O principal desafio que o liberalismo enfrenta atualmente não vem do fascismo nem do comunismo, nem mesmo “dos demagogos e autocratas que se espalham por toda parte como sapos depois da chuva. Desta vez o principal desafio surge dos laboratórios”. O alerta, providencialíssimo, está no extraordinário artigo “O mito da liberdade”, do historiador israelense Yuval Noah Harari, que VEJA publica logo nas primeiras páginas desta edição, antes até do noticiário da semana. Harari é um daqueles fenômenos intelectuais que de tempos em tempos surpreendem o mundo — como o foi o italiano Umberto Eco (1932-2016), por exemplo. Professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, autor de Sapiens (2014), Homo Deus (2016) e 21 Lições para o Século 21 (2018), ele já vendeu mais de 15 milhões de exemplares em todo o planeta. Entre os temas recorrentes de seu trabalho está o impacto das novas tecnologias na vida de cada um de nós.
Talvez não exista crença em nada que possa ser mais humano, demasiado humano, do que o “livre-arbítrio”. Pois é justamente contra essa ideia que se insurge o texto de Harari. Para ele, o livre-¬arbítrio não passa de um mito. “Os humanos certamente têm um arbítrio — mas ele não é livre. Você não tem a prerrogativa de decidir que desejos terá. Os humanos fazem escolhas — mas elas nunca são escolhas independentes. Cada escolha depende de um monte de condições biológicas, sociais e pessoais que você não é capaz de determinar por si.” Acreditar nesse mito, diz o historiador, tornou-se muito perigoso hoje em dia — exatamente por causa das novas tecnologias. “Em anos recentes, algumas das pessoas mais inteligentes do mundo têm trabalhado no hackeamento do cérebro humano para fazer você clicar em anúncios e lhe vender coisas. Agora esses métodos estão sendo usados para lhe vender políticos e ideologias também. E isso é só o começo”, sublinha Harari.
Tal cenário, enfatiza o escritor, é uma ameaça clara à democracia liberal, que deve ser defendida ainda que seja porque constitui “uma forma mais benigna do que qualquer outra de suas alternativas” e é “a que coloca menor número de limitações no debate sobre o futuro da humanidade”. A sobrevivência da democracia liberal depende sobretudo do desenvolvimento de “um novo projeto político que esteja mais alinhado com as realidades científicas e os potenciais tecnológicos”, conclui Harari. Artigos como o dele, capazes de estimular uma profusão de reflexões sobre as complexidades da vida contemporânea, estarão presentes com maior regularidade, a partir deste número, nas páginas de VEJA — reiterando o compromisso da revista com o liberalismo e o fortalecimento das instituições democráticas.
Publicado em VEJA de 2 de janeiro de 2019, edição nº 2615
Nenhum comentário:
Postar um comentário