quinta-feira, 12 de novembro de 2015

PSDB diz que cartilha do PT é 'vergonhosa'

• Publicação afirma que esquema de corrupção revelado na Lava Jato teve origem no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso

Valmar Hupsel Filho - O Estado de S. Paulo

A Executiva Nacional do PSDB afirmou ser “vergonhosa” a iniciativa do PT de, a pretexto de “defender o indefensável”, atacar instituições e a oposição na cartilha distribuída a partir desta quarta-feira à militância. “Chega a ser vergonhosa mais essa iniciativa do PT que, a pretexto de se defender do indefensável, acusa e afronta a própria democracia brasileira ao atacar nossas instituições, seus representantes, e a oposição”, afirmou o PSDB em nota divulgada na noite desta quarta-feira, 11.

No documento elaborado para fundamentar militantes petistas com argumentos de defesa às denúncias de coprrupção contra integrantes do partido, o PT acusa a força-tarefa da Operação Lava Jato, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e setores da imprensa de agirem deliberadamente, com base em mentiras, para “eliminar o partido da vida política brasileira”.

Com 34 páginas, a cartilha afirma que o esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato teve origem no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso. E acusa o ex-presidente de “engavetar” as denúncias.

O PT incluiu na publicação tabelas mostrando valores de doações de empresas investigadas pela Lavga Jato ao PSDB. Segundo o PT, as 17 empreiteiras investigadas doaram R$ 619 milhões ao PT e às campanha de Dilma Rousseff e R$ 601 milhões ao PSDB e à campanha de Aécio Neves em 2014.

“Se a origem das doações é a mesma, por que criminalizar apenas as contribuições ao PT?”, questiona o documento.

“As 17 empresas investigadas na Operação Lava Jato não têm contratos apenas com o governo federal, mas com governos estaduais e prefeituras controladas pelo PSDB e outros partidos. Por que investigar e criminalizar somente e relações dessas empresas com o PT?”. A cartilha cita ainda que outros partidos “incluindo os moralistas mais hipóicritas: PPS, DEM e Solidariedade” também receberam recursos destas empresas.

O texto cita como contraponto o caso de São Paulo. “Governado há 22 anos pelos tucanos, São Paulo é o paraíso das doações empresariais. Diferentemente do que ocorre em nível nacional, em que as contribuições são equilibradas entre PT e PSDB, em São Paulo os tucanos receberam 2 vezes mais dinheiro do que os candidatos do PT nas eleições de 2010 e 2014”.

Na nota divulgada nesta quarta, assinada pela Executiva Nacional, o PSDB afirma que melhor faria o PT se concentrasse suas energias em explicar à sociedade brasileira o conjunto de delitos e responsabilidades que lhe são imputados. “O PSDB se posiciona em defesa do aprofundamento das investigações da operação Lava Jato que, inclusive, já levou à condenação do tesoureiro do PT, conclui a nota.

PT atiça o formigueiro

Fernando Canzian – Folha de S. Paulo

O jogo duplo entre o PT de Dilma e Eduardo Cunha, visto como necessário para barrar um processo de impeachment no Congresso, está embaralhando a sociedade, os movimentos sociais e partidos que ainda dão sustentação à presidente pior avaliada do país.

A liderança do governo Dilma no Congresso patrocinou nesta quarta (11.nov.), dentro de seu próprio gabinete, a redação de documento dos partidos governistas ratificando "total apoio e confiança" a Eduardo Cunha. Até ontem, vale lembrar, o PSDB também sustentava Cunha.

No domingo, o presidente da Câmara foi alvo central, em nove Estados, de manifestações comandadas por entidades ligadas ou simpáticas ao PT (como CUT e MTST). As lideranças também criticaram a própria Dilma ao demandar a saída de seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Nos últimos dias, caminhoneiros bloquearam estradas em 14 Estados pedindo a saída imediata de Dilma da Presidência.

Houve também manifestações de mulheres (e homens) contra Eduardo Cunha em várias cidades (há outra prevista para esta quinta, às 17h, no Masp).

Nesse caldo, CUT, MTST e movimentos espontâneos como dos caminhoneiros e das mulheres podem acrescentar o que faltou neste 2015 à "tempestade perfeita" prevista por analistas no início do ano.

A partir de uma reivindicação específica (o não aumento das tarifas de ônibus), o Brasil perdeu completamente a paciência em junho de 2013 e colocou para fora todas as suas frustrações. A ponto de tentar invadir o Congresso, sede de governos e de literalmente pôr fogo no Palácio do Itamaraty, em Brasília.

Em 2013 a situação econômica era muito melhor do que a atual. O país fechou aquele ano com a menor taxa de desemprego da série histórica (4,3%) e o PIB cresceu 2,3%. A inflação foi de 5,9%, abaixo do teto da meta do Banco Central.

Os protestos vieram mesmo com recordes no total de empregos com carteira assinada e aumentos na renda dos trabalhadores. Sintoma de que havia um mal estar profundo e difuso em relação a fatores inseparáveis do modo como o Estado toma e presta conta de suas ações perante a sociedade.

Agora, o PIB está caindo 3%, a inflação é de 10% e o desemprego caminha rapidamente para os dois dígitos. A renda média dos brasileiros sofre a maior queda desde 2003 e o varejo tem seu pior resultado em 15 anos.

2016 já está praticamente encomendado. E pode não ser muito diferente disso.

O comando do Brasil, de memória curta, parece simplesmente ter esquecido do que se passou há pouco mais de dois anos. Quando o Congresso foi sitiado e todos os políticos tiveram que se mexer rapidamente para aplacar um movimento que fugia completamente ao controle.

Com seus últimos movimentos, PT, CUT e MTST podem estar "dando ideias". E acendendo o fósforo que falta.

Protesto contra demissões termina em confronto com a PM

• Ato era contra desativação de unidade da Usiminas em Cubatão

Jaqueline Falcão - O Globo

-SÃO PAULO- Trabalhadores e policiais militares entraram em confronto ontem durante um protesto em frente à unidade da Usiminas, em Cubatão, na Baixada Santista, em São Paulo. A manifestação foi convocada por sindicatos para protestar contra a decisão da empresa de paralisar a produção de placas de aços planos na unidade. A desativação total das atividades na fábrica pode levar à demissão de até 8 mil empregados.

Em 29 de outubro, junto com o balanço do terceiro trimestre, a Usiminas anunciou que irá desativar gradualmente a produção da sua usina siderúrgica de Cubatão, a antiga Cosipa, como “medida de adequação à condição de mercado”. Um dos altos-fornos da unidade já havia sido desligado em maio. Em setembro, a empresa suspendeu a produção de chapas grossas usadas na produção de navios e máquinas pesadas. A previsão para a conclusão do processo de desativação da unidade é de três a quatro meses.

Grupo bloqueia entrada da fábrica
A Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) foi inaugurada em 1963 pelo presidente João Goulart. Em 1993, foi privatizada e passou a integrar o conglomerado da Usiminas.

A Usiminas vive uma acirrada disputa entre seus acionistas controladores — a japonesa Nippon Steel & Sumitomo e a ítalo-argentina Terniun. O anúncio da intenção de suspender a produção aconteceu no mesmo dia em que a companhia divulgou um prejuízo de R$ 1,04 bilhão no terceiro trimestre, depois de já ter registrado perdas de R$ 780,8 milhões no trimestre anterior. De acordo com a empresa, a queda nas receitas e as perdas decorreram de um declínio de 1,6% nas vendas de aço no mercado interno, e de uma retração de 35,8% nas vendas de minério de ferro.

Na manifestação de ontem, houve confusão quando um grupo de sindicalistas tentou impedir a entrada de ônibus que chegavam com funcionários para o trabalho. Eles tentavam convencer os trabalhadores a aderirem ao movimento.

A Polícia Militar usou bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta e até balas de borracha para dispersar as cerca de 300 pessoas que estavam no local. A cavalaria da PM também foi acionada. Dois sindicalistas foram detidos. Participaram do ato representantes de cerca de 50 sindicatos.

Após o confronto, houve um ato nas ruas da cidade com a presença da prefeita de Cubatão, Marcia Rosa (PT), que criticou a ação da PM. A prefeitura chegou a decretar ponto facultativo a partir das 11h para incentivar os moradores a participarem da manifestação.

A siderúrgica é uma das maiores empresas da cidade, com forte peso na arrecadação — só no ano passado, a Usiminas foi responsável pela entrada de mais de R$ 100 milhões nos cofres municipais. A empresa emprega trabalhadores de diversas cidades da Baixada Santista. Em nota, a empresa declarou que lamentava o descumprimento pelos sindicalistas de decisão da Justiça do Trabalho que, na véspera dera garantia de livre manifestação aos sindicalistas, desde que estes não impedissem o acesso dos empregados à fábrica.

Números

R$1 BI DE PREJUÍZO Resultado da Usiminas no 3º trimestre

8 MIL DEMISSÕES É o total de trabalhadores que podem ir para a rua se a fábrica de Cubatão fechar

Petrobrás faz 'última proposta' de acordo trabalhista a sindicatos

• Reajuste proposto, de 9,53%, é maior que os 5,73% da primeira proposta, apresentada em setembro

Antonio Pita - O Estado de S. Paulo

RIO - A Petrobrás informou nesta quarta-feira, 11, que, em reunião com as federações de petroleiros responsáveis pela greve da categoria, apresentou uma "proposta definitiva" para acordo trabalhista. A estatal ofereceu reajuste de 9,53% nos salários e remunerações, além de manter benefícios e vantagens vigentes. A petroleira também indicou que aguarda "posicionamento favorável e encerramento das mobilizações."

"A companhia também se comprometeu a criar um grupo técnico, com representantes da Petrobrás, da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e sindicatos, para elaborar um relatório sobre itens constantes na Pauta pelo Brasil. O grupo deverá elaborar um relatório para análise da direção da empresa", afirmou a estatal em comunicado divulgado há pouco sobre a pauta política da Federação, que é contrária à venda de ativos e corte de investimentos.

A primeira proposta para o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), apresentada em setembro, previa um reajuste de 5,73%. A empresa também propunha não rever os valores pagos para benefícios de alimentação e outros adicionais. No mês seguinte, a companhia propôs novo porcentual, de 8,11%. O valor da nova oferta apresentada hoje é equivalente à inflação acumulada em doze meses, segundo os sindicatos.

"Essa é a proposta definitiva da companhia e traduz o empenho máximo da empresa para atender às reivindicações dos empregados e seus representantes. A Petrobrás, diante dos avanços na proposta, aguarda um posicionamento favorável dos empregados e seus representantes e o encerramento das mobilizações promovidas pelas entidades sindicais", concluiu a nota da empresa.

Segundo a estatal, a proposta foi apresentada também à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), que reúne cinco sindicatos dissidentes da FUP. Ambas as federações informaram que ainda estão estudando os termos propostos pela Petrobrás para, então, emitir um parecer sobre a continuidade do movimento.

Portugal: PS terá de agradar a opostos

• Partido deverá conciliar expectativas de aliados radicais de esquerda, mercado e UE

Carolina Jardim - Globo

Após derrubar o governo de centro-direita do conservador Pedro Passos Coelho, o Partido Socialista (PS) enfrenta a difícil tarefa de agradar, ao mesmo tempo, a seus aliados da esquerda radical, ao mercado financeiro e à União Europeia (UE), provando ser possível romper com a política de austeridade sem pôr em risco a frágil recuperação econômica do país.

Liderados por António Costa, os socialistas se uniram ao Partido Comunista (PCP) e ao Bloco de Esquerda (BE) e, pela primeira vez em mais de 40 anos, conseguiram derrubar no Parlamento um governo de centro-direita recém-eleito. A coalizão de esquerda espera que o presidente Aníbal Cavaco Silva lhe dê o aval para a formação de um novo Executivo em breve, embora o conservador não tenha prazo determinado para fazê-lo.

Se Costa assumir como primeiro-ministro, ele terá rapidamente que apresentar o Orçamento de 2016 a Bruxelas, depois de Portugal perder o prazo no mês passado. Apesar de a aliança de esquerda prometer honrar os compromissos orçamentários assumidos com a UE, os investidores reagiram com desconfiança à queda de Passos Coelho — ontem, a agência de classificação de risco Fitch admitiu que poderia rebaixar a nota do país, citando a “instabilidade política”.

PS tenta barrar venda da TAP
O programa que põe fim à rota da austeridade será um teste para Portugal, que saiu somente no ano passado da crise da dívida e do programa de resgate internacional, após quatro anos de profundos cortes nos gastos públicos. Entre as prioridades dos socialistas estão restaurar os salários do setor público aos valores de antes dos cortes feitos durante a crise, aumentar as pensões públicas mais baixas, reintroduzir quatro feriados e aumentar o salário-mínimo.

Em uma medida que reafirma o compromisso com os comunistas de travar as privatizações, o PS moveu-se ontem para tentar reverter a venda da companhia aérea TAP — prevista para ser concluída em 12 de novembro — afirmando que a ação “seria contrária à posição da maioria do Parlamento”.

A aliança entre os três partidos de esquerda demandou concessões que, segundo o analista político Pedro Magalhães, da Universidade de Lisboa, resultaram num acordo mais sólido do que o esperado, apesar das diferenças ideológicas. A coalizão, no entanto, ficaria potencialmente ameaçada se os objetivos econômicos não forem alcançados, de acordo com o especialista.

— Do ponto de vista político, os partidos fizeram um acordo firme, sem esbarrar em assuntos que são incompatíveis para as legendas, como a continuação na zona do euro. Mas o principal risco é que, se o governo não conseguir alcançar o crescimento esperado, poderia ser forçado a aumentar os impostos, e dificilmente contaria com o apoio do PC e do Bloco de Esquerda, gerando um impasse — afirmou Magalhães ao GLOBO.

Presidente resiste a Costa
Boaventura Sousa Santos, professor da Universidade de Coimbra, destacou a proposta socialista como a ruptura de uma política de cortes “extremamente violenta que, nos últimos quatro anos, destruiu a classe média”. Ele chamou atenção, ainda, para uma mudança de perspectiva do próprio bloco europeu sobre o tema.

— A UE está passando por uma transformação no sentido de aliviar a política de austeridade — ressaltou Santos.

Para viabilizar um programa que visa, basicamente, a gastar mais sem prejudicar as finanças, o PS desistiu, por exemplo, de diminuir as contribuições para seguridade social, segundo Magalhães. O partido sustenta que medidas como o aumento do salário terão impacto nas receitas fiscais e no PIB.

Resistente à nomeação de um governo de esquerda, Cavaco Silva poderia exigir garantias adicionais aos dirigentes socialistas. Outra possibilidade é manter a coalizão de centro-direita no comando, limitada a um governo de gestão, até que novas eleições sejam convocadas. A realização de um pleito antecipado caberá ao próximo presidente, cuja eleição está prevista para janeiro.

Em referência velada à rasteira contra Passos Coelho — que amargou o governo mais curto da História do país, mas ainda não renunciou oficialmente — Cavaco Silva afirmou ontem durante uma premiação que, “no espírito científico, as disputas não são resolvidas pela força, mas pelo diálogo”.

Roberto Freire: O apagão científico do Brasil

- Diário do Poder

A grave crise econômica que abate o Brasil, agravada pela tremenda incompetência do PT e pelo desmantelo da corrupção, também afeta um setor determinante para o futuro de qualquer nação, mas que não parece atrair a atenção do governo de Dilma Rousseff. A área científica, capaz de mudar a realidade do país, é uma das que mais vem sendo penalizadas pela irresponsabilidade que marca a atual administração.

No intervalo de apenas um ano, entre 2013 e 2014, houve uma drástica redução no investimento destinado à ciência por meio dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, de R$ 2 bilhões para R$ 1,4 bilhão. Para piorar, enquanto a média mundial de investimento no setor é de 2,1% do Produto Interno Bruto, segundo dados de 2011 da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do Banco Mundial, o Brasil reserva apenas 1,2% de seu PIB à pesquisa e à inovação científica, ocupando um modesto 30º lugar em uma lista de países encabeçada pela Coreia do Sul (4%).

O descaso com que o governo lulopetista trata uma área tão crucial fica evidenciado quando se observa com atenção alguns dos maiores problemas enfrentados pelos profissionais da ciência nos últimos anos. Houve, por exemplo, redução de recursos dos fundos setoriais, voltados a áreas mais específicas, com transferência irrisória de recursos para a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), uma empresa pública criada com o objetivo de investir em ciência, mas que tem repassado verba cada vez mais escassa para a pesquisa científica.

Os novos editais que deveriam garantir o pleno funcionamento dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), criados em 2008 para desenvolver da pesquisa básica até os estudos mais avançados, não vêm sendo honrados porque é justamente a área científica aquela primeiramente atingida pelos cortes do governo em tempos de crise. Outro drama é vivenciado nos órgãos estaduais de ciência, duramente atingidos pela crise. No Rio de Janeiro, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado interrompeu momentaneamente a liberação de novos recursos, enquanto em São Paulo, apesar de não haver cortes, os institutos operam com apenas metade do número necessário de pesquisadores.

Infelizmente, há amplos setores do PT e do atual governo incapazes de enxergar a importância estratégica de o Brasil estar bem posicionado nesse campo. Prevalece entre eles uma visão dogmática, muitas vezes contaminada por matizes ideológicos, que encara o desenvolvimento tecnológico como uma ameaça aos trabalhadores, cujos empregos estariam em risco. Essa leitura anacrônica do mundo contemporâneo pode ser interpretada quase como uma espécie de “ludismo do século 21” – o que nos remete ao movimento ludista, datado do início da Revolução Industrial, quando trabalhadores quebravam as máquinas como forma de protesto contra a mecanização de suas atividades. Nos dias de hoje, trata-se, evidentemente, de uma visão obscurantista, infelizmente compartilhada por alguns setores mais reacionários e atrasados da esquerda, que se prendem ao passado e atuam contra o avanço da sociedade.

Se o Brasil quiser sair da crise e se desenvolver como nação, abrindo as portas para o desenvolvimento e se lançando com autonomia ao futuro, devemos enfrentar com urgência o apagão científico que o governo do PT deixa como um de seus mais perversos legados. Só nos libertaremos do atraso e nos firmaremos como uma sociedade plena de conhecimento, pronta para alcançar um novo patamar no cenário mundial, quando a ciência se transformar em absoluta prioridade. O futuro é agora e não pode mais esperar.
-----------------
Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

José Serra: Bengalada no bom senso

- O Estado de S. Paulo

Há seis meses apresentei no Senado um projeto de lei complementar sobre servidores públicos. Qualifiquei-o de projeto ganha-ganha, pois, se fosse aprovado, seriam beneficiados os servidores, o governo e o País no seu conjunto. Caso interessante para os estudiosos da teoria dos jogos.

Meu objetivo foi ampliar os efeitos da chamada “PEC da Bengala”, iniciativa do senador Pedro Simon que foi aprovada pelo Senado em 2006 e finalmente ratificada pela Câmara dos Deputados em maio de 2015. Em essência, essa emenda aumentou de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória dos servidores públicos. Ela previu que a medida se aplicaria de imediato aos ministros do STF, dos tribunais superiores e do TCU. Para os demais servidores, sua aplicação se daria na forma de lei complementar, cuja aprovação exige maioria absoluta das duas Casas do Congresso.
A ideia de Simon foi correta. Por que obrigar um ministro do STF, altamente qualificado e experiente, a aposentar-se aos 70 anos? Se ele prefere continuar no tribunal, apesar da possibilidade de ganhar como aposentado o mesmo que no serviço ativo, que continue.

No mesmo dia da promulgação da emenda Simon, apresentei o projeto de lei complementar (PLS 274/2015-Complementar) acima referido prevendo o aumento da idade para aposentadoria compulsória para todos os servidores públicos, nos três níveis de governo (União, Estados e municípios) e nas três esferas de poder (Executivo, Legislativo e Judiciário). O relator, senador Lindbergh Farias (PT), defendeu o projeto nas comissões e no plenário, mantendo o texto intacto. A aprovação foi tranquila e o PLS seguiu para a Câmara, onde foi ratificado por 9/10 dos votos.

Os deputados acrescentaram dois dispositivos aceitáveis, o Senado recebeu o projeto de volta, acolheu os acréscimos e o remeteu, então, à sanção da presidente da República.

Na exposição de motivos do projeto e nos debates que se seguiram, mostrei que o PLS 274 favoreceria os servidores públicos de duas formas. Primeiro, permitindo àqueles que, ao chegar aos 70 anos, não tivessem ainda completado os anos de serviço necessários à aposentadoria integral, pudessem avançar nessa direção. Segundo, permitindo que os servidores escolhessem entre se aposentar aos 70 anos ou continuar no exercício de suas funções até os 75. O desejo de continuar é frequente entre professores, pesquisadores, juízes, procuradores e várias outras categorias de profissionais do serviço público.

É evidente que o projeto beneficiaria, também duplamente, a administração governamental, pois reteria por cinco anos adicionais muitos servidores experientes, altamente qualificados, e permitiria economizar nas despesas com novos funcionários: segundo estimativas nossas, a economia seria de R$ 800 milhões a R$ 1,4 bilhão por ano ao longo dos próximos 55 anos. Isso somente no caso da União.

Só faltava, portanto, converter essa boa ideia em lei e correr para o abraço. Mas a presidente Dilma estragou a comemoração: segurou por um mês a sanção e, em vez de promovê-la, recorreu, na última hora, ao veto.

O veto presidencial alegou uma suposta apropriação pelo Legislativo de prerrogativas do Executivo, o único que poderia tomar iniciativa de leis sobre seu próprio quadro de funcionários. Um argumento beócio, pois 1) a partir da “PEC da Bengala” a aposentadoria aos 75 anos passou a fazer parte do sistema da Constituição; 2) o projeto de lei complementar, previsto pela PEC, em nada inovou, pois meramente estendeu aos demais servidores o que a Constituição já havia fixado; 3) o STF já havia reconhecido, em sessão administrativa de 7/10, que o PLS 274 não tinha vício formal, ou seja, de iniciativa; 4) finalmente, acredite se quiser: em 2014, a presidente Dilma sancionou sem vetos a Lei Complementar 144, iniciada no Congresso, que trata da aposentadoria do servidor policial.

É evidente que, dada a má qualidade do veto, ele deve ter tido outro motivo, não explicitado. Talvez fosse o argumento, também beócio, atribuído ao Ministério do Planejamento, de que o PLS 274 aumentaria as despesas do governo com a folha de salários. Temeram que durasse mais cinco anos o abono hoje oferecido a funcionários que já podem aposentar-se por tempo de serviço a fim de incentivar sua permanência.

Como consta do “pacote” fiscal apresentado em outubro, o governo pretende extinguir esse abono. Ora, ainda poderia fazê-lo mesmo que o PLS 274 tivesse sido sancionado, e não vetado. Ou, se fosse o caso, poderia ter solicitado a seus líderes no Congresso que fizessem emendas ao projeto durante sua tramitação. Nada mais comum: quando ocupei cargos no Executivo sempre acompanhei os projetos de interesse da minha área, procurando esclarecer e negociar soluções para eventuais divergências. Quase sempre deu certo.

Pode parecer surpreendente que a tramitação do PLS 274 tenha durado 142 dias e em nenhum momento o governo tenha criado qualquer óbice, sugerido qualquer ideia, por intermédio dos seus líderes no Congresso, como condição para a aprovação do projeto ou para que não exercesse o direito ao veto. Ao contrário, esses líderes, incluindo os petistas de carteirinha e de coração, apoiaram o PL274-Complementar em todas as suas etapas.

Convém esclarecer: só é “surpreendente” para quem não leva em conta uma das solenes e importantes antileis que norteiam o governo Dilma: “as facilidades devem ser transformadas em dificuldades; as soluções, em problemas; jamais perder a chance de dar um tiro no próprio pé”. A propósito, minha previsão é de que o veto será derrubado pelo Congresso até dezembro ou, no pior dos casos, no início do próximo ano.

Por fim, vai aqui uma hipótese psicológica simples para explicar o veto: a tentativa da presidente Dilma de mostrar que seu governo ainda existe ou que faz algo mais do que esforços frenéticos para evitar o impeachment. Além, é claro, da valentia épica (!) de derrubar, mesmo temporariamente, um projeto vindo da oposição que só faria bem a todos.

----------------
José Serra é senador (PSDB-SP)

Jarbas de Holanda: Economia é que passa a turbinar cobrança para troca de governo

O desencadeamento de um impeachment presidencial – demanda unitária dos movimentos responsáveis por grandes manifestações de rua, refletindo reclamo semelhante da maioria do eleitorado conforme as pesquisas de opinião pública – foi posto em banho-maria. Por duas razões básicas. Primeira, o acerto antioperação Lava-Jato entre Lula e parte significativa do PMDB (os caciques do Senado, à frente Renan e Sarney, e a maioria da bancada fluminense na Câmara, envolvendo o chamado baixo clero também de outras legendas). Acerto que articulou reações para proteção, mútua, contra a Lava-Jato, bem como seus desdobramentos, com uma “reforma ministerial” destinada a preservar um governo Dilma recomposto sob o comando político do ex-presidente. E segunda razão, o avanço das investigações sobre recursos ilegais existentes no exterior (vinculados ao megaescândalo do petrolão) do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. As quais, incluindo a abertura de processo contra ele no Conselho de Ética da Casa, converteram-no de aliado do impeachment em refém do lulismo nesse processo.

Nesse contexto, são a extrema precariedade dos vários indicadores da economia em 2015 e, sobretudo, o cenário de reprodução deles por todo o ano de 2016, com risco de extensão em 2017, as variáveis que passam a afirmar os meios empresariais como maiores demandantes de uma troca de governo. Em face das evidências de que o atual – seja com a recuperação do controle pela presidente, seja com sua tutela por Lula – não tem, nem terá, condições de dar respostas, conjunturais ou estruturais, às crises fiscal e econômica, aos seus agudos efeitos sociais e às inevitáveis consequências políticas. E, muito menos, credibilidade junto aos investidores e demais agentes da iniciativa privada. Crises e efeitos a se agravarem ao longo do próximo ano, com o desemprego atingindo o patamar dos dois dígitos e a persistência da pressão inflacionária (que vai ampliando a reindexação dos preços em geral); com mais um PIB negativo, reprojetado entre -1,8% e -2%, após o deste ano que pode chegar a -3,5%; ademais de uma já esperada perda do grau de investimento do Brasil pelas duas restantes agências internacionais de risco.

3) E consequências políticas, puxadas pela da falta de credibilidade diante do conjunto dos agentes econômicos, que explicam a pauta de respostas a essas crises apresentada como proposta de novo programa do PMDB. De fato, não uma proposta para as disputas eleitorais de 2016 e 2018 (com um conteúdo de reformismo antiestatizante e liberal mais explícito que o do PSDB da campanha de Aécio Neves). Mas, a rigor, tendo em vista que o vice Michel Temer seja reforçado pelos diversos segmentos do empresariado como protagonista de novo comando do Palácio do Planalto, alternativo à ingovernabilidade (ou “desgovernança”, na expressão de Marina Silva) e a completa incapacidade da afilhada de Lula para tais respostas. Colocando-se como “a ponte para o futuro” próximo do país. A ser viabilizada via impeachment ou renúncia de Dilma. O que vem ganhando crescente respaldo de articulações e de manifestações empresariais explícitas. Que passam a pressionar o PSDB para apoiá-la.

Enquanto isso, na outra ponta do tabuleiro, de um lado a presidente trata centralmente de defender o mandato (da ameaça de que o Congresso confirme a rejeição das contas proposta unanimemente pelo TCU), e enredada por extrema dificuldade de aprovação de medidas básicas do mutilado ajuste fiscal, assim como para fechar as do enorme déficit fiscal deste ano, com o pagamento total ou parcelado de antigas e novas bilionárias pedaladas, entre outros sufocos administrativos e institucionais. E, de outro lado, Lula retoma o empenho para esvaziamento e substituição do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Cujo curto “prazo de validade” (previsto em outubro pelo ex-presidente) está condicionado agora a uma avaliação do Planalto sobre o impacto que seu afastamento terá no mercado e nas agências de risco. Cálculo feito com a expectativa de que esse impacto já esteja “precificado”, e possa ser compensado pela escolha de um substituto com imagem semelhante. Mas que abra espaço para progressiva, e mais rápida possível, retomada dos estímulos ao populismo consumista do lulopetismo.

------------------------
Jarbas de Holanda, jornalista

Merval Pereira: De volta ao começo

- O Globo

O PSDB parece que voltou a fazer política de maneira mais consequente. Passada a fase de buscar a qualquer custo apressar o impeachment, agora vai retomar o seu caminho natural.

O rompimento com Eduardo Cunha e a negociação para pontos importantes do ajuste fiscal fazem parte dessa nova postura de oposição consciente. Ser a favor do impeachment da presidente Dilma — e há motivos claros para isso — não significa que se deva trabalhar para inviabilizar seu governo naquilo que concerne a questões do Estado brasileiro.

Aprovar a DRU (Desvinculação de Receitas da União), instrumento fundamental para o governo ter margem de manobra dentro do Orçamento e que foi criado pelo próprio PSDB para contornar a rigidez das verbas vinculadas, é perfeitamente aceitável. Aprovar a volta da CPMF, não.

O PSDB errou muito ao jogar todas as suas fichas no impeachment e, mais que isso, apostar que poderia encontrar atalhos para chegar a ele sem respeitar os prazos, pulando etapas.

Pressionado pelos movimentos de rua, os jovens deputados do PSDB — eles chamam “cabeças negras” contra “cabeças brancas” — foram muito afoitos achando que poderiam apressar o processo de impeachment da presidente Dilma, não entendendo que, com isso, estavam dando condições ao governo de denunciar um golpe.

Não há golpe, porque o instrumento democrático está previsto na Constituição, mas a partir do momento em que se quer encontrar caminhos mais curtos para chegar ao impeachment e, para isso, conta-se com o apoio de um político como Eduardo Cunha, completamente desacreditado mesmo antes de aparecerem as provas das contas ilegais na Suíça, é claramente um equívoco político.

Estava evidente desde o início que não valia a pena se aproximar tão efusivamente de Cunha, mesmo para alcançar um objetivo político maior, que é o afastamento da presidente Dilma.

Pouparam Eduardo Cunha imaginando que através dele poderiam chegar ao impeachment, e agora entenderam que ele apenas faz chantagem com o governo e com a oposição para tudo ficar como sempre esteve, enquanto ele tiver esse poder na mão, está garantido.

Até agora, quem se salvou foi só ele, e, em consequência, a presidente Dilma. Na sua atuação oposicionista, o PSDB fez um trabalho retórico correto. Não houve uma decisão do governo que merecesse crítica que não recebesse do presidente do partido, senador Aécio Neves, a devida contestação, em notas oficiais, entrevistas coletivas ou discursos no Senado.

A atuação parlamentar do PSDB melhorou muito de intensidade e qualidade neste ano, tanto no Senado quanto na Câmara. Mas errou na questão propositiva. A proposta de governo apresentada pelo PMDB, elaborada pelo Instituto Ulysses Guimarães, é uma peça muito bem feita que deveria ter sido produzida pelo PSDB, que teoricamente tem mais condições estruturais para apresentar à sociedade propostas alternativas, e está na oposição, ao contrário do PMDB, que é governo.

Mas foi o PMDB que saiu na frente, graças a um trabalho coordenado pelo presidente da Fundação Ulysses Guimarães, o ex-ministro Moreira Franco. A tarefa da oposição é essa, apresentar alternativas ao governo que critica, e não ficar apenas pensando no fim do governo.

No afã de encurtar o mandato de Dilma, o PSDB ajudou a aprovar medidas que são verdadeiras bombas no Orçamento do país, medidas que os tucanos não podiam apoiar, como o fim do fator previdenciário. O paradoxo é evidente: enquanto o PSDB apoiou o fim do fator previdenciário, o PMDB em seu documento fez a proposta de idade mínima para a aposentadoria.

Todo o conjunto de ações para minar o governo da presidente Dilma acabou minando também a credibilidade do PSDB. Agora, o maior partido da oposição, que aparece em todas as pesquisas como o favorito para eleger o próximo presidente da República, tem que refazer seu caminho e começar tudo de novo.

José Roberto de Toledo: No balanço da Rede

- O Estado de S. Paulo

Desde que se tornou uma bancada na Câmara dos Deputados, a Rede se esforça para ter posição conjunta nas votações. Na busca por identidade, seus cinco deputados tomaram o governo Dilma Rousseff como farol – mas ao contrário. Segundo o Basômetro, do Estadão Dados, eles só convergiram com o líder governista em 23% das 26 vezes em que tiveram de votar nominalmente como deputados do novo partido. E essa oposição só fez aumentar.

Nas últimas dez votações, acabaram alcançando um feito: a Rede se tornou o partido mais oposicionista da Câmara. Com uma média de apenas 10% de governismo, o partido de Marina Silva se igualou ao PSOL e ao PPS, e superou DEM e PSDB (11% de governismo).

Tamanha unidade como oposição não é pouca coisa se levarmos em conta a origem governista da maioria dos deputados da Rede. Alessandro Molon saiu do PT, João Derly e Aliel Machado são oriundos do PC do B, e Miro Teixeira foi ministro do governo Lula. Apenas Eliziane Gama veio de um partido de oposição, o PPS. Mesmo assim, tem registrado mais votos oposicionistas desde que migrou para a Rede do que quando estava na antiga legenda.

Dos cinco, Miro é o mais oposicionista. Se considerarmos todas as votações nas quais a bancada da Rede já tinha a atual formação, ele votou contra a orientação do líder do governo na Câmara 21 vezes. Mas os outros não ficam muito atrás. Molon, por exemplo, já deu 18 votos contrários ao governo desde que saiu do PT. Teve uma mudança radical de comportamento: nas primeiras 100 votações nominais da atual legislatura, o ex-petista votou a favor do governo em 82 ocasiões. Era mais de 90% governista.

Assim, não foi uma boa notícia para o governo quando o Supremo Tribunal Federal ampliou, há poucos dias, o prazo para que mais deputados e senadores deixassem as legendas pelas quais foram eleitos para se filiar à Rede – sem risco de perderem seus mandatos. O partido de Marina está trabalhando para ser tão ou mais oposicionista a Dilma quanto é o PSDB de Aécio Neves.

Para sorte de Dilma, entretanto, nem a própria Rede projeta um crescimento explosivo de sua bancada. Dos cinco deputados atuais, deve chegar a oito se tudo correr como o planejado. É o suficiente para marcar (o)posição e atrapalhar um pouco o governo no Congresso. Mas não basta para ser decisivo em nenhuma votação importante. Tampouco dá direito a tempo de propaganda eleitoral suficiente para tornar a Rede uma noiva cobiçada.

Na eleição de prefeito de 2016, o novo partido terá em São Paulo, por exemplo, uma exposição quase nanica no horário de TV. Se lançar candidato, ele terá direito a duas a três inserções por dia. Já o candidato petista, por comparação, aparecerá cinco a seis vezes mais. Portanto, se Fernando Haddad chegou a cogitar deixar o PT para se filiar à Rede, deve ter desistido assim que começou a fazer contas. A regra vale para outras capitais.

A base de prefeitos e vereadores que a Rede conseguir eleger no próximo ano será determinante no desempenho do partido nas eleições para o Congresso, em 2018. Há uma relação entre o crescimento de uma legenda partidária no pleito municipal e o avanço que ela registra nas eleições nacionais dois anos depois.

Prefeitos e vereadores são os melhores cabos eleitorais de deputados federais e estaduais. Sem essa base municipal, nenhum partido consegue eleger uma bancada significativa no Congresso. É um fato que se tornou especialmente relevante depois da crise política que tem se arrastado ao longo de todo o ano de 2015.

Dilma não consegue governar porque não tem votos suficientes na Câmara para aprovar o que precisa. Obtê-los será tanto mais difícil – e caro – quanto menor for a bancada do partido do presidente que vier a lhe suceder. Por isso, o destino de Marina em 2018 depende obrigatoriamente de a Rede crescer em 2016.

Bernardo Mello Franco: A cartilha do PT

- Folha de S. Paulo

O PT divulgou uma cartilha com ataques ao juiz Sergio Moro, aos procuradores da Lava Jato e à imprensa. O texto mostra que o partido não aprendeu com o mensalão. Em vez de apresentar uma defesa convincente, insiste em negar fatos e se dizer vítima de perseguição.

O texto afirma que "o PT nasceu contra a vontade dos poderosos e, por isso, sempre foi perseguido e caluniado". O discurso poderia funcionar nos anos 80, quando os petistas vendiam estrelinhas e camisetas para financiar suas campanhas.

Para engoli-lo em 2015, seria preciso ignorar a aliança do partido com bancos alimentados por juros altos, frigoríficos alavancados por empréstimos camaradas e empreiteiras abastecidas pelo petrolão.

A cartilha afirma que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso "abriu as portas da política para o poder econômico". É uma distorção em dose dupla. As portas já estavam abertas há décadas, e continuaram escancaradas nos governos do PT.

Em outra passagem, os petistas culpam FHC pela ruína da Petrobras, mas adotam a tática do "esqueçam o que escrevi". Há seis meses, o PT prometeu expulsar os filiados condenados na Justiça por corrupção. Agora, sai em defesa do "companheiro" João Vaccari, condenado a 15 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Entre críticas à Lava Jato e ao juiz Moro, a direção do PT diz "lamentar" que "todo o esforço para investigar e punir os desvios ocorridos na Petrobras" corra o risco de ser "comprometido" por abusos de autoridade e falhas processuais. O lamento é tão sincero quanto a torcida de um palmeirense pelo título do Corinthians.

A cartilha também diz que "no fim da linha está o objetivo de cassar o registro do partido, como ocorreu em 1947 com o antigo PCB". A comparação ofende a memória dos comunistas da época, como Jorge Amado e Carlos Marighella. Eles foram perseguidos e cassados por suas ideias, não por receber pixulecos.

Luiz Carlos Azedo: Bye-bye, Levy

• Os amigos economistas dizem que ele já deveria ter chutado o pau da barraca, mas o ministro estoicamente ainda tenta descascar o abacaxi das pedaladas que herdou de Guido Mantega.

- Correio Brazilense

O mercado financeiro já dá como favas contadas a saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda. Os rumores de que será substituído pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, por si só, ontem fizeram o dólar cair e a Bovespa subir. Como acontece com quase todo mundo que vai para a frigideira, Levy não se dá conta do que está acontecendo. Não tem consciência de que perdeu a liderança para conduzir a economia, minado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo PT e pelos colegas da Esplanada, a começar pela troica petista instalada no Palácio do Planalto.


O melhor exemplo de que ainda não caiu a ficha para Levy foi sua participação no jantar promovido pelo líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), na terça-feira à noite, em sua residência, para cerca de 30 senadores da base e da oposição. Levy deu uma aula de economia para os presentes, mas nem por isso deixou de passar por constrangimentos ao ser duramente questionado e responsabilizado pela recessão por alguns integrantes da própria base do governo. Na verdade, desde quando assumiu o cargo, Levy foi obrigado a um corpo a corpo com os políticos para o qual nunca esteve preparado.

A carta que distribuiu ontem para narrar o encontro com os parlamentares chega até a ser ingênua. “A política econômica que queremos conduzir entende que o Brasil tem que apresentar opções para a moderação da carga tributária, sem prejuízo do equilíbrio fiscal e respeitando os objetivos de proteção social e estímulo ao trabalho e ao investimento. Esse é o novo contrato social em gestação no Brasil, típico de um país que, vencendo a pobreza e sendo cada vez mais de classe média, quer sempre crescer, o que poderá nos colocar em novo patamar de desenvolvimento”, disse Levy.

No documento, o ministro da Fazenda admite que os instrumentos mais habituais de estímulo à economia já foram usados à exaustão. “Portanto, teremos que trabalhar para enfrentar questões estruturais, de forma a dar competitividade ao país em um período em que não poderemos contar com os mesmos preços favoráveis para nossas matérias primas.” Diz ainda que enfrentar a burocracia, as dificuldades de pagar impostos e a incerteza nas regras de negócios é o “imperativo” para o país a crescer. “Junto com o equilíbrio fiscal, esse enfrentamento é o que permitirá encontrar novas condições para o financiamento da economia, inclusive pela modicidade de juros de mercado e não apenas através dos escaninhos tradicionais”, declarou.

Prazo de validade
A nota de Levy parece o testamento de alguém no leito de morte. Tanto no mercado financeiro quanto no mundo político, a avaliação é de que o ministro da Fazenda captou: assumiu o cargo com uma meta de superavit fiscal de R$ 70 bilhões e fecha o ano com um deficit fiscal que pode chegar a R$ 120 bilhões. Levy apenas enxuga gelo. Continua na Fazenda porque a presidente Dilma Rousseff considera humilhante ter que demiti-lo por exigência do ex-presidente Lula, ainda mais para pôr um antigo desafeto no seu lugar, Henrique Meirelles. O mercado aguarda o desfecho da fritura.

O discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a crise precisa ser enfrentada com ampliação do crédito e endividamento externo de estados e municípios não combina com o perfil monetarista de Henrique Meirelles, que teria exigido o controle sobre o Banco Central e sobre o Ministério do Planejamento para assumir, ao ser sondado pelo Palácio do Planalto. Nunca houve isso, exceto no período em que Pedro Malan reinou absoluto Ministério da Fazenda, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

No nevoeiro político de Brasília, as projeções são de que Levy deve sair do governo na virada do ano. Seus amigos economistas dizem que ele já deveria ter chutado o pau da barraca, mas o ministro estoicamente ainda tenta descascar o abacaxi das pedaladas que herdou de Guido Mantega. Seu prazo de validade está vencido. O fracasso do ajuste não é culpa sua, mas ficará na sua conta porque interessa ao ex-presidente Lula e à própria presidente da República. Como disse em conversa com Lula, Dilma não gosta de Meirelles, mas também não gosta de Levy.

Maria Cristina Fernandes: A carta de Jobim

• Advogado é o resolvedor-geral da República

- Valor Econômico

Nelson Jobim era o mais novo dos ministros do Supremo quando chegou às suas mãos mandado de segurança pela incorporação, ao salário da magistratura, do auxílio-moradia. Na condição de constituinte negociador do capítulo do Judiciário, o ministro entrou no debate sem inibição. A disputa judicial já se arrastava por seis meses e o Supremo, titular do teto do funcionalismo, hesitava em agir como chefe do sindicato. Jobim liberou o mandado contra a vontade do presidente da Corte, Carlos Velloso. "Só existe uma possibilidade de eu retirar de pauta. Quero carta branca para negociar com o Executivo a remuneração dos juízes".

Emparedados pelo calouro, os ministros deram o aval e Jobim partiu para a negociação com o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Acertadas as cifras com Casa Civil e Fazenda, negociou um projeto de lei sobre o tema com o Congresso - "Levei para eles, toparam. Aprovei a lei, correndo, negociei com lideranças e tal, aprovamos a lei; resolveu o tal negócio da remuneração da magistratura".

Entrevistado pelos pesquisadores Fernando Fontainha, Christiane de Paula, Fabrícia Guimarães e Leonardo Sato, o ministro cuida para não passar à história como integrante da longa lista de coveiros de Montesquieu: "Minha função normal sempre foi de tentar resolver problema. É a minha característica".

A entrevista se transformou no nono livro da série "História Oral do Supremo", da Fundação Getúlio Vargas, que lançará a segunda leva de cinco volumes amanhã. Aos 69 anos, o ministro que emerge da entrevista, feita em três dias, entre julho e novembro de 2012, não apenas inicia e conclui sua carreira na advocacia como parece ter continuado a exercê-la como parlamentar, ministro de dois governos - Justiça (FHC) e Defesa (Lula) - e juiz do Supremo.

No primeiro volume de seus diários, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conta que antes de nomear Jobim para a Justiça assuntou o Supremo e constatou que não passavam de intrigas suas supostas inimizades na Corte. Entre as credenciais, além do afinco dedicado aos temas em que se envolve - do regimento da Câmara ao apagão aéreo -, Jobim expõe sua desenvoltura como resolvedor-geral da República.

Quando o dossiê Lamarca lhe chegou às mãos pelas mãos de Vicente Chelotti - única menção ao diretor da PF em todo o depoimento - arrancou mais uma folha em branco, de um bloco que já começara a ser depenado na revisão constitucional de 1993, por ele comandada. A comprovação da morte do militante da VPR pela repressão tinha potencial de incendiar o debate sobre a indenização às vítimas de 1964. Em encontro com FHC, o ministro, que, no depoimento se refere à ditadura como 'revolução', ofereceu-se como fusível: "Não te mete nisso. Deixa que eu enfrente. Porque, se der alguma confusão [...] você entrega a minha cabeça".

Para se firmar na condição de solucionador de impasses, cultivou, do alto dos seus 1,90m, a fama de quem não temia enfrentamentos com a imprensa: "Não estava sujeito à patrulha de mídia [...] Não dava bola. Os caras me acusavam do diabo a quatro, não respondia nada".

Depois de dois anos na Justiça, Jobim chegaria ao Supremo, junto com as ações de inconstitucionalidade contra as privatizações do governo FHC. Seu habitat eram os jantares, tanto aqueles promovidos pela mulher, a procuradora da Fazenda, Adrienne Senna, quanto aqueles em que se fazia convidar. Preferia conversar com os ministros do Supremo em ambientes informais - "Não somos tolos. Então, eu me informava. 'Olha, tem um jantar, não sei o que, me convida'....Uma coisa é você marcar uma conversa para tratar do assunto; outra coisa é o assunto entrar no meio da conversa por uma razão qualquer. E eu fazia o jogo para que o assunto entrasse na conversa". Nesses jantares, conseguia abordar quase todos os ministros, à exceção de Celso de Melo, Moreira Alves (1975-2003) e Néri da Silveira (1981-2002).

Com estes - "que não iam a lugar algum" -, só lhe restava mesmo os embargos auriculares de gabinete. Compartilhou com Néri, de quem havia sido aluno, sua teoria sobre os dois perfis que via naquele colegiado, o dos ministros que não precisavam do Supremo para fazer biografia e aqueles que não podiam prescindir da Corte. Os debates da TV Justiça explicitara a condição desses últimos. Néri teria se surpreendido com a tipologia - "Nunca tinha me dado conta dessa leitura" -, o que animou Jobim a concluir: "[Os ministros] têm uma dificuldade de fazer uma análise. Porque isso é uma análise política, né? Uma metalinguagem política da função do Tribunal".

Ao criticar a magistratura que não recebe advogados, Jobim exemplica a função cuja metalinguagem diz escapar de seus antigos colegas. Quando presidiu o TSE, deixava um secretário incumbido de ligar aos parlamentares que iam lá assuntar processos de vereadores. Os telefonemas eram feitos na madrugada mesmo em que se concluíam os julgamentos. Não importava se desfavoráveis ao litigante. Na mesma hora, o deputado ligava para o vereador. Contava que o próprio Jobim lhe informara, lamentando o revés. Quando o advogado do vereador o alcançava no meio da manhã com o relato, ele já se antecipava: "O meu deputado está acompanhando o processo lá. Tanto que me ligou às 3h30 da manhã". O importante, diz Jobim, não era o resultado, mas agregar para desarmar a reação.

Na entrevista, Jobim é quase sempre o vencedor dos embates no STF, a começar por aqueles travados com seu principal contendor - "A posição do Marco Aurélio [Mello] era sempre a priori. Ou seja, ele não tinha nenhuma". Depois de entrevero sobre processo legislativo, deu sua versão - "Não me larga a bola picando [...] fui parlamentar, bola picando, eu chuto".

Jobim assumiu a presidência do tribunal já no governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando concedeu liminares que impediram a abertura do processo contra seis integrantes do PT no Conselho de Ética da Câmara e a quebra de sigilo bancário pedidas por CPIs.

Ao deixar o Supremo, o resolvedor-geral da República retomaria, de fato, a advocacia, com uma das bancas mais requisitadas de Brasília, que hoje é o coração dos defensores da Lava-jato. Tornou-se um dos principais interlocutores de Lula e, sem nunca ter saído do PMDB, cultiva a máxima de Ulysses: "Em política, até a raiva é combinada".

A íntegra do depoimento estará aberta amanhã em historiaoraldosupremo.fgv.br.

Igor Gielow: Derrotados, tucanos tentam mudar narrativa

- Folha de S. Paulo

O desembarque tucano da canoa de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deve ser visto com a cautela. Uma coisa é cobrar publicamente o presidente da Câmara por suas explicações inconvincentes acerca do seu dinheiro na Suíça, outra é trabalhar para que ele de fato seja afastado. Isso dito, o PSDB tenta consertar um grande erro tático. 

Em dezembro de 2014, quando envergava mais de 50 milhões de votos e era aplaudido na rua como "vitorioso moral" da eleição, o presidente tucano, Aécio Neves (MG), buscava mais informações sobre o grau de envolvimento de Cunha com os malfeitos apurados pela Lava Jato.

Convenceu-se de que ele não cairia e de que seria um aliado na disputa com o governo Dilma no Congresso, talvez até viabilizando um processo de impedimento contra a presidente. 

Tomou a precaução de apoiar outro candidato à presidência da Câmara, mas deixando o ônus do antagonismo a Cunha para o Planalto.

Deu certo ao longo do primeiro semestre, quando o peemedebista reinou como primeiro-ministro enquanto o governo esfarelava.

A narrativa trágica para o Planalto ganhou corpo não só pela derrocada da economia, mas também pelas diversas frentes de ameaça ao mandato da petistas abertas: rejeição de contas no TCU, investigação sobre a campanha de 2014 no TSE, a Lava Jato em si.

Só que a volta dos holofotes da operação policial para Cunha começou a mudar o jogo, assim como a percepção de setores usualmente associados ao PSDB de que os tucanos tinham ido longe demais ao apoiar projetos claramente contrários ao seu ideário tradicional apenas para fustigar o Planalto.

O namoro se consumou na prática no começo dos trabalhos da CPI da Petrobras, mas esvaiu-se assim que as denúncias contra Cunha ganharam corpo. Mas o peemedebista ainda tinha o trunfo de negociar a abertura de um processo de impachment contra Dilma Rousseff, sonho que só perde para uma eventual cassação de chapa pelo TSE no imaginário tucano.

O que se viu foi um baile dado por Cunha na oposição e no governo quando o Supremo Tribunal Federal interveio a pedido do PT e impediu o rito criado pelo deputado para tocar o impeachment. Ele manipulou os dois lados em favor de sua própria sobrevivência política.

A bancada dos "cabeças-pretas", deputados tucanos mais novos e de discurso extremado, dificultou o processo de ajuste do PSDB à nova realidade, assim como a dobradinha explícita com figuras polêmicas como Paulinho da Força, o "dono" do Solidariedade.

As críticas internas a Aécio aumentaram, não menos pelo fato de que as alas paulistas do partido têm cada uma seu candidato a suceder Dilma –principalmente o governador Geraldo Alckmin, mas também um redivivo senador José Serra, que trouxe vários argumentos para o debate público neste ano.

Com a debacle política de Cunha, que de todo modo poderá resistir no cargo pelo apoio que ainda carrega na Câmara, restou a Aécio determinar o rompimento público. O partido não poderia chegar à campanha de 2016 repetindo a antológica frase do aliado Paulinho, de que é preciso "segurar Cunha" para garantir a abertura do processo de impeachment de Dilma.

O movimento concomitante foi o de aproximação de Aécio com o PMDB de Michel Temer, o vice-presidente que colocou a cabeça para fora da água, assustou meio mundo e voltou a submergir.

Significativamente, o programa de governo defendido pelo partido, que será festejado no encontro da semana que vem da sigla, é mais explicitamente tucano do que qualquer documento do PSDB nos anos recentes.

Isso deixa as opções abertas para todos os lados. No caso de queda de Dilma em 2015, seja por impeachment ou pelo agravamento terminal da crise econômica, Temer poderia assumir com algum tipo de apoio do PSDB. Aécio preferiria o imponderável, que é a saída de Dilma e Temer por meio de uma decisão do TSE, contando com que o "recall" da eleição de 2014 o levaria ao Planalto num novo pleito. Neste caso, o PMDB agora "liberal" seguiria governo também.

É um jogo de sombras, em que nenhum dos participantes conta toda a verdade. E sobre o qual paira a grande nuvem da Lava Jato e da Operação Zelotes, que ainda deverão despejar chuva sobre personagens importantes do tabuleiro.

Eugênio Bucci: Um elogio do centro que não existe

- O Estado de S. Paulo

Parte I: das reclamações sobre o centro que existe.

A palavra centro é um pejorativo na cena política brasileira. Ser de centro é não ter nenhuma identidade. Ser de centro pega mal. Há razões históricas para tanto desprestígio. Puxemos pela memória cansada.

Durante a Constituinte, no final dos anos 1980, quem dava as cartas era um bloco de parlamentares que atendia pela alcunha de “centrão” (o Brasil e sua mania de aumentativos). O centrão era um amebão animado por certas (ou erradas) mucosas do PMDB, que não recusava certas (ou erradas) secreções do PFL. O centrão era o dono do meio de campo daquele jogo (o Brasil e suas metáforas futebolísticas). Para se apossar do controle das maiorias da então chamada “Assembléia Nacional Constituinte”, o centrão dispensava as ideologias. Não tinha programa, plataforma ou ideário – e nisso residia sua força acachapante. Desapegado de parâmetros programáticos, agenciava permutas as mais diversas, levando ao pé da letra a fantasia de que na política se estabelece um “mercado de ideias”.

Um de seus ideólogos (ou um de seus mais desinibidos “desideológos”), o deputado constituinte Roberto Cardoso Alves gostava de repetir um bordão caridoso atribuído a São Francisco de Assis: “É dando que se recebe”. O centrão era cristão. Num país em que, já naquele tempo, a direita não gostava de se apresentar com o seu próprio cartão de visitas, o centrão foi o albergue luxuoso dos que enterravam a própria identidade numa caixa de arquivo morto e se dedicavam a mercadejar coalizões sem coerência e sem inocência. Tudo isso, claro, em nome do povo brasileiro.

Com essa folha-corrida, é evidente, a palavra centro não haveria de ter uma reputação positiva. Não obstante, o centro está vivo e está aí. Mas onde? Ora, na política brasileira atual, o centro está em toda parte. O PMDB, legatário maior do memorável centrão, é seu retrato mais fiel (e, portanto, desfocado). No PMDB a gente encontra de tudo (menos Eduardo Cunha, claro, que este se esconde por trás de si mesmo, de tal forma que quem o procura até consegue vê-lo, mas nunca o encontra, como numa sala de espelhos), de tudo mesmo, e esse tudo, é incrível, está nos lugares mais diferentes e, mais incrível ainda, todos esses lugares ficam no centro. O PMDB é demonstração cabal de que as leis da física quântica valem para a política. E mais: o PMDB é tão de centro que parou de dizer que é de centro, posto que ser de centro pega mal.

Quanto ao PT, que também migrou para o centro, convertido aos milagres de São Francisco de Assis, deixou no passado sua velha identidade, da qual só se lembra quando o chefe se irrita com a imprensa e resolve mandar recados mal-educados para o ministro da Fazenda. Só o que resta de esquerda ao PT é sua birra infantil (ou será senil) com Joaquim Levy. Só. No mais, ele é de centro – mas isso ele não conta pra ninguém.

E o centro continua. Não se esgota no PMDB ou no PT. Imagine. Ele é espaçoso, expansível, fagocitante. Dentro dele mora também o PSDB, que há meses procura se decidir sobre o que fazer com relação a Eduardo Cunha e ainda não chegou a uma conclusão crível. O centro que aí está às vezes pode ser um buraco negro em cujo vórtice o agente hameletiano (mas um hamletiano paródico, muito mais cômico do que o Hamlet original) sucumbe sobre si mesmo. Nesse centro que tudo devora, os desorientados desaparecem misteriosamente – fenômeno que explica o completo sumiço da oposição.

O centro que aí está não tem caráter político. Não tem nenhum caráter at all. Aliás, o centro que aí está se define exatamente por isso, pelo que não tem, pela negativa. Sua identidade é a ojeriza a qualquer identidade. Não sendo coisa nenhuma, esse centro quer tomar conta de todas as coisas: de um cargo de quinto escalão em, vejamos, Furnas? Na Eletrobrás? No Banco do Brasil? Até a Presidência da República (ou mesmo a Vice-Presidência, que anda mais valorizada).
Esse centro é pior do que a saúva. Pior, muito pior do que a corrupção. Vai acabar com o Brasil.

Parte II: da defesa do centro que não há.

Então, a saída está nos extremos? Claro que não. Quanto a isso, registre-se que o centro que aí está não supera os extremos – apenas procura ocultá-los, sob o manto do oportunismo. O que supera os extremos (em vez de acomodá-los em amaciamentos lucrativos) é a construção de uma política que não seja refém de cartilhas doutrinárias (de esquerda ou de direita) e vença com realismo e transparência, dentro de uma ética pública radical, os impasses nacionais. Essa política só pode ser de centro, pois rejeita tanto o vazio programático (das identidades ocultadas pela esperteza) quanto o extremismo (a intolerância a toda dissidência). E esse centro, que ainda não existe, só pode ser o oposto do que aí está.

Se você se lembrou daquela conversa de “terceira via”, naquele tempo em que Tony Blair se declarou um “radical de centro” (1997, 1998), lembrou certo. Naquele discurso de 20 anos atrás havia a pretensão de conciliar, em políticas públicas que combinassem soluções formuladas por pensadores de esquerda (como as fórmulas solidárias de distribuição de renda) e soluções liberais (como o fortalecimento do mercado ou a cultura da competitividade). Era uma pretensão justa e racional. Tinha sua legitimidade. Hoje, porém, ela é insuficiente.

Hoje, o Brasil precisa de um centro que constitua um polo. Parece paradoxal, mas é apenas lógico. O centro que nos faz falta deve trazer conteúdo programático e identidade política. Não se trata mais de uma equidistância entre extremistas, mas de um vetor afirmativo, capaz de vencer os extremistas. Não se trata mais dessa meleca em que as identidades ideológicas se mascaram e se misturam, mas da superação de preconceitos sectários.

O caminho para isso está livre. Só falta coragem.

--------------------
Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP

Arreganhos do desespero – Editorial / O Estado de S. Paulo

Enquanto Lula corre contra o tempo e age nos bastidores na tentativa de convencer Dilma a adotar uma “nova política econômica” que preserve o potencial eleitoral do PT – quer dizer, dele próprio –, seu partido decide, a pretexto de se defender, partir para o ataque a tudo e a todos que representam ameaça a seu projeto de poder. Recorrendo ao velho hábito de usar as palavras para obter efeito exatamente contrário ao que elas significam, a direção nacional do partido está distribuindo milhares de cópias de um texto intitulado Em defesa do PT, da Verdade e da Democracia, que já é mentiroso a partir do título porque não defende coisa alguma. Ao contrário, dedica-se, em suas 34 páginas, a atacar ferozmente a Operação Lava Jato, o juiz Sergio Moro, o ministro do STF Gilmar Mendes, os tucanos, a imprensa, acusando a todos de, com base em óbvias mentiras, estarem empenhados numa campanha para “eliminar o partido da vida pública brasileira”.

O PT chegou ao poder mitificando sua identificação com os pobres e os estratos sociais marginalizados da vida econômica, de modo a, por meio de marota simbiose, compartilhar o papel de vítima numa sociedade dominada por opressores perversos, as famosas elites. E foi assim que ressurgiu – exumado dos despojos da luta de classes retratada pela ótica do marxismo-leninismo – o argumento central do discurso lulopetista, o do “nós” contra “eles”. Um discurso que não mudou nem com a ascensão de Lula à Presidência e que, como se vê, é revigorado no momento em que o PT, tendo malogrado na tentativa de criar o Paraíso na Terra com seu voluntarismo vesgo, percebe toda a extensão de sua vulnerabilidade política, social e, acima de tudo, moral.

É hora, portanto, de dramatizar o papel de vítima exposta à sanha demolidora daqueles que “mentem sob a proteção da toga, nos mais altos tribunais, afrontando a consciência jurídica da nação em rede nacional de TV. Mentem sob a impunidade parlamentar, disseminando o ódio nas redes sociais. Mentem sob a proteção da autonomia funcional, forjando procedimentos investigatórios sem base alguma, apenas para produzir manchetes”.

O tom do documento é patético. Essa chamada “cartilha” destinada a fornecer argumentos à militância petista afirma que “desde a campanha eleitoral de 2014 adversários escolheram as investigações da Operação Lava Jato para insistir em criminalizar” o PT, com o objetivo de “cassar o registro do partido” por temerem “a quinta derrota consecutiva nas eleições”. Como se a vitória petista nas eleições municipais do próximo ano e na presidencial de 2018 fosse favas contadas.

Descontados os exageros que devem ser debitados ao desespero, concretamente motivado pela decadência do apoio popular ao PT, não se pode relevar a gravidade do flagrante desrespeito às instituições democráticas embutido no discurso da liderança petista. Sente-se o PT, com sua vocação autoritária, no direito de julgar o Poder Judiciário de acordo com suas próprias conveniências, chegando ao absurdo de afirmar que seus dirigentes que respondem a denúncias de corrupção têm sido condenados “sem provas”. Disseram isso por ocasião do julgamento do mensalão e repetem agora. Ora, se é o PT quem sabe quais culpas resultam provadas ou não perante os tribunais, para que servem os tribunais? Seria, então, o caso de o partido que está no governo criar um comissariado para substituir um dos Três Poderes da República, integrado por magistrados incompetentes ou mal-intencionados que não sabem distinguir inocentes de culpados?

Para o PT está tudo errado no trabalho dos delegados, procuradores e juízes federais – em especial Sergio Moro, a personificação de Satanás –, porque os petistas pegos com a boca na botija estão sendo mandados para a cadeia. E tudo isso é consequência – ataca o PT – da forma como procuradores, delegados e juízes manipulam a “autonomia funcional de que dispõem”. Em sua enorme soberba e arrogância, os sobas petistas creem que, só pelo fato de estarem no poder, tudo podem e jamais deveriam ser contrariados por “subalternos”. Subestimaram a força de instituições enraizadas na consciência democrática da Nação.

Míriam Leitão: Em águas profundas

- O Globo

Nesta quinta-feira, a Petrobras divulga seu balanço do terceiro trimestre e os problemas continuam graves. A administração de Aldemir Bendine, que assumiu em fevereiro com a esperança de levantar a companhia, vai terminando o ano com o caixa pressionado, investidores arredios, petroleiros em greve e o presidente do conselho, Murilo Ferreira, licenciado.

Apublicação do mesmo período de 2014 foi adiada para que fossem contabilizadas as perdas por corrupção apuradas na Lava-Jato. Um ano depois, o cenário continua confuso. Bendine assumiu pedindo desculpas pelos erros cometidos nas administrações passadas, mas ainda não tem uma lista relevante de acertos na gestão.

Integrantes do conselho reclamam da demora de Bendine em adotar soluções. O grupo, eleito este ano, deu quatro orientações para o trabalho da diretoria: reajuste de preço dos derivados, corte de despesas, venda de ativos e redução de investimentos. Apenas este último ponto foi cumprido de maneira contundente, com duas reduções no Plano de Negócios para os próximos quatro anos. Há, porém, fornecedores reclamando que a administração sempre pede mais prazo para pagar o que já foi entregue. No setor bancário, se explica o atraso como uma estratégia para preservar o caixa, que terminou o segundo trimestre com R$ 91,6 bi, mas que coloca em risco a sobrevivência dos fornecedores.

Durante a presidência de Bendine, a Petrobras voltou a vender gasolina por um valor defasado, por um período. No final de setembro, o preço foi reajustado em 6%; o diesel subiu 4%. Mas os investidores continuam convencidos de que os preços dos derivados são decididos pelo governo, que, se quiser, retoma a defasagem que ajudou a arruinar os cofres da empresa.

A Petrobras tinha uma oferta de debêntures de R$ 3 bi no mercado brasileiro. Desconfiados com a situação financeira da empresa, os investidores pediram mais retorno e a oferta foi suspensa. Era a primeira vez em 12 anos que a Petrobras tentava captar no Brasil. O retorno foi por falta de alternativa. Os estrangeiros ficaram arredios após a perda do grau de investimento por duas agências de risco. Restaram alternativas exóticas, como os chineses, que cobram mais caro para emprestar.

A Petrobras vai precisar muito de financiamento nos próximos anos. Em 2016, vencerão dívidas no valor de R$ 37,8 bi, de acordo com o balanço do segundo trimestre. No ano seguinte, mais R$ 36,3 bi; em 2018, outros R$ 54,4 bi.

A empresa tem tido dificuldade para vender ativos. Não houve demanda para a oferta de ações da BR Distribuidora. Agora, a Petrobras procura um sócio. A venda de 49% das distribuidoras de gás para a Mitsui por R$ 1,9 bi é questionada na Justiça pela Federação Única dos Petroleiros.

Bendine também tem que lidar com uma greve, que continuava até a noite de ontem. O sindicato iniciou uma paralisação para protestar contra a venda de ativos e a favor da retomada dos investimentos, um embate frontal com a agenda do presidente. Desde o início do movimento, em 1º de novembro, as perdas são estimadas em R$ 219 milhões.

Um dos trunfos da nova administração era o conselho eleito este ano com uma composição mais técnica. Mas o presidente Murilo Ferreira pediu licença em setembro. Quem acompanha a rotina do conselho diz que ele não voltará. Os dois divergiam. A mais conhecida das discordâncias foi sobre a BR Distribuidora. Bendine queria vender 25% da subsidiária, e o presidente da Vale entendia que seria melhor reformar a empresa antes da oferta de ações. Um ex-diretor da Petrobras conta que há uma rixa antiga entre os dois, iniciada pelo grupo de Bendine na Previ, que faz parte do controle da Vale, comandada por Ferreira.

O dólar em alta e o baixo preço do barril formam uma boca de um jacaré. O óleo mais barato diminui a receita da empresa com as exportações. A subida do dólar aumenta sua dívida. Mais de 70% do endividamento são em moeda americana. A dívida bruta chegou a R$ 500 bilhões ao fim do terceiro trimestre, estimam os especialistas; no final de junho, estava em R$ 415 bi.


A maioria dos analistas prevê que a Petrobras anunciará que teve prejuízo entre julho e setembro. Mesmo se ficar no azul não resolve o problema. O que preocupa na empresa é a falta de perspectiva.

Vinicius Torres Freire: Quem é o dono da lama?

- Folha de S. Paulo

A Vale declarou ao mundo que é "mera acionista" da Samarco, dona dasbarragens que ruíram. A ruína largou uma torrente de lama suja que matou provavelmente 27 pessoas, destruiu vilas e desgraça vidas e comunidades no caminho de Minas ao mar.

Não se sabe a causa da ruína. Mas ficou evidente que, na prática, ninguém ligava para os horrores que escorreriam com a lama mortífera. Não havia plano de avisar do desastre, de atenuá-lo. A destruição prossegue, sem limite.

A Vale partilha a Samarco com a BHP. Chamou-se de "mera acionista" para o "Wall Street Journal". Não diferiu muito da BHP. Mas se esmerou. "A Vale é apenas uma mera acionista da Samarco, sem nenhuma interferência operacional na administração dessa companhia, de modo direto ou indireto, próximo ou distante", afirmou a empresa.

Sim, BHP e Vale têm "responsabilidade limitada" por lambanças ou até crimes da Samarco. Quão limitada, na letra da lei, é controverso.

Fora da lei, a Vale pode acreditar nessa burrice burocrática que disse ao jornal americano. Mas, a se comportar assim, pelo menos sua reputação e a conversa de "responsabilidade social e ambiental" estarão na lama suja.

O que pensam os "meros acionistas" da Vale? A Vale é controlada pela Valepar, empresa criada para a compra da então Vale do Rio Doce, na privatização. A Valepar é controlada por fundos de pensão, pelo Bradesco e por acionistas do banco, pela megatransnacional japonesa Mitsui, pelo BNDES e sócios menores (isso quanto a ação com direito de voto. Dois terços do capital total são de acionistas em tese dispersos).

Os fundos são os de BB, CEF e Petrobras; a Previ, do BB, lidera. Seu comando é definido por acordão entre governo, sindicalistas e funcionários. Quem manda na Valepar, enfim, é um combinado de Bradesco e fundos-governo.
Diretores de fundos ou banco devem ser responsáveis pela desgraça de Mariana? Não. Os da Vale ou da BHP? Não faz sentido. E as empresas Vale e BHP? Hum. Enfim, quem responde pela nomeação do comando da Samarco?

Suponha-se que a Samarco seja culpada. Que, em vez de multa ambiental boazinha, a empresa deva indenizar vidas, cidades etc. Caso não tenha fundos, Vale e BHP dirão o quê? Que estavam apenas de visita na Samarco, onde eventualmente pegam uns trocados?

Em geral, seria em certos casos injusto e muita vez inviável, jurídica e economicamente, que responsabilidades legais e financeiras diretas não fossem limitadas a uma empresa de um grupo e ao capital investido na companhia (na "responsabilidade limitada" original, as perdas de um empreendedor em uma empresa limitam-se ao capital investido).

Em geral, ressalte-se.

Há responsabilidades que não são diretas; mesmo as leis sobre limites de responsabilização são reinterpretadas a depender de contextos e tamanho do estrago.

A "responsabilidade limitada" é um privilégio conveniente (para a criação de novos negócios), mas embute um incentivo perverso, se considerada em sentido amplo. O "mero acionista" pode se esconder sob uma estrutura societária enrolada, sem rosto ou ônus. Para todos os fins que não sejam os bônus, pode dizer que o negócio do qual é dono é "independente". É um incentivo ao dane-se.

Beethoven: Uma melodia de lágrimas

Fernando Pessoa: Os antigos invocavam as Musas.

Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as musas apareciam –
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. –
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido
"Ah!" para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto –
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
É uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...

Que Musa!...