domingo, 30 de dezembro de 2018

Carlos Melo: O sucesso dependerá do alinhamento de visões e objetivos

- O Estado de S. Paulo

Sinais de pouco profissionalismo e muito ativismo geram apreensão quanto à serena condução do futuro

Alternâncias de poder se configuram como oportunidades de manter o que bem funcionava e corrigir o que ia mal nos governos anteriores. Evitando retrocessos e não havendo compromisso com erros, abre-se espaço para o novo; podem trazer a esperança de avanços. É por isso que despertam otimismo e manifestações de apoio – sobretudo após períodos de conflitos intensos, disputas emocionais e crises continuadas na economia e na política. Em tese, são positivas.

Assim, a expectativa favorável em relação a Jair Bolsonaro, constatada pelas pesquisas, é natural. Acresce a isto a perspectiva de um extraordinário período de baixa inflação e juros contidos em patamares inferiores, além de um cenário externo favorável, ainda que incerto no médio prazo.

Com sinais corretos e ações adequadas, dizem os economistas, o País pode encontrar um ciclo bastante promissor, fortalecendo o grupo do próximo presidente.

Aparentemente, Bolsonaro estaria com a bola nos pés e o apito na mão para conduzir a partida de acordo com seu interesse. Mas é na política que as coisas se complicam: há questões fundamentais que precisam ser consideradas à parte de qualquer euforia apressada e pouco crítica nessa área.

A primeira delas se volta à consciência do futuro presidente e seu grupo mais próximo quanto à gravidade do momento; se estarão dispostos a fazer o necessário à revelia de interesses de corporações aliadas e de firulas ideológicas do bolsonarismo.

A segunda questão consiste em saber se conquistará os instrumentos institucionais adequados para dar vazão a esse processo. Por fim – e talvez o mais importante –, indaga-se se haverá material humano sagaz e preparado, com capacidade de aproveitar o bom momento e montar o cavalo encilhado que a história lhe oferece.

Ao longo desse período que se estende da vitória eleitoral até a posse do futuro governo, as indicações dadas pelo próprio presidente e por seu time de colaboradores políticos mais próximos contradizem o otimismo. Os sinais são, no mínimo, discrepantes, e indicam diferenças de olhar e estratégias, causando improdutiva dispersão de energia entre as áreas econômica e política.

Há muitos e desnecessários ruídos ideológicos, pouca capacidade de aglutinação de forças políticas e escassez de operadores pragmáticos, experientes e realizadores. De modo que esses contornos políticos mais ou menos forjados pelo desalinhamento interno possam vir a inibir as condições mais favoráveis acenadas pelo momento e pelo espírito natural da alternância.

Mesmo antes de começar, o governo Bolsonaro tem se configurado muito mais como uma máquina de conflitos do que numa dinâmica positiva de cooptação de apoios, acúmulos de força e formação de consensos. Em que pese o discurso de diplomação do presidente, grande parte da lógica de formação de seu ministério apontou para o gueto, pregou para convertidos e não constituiu pontes de diálogos com grande parte da sociedade.

Se na Economia, Justiça e Segurança, assim como na área da Defesa, Bolsonaro delegou a “Postos Ipiranga” a responsabilidade de compor equipes e elaborar planos de ação que tragam a ele e ao País os resultados esperados – o que de algum modo tem sido encaminhado de forma pelo menos coerente –, no campo mais amplo da diplomacia, da cidadania e da política o presidente confinou-se a uma visão de mundo estreita. Como se uma banda do governo nada tivesse com outra e, pior, como se não pudessem comprometer o desempenho do todo, tornando o governo menor que seu desafio.

Isto se deu, por exemplo, nos ministérios de Relações Internacionais, no Meio Ambiente, Direitos Humanos e Educação – sobretudo –, assim como na estratégia de comunicação (Secom) e na relação com o Congresso Nacional – Casa Civil e Secretaria de Governo.

No espírito dessas indicações, Bolsonaro de algum modo foi à guerra, sobrando estilhaços de princípios e bombas ideológicas para a reputação do governo tanto interna como externamente.

Também gerou dúvidas quanto à eficiência e à boa condução das relações entre Executivo e Legislativo, do que dependerá a sorte da economia. Não compreender o valor estratégico das presidências das mesas da Câmara e do Senado, assim como dar pouca importância aos partidos, nas indicações para comissões e relatorias, é erro crasso.

No mais, ignorar o valor da opinião pública: se a grande massa dos habitantes de qualquer país não lê editoriais dos jornais, mesmo os mais importantes, a verdade é que formadores de opinião e principalmente investidores – do que o Brasil tanto necessita – leem e se influenciam por eles. E, nesse sentido, ficam os sinais de pouco profissionalismo e muito ativismo, que geram apreensão quanto à serena condução do futuro e a perfeita sintonia entre as partes.

O próximo governo dependerá como nenhum outro do sucesso dos primeiros meses. Precisará da força do arranque para forjar realizações iniciais que elevem a confiança e potencializem o otimismo da largada. Para isto, não poderá vacilar na definição de objetivos e no encaminhamento de reformas estratégicas, como a Previdência, por exemplo. Isto se dará se houver alinhamento entre suas mais diversas áreas.

Em qualquer governo, esse alinhamento dá-se somente quando o pragmatismo de um líder se coloca ao centro da cena, afastando a ideologia para a periferia do teatro político. Pela história recente, o País sabe que a ideologia é causadora da perda de tempo, recursos e objetivos. A origem do desperdício de oportunidades que, uma vez perdidas, não serão facilmente recuperadas.
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Cientista político e professor do Insper

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