• Partido deverá conciliar expectativas de aliados radicais de esquerda, mercado e UE
Carolina Jardim - Globo
Após derrubar o governo de centro-direita do conservador Pedro Passos Coelho, o Partido Socialista (PS) enfrenta a difícil tarefa de agradar, ao mesmo tempo, a seus aliados da esquerda radical, ao mercado financeiro e à União Europeia (UE), provando ser possível romper com a política de austeridade sem pôr em risco a frágil recuperação econômica do país.
Liderados por António Costa, os socialistas se uniram ao Partido Comunista (PCP) e ao Bloco de Esquerda (BE) e, pela primeira vez em mais de 40 anos, conseguiram derrubar no Parlamento um governo de centro-direita recém-eleito. A coalizão de esquerda espera que o presidente Aníbal Cavaco Silva lhe dê o aval para a formação de um novo Executivo em breve, embora o conservador não tenha prazo determinado para fazê-lo.
Se Costa assumir como primeiro-ministro, ele terá rapidamente que apresentar o Orçamento de 2016 a Bruxelas, depois de Portugal perder o prazo no mês passado. Apesar de a aliança de esquerda prometer honrar os compromissos orçamentários assumidos com a UE, os investidores reagiram com desconfiança à queda de Passos Coelho — ontem, a agência de classificação de risco Fitch admitiu que poderia rebaixar a nota do país, citando a “instabilidade política”.
PS tenta barrar venda da TAP
O programa que põe fim à rota da austeridade será um teste para Portugal, que saiu somente no ano passado da crise da dívida e do programa de resgate internacional, após quatro anos de profundos cortes nos gastos públicos. Entre as prioridades dos socialistas estão restaurar os salários do setor público aos valores de antes dos cortes feitos durante a crise, aumentar as pensões públicas mais baixas, reintroduzir quatro feriados e aumentar o salário-mínimo.
Em uma medida que reafirma o compromisso com os comunistas de travar as privatizações, o PS moveu-se ontem para tentar reverter a venda da companhia aérea TAP — prevista para ser concluída em 12 de novembro — afirmando que a ação “seria contrária à posição da maioria do Parlamento”.
A aliança entre os três partidos de esquerda demandou concessões que, segundo o analista político Pedro Magalhães, da Universidade de Lisboa, resultaram num acordo mais sólido do que o esperado, apesar das diferenças ideológicas. A coalizão, no entanto, ficaria potencialmente ameaçada se os objetivos econômicos não forem alcançados, de acordo com o especialista.
— Do ponto de vista político, os partidos fizeram um acordo firme, sem esbarrar em assuntos que são incompatíveis para as legendas, como a continuação na zona do euro. Mas o principal risco é que, se o governo não conseguir alcançar o crescimento esperado, poderia ser forçado a aumentar os impostos, e dificilmente contaria com o apoio do PC e do Bloco de Esquerda, gerando um impasse — afirmou Magalhães ao GLOBO.
Presidente resiste a Costa
Boaventura Sousa Santos, professor da Universidade de Coimbra, destacou a proposta socialista como a ruptura de uma política de cortes “extremamente violenta que, nos últimos quatro anos, destruiu a classe média”. Ele chamou atenção, ainda, para uma mudança de perspectiva do próprio bloco europeu sobre o tema.
— A UE está passando por uma transformação no sentido de aliviar a política de austeridade — ressaltou Santos.
Para viabilizar um programa que visa, basicamente, a gastar mais sem prejudicar as finanças, o PS desistiu, por exemplo, de diminuir as contribuições para seguridade social, segundo Magalhães. O partido sustenta que medidas como o aumento do salário terão impacto nas receitas fiscais e no PIB.
Resistente à nomeação de um governo de esquerda, Cavaco Silva poderia exigir garantias adicionais aos dirigentes socialistas. Outra possibilidade é manter a coalizão de centro-direita no comando, limitada a um governo de gestão, até que novas eleições sejam convocadas. A realização de um pleito antecipado caberá ao próximo presidente, cuja eleição está prevista para janeiro.
Em referência velada à rasteira contra Passos Coelho — que amargou o governo mais curto da História do país, mas ainda não renunciou oficialmente — Cavaco Silva afirmou ontem durante uma premiação que, “no espírito científico, as disputas não são resolvidas pela força, mas pelo diálogo”.
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