domingo, 30 de dezembro de 2018

Míriam Leitão: O Brasil concreto espera o governo

- O Globo

Após a campanha dominada por falsos problemas e uma transição confusa, começa o tempo das medidas concretas para os que assumem esta semana

O Brasil tem inúmeros problemas, mas não os que foram criados pela pauta montada para fazer sucesso eleitoral. Encerrada a disputa das urnas, ela continua sendo alimentada pelos vencedores e assim vamos cada vez mais longe dos dilemas reais que temos de enfrentar para ter sucesso como Nação. O país tem uma enorme pobreza, índices educacionais medíocres, déficit habitacional, poluição dos rios e das cidades, falta de saneamento, rombo nas contas públicas, saúde pública em colapso, estagnação do crescimento, alto desemprego. A eleição era uma oportunidade de discutir estes temas, mas em 2018 nós perdemos a chance.

Prisioneiros de um falso dilema, que remonta a meados do século XX, como explicou na sexta-feira a esclarecedora coluna de Pedro Dória neste jornal, revivemos a batalha ideológica da Guerra Fria, como se o país tivesse voltado na máquina do tempo. Para o grupo vencedor era preciso aniquilar os “comunistas”, para o adversário do segundo turno, os “fascistas”. O delírio eleitoral da cruzada contra infieis permaneceu nas entrevistas da transição que não ajudaram a esclarecer a realidade que havia sido deliberadamente sonegada durante a campanha.

O problema da educação brasileira não é a educação sexual nas escolas. É preciso investir na qualificação dos professores, aumentar a capacidade de aprendizado dos alunos, reter os adolescentes que abandonam os estudos cedo demais, tornar atraente o aprendizado, preparar os estudantes para um tempo de mudança acelerada, aperfeiçoar todo o sistema. A educação é a mais decisiva das batalhas, e o debate se perdeu em escaramuças sobre ficções e delírios. Os especialistas fizeram sua parte. Organizações como o Todos pela Educação, entre outras, prepararam propostas para apresentar aos candidatos, com a lista do mais urgente a fazer.

Pagador de promessas: Merval Pereira

- O Globo

Os EUA, liberal em relação à venda e ao porte de armas, são um país violento, com a maior população carcerária do mundo

O anúncio do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de que editará um decreto facilitando a posse de armas no país é daquelas medidas suscetíveis de causar polêmica, mas muito pouco tem a ver com uma política de segurança pública, que deve ir muito além de uma visão pessoal ou de grupos.

O futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, sugeriu, na reunião de primeiro escalão do futuro governo para tratar dos 100 primeiros dias, que essa fosse uma das primeiras medidas a serem anunciadas, pagamento de promessas de campanha para um nicho importante do eleitorado que fez Bolsonaro presidente.

Tem a ver também com um conceito de segurança pessoal que é muito caro a um grupo de cidadãos da classe média, especialmente os das regiões Sul e Centro-Oeste do país, e dos moradores das grandes cidades.

Mas dar posse de arma não é a mesma coisa de liberar o porte de arma. O porte obedece a uma série de exigências que inclui o treinamento em clubes de tiro. A prioridade à posse de arma tem um simbolismo, em busca um efeito dissuasório, mas a medida liberalizadora permitirá apenas guardar armas em casa, não as portar em público.

Os defensores da medida, como o general Augusto Heleno, futuro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, consideram que seu efeito dissuasório pode ser efetivo, reduzindo os roubos em residências. Ele alega que a política de desarmamento não tem tido efeito na redução de crimes, pois o país bate o recorde de mortes violentas anuais.

A medida tem a ver também com reivindicações de certos grupos, como colecionadores, de obter com menos problemas burocráticos a permissão para ter uma arma. Mas a lei continuará a exigir antecedentes negativos, aptidão técnica e higidez mental, nisso não se pretende mexer, e também a demonstração da efetiva necessidade. O decreto apenas esclarecerá melhor o que seria isso, não deixando a decisão ao arbítrio do agente público.

Vera Magalhães: Depois de amanhã

- O Estado de S.Paulo

Daqui a dois dias, Brasil inicia um novo ciclo político em sua História

Não será apenas uma troca de presidentes o que ocorrerá em Brasília depois de amanhã. Daqui a dois dias, o Brasil iniciará um novo ciclo em sua História. Se encerra período iniciado na eleição de 1994, em que partidos de centro-esquerda e com uma pauta social-democrata se alternaram no poder. PT e PSDB, com o MDB (ex-PMDB) atuando como o pêndulo a oscilar entre os dois polos, descem a rampa com Michel Temer.

Quem sobe é um presidente eleito por ser antissistema, antipolítica, antipartidos, mas que, a partir de depois de amanhã, terá de encontrar uma forma de governar de acordo com as regras do sistema, segundo as balizas da política e em alguma concertação com os partidos.

A forma como se dará a transmutação do Jair Bolsonaro convertido em mito num presidente mais ou menos disposto à composição e à conciliação para governar será uma das chaves para se entender o período que se inicia depois de amanhã.

Os desafios que se apresentam para esse novo ciclo histórico são gigantescos. O Brasil de 2019 tem uma economia que se recupera lenta e debilmente há dois anos do desastre de Dilma Rousseff, instituições que foram testadas ao limite e estão, por isso, bastante fatigadas, e uma política que virou um balaio de gatos em razão da reação indignada do eleitorado à corrupção revelada pela Lava Jato.

Bolsonaro é o produto dessa reação, o que faz com que a fé que desperta seja do mesmo tamanho da descrença no chamado establishment – aí incluída a imprensa – e dela se alimente, instigando-a.

A tentação de governar esticando essa corda da indignação existe no entorno do futuro presidente, e pode ser justamente sua perdição. Parece haver no coração do bolsonarismo, essa força heterogênea e ainda em formação, a crença na ideia pueril de que o esquema de comunicação direta, ancorado nas redes sociais, será suficiente para prolongar a expectativa positiva dessa população cética indefinidamente. Não será.

Elio Gaspari: De Pio.Correa@edu para Bolsonaro@gov

- Folha de S. Paulo

Orgulho-me de estar à sua direita, mas como servi à diplomacia digo-lhe que o senhor, estando certo, faz errado

Excelentíssimo presidente,

Eu deixei a diplomacia em 1969, depois de 32 anos de serviços. O senhor era um garoto. Fui secretário-geral do Itamaraty e era chamado de "Abominável Homem das Nove". Orgulho-me ao dizer que estou à sua direita. Se o senhor duvida, repito-lhe o que disse a um colega assombrado com meu discurso ao assumir o cargo:

--Não gosto de diplomatas pederastas, não gosto de diplomatas vagabundos, não gosto de diplomatas bêbados.

Talvez vosmicê tenha simpatia pela memória do presidente John Kennedy. Era um bestalhão e sua morte deixou-me indiferente. Vivi no Rio de Janeiro antes que Copacabana fosse invadida pela horda pululante e chinfrim de suburbanos transmigrados e pela lepra das favelas.

Deixei um livro de memórias e se um diplomata fosse flagrado lendo-o durante a desgraçada ruína dos petistas, estaria frito. ("O Mundo em que Vivi", 1.098 páginas, pesando um quilo.) Minha lembrança foi banida da Casa a que servi, lutando contra o comunismo e os cabeludos esquerdosos.

Esse currículo é minha credencial para dizer-lhe que o senhor está fazendo o certo, da maneira errada. Nunca alimentei encrencas públicas com países com quem temos fronteiras secas. (Nossos limites com a Venezuela estendem-se por 2.200 km de mata.) Vá lá que seu governo queira brigar com Cuba, nosso saudoso marechal Castello Branco rompeu relações diplomáticas com o castrismo, mas não tinha créditos a receber.

Os problemas da vida internacional não admitem improvisações fáceis (desconvidar convidados) nem atitudes emocionais (acicatar a China). Exigem definições fundadas no conhecimento perfeito dos fatos e em sua segura interpretação à luz do interesse nacional. E digo mais, exigem estilo.

Fui embaixador no Uruguai ao tempo em que lá vivia asilado o senhor João Goulart. Visitei sua filha quando ela foi atropelada e só me referia a ele em conversas com as autoridades locais como "el señor presidente". Vivi as delicadas negociações com a Argentina e o Paraguai que resolveram uma questão de limites e permitiram a construção da hidrelétrica de Itaipu. Jamais acompanhei a retórica antibrasileira dos nossos vizinhos. Podia-se detestar o Pio Correa, mas eu não podia estimular preconceitos contra nossa Pátria.

Mesmo quando deixei a carreira, tornando-me presidente da Siemens, empenhei minha palavra de honra em várias ocasiões e patrocinei uma visita de 50 jornalistas europeus ao Brasil, repelindo as denúncias de torturas sistemáticas a presos políticos. Ainda durante o governo do general Medici dei-me conta de que havia sido ludibriado. Mais tarde, muito esquerdistas proclamaram-se campeões da verdade. Ao meu estilo, em 1971, escrevi o seguinte ao chefe do Estado-Maior do Exército, general Alfredo Malan:

"Menti, sem saber, a quantos me ouviam. Estou hoje convencido, por boas e suficientes razões, de que a tortura, as torturas mais cruéis, são desgraçadamente aplicadas em nosso país de forma rotineira e sistemática a prisioneiros políticos. Iludido estava eu e iludido estará você, como iludido está o honrado e digno presidente da República que, como eu, afirmou publicamente o contrário."

Nunca divulguei essa carta porque, como na minha atividade diplomática, sempre segui o ensinamento do Barão do Rio Branco, tão violentado pela chusma esquerdista:

"Nada mais ridículo e inconveniente do que andar um diplomata a apregoar vitórias".

De seu fiel admirador,

Pio Correa

Hélio Schwartsman: Partidos políticos devem acabar?

- Folha de S. Paulo

Para filósofa francesa, legendas são máquinas de produzir paixões coletivas

“Pela supressão dos partidos políticos.” Não, essa ideia não é de JairBolsonaro nem de nenhum dos líderes associados à direita autoritária que ganharam eleições mundo afora. Ela é da filósofa francesa SimoneWeil (1909-43), uma autora que pode ser descrita como da esquerda democrática e é defendida com paixão em um pequeno texto publicado no Brasil pela editora Âyiné.

A argumentação de Weil segue uma lógica cristalina. Para a democracia materializar-se, diz a autora, é preciso que o eleitorado faça escolhas sobre questões da vida pública (não sobre pessoas) e que esteja livre do que ela chama de “paixões coletivas”, que, numa linguagem mais contemporânea, poderíamos traduzir como “vieses cognitivos”.

Weil reconhece que o mundo real jamais produziu uma democracia plena e que não é fácil encontrar caminhos para chegar a uma. Afirma, contudo, que qualquer solução passa pela supressão dos partidos, já que eles são máquinas de produzir paixões coletivas, pressionam seus membros para seguir as deliberações da sigla (não para encontrar a verdade) e têm como finalidade sua própria sobrevivência e crescimento (não a busca do bem comum).

As objeções de Weil são respeitáveis, mas algo em seu texto, além, é claro, da conclusão de que os partidos devem ser eliminados, me incomoda. Acho que são as referências a conceitos como verdade e bem, que combinam mais com filosofias como a de Platão do que com escritos sobre política.

Eu receio que Weil, ainda que de forma não dogmática, contrabandeie ideias quase religiosas sobre o bem e a virtude para a esfera da política, o que tende a não funcionar. De qualquer modo, ela acerta em algo quando nos recrimina por confiar muito nos partidos, que, afinal, são estruturas que visam mais a introduzir vieses nas cabeças de seus membros do que a eliminá-los, como seria desejável.

Faço uma pausa de duas semanas. Bom ano!

Bruno Boghossian: Por um ano baseado em fatos reais

- Folha de S. Paulo

Encerramos um 2018 encharcado de invencionices e informações distorcidas

A mentira sempre foi um combustível barato para eleições e máquinas de propaganda política. O ano que termina agora ficou encharcado de invencionices e informações distorcidas. É bom elencar alguns fatos para que possamos permanecer no mundo real em 2019.

1) Embora muitos produtores façam sua parte pela preservação ambiental, o agronegócio, mineradoras e madeireiras têm responsabilidade especial sobre o desmatamento. Tratar isso como lenda, como fazem alguns ruralistas, é autorizar a emissão de carteirinhas de devastação.

2) O impacto da ação humana sobre as mudanças climáticas, aliás, já foi objeto de pesquisas científicas com critérios rigorosos. Integrantes do próximo governo preferem considerar a questão uma fantasia ideológica da esquerda. Pode-se discordar das políticas implantadas para enfrentar o problema, mas negá-lo não levará a lugar algum.

3) Impor rédeas à atuação de professores não vai melhorar a educação. Há várias razões pelas quais nossos alunos mal sabem fazer contas. Nenhum deles gastou seu tempo em rodas de leitura de Marx.

4) O novo governo pode alcançar bons acordos ao buscar novos caminhos para sua agenda comercial. Se decidir bater de frente com a China em um teatro de alinhamento com os EUA, o Brasil pode perder muito.

5) Não é “matando idosos” que se resolverá o buraco nas contas da Previdência. Governantes e parlamentares precisam, de uma vez, ter coragem para enfrentar grupos privilegiados e tornar o sistema mais justo para evitar que o país quebre.

6) A revisão do financiamento do Sistema S não fará mal se mantiver os serviços prestados aos trabalhadores, acabando com seu uso político e com a perpetuação de dirigentes.

7) Reescrever o passado à força não muda a realidade. Dias depois da eleição, Jair Bolsonaro disse que a população estava começando a entender que “não houve ditadura” no Brasil entre 1964 e 1985.

Vamos torcer para que 2019 seja um ano baseado em fatos reais.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, otimismos e revoltas

- Folha de S. Paulo

Eleitorado tem muita esperança em um projeto de governo que pode ser chocante

A maioria dos brasileiros costuma ficar otimista depois de eleições para presidente. Não tem sido diferente no caso de Jair Bolsonaro.

No Datafolha, 65% dos eleitores acreditam que a economia vai melhorar. Na CNI/Ibope, 75% acham que o presidente eleito "está no caminho certo". A animação vai bem além dos adeptos de Bolsonaro, que não chegou a ter 50% dos votos de quem foi às urnas no segundo turno.

Mesmo na eleição de Dilma 2, a confiança em dias melhores deu um salto, embora o país já vivesse em recessão e no tumulto da Lava Jato. A ex-presidente caiu em descrédito terminal apenas depois do estelionato eleitoral.

Além de otimista, o povo tem mais paciência. No primeiro ano de Lula 1 (2003), o país ficaria na prática mais pobre. Mesmo assim, o prestígio luliano era alto (chegou a 45% de "ótimo/bom"). Degringolou com o mensalão, em 2005 (caiu a 28% de "ótimo/bom"). No biênio 2004-2005, a economia cresceria mais de 8%.

O que pode haver de diferente no caso de Bolsonaro?

Mary Zaidan: Cortinas de fumaça

- Blog do Noblat | Veja

Armas de fogo também se enquadram na importância perto de zero

Pelo Twitter, Jair Bolsonaro anunciou ontem a intenção de facilitar a posse de armas de fogo. Por decreto. A decisão nesse sentido era esperada, até por atender às promessas de campanha. O que chama atenção é o padrão do futuro presidente de despejar combustível em temas periféricos, incendiando debates de importância duvidosa, mas capazes de produzir fumaça suficiente para esconder os ainda não revelados planos de enfrentamento dos imbróglios em que o país está metido.

A dois dias da posse, pouco ou nada se sabe sobre as propostas para redução do déficit fiscal, reformas da Previdência e tributária, ou para incrementar a educação infantil e de jovens. Mas já estão na mesa propostas de por fim ao “poder” do Ibama, como se o órgão de proteção ambiental fosse responsável pelo atraso econômico de um país que continua desmatando ilegalmente. Ou para mudar a Lei Rouanet, que usa 0,02% do PIB para financiar a cultura e gerar mais de um milhão de empregos diretos.

Não se tem ideia também da estratégia do novo governo para atacar o desemprego (se é que existe uma), muito menos como fará para combater endemias, ampliar atendimento médico, estimular a maturidade do SUS. Mas a intenção de mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém e de criar regras duras para imigração já são conhecidas.

Bolsonaro anunciou que o Brasil sairá no Pacto Global sobre Migração da ONU, como se isso tivesse grande relevância.

Ascânio Seleme: Ofensa à imagem e sonegação

- O Globo

Uma portaria da Receita Federal, de 12 de novembro passado, autoriza a divulgação em seu site de dados e nomes de contribuintes acusados de terem cometido crimes contra a ordem tributária ou contra a Previdência Social e cujas representações para fins penais tenham sido encaminhadas ao Ministério Público Federal. O documento deixou de cabelo em pé advogados tributaristas em todo o país. Alegam eles que, embora tenha foco na transparência da informação, a divulgação de uma lista de contribuintes investigados tem por objetivo constrangê-los, forçando-os ao pagamento do volume em litígio para encerrar a persecução penal. Com a quitação da suposta dívida apontada pela Receita, o processo termina.

Segundo um advogado, “além de poder configurar ofensa à imagem do investigado e até mesmo violação ao princípio da presunção de inocência, a portaria promove uma verdadeira coação para a quitação de débitos que ainda poderiam ser objeto de discussão judicial”. A Receita tem razão em querer apressar o andamento de processos para recolher aos cofres públicos impostos devidos e não pagos. Esse é o seu ofício. Oferecer dados de eventuais sonegadores ao Ministério Público Federal também faz todo sentido, afinal é tarefa do MP zelar pelo patrimônio e pelos bens públicos. O que parece exagerado é divulgar os nomes dos contribuintes suspeitos e os crimes pelos quais são acusados.

Certamente haverá sonegadores e fraudadores na primeira lista com mais de 400 nomes de pessoas físicas e jurídicas divulgada pela Receita há duas semanas. O que os advogados defendem é que todos deveriam ter direito a defesa antes de serem expostos publicamente. A Receita, contudo, não está quebrando o sigilo fiscal dos acusados, já que a lei do sigilo estabelece que não é vedada a divulgação de informações relativas a representações fiscais para fins penais. Por isso, torna público nomes e sobrenomes de pessoas e empresas brasileiras acusadas de sonegar impostos, falsificar ou adulterar documentos públicos, importar ou exportar mercadorias proibidas, fraudar a Previdência, entre outros crimes tributários.

Dorrit Harazim: Manual de conduta

- O Globo

Desde sempre, governantes eleitos elencam barreiras novas para evitar erros do passado e controvérsias do presente

Em 2014, o manual de conduta elaborado pelo Tribunal de Contas da União visando a disciplinar os integrantes do governo Dilma Rousseff tinha 32 páginas. Composto por “10 passos para a boa governança”, o documento era tão genérico quanto foi inútil. Começava com “Escolha líderes competentes e avalie seus desempenhos”, terminava com “Estabeleça diretrizes de transparência e sistema de prestação de contas e responsabilidade”, e passava por temas como “Estabeleça a estratégia considerando as necessidades das partes interessadas”. Cada passo enunciado em dois parágrafos vinha seguido de uma breve receita prática intitulada “O que você pode fazer para dar esse passo?” Deu no que deu, em nada. Dependendo da espinha moral de cada servidor, quem era honesto continuou honesto, e quem quis roubar, roubou. Assim é e sempre será.

Na semana do Natal de 2018, o site Poder360 antecipou o manual de conduta elaborado pela equipe de transição do governo Jair Bolsonaro, a ser empossado na terça-feira. São quatro páginas dirigidas a quem ocupar cargo em comissão no governo federal, com algum detalhamento do que será permitido e o que será vedado. Dos 16 itens listados sob a rubrica orientações gerais, como a obrigatoriedade de informar à Comissão de Ética Pública alterações “relevantes” no patrimônio, parece faltar (ou ter sido retirado na hora da publicação), o item número 5. Pode também ser mero lapso na correria rumo ao poder.

O documento contempla vários tipos de conflitos de interesse à espreita do agente público, da eterna e mal resolvida questão do nepotismo à sempre eletrizante questão do uso de veículos oficiais, e vedações ao uso/divulgação de informações privilegiadas. Caberia, talvez, detalhar melhor a proibição de “manifestar-se publicamente sobre matéria que não seja afeita à sua área de competência”, mas de um modo geral o texto pretende servir de bússola para quem de bússola precisa ou para quem está intencionado a operar por entre suas porosas linhas.

Rubens Barbosa: Desafios internos e externos para o novo governo

- O Estado de S. Paulo

A realidade vai recomendar que o Brasil continue a participar plenamente nas organizações internacionais

O governo que se iniciará em 1º de janeiro enfrentará desafios internos e externos e não poderá perder tempo para tomar medidas que permitam ao Brasil voltar a crescer, aumentar a geração de empregos e reduzir as desigualdades regionais e individuais. Não terá muito tempo igualmente para, na política externa, reinserir o Brasil nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior e para fortalecer a voz do País no cenário internacional.

Os desafios internos são representados por uma economia debilitada, recém-saída de uma recessão que trouxe desalento e mais de 12 milhões de desempregados, e pelo novo capítulo na vida política brasileira, que se inicia com a alternância de poder com um governo assumidamente de direita, e a consolidação das instituições e a manutenção da ordem democrática pelas ações do governo e da oposição. O déficit fiscal em crescimento imporá medidas de contenção e redução dos gastos públicos desde o início do governo. O custo do Estado – alta carga tributária, custo do financiamento, logística deficiente e burocracia – acarretou forte perda de produtividade da economia e das empresas nacionais, tornando inadiável uma agenda de competitividade.

No primeiro semestre, o presidente Jair Bolsonaro terá de conseguir aprovar a reforma da Previdência. Medidas concretas deveriam ser anunciadas para criar condições para a execução de um amplo programa de privatizações, concessões e PPPs e para extinguir estatais sem receitas ou que não possam ser vendidas. Em ambiente global crescentemente recessivo, são urgentes medidas para restabelecer a confiança dos empresários nacionais e estrangeiros, dar segurança jurídica aos investimentos e criar as condições para que o Brasil volte a crescer 4% a 5% ao ano de forma sustentável.

José Roberto Mendonça de Barros: Voltaremos a crescer?

- O Estado de S. Paulo

É imperioso que o Brasil abrace uma ambiciosa agenda de crescimento da produtividade

O Brasil precisa, e muito, voltar a crescer. Mas crescer de forma sustentável.

Nesses últimos tempos, aprendemos de forma muito doída que não adiantam alguns anos de bonança seguidos por queda forte da atividade, como em 2015 e 2016.

Na verdade, a história moderna do País teve duas fases bem distintas. A partir de 1930, o Brasil cresceu muito, aproveitando-se de choques externos e da transferência em escala crescente de trabalhadores do setor primário para as cidades, nas quais a produtividade média das atividades era maior.

Em consequência, entre 1950 e 1980 o PIB cresceu em média 7,4% ao ano, um desempenho muito melhor do que a média internacional (esses dados são do saudoso Régis Bonelli).

Mas não foi só isso: a qualidade do crescimento foi significativa pois, além da incorporação de mais mão de obra ao processo produtivo e do incremento do estoque de capital, a eficiência com que eram combinados na produção se elevou sistematicamente ao longo do tempo. Esse parâmetro de eficiência é conhecido na literatura como Produtividade Total dos Fatores (PTF), que cresceu 2% ao ano neste período.

Carlos Melo: O sucesso dependerá do alinhamento de visões e objetivos

- O Estado de S. Paulo

Sinais de pouco profissionalismo e muito ativismo geram apreensão quanto à serena condução do futuro

Alternâncias de poder se configuram como oportunidades de manter o que bem funcionava e corrigir o que ia mal nos governos anteriores. Evitando retrocessos e não havendo compromisso com erros, abre-se espaço para o novo; podem trazer a esperança de avanços. É por isso que despertam otimismo e manifestações de apoio – sobretudo após períodos de conflitos intensos, disputas emocionais e crises continuadas na economia e na política. Em tese, são positivas.

Assim, a expectativa favorável em relação a Jair Bolsonaro, constatada pelas pesquisas, é natural. Acresce a isto a perspectiva de um extraordinário período de baixa inflação e juros contidos em patamares inferiores, além de um cenário externo favorável, ainda que incerto no médio prazo.

Com sinais corretos e ações adequadas, dizem os economistas, o País pode encontrar um ciclo bastante promissor, fortalecendo o grupo do próximo presidente.

Aparentemente, Bolsonaro estaria com a bola nos pés e o apito na mão para conduzir a partida de acordo com seu interesse. Mas é na política que as coisas se complicam: há questões fundamentais que precisam ser consideradas à parte de qualquer euforia apressada e pouco crítica nessa área.

A primeira delas se volta à consciência do futuro presidente e seu grupo mais próximo quanto à gravidade do momento; se estarão dispostos a fazer o necessário à revelia de interesses de corporações aliadas e de firulas ideológicas do bolsonarismo.

A segunda questão consiste em saber se conquistará os instrumentos institucionais adequados para dar vazão a esse processo. Por fim – e talvez o mais importante –, indaga-se se haverá material humano sagaz e preparado, com capacidade de aproveitar o bom momento e montar o cavalo encilhado que a história lhe oferece.

Denise Rothenburg: Ministros são orientados a blindar Bolsonaro no caso Queiroz

- Correio Braziliense

Por mais frouxas que sejam as explicações do ex-assessor Fabrício Queiroz em relação à movimentação financeira atípica detectada pelo Coaf, o governo que assume daqui a três dias está com tudo preparado para manter esse assunto bem longe do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Entre todos os ministros, a ordem é dizer em alto e bom som que esse tema não é assunto de governo e que quem deve responder é o próprio Queiroz.

Ainda que, por hipótese, o ex-chefe de Queiroz, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, senador eleito, seja chamado a dar qualquer explicação, ele estará lá como integrante da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). E, sendo assim, dizem alguns, o assunto morrerá nos gabinetes palacianos. Afinal, ali não faltam assuntos importantes a tratar, como a reestruturação do governo e a economia.

Ninguém sai
É bom o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, se acostumar com a prisão. A avaliação de promotores do Rio de Janeiro é a de que ele não sai de lá tão cedo. Foi por isso, inclusive, que seus advogados pediram e conseguiram que ele não seja enviado a outra prisão quando terminar o mandato daqui a três dias.

O PT e a democracia I
A decisão do PT de não comparecer à posse de Jair Bolsonaro é vista como um sinal de que não terá diálogo algum com o governo no futuro. Dentro do próprio partido, muitos estão preocupados, porque a posição do PT mostra desrespeito aos preceitos democráticos.

O PT e a democracia II
A avaliação de alguns é a de que o PT age hoje da mesma forma que agiu em 1985, ao não votar em Tancredo Neves no colégio eleitoral e punir os que votaram — Bete Mendes, José Eudes e Airton Soares. Resta saber se, desta vez, punirá quem decidir comparecer à posse.

O PT e a democracia III
Naquele período, o papel do PT era “tensionar”, conforme mencionou em várias entrevistas o ex-presidente do partido José Genoino. Daqui para frente, não será diferente. É o PT voltando às origens.

Em defesa da democracia liberal: Editorial | Veja

O principal desafio que o liberalismo enfrenta atualmente não vem do fascismo nem do comunismo, nem mesmo “dos demagogos e autocratas que se espalham por toda parte como sapos depois da chuva. Desta vez o principal desafio surge dos laboratórios”. O alerta, providencialíssimo, está no extraordinário artigo “O mito da liberdade”, do historiador israelense Yuval Noah Harari, que VEJA publica logo nas primeiras páginas desta edição, antes até do noticiário da semana. Harari é um daqueles fenômenos intelectuais que de tempos em tempos surpreendem o mundo — como o foi o italiano Umberto Eco (1932-2016), por exemplo. Professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, autor de Sapiens (2014), Homo Deus (2016) e 21 Lições para o Século 21 (2018), ele já vendeu mais de 15 milhões de exemplares em todo o planeta. Entre os temas recorrentes de seu trabalho está o impacto das novas tecnologias na vida de cada um de nós.

A agenda retomada: Editorial | Folha de S. Paulo

Governo Temer fez modernização da economia avançar; Bolsonaro deve aprofundar o processo

A democracia estabelecida em 1985 herdou da ditadura a economia estatizada e autárquica, traços anticompetitivos logo reforçados com doses de populismo monetário e fiscal, nos primeiros anos do governo civil, e de protecionismo e corporativismo, na Carta de 1988.

Desde então, sucessivas administrações federais puseram em marcha um lento processo de abertura e modernização. A trajetória, interrompida pela euforia irresponsável a partir da segunda metade da década passada, foi retomada com o presidente Michel Temer (MDB).

Espera-se que seu sucessor, Jair Bolsonaro (PSL), tenha a sabedoria de reconhecer essa agenda e, sem patrocinar rupturas que apenas dissipam energia, aprofundá-la.

Se o mal crônico que enrijece as engrenagens da atividade econômica no Brasil tivesse de ser atribuído a uma só causa, a candidata seria a multiplicação de salvaguardas financeiras, burocráticas e normativas que, ao beneficiarem categorias diversas, inibem a concorrência e transferem custos para a porção mais pobre da população.

Entre as terapias para essa moléstia está a reforma das leis trabalhistas, fruto de uma convergência de iniciativas do Planalto e do Congresso. Sindicatos que viviam do dinheiro assegurado pelo imposto extinto terão agora de mostrar eficiência para sobreviver.

A litigância abusiva na Justiça passou a ter um custo inibidor. Contratos mais flexíveis podem abrigar na formalidade quem antes contava com a própria sorte. O princípio da negociação entre empregados e patrões ganhou relevo sobre a tutela estatal.

Frágil na ética, Temer consegue debelar crise: Editorial | O Globo

Herdeiro de grave situação deixada por Dilma, presidente monta boa equipe econômica e evita debacle

Na linguagem da luta no campo político-ideológico, os lulopetistas tacharam de “golpe” o impeachment sofrido por Dilma Rousseff, por ela ter descumprido preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal transportados para a Constituição, delitos passíveis de punição com a perda de mandato. Foi o que aconteceu pelo fato de a presidente, com o beneplácito do líder Lula, a cumplicidade do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do secretário do Tesouro, Arno Augustin —alquimista de fórmulas para contornar de maneira fraudulenta limites impostos pela LRF —, haver maquiado as contas de gastos da União, permitindo que instituições financeiras públicas financiassem despesas do Tesouro, prática vetada pela Lei de Responsabilidade.

O poder foi transferido ao vice Michel Temer e a seu grupo no MDB, do qual fazia parte o deputado Eduardo Cunha (RJ), que seria preso devido à corrupção, mas que, na condição de presidente da Câmara, aceitou o pedido de impeachment de Dilma e, assim, permitiu a troca na Presidência, determinante para que a grave crise econômica, talvez a maior da história, fosse contida. Pelo estilo aético de fazer política de seu grupo no partido, Temer ficou politicamente inviabilizado, ao ter sugestiva conversa mantida a altas horas nos porões do Palácio do Jaburu com o empresário Joesley Batista (JBS), gravada por este. O assunto era a compra do silêncio de Cunha, preso no segundo semestre de 2016.

Naquele momento, em maio de 2017, havia grandes chances de a estratégica proposta de reforma da Previdência enfrentar com êxito os dois turnos de votação no plenário da Câmara. Divulgado o teor da gravação pelo GLOBO, prova irrefutável de um estilo de fazer política que se tornou hegemônico na Brasília do lulopetismo e aliados, como o MDB, Temer perdeu poder e usou as últimas reservas de força para que a Câmara rejeitasse dois pedidos da Procuradoria-Geral da República para a abertura de processos contra ele no Supremo.

País conectado: Editorial | O Estado de S. Paulo

Quase 75% dos domicílios brasileiros utilizavam a internet em 2017, ante 69,3% em 2016, mostra a pesquisa Tecnologia da Informação e Comunicação, feita pelo IBGE com base em dados da Pnad Contínua. Na área urbana, esse porcentual subiu de 75% para 80,1%, enquanto na área rural passou de 33,6% para 41%. Em número absoluto de usuários de internet com mais de 10 anos de idade, o total passou de 116,1 milhões para 126,3 milhões no período, um expressivo aumento de 10 milhões em apenas um ano.

A expansão acelerada do uso da internet no Brasil tem óbvias implicações econômicas, sociais e políticas. Em um país conectado, os cidadãos tendem a mudar seus hábitos de consumo, a ampliar consideravelmente sua rede de relacionamentos pessoais e profissionais e a trocar informações de maneira muito mais rápida, o que certamente tem peso na tomada de decisões - seja para gastar dinheiro, seja para escolher em quem votar.

Um dos aspectos mais interessantes da pesquisa é justamente a informação segundo a qual 95,5% dos usuários de internet entraram na rede para “enviar ou receber mensagens de texto, voz ou imagens por aplicativos diferentes de e-mail”. Não por acaso, esses aplicativos, notadamente o WhatsApp, estiveram no centro das atenções durante as eleições deste ano. Muitos consideram que o sucesso eleitoral hoje depende em larga medida não mais exclusivamente de polpudos recursos financeiros ou de acesso aos tradicionais veículos de mídia de massa, mas sim, antes de mais nada, de uma boa rede de comunicação por meio desses aplicativos.

Samba da Mangueira 2019

Fernando Pessoa: A espantosa realidade das cousas

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

sábado, 29 de dezembro de 2018

Opinião do dia: Pedro Doria

A dicotomia PT contra Bolsonaro faz parecer que ou se está com um, ou com outro, e torna ideologicamente inclassificável um imenso grupo de pessoas. Quando não temos uma palavra para chamar uma coisa, é como se ela não existisse. O roubo do termo liberal pela direita, que muito interessa à esquerda, cala uma voz e implanta confusão. Ninguém se entende, porque diferenças não são percebidas. E quando alguém faz um discurso mais claro, afastando-se de ambos os grupos, logo alguém saca: ‘isentão’.

Isento, não. Diferente. Muito diferente. O sequestro da palavra faz com que grupos que não concordam em quase nada pareçam estar próximos. E desta imensa bagunça, no qual o nome das ideologias é propositalmente confundido, nasce o caldo de cultura em que fake news podem se proliferar.

Temos um problema de má classificação. Há três conjuntos de ideias disputando espaço, os três incompatíveis entre si. A polarização está confundindo o debate, e num debate político confuso nunca se sabe com precisão o que é que cada um pensa.

Quando as ideias não são claras, qualquer notícia falsa tem a chance de colar. Democracia, aquele regime cujo sobrenome é ‘liberal’, só funciona quando o debate é claro. E é da confusão de diagnósticos que nascem soluções irreais, aquele atalho para o autoritarismo.
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Pedro Doria: ‘2018, o ano da mentira’, O Globo, 28/12/2018

João Domingos: Boicote sem sentido

- O Estado de S.Paulo

A ausência do PT na posse de Jair Bolsonaro vai significar alguma coisa?

O boicote anunciado pelo PT à posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República é uma dessas decisões que têm tudo para se voltar contra seu autor. Mesmo reconhecendo o resultado da eleição deste ano, diz o PT que o processo eleitoral foi marcado pela falta de lisura do processo desde o impeachment de Dilma Rousseff. Depois, pela proibição legal da candidatura de Lula e pela “manipulação criminosa das redes sociais para difundir mentiras contra o candidato Fernando Haddad”.

Em relação ao impeachment, o PT pode falar o que quiser. Pode chamar de golpistas os partidos que votaram a favor do processo, ora xingá-los, ora a eles se aliar, mas o afastamento de Dilma se deu dentro da normalidade democrática, com rito estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal e com o julgamento presidido por um ministro aliado, Ricardo Lewandowski. Tão aliado, que ajudou o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), a fatiar a sentença, dando a Dilma direitos políticos, mesmo tirando-a do poder. Sobre Lula, ele está enquadrado na Lei da Ficha Limpa, pois condenado por órgão colegiado. Quanto às fake news, elas avançaram sobre o eleitor de lado a lado. Não foram uma exclusividade do vencedor.

Nesse sentido, o boicote à posse de Bolsonaro tende a se tornar um gesto vazio. Como foram vazios e marcados pelos erros políticos alguns gestos do PT ao longo da história. Por exemplo: o partido decidiu boicotar o Colégio Eleitoral que, em 1985, elegeu Tancredo Neves presidente da República. Foi essa eleição que permitiu a consolidação da abertura democrática e a saída dos militares do poder, além da convocação de uma Assembleia Constituinte.

Três anos depois, o PT optou por votar contra a Constituição de 1988. Então líder do PT na Constituinte, Lula justificou, num discurso de 22 de setembro de 1988, que seu partido votaria contra o texto porque, “mesmo havendo avanços na Constituinte, a essência do poder, a essência da propriedade privada, a essência do poder dos militares continua intacta nesta Constituinte”. Mas, pelo sim, pelo não, Lula anunciou no mesmo discurso que, por decisão do Diretório Nacional do PT, os constituintes assinariam a Constituição. Hoje, todo mundo é testemunha de que os petistas fazem um grande exercício para esquecer o gesto do passado. (O partido votou também contra o Plano Real e contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, reconhecidas iniciativas do bem.)

Murillo de Aragão*: Despertar da cidadania no condomínio Brasil

- O Estado de S.Paulo

Nas urnas, a luta contra o privilégio e a favor da subordinação do Estado ao interesse da sociedade

Desde os tempos coloniais, o governo é mais importante que a sociedade. A vida brasileira gira em torno do Estado. E quem se relaciona bem com ele, seja vendendo produtos e serviços ou trabalhando para ele com uma incontável série de benefícios, está feito. Criamos duas castas no Brasil: a dos que se servem do Estado e a dos que são escravizados por ele.

A mão grande dos exploradores dos cofres públicos atingiu todos os ramos da administração pública, criando um Estado gastão, ladrão, ineficiente e preguiçoso. Ao cidadão tem restado ruminar as narrativas politicamente corretas que impunham a lógica de que o Estado sabe o que faz pela sociedade.

A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) como presidente do Brasil, cujo mandato se inicia agora, representa uma espécie de despertar da cidadania. Ainda que parte da imprensa, das esquerdas derrotadas, da academia e do mundo politicamente correto diga que não. Pois a nova lógica demole o projeto de poder que transferia a subserviência das oligarquias econômicas para as oligarquias de esquerda.

No entanto, sem entrar no mérito, a escolha em si representou uma libertação em muitos sentidos. Aliás, não é a primeira vez que tal fenômeno acontece, uma certa independência da população em relação ao pensamento das elites. Em 2005, quando o “não” ao desarmamento foi derrotado em referendo, o universo (pretensamente) politicamente correto também foi.

Em 2013, no auge das manifestações em São Paulo, que se espalharam pelo País, declarei no programa GloboNews Painel, a William Waack: “O mundo político está completamente atônito porque, evidentemente, é um fator novo e que tem profundas repercussões políticas. Pode até ser considerado um despertar da cidadania”. Pois ali prosseguia o lento despertar, que continuou este ano com o resultado das eleições para a Presidência, em outubro.

No momento, o despertar da cidadania significa que, em 2018, parte expressiva do eleitorado rejeitou a tutela da grande mídia, do universo “cultural-Rouanet” e da academia pública. E também a tutela do clientelismo escravizador de bolsas variadas. Da bolsa BNDES, com seus 13 salários e até quatro salários de bônus para seus funcionários, à finada TJLP, que beneficiava os campeões nacionais.

A cidadania pode errar em sua escolha. Mas tem o livre-arbítrio para tal. Em especial, quando as elites acadêmicas, midiáticas e culturais buscam incutir um padrão ideológico que deveria ser hegemônico, baseado na crença de que o modelo do Estado forte é o único que pode propor a redenção do povo.

Fica claro que, depois de quase 40 anos orbitando em torno de fórmulas social-democráticas e socialistas tupiniquins, não fomos a lugar nenhum de forma consistente. O roubo e o privilégio aumentaram. Os gastos com salários mais do que dobraram. Bilhões de reais foram surrupiados em corrupção, corporativismo, clientelismo e fisiologismo. Auxílios-moradia, planos odontológicos e pagamento de faculdade para filhos de juízes são a ponta de um iceberg profundo que envolveu crimes e privilégios ilegítimos, mas legalizados por leis anticidadania.

Merval Pereira: Democratas de fancaria

- O Globo

A recusa do PT a comparecer à posse está acoplada a um movimento político anterior à disputa do segundo turno

O PT mais uma vez dá uma demonstração clara de que é democrático só quando a maioria está a seu favor. Ao anunciar que boicotará a posse do presidente eleito Jair Bolsonaro, repete comportamento antidemocrático que já virou rotina na sua atuação parlamentar.

Recusou participar do governo de união nacional de Itamar Franco, depois de ter liderado a derrubada de Collor; não homologou a Constituição de 1988; não apoiou o Plano Real, chamando-o de estelionato eleitoral; não apoiou a Lei de Responsabilidade Fiscal, e por aí vai, numa posição egoísta que só aceita alianças politicas quando as controla, à base de escambos e corrupção.

A recusa em comparecer à posse está acoplada a um movimento politico anterior à disputa do segundo turno da eleição presidencial. Já àquela altura o partido entrou com uma ação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a impugnação da chapa de Bolsonaro, por abuso de poder econômico.

Mesma atitude que o PSDB tomou contra a eleição de Dilma Rousseff, que o PT tratou como sendo um golpe antidemocrático. Desta vez, fez pior. Tentou impedir que seu adversário disputasse o segundo turno. O processo ainda está em andamento, e o terceiro turno foi aberto mesmo antes de o segundo se realizar, o que é espantoso mesmo para padrões petistas.

A historia da Constituição de 1988 é interessante. Os petistas dizem que a acusação de que não assinaram a nova Carta é mentirosa, e tecnicamente têm razão. Mas a negativa é um truque banal, assinaram porque eram obrigados regimentalmente, já que participaram de sua confecção. Mas quando tiveram a opção de não participar da cerimônia de homologação, assim o fizeram, para demonstrar repúdio ao que classificavam de uma Constituição feita pela direita.

Míriam Leitão: Os que falam a mesma língua

- O Globo

Mourão revela sintonia com a equipe econômica ao apoiar a flexibilização do Orçamento e o projeto de reforma que já está no Congresso

O que se ouve de mais lógico na equipe de transição foi dito pelo vice-presidente eleito Hamilton Mourão na entrevista ao “Valor”. O governo prepara um projeto de emenda constitucional para desengessar o Orçamento e será aproveitada a proposta para a reforma da Previdência que já tramita no Congresso. É o que também tenho ouvido de integrantes do novo governo.

Mourão fala a mesma língua que a equipe econômica, mas isso não significa que haja unidade no futuro governo. Até o ponto mais lógico, que é aproveitar a atual reforma da Previdência que já cumpriu etapas longas de tramitação, não tem o apoio de todos. Por isso, a primeira batalha na reforma será a unidade interna. Aproveitar a atual proposta criará para o chefe da Casa Civil, ministro Onyx Lorenzoni, o constrangimento de ter que defender o que atacou na Comissão Especial. Onyx montou uma equipe sobre o assunto e tem suas próprias ideias.

O vice-presidente falou ao “Valor” em uma abertura “lenta, gradual e segura”. O vocabulário geiselista foi adaptado aqui à área do comércio exterior para dizer que a indústria enfrentará maior competição com o produto importado pela redução das tarifas externas, a ser feita em fases. Durante uma de suas falas na transição, o futuro ministro Paulo Guedes criticou a indústria que estaria ainda em suas “trincheiras da primeira guerra”, e prometeu “salvar a indústria, apesar da indústria”. A despeito do tom forte, a tendência é não fazer uma abertura drástica.

Em entrevista que me concedeu no último dia 6, o general Mourão defendeu com entusiasmo a ideia de um desengessar do Orçamento. Com isso também sonha o economista Paulo Guedes. Para realizá-lo será preciso convencer o Congresso a retirar todas vinculações constitucionais, a começar as da saúde e educação. Um projeto que permita começar o Orçamento do zero sempre foi o sonho de inúmeros economistas. O problema não é ter a ideia, é como aprová-la porque ela pode atrair a oposição dos grupos de interesse, principalmente as bancadas da saúde e da educação. Fácil chegar ao diagnóstico de que o engessamento do Orçamento inviabiliza o país, difícil é mudar isso. O argumento do general Mourão na entrevista que me concedeu foi que o Congresso ganharia mais poderes se isso for aprovado porque poderia verdadeiramente formular a proposta de destinação das receitas a cada ano.

Daniel Aarão Reis: Ninguém solta a mão de ninguém

- O Globo

A melhor atitude é se preparar para a luta. Haverá que lidar com as políticas do novo governo, defender-se delas, lutar contra elas

Diante de um perigo iminente, várias alternativas podem ser imaginadas. A primeira, a mais fácil, é a fuga. O problema é que nem sempre a fuga é possível. A segunda é ignorar o risco, fingir que não existe. Não costuma funcionar. O perigo tem uma existência objetiva, não desaparecerá se for ignorado.

As democracias estão em perigo em todo o mundo. Não suscitam a confiança que já foram capazes de despertar. Nem incentivam a participação consciente, como deveriam fazê-lo.

Não é um fenômeno apenas brasileiro. É perceptível entre nossos vizinhos e mesmo nos Estados Unidos e na Europa, berços históricos do regime democrático. Ressurgem os fantasmas dos instáveis e sombrios anos 1930, quando os corporativismos estatais, o nazifascismo e o socialismo autoritário pareciam imbatíveis.

O mundo mudou muito, sem dúvida. Contudo, a revolução informática e o processo de globalização reintroduziram em larga escala a instabilidade, subvertendo numa velocidade inaudita situações sólidas, culturas consideradas estabelecidas para sempre. Vão para o ralo não apenas bens materiais, mas concepções de vida, modos de se relacionar, afetos, sentimentos. O processo acentuou-se depois da crise iniciada em 2008: os responsáveis pela especulação desenfreada que a provocou ficaram impunes. Como usual, pagaram os trabalhadores e assalariados. O resultado é a cólera das gentes, inquietação e medo, sobretudo entre os que não encontram um lugar ao sol e, não o encontrando, não mais se encontram consigo mesmos, como se estivessem deslizando para fora da sociedade, rumo a lugar nenhum.

Este é o caldo de cultura para a emergência dos “salvadores da pátria”, líderes messiânicos, que se apresentam como capazes de mudar “tudo o que está aí”. Suas propostas têm a força da clareza e da simplicidade, canalizando angústias e ódios.

Demétrio Magnoli: Inventando Fergus Falls

- Folha de S. Paulo

Relotius escreveu, com maestria, o que seu público queria ler

Claas Relotius, 33, caiu do céu ao inferno. O jornalista alemão, jovem estrela da prestigiada revista Der Spiegel, premiado na Europa e nos EUA por reportagens pungentes, foi desmascarado por um colegacomo um sistemático fraudador.

Numa série de artigos demolidores, a publicação expôs meticulosamente suas inúmeras invenções e prometeu investigar os textos sobre os quais ainda pairam dúvidas.

O anjo caído criou personagens, cenários e citações, preenchendo realidades áridas ou banais com o material vibrante da ficção. Mas —e isso a revista não entendeu e não disse— o sucesso do trapaceiro derivou do recurso implacável à caricatura: Relotius escreveu, com maestria, o que seu público queria ler.

A típica fabricação de Relotius emerge numa reportagem sobre Fergus Falls, Minnesota, publicada em março de 2017.

A ideia era investigar uma comunidade do Meio Oeste dos EUA que votou, por ampla maioria, em Donald Trump. O jornalista alugou um apartamento na pequena cidade e saiu em busca da história.

No início, nada encontrou de especial, como atestam suas desoladas mensagens a editores. Mas, no fim, encontrou o caminho habitual —e retornou triunfante com mais um texto perfeito. A Fergus Falls estampada na Der Spiegel é a imagem exata que um europeu (ou americano, ou brasileiro) superficialmente culto, com inclinações de esquerda, faria do “país de Trump”.

A falsificação começa pelas estatísticas. Segundo o repórter, a cidade deu 70,4% dos votos a Trump, depois de escolher candidatos democratas ao longo de quatro décadas.

Rodrigo Zeidan: Um governo de ofuscação

- Folha de S. Paulo

A estratégia é bater em coisas irrelevantes, ignorando o que realmente importa

A ciência econômica passa por uma revolução com base em bancos de dados detalhados e técnicas sofisticadas. Um dos exemplos vem de Girija Borker, que estima quanto as mulheres na Índia estariam dispostas a pagar para se livrar de assédio e violência sexuais.

Girija usa o Google Maps, dados obtidos via financiamento coletivo e um robusto modelo teórico e conclui que elas prefeririam estudar numa faculdade abaixo da média, em vez de em uma entre as 20% melhores, só pelo motivo de o caminho ser mais seguro (por um desvio-padrão). As indianas também se disporiam a pagar quase US$ 300 (R$ 1.200) ao ano, o dobro da anuidade média no país, para andar com pouco mais de segurança.

Temos mais fontes para entender o mundo atual. Petra Persson e Maya Rossin-Slater mostram que o impacto do estresse na gravidez sobre os filhos pode ser permanente. Adultos de mães que tiveram uma morte na família durante a gravidez têm mais transtornos que os de famílias cuja morte aconteceu logo depois do nascimento.

Com coautores, Nathaniel Hendren revela que negros têm menor mobilidade social que brancos em 99% das cidades americanas, e Alex Bell evidencia que desigualdade também é norma no quesito invenções.

Julianna Sofia: Prova de fogo

- Folha de S. Paulo

Agenda dos cem dias de Bolsonaro inclui revisão de subsídios, mas teste chegará antes do que se imagina

A carta de intenções para os cem primeiros dias do governo Jair Bolsonaro fincou em meio à geleia geral de prioridades vagas a revisão da atual política de subsídios com dinheiro da viúva. O dispêndio é mastodôntico. Estima-se que em 2019 sejam gastos aproximadamente R$ 380 bilhões com benefícios fiscais, ou seja, o equivalente a 20% da arrecadação federal.

O plano é mudar a configuração de grupos que hoje deveriam monitorar essas benesses e, na sequência, meter a faca. Há vantagens tributárias, financeiras e de crédito. Haverá subsídios que perdurarão, uns tantos serão reduzidos e outros, extintos sem dó nem piedade. Ao longo da campanha presidencial, assessores do candidato do PSL especulavam um corte de, no mínimo, R$ 50 bilhões.

Não há como discordar do princípio. Mas o sucesso da medida dependerá dos métodos e do voluntarismo da administração bolsonarista. Paulo Guedes, o superministro da Economia, insiste no mítico projeto de zerar o déficit público de R$ 139 bilhões no primeiro ano do mandato do novo presidente. A sanha reformuladora dos incentivos será usada para alcançar parte do alívio fiscal pretendido, quimérico ou não.

Ruy Fabiano: Começa a Era Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Veio pra mudar, mas será que vai dar certo?

O governo Jair Bolsonaro, entre tantas indagações e perplexidades, oferece ao menos uma certeza: veio para mudar. Se triunfará, é outra história, que começa daqui a dois dias.

Não lhe falta lastro popular: segundo o Ibope, inicia-se sob as expectativas otimistas de nada menos que 75% da população.

Não é pouco – e é surpreendente, já que se elegeu com 59% dos votos válidos, o que significa que ou as urnas se equivocaram ou 16% dos que votaram no PT mudaram de ideia dois meses após o segundo turno, não obstante o radicalismo que marcou a campanha.

Como não há registro físico dos votos, nunca se saberá.

O que importa é que o anseio por mudança, que começou a se exteriorizar em 2013, numa sucessão de gigantescas manifestações de rua em todo o país – e que desaguou, em 2016, no impeachment de Dilma Roussef -, foi por ele capitalizado.

As mesmas multidões voltaram a se manifestar em sua campanha, sobretudo após o atentado de que foi vítima.

O fenômeno Bolsonaro não é obra individual. Ele tornou-se estuário do clamor popular por ruptura com a (des)ordem vigente, que o impeachment não aplacou. Ao contrário, intensificou.

Michel Temer, o estepe de Dilma, mesmo conseguindo a façanha de fazer com que o país parasse de piorar, não serenou o quadro. Entrega um país um pouco melhor que o que recebeu, mas, no plano moral, manteve o padrão, exposto pela Lava Jato.

Ele e Dilma, entre outros companheiros da parceria PT-MDB, devem se reencontrar em breve nos tribunais.

Com trabalho precário, população ocupada atinge maior nível da história

Crise leva pessoas a aceitar emprego informal; sem-carteira somam 11,7 mi

Flavia Lima/Lucas Vettorazzo | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO - O mercado de trabalho chega ao fim de 2018 com um aparente paradoxo: ao mesmo tempo em que o número de desempregados ainda é bastante alto (12,2 milhões), a população ocupada atingiu o maior nível da série histórica (93,1 milhões).

Os números parecem incoerentes, mas têm uma origem comum: as marcas de uma recessão econômica que custa a ser superada por completo.

A mesma crise que fechou perto de 4 milhões de vagas com carteira de trabalho nos últimos quatro anos e fez a taxa de desemprego explodir trouxe um contingente enorme de pessoas para o mercado de trabalho que antes não precisava trabalhar.

“É o membro da família indo para a informalidade porque o chefe de família perdeu o emprego, o estudante que precisou complementar renda para pagar os estudos ou que deixou de estudar porque precisou trabalhar”, diz Cosmo Donato, economista da LCA Consultores.

Donato se refere às pessoas que, levadas pela crise, aceitaram um emprego sem carteira assinada ou com um salário mais baixo para sobreviver.

Ainda que empregadas em postos com qualidade inferior, essas pessoas estão incluídas no total de população ocupada, o que explica a explosão desse número.

Desemprego recua para 11,6%, mas ainda atinge 12 milhões

Levantamento aponta que índice é o menor desde junho de 2016, quando a taxa de desemprego também ficou em 11,6%

Daniela Amorim | O Estado de S.Paulo

RIO DE JANEIRO - A taxa de desemprego no Brasil ficou em 11,6% nos três meses até novembro, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira, 28. O porcentual é o mais baixo desde junho de 2016 e representa mais de 12 milhões de brasileiros desempregados. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).

Segundo o levantamento, o País criou 1,3 milhão de postos de trabalho em um ano, o que fez com que a quantidade de pessoas sem emprego caísse em 364 mil brasileiros em doze meses.

O coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, destacou que a geração de vagas ainda não é o suficiente para reduzir o contingente de desocupados. Apesar do avanço no número de pessoas trabalhando, o total de desempregados ainda é o dobro do registrado há quatro anos, completou o pesquisador.

No trimestre encerrado em novembro, o País atingiu o recorde de 93,189 milhões de ocupados, 1,241 milhão a mais do que no trimestre terminado em novembro de 2017. Mas ainda havia 12,206 milhões de pessoas desempregadas, 364 mil a menos que o registrado um ano antes.

A população inativa aumentou em 696 mil pessoas em um ano, para um total de 65,096 milhões. Como resultado, a taxa de desemprego saiu de 12,0% no trimestre até novembro de 2017 para 11,6% no trimestre até novembro de 2018, a mais baixa desde o trimestre encerrado em julho de 2016, quando também era de 11,6%.

Líderes em declínio: Editorial | Folha de S. Paulo

Referências da democracia liberal, Merkel e Macron experimentam desgaste no ano

O abalo da política tradicional, evidenciado a partir de 2016 pela ascensão de nomes e grupos populistas e pelo plebiscito que selou o “brexit”, teve sequência neste ano com a deterioração do prestígio de quem até outrora era tido como exemplo de liderança democrática, deixando dúvida sobre quais são as aspirações do eleitorado.

Esse fenômeno se reflete na queda de popularidade dos dois líderes europeus de maior relevância.

Emmanuel Macron, alçado à Presidência da França em 2017 por um movimento que inspirou renovação política e foi imitado em outros cantos, perdeu dez pontos de sua aprovação de outubro a dezembro, segundo o instituto Ifop, e chegou a seu pior patamar, 23%.

A alemã Angela Merkel, à frente do governo desde 2005 —época em que o mundo não imaginava que experimentaria em breve sua crise financeira mais grave em oito décadas—, perdeu seis pontos desde setembro, embora goze de invejáveis 55% e da falta de adversário de envergadura.

Ainda assim, Mutti (mamãe), como a chanceler é chamada em seu país, sofre as consequências de sua política migratória liberal, que acolheu mais de um milhão de refugiados. Levou quase seis meses para montar sua coalizão de governo e assiste ao avanço da legenda ultranacionalista de direita AfD, hoje a terceira força da Alemanha.

Conseguiu colocar Annegret Kramp-Karrenbauer, sua herdeira escolhida, como sucessora na CDU, partido que lidera desde 2000, e espera poder passar a ela o poder após as eleições gerais de 2021, quando se aposenta. Diante do crescimento voraz da AfD e do avanço dos Verdes pela esquerda, porém, essa certeza é etérea.

Sem os anos de preparo político da vizinha, Manu —apelido pelo qual o presidente mais jovem da França moderna é chamado ora com afeto ora como tentativa de desmoralização— viu seu capital político se consumir nos protestos dos “coletes amarelos”.

A separação dos Poderes: Editorial | O Estado de S. Paulo

Em um mandado de segurança impetrado pelo senador Lasier Martins (PSD-RS), o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, por medida liminar, que a eleição para os cargos da Mesa Diretora do Senado, que ocorrerá no dia 1.º de fevereiro de 2019, seja feita por meio de voto aberto dos senadores.

O próprio Senado Federal adotou mais de uma vez a sistemática da votação aberta para a eleição dos cargos da Mesa Diretora. O problema é que não cabe ao Poder Judiciário determinar – especialmente pela via monocrática, isto é, pela vontade um único ministro do STF – o funcionamento interno de outro Poder. Como marco fundamental do Estado brasileiro, a Constituição assegura o princípio da separação dos Poderes.

A decisão do ministro Marco Aurélio afronta o Regimento Interno do Senado, que, no art. 291, assegura que a votação será secreta nas eleições, por determinação do plenário e em algumas situações específicas, como exoneração do procurador-geral da República ou perda de mandato de algum senador.

A jurisprudência da Suprema Corte é pacífica no sentido de que as normas de caráter regimental do Congresso se qualificam como matéria interna corporis, sobre as quais compete exclusivamente ao Legislativo deliberar. A interpretação dessas normas deve ser feita exclusivamente no âmbito do Parlamento, sendo vedada sua apreciação pelo Poder Judiciário. Em respeito à separação e à autonomia dos Poderes, os atos interna corporis estão imunes ao controle judicial.

Desvincular o Orçamento deve ser prioritário: Editorial | O Globo

Assim como a reforma da Previdência, outros projetos também exigem rapidez

Na volta do presidente eleito Jair Bolsonaro do período de recesso de Natal, na base da Marinha na Restinga da Marambaia, informou-se que o próximo governo formulou um plano para os primeiros 100 dias de poder. Cuidado pertinente. No início deste período, até dia 10 de janeiro, entre outras ações, cada ministério apresentará propostas prioritárias para compor um conjunto de projetos a serem encaminhados ao Congresso. Não se pode mesmo perder tempo. Não só pela necessidade urgente de reformas, para que a economia enfim acelere o passo — e o enorme contingente de ainda 12 milhões de desempregados comece a ser reduzido na velocidade necessária —, como também pela imperiosidade do uso do poder político de um presidente recém-empossado, para viabilizar no Congresso mudanças estruturais.

Há projetos desenvolvidos pelas equipes de transição, em que se destaca a econômica, chefiada pelo futuro superministro Paulo Guedes, que tem um diagnóstico conhecido da crise —muito Brasília e pouco Brasil, em sentido amplo. Cabe nesta imagem o excesso de burocracia, de impostos, de intervenção na vida de empresas e de cidadãos etc. É indiscutível a prioridade à reforma da Previdência, mas há outras também estratégicas. Em entrevista publicada ontem pelo jornal “Valor Econômico”, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, tratou de uma delas, a da desvinculação do Orçamento.

Hino dos Batutas de Sao José - Martinho da Vila

Vinicius de Moraes: Poema de ano-novo

É preciso que nos encontremos diante do amor como as árvores fêmeas cuja raiz é a mesma e se perde na terra profana
É preciso... a tristeza está no fundo de todos os sentimentos como a lágrima no fundo de todos os olhos
Sejamos graves e prodigiosos, ó minha amada, e sejamos também irmãos e amigos.
É preciso que levemos diante de nós o retrato das nossas almas como se fôssemos a um tempo a Verônica e o Crucificado
Eu sou o eterno homem e hoje que a dor fecunda o tempo eu sinto mais que nunca a vontade de fechar os braços sobre a minha miséria.
Fiquemos como duas crianças pensativas sentadas numa escada - todos serão os peregrinos e apenas nós os contemplados