez anos para que o Brasil encontrasse um novo rumo em direção à democracia. Entre 1984 e 1994 os governantes foram sendo sucessivamente devorados pela inflação e pela improvisação política. Exemplos emblemáticos desse período foram o congelamento dos preços e a escolha apressada de um obscuro "caçador de marajás", dos quais só restaram a frustração e o aprendizado. Novo, nesse período, foi o aparecimento do PT. Seu líder, Lula, perdeu por muito pouco a eleição de 1989. Perdeu, mas saiu vitorioso: uma vitória em que nem mesmo ele acreditou. Precisou perder mais duas outras eleições para descobrir que representara o novo em 89.

A lentidão das mudanças prosseguiu a partir de 1995. O governo de FHC, com o combustível da estabilidade da moeda, permaneceu oito anos no poder graças ao artifício da mudança constitucional, mas também envelheceu. Os brasileiros demoraram para notar que a inflação permanecia e recorreram ao que já fora novo nos tempos de Collor. Acreditando já ser possível "viver sem medo de ser feliz", aderiram à bandeira do PT. Certo deslumbramento nacional e até mundial envolveu a figura do operário que se tornara presidente da República, criando a falsa impressão de no Brasil haver grande mobilidade social. Estaria ele preparado para governar?

Claro que não, mas isso pouco importava, já que seu partido assumiria a tarefa. Muita improvisação e alguns êxitos levaram o PT a permanecer no poder oito anos com Lula e, agora, mais oito com Dilma. Os sinais de mudança que despontaram em 2013 anunciaram o envelhecimento do que já fora novo. A eleição de 2014 revela o confronto entre o que envelheceu sob a figura de quem venceu em contraste com o novo que se busca na imagem de quem perdeu.

Há algo de inegável sob a lógica dos dados: Aécio Neves sai vitorioso pelo fato de representar o novo e Dilma Rousseff sai derrotada porque representa o que envelheceu.

No Brasil, tudo o que é novo cresce do Sul para o Norte ou do Sudeste para o Nordeste. Assim foram as revoluções do período colonial, assim começou a rebeldia de Vargas contra a Primeira República e assim cresceu o antigo MDB contra a Arena durante o período militar. E assim também cresceu o PT, expulsando o PMDB para o Norte e o Nordeste. As eleições de 2014 mostraram o mesmo processo. Não foi o PSDB que cresceu: foi o novo que empurrou o PT para o mesmo Nordeste onde o PMDB desfalece e onde a resistência à República havia gerado a rebelião de Canudos.

O Brasil é um país espacialmente extenso e temporalmente lento. A distância que separa suas elites intelectuais do semialfabetismo popular é colossal. É necessária uma grande revolução educacional que reduza no tempo o que atualmente a internet consegue reduzir no espaço para que o País possa ajustar-se ao ritmo das mudanças que ocorrem no mundo.

Essa distância no tempo está presente sob a herança de Tancredo Neves: tendo sido o primeiro dos primeiros-ministros antes da ditadura militar e, depois desta, o primeiro presidente eleito, parece herdar seu nome quem traz consigo a tarefa de ser o porta-voz das mudanças que os brasileiros do Sul pretendem oferecer aos do Norte.

*Carlos Matheus foi diretor do Instituto Gallup e professor titular de Ética e Filosofia Política da PUC-SP.

Arnaldo Jabor - Burrice e ignorância

- O Globo / Segundo Caderno

A burrice é diferente da ignorância. A ignorância é o desconhecimento dos fatos e das possibilidades. A burrice é uma força da natureza (Nelson Rodrigues).

A ignorância quer aprender. A burrice acha que já sabe. A burrice, antes de tudo, é uma couraça. A burrice é um mecanismo de defesa. O burro detesta a dúvida e se fecha.

O ignorante se abre e o burro esperto aproveita. A ignorância do povo brasileiro foi planejada desde a colônia. Até o século XIX era proibido publicar livros sem licença da Igreja ou do governo. A burrice tem avançado muito; a burrice ganhou status de sabedoria, porque com o mundo muito complexo, os burros anseiam por um simplismo salvador. Os grandes burros têm uma confiança em si que os ignorantes não têm. Os ignorantes, coitados, são trêmulos, nervosos, humildemente obedecem a ordens, porque pensam que são burros, mas não são; se bem que os burros de carteirinha estimulam esse complexo de inferioridade.

A ignorância é muito lucrativa para os burros poderosos. Os burros são potentes, militantes, têm fé em si mesmos e têm a ousadia que os inteligentes não têm. Na percentagem de cérebros, eles têm uma grande parcela na liderança do país. No caso da política, a ignorância forma um contingente imenso de eleitores, e sua ignorância é cultivada como flores preciosas pelos donos do poder. Quanto mais ignorantes melhor. Já pensaram se a ignorância diminuísse, se os ignorantes fossem educados? Que fariam os senhores feudais do Nordeste em cidades tomadas como Murici ou o município rebatizado de cidade Edson Lobão, antiga Ribeirinha? A ignorância do povo é um tesouro; lá, são recrutados os utilíssimos "laranjas" para a boa circulação das verbas tiradas dos fundos de pensão e empresas públicas.

Como é o "design" da burrice? A burrice é o bloqueio de qualquer dúvida de fora para dentro, é uma escuridão interna desejada, é o ódio a qualquer diferença, a qualquer luz que possa clarear a deliciosa sombra onde vivem. O burro é sempre igual a si mesmo, a burrice é eterna como a Pedra da Gávea (NR). De certa forma eu invejo os burros. Como é seu mundo? Seu mundo é doce e uno, é uma coisa só. O burro sofre menos, encastela-se numa só ideia e fica ali, no conforto, feliz com suas certezas. O burro é mais feliz.

A burrice não é democrática, porque a democracia tem vozes divergentes, instila dúvidas e o burro não tem ouvidos. O verdadeiro burro é surdo. E autoritário: quer enfiar burrices à força na cabeça dos ignorantes. O sujeito pode ser culto e burro. Quantos filósofos sabem tudo de Hegel ou Espinoza e são bestas quadradas? Seu mundo tem três ou quatro verdades que ele chupa como picolés. O burro dorme bem e não tem inveja do inteligente, porque ele "é" o inteligente.

Mesmo inconscientemente, aqui e lá fora, a sociedade está faminta de algum tipo de autoritarismo. A democracia é mais lenta que regimes autoritários. Sente-se um vazio com a democracia - ela decepciona um pouco as massas. Assim, apelos populistas, a invenção de "inimigos" do povo, divisão entre "bons" e "maus" surtem efeito. Surge, na política, a restauração alegre da burrice. Isso é internacional. Bush se orgulhava de sua burrice. Uma vez ele disse em Yale: "Eu sou a prova de que os maus estudantes podem ser presidentes dos USA". E, aí, invadiu o Iraque e escangalhou o Ocidente. E está impune, quando deveria estar em cana perpétua. Aqui, também assistimos à vitória da testa curta, o triunfo das toupeiras.

O bom asno é sempre bem-vindo, enquanto o "pernóstico" inteligente é olhado de esguelha. A burrice organiza o mundo: princípio, meio e fim. A burrice dá mais ibope, é mais fácil de entender. A burrice dá mais dinheiro; é mais "comercial".

Em nossa cultura, achamos que há algo de sagrado na ignorância dos pobres, uma "sabedoria" que pode desmascarar a mentira "inteligente" do mundo. Só os pobres de espírito verão a Deus, reza nossa tradição. Existe na base do populismo brasileiro uma crença lusitana, contrarreformista, de que a pobreza é a moradia da verdade.

No Brasil, há uma grande fome de "regressismo," de voltar para a "taba" ou para o casebre com farinha, paçoca e violinha. E daí viria a solidariedade, a paz, num doce rebanho político que deteria a marcha das coisas do mundo, do mercado voraz, das pestes e, claro, dos "canalhas" neoliberais. É a utopia de cabeça para baixo, o culto populista da marcha à ré.

Nosso grande crítico literário Agripino Grieco tinha frases perfeitas sobre os burros. "A burrice é contagiosa; o talento não" ou "Para os burros, o "etc" é uma comodidade..." ou "Ele não tem ouvidos, tem orelhas e dava a impressão de tornar inteligente todos os que se avizinhavam dele", "Passou a vida correndo atrás de uma ideia, mas não conseguiu alcançá-la", "Ele é mais mentiroso que elogio de epitáfio", "No dia em que ele tiver uma ideia, morrerá de apoplexia fulminante".

Vi na TV um daqueles bispos de Jesus, de terno e gravata, clamando para uma multidão de fiéis: "Não tenham pensamentos livres; o Diabo é que os inventa!". Entendi que a liberdade é uma tortura para desamparados. Inteligência é chata; traz angústia, com seus labirintos. Inteligência nos desorganiza; burrice consola. A burrice é a ignorância ativa, é a ignorância com fome de sentido.

Nosso futuro será pautado pelos burros espertos, manipulando os pobres ignorantes. Nosso futuro está sendo determinado pelos burros da elite intelectual numa fervorosa aliança com os analfabetos.

Como disse acima, a liberdade é chata, dá angústia. A burrice tem a "vantagem" de "explicar" o mundo.

O diabo é que a burrice no poder chama-se "fascismo".

Paulinho da Viola - Bebadosamba

Ferreira Gullar - Poema Sujo

turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos

menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia

(Trecho de “Poema Sujo”, de Ferreira Gullar)