terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Rubens Barbosa*: A nova geopolítica nas Américas

- O Estado de S.Paulo

Uma das dez maiores economias, o Brasil deve fazer política de sua circunstância geográfica

O pensamento mais moderno da geopolítica mostra a crescente importância do regionalismo, como evidenciado pelos acordos de integração na Europa, na América do Norte, na Ásia e agora na África.

O continente americano passa por significativas transformações políticas e econômicas, que terão consequências na geopolítica regional. O governo de esquerda do México e as incertezas nas relações com o vizinho EUA, o governo de direita no Brasil e seus efeitos sobre o entorno geográfico, o novo governo de Cuba, a deterioração das instáveis Venezuela e Nicarágua, as dificuldades econômicas na Argentina, a persistente baixa prioridade da região para a política externa dos EUA são alguns dos principais elementos de uma gradual transformação das relações políticas, econômicas e comerciais entre os países das Américas e com o resto do mundo. Na América do Sul, a partir da década de 1990 oito dos dez países elegeram governos de centro-esquerda e de esquerda. Em 2019 oito dos dez países serão governados por presidentes de direita ou centro-direita. Ao mesmo tempo, em função do vazio criado pela baixa influência política e reduzida presença comercial dos EUA, além da falta de uma visão estratégica e de ações proativas da parte do Brasil, cresceu a presença da China e da Rússia. Agora até a Turquia amplia também sua atuação, a partir da Venezuela.

No que toca ao Brasil, declarações do presidente eleito de que as relações com os EUA ganharão prioridade e de Eduardo Bolsonaro de que o Brasil está pronto para trabalhar com os EUA em todas as frentes, não por alinhamento automático, mas por convicção de que há grande convergência entre os objetivos e a visão de mundo das duas nações, abrem caminho para uma relação claramente afirmativa. O ministro das Relações Exteriores designado, Ernesto Araújo, diz que o céu é o limite na relação bilateral e que temos de pensar grande para dar um salto qualitativo na aproximação com Washington, o que permitirá fazermos coisas que seriam impensáveis, que se espera sejam mutuamente benéficas.

Eliane Cantanhêde: Sem intermediação?

- O Estado de S.Paulo

Para governar, é preciso boa comunicação com a sociedade e negociação com Congresso

Presidir o País é tomar decisões muitas vezes duras, desagradar a interesses e mediar conflitos, ciúmes e invejas na própria equipe, o que exige força popular e política. Logo, é preciso ter uma excelente comunicação com a sociedade e uma negociação azeitada com o Congresso.

É estranho, portanto, que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, tenha usado sua diplomação para dar uma canelada desnecessária na mídia. No “novo tempo”, segundo ele, “o poder popular não precisa mais de intermediação”. E fez questão de especificar que falava das “novas mídias, que permitiram uma relação direta entre eleitor e seus representantes”.

Jornais, revistas, rádios e TVs são canais não só tradicionais, mas também legítimos e de grande alcance para a mediação entre poderosos e sociedade, eleitos e eleitores. Dispensá-los, ou desdenhá-los, é apostar numa anarquia na comunicação entres os três Poderes e os cidadãos e cidadãs.

As “novas mídias” são importantes e vieram para ficar, mas carregam um perigo: a difusão rápida e irresponsável, muitas vezes paga, de mentiras, manipulações e falsificação grosseira dos fatos, tanto a favor quanto contra. O efeito é deletério e isso pode virar uma guerra sangrenta, num mundo paralelo de verdades e mentiras. O “novo tempo” não pode se transformar no “paraíso das fake news”, nem na propaganda acrítica de governos.

Ranier Bragon: O inferno são os outros

- Folha de S. Paulo

Explicação de Bolsonaro sobre cheque representa a velha e carcomida política

As explicações, ou melhor, a falta de explicações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, sobre o cheque de R$ 24 mil na conta de sua mulher, Michelle, mostra todo o esplendor da nossa velha, bolorenta, carcomida, decrépita, putrefata política.

Eleito para pôr termo às “práticas do passado” —expressão que repetiu em sua diplomação, nesta segunda-feira (10)—, para mudar tudo isso aí, como se portou Bolsonaro diante da revelação de que um ex-assessor de seu filho Flávio movimentou uma minifortuna em uma infindável triangulação bancária, incluindo o cheque para Michelle?

Depois de um período mudo, afirmou que o dinheiro era o recebimento de uma dívida e que nada declarou à Receita. No mais, disse que não é ele quem tem que se explicar.

E sobre o trabalho que uma filha do assessor exerceu em seu gabinete na Câmara dos Deputados por quase dois anos? “Pelo amor de Deus, pergunta para o chefe de gabinete. Eu tenho 15 funcionários no gabinete!”

Seus futuros ministros também não se saíram muito melhor. Onyx Lorenzoni (Casa Civil) deu o velho e bom chilique pra tentar afastar repórter abelhudo. Sergio Moro (Justiça) desapareceu em meio a tchauzinhos em looping na primeira vez em que foi questionado. Na segunda, disse que seu futuro chefe já “apresentou algum esclarecimento”.

Pablo Ortellado: Política da divisão

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro e ministros recorrem às guerras culturais

No antagonismo político da maior parte do século 20 sempre houve possibilidade de compromisso. Entre o estado mínimo dos liberais e a economia estatizada das experiências socialistas, havia bastante gradação.

O jogo político da democracia liberal consistia, efetivamente, em empurrar a fronteira mais para um lado ou para o outro, aproveitando as oportunidades abertas pelos ciclos eleitorais.

Esse tipo de compromisso não existe nas guerras culturais, porque elas envolvem questões morais fortes que regulam modos de vida. Nestes temas, o compromisso não é possível. Entre os que defendem o direito da mulher controlar sua vida reprodutiva e os que se opõem ao assassinato de bebês, qual seria o meio termo?

Os temas morais não apenas incitam o eleitorado, mas também os sentimentos de revolta e indignação que despertam e transformam eleitores passivos em ativistas.

Vimos recentemente essa estratégia ser utilizada no Brasil nas últimas eleições.

Para os conservadores que apoiaram Jair Bolsonaro, feministas e grupos LGBT fazem campanha para sexualizar as crianças e promover modos de vida alternativos ao padrão heteronormativo. O que para os progressistas são políticas de civilidade e tolerância, para os conservadores são diabólicos planos para destruir a família cristã.

O próprio Bolsonaro se engajou numa cruzada contra um seminário infantil LGBT e um kit gay para escolas, que nunca existiram, e nos círculos bolsonaristas circularam materiais mentirosos infames, como o vídeo da mamadeira em formato de pênis que seria utilizada para alimentar crianças nas creches.

Joel Pinheiro da Fonseca: Bem-vinda, velha política!

- Folha de S. Paulo

O 'mito' já está se desfazendo para revelar o que de fato Bolsonaro sempre foi

Bolsonaro chegou à Presidência representando a revolta contra o sistema. O sentimento que o elevou ao poder —o mesmo que se viu, por exemplo, na greve dos caminhoneiros— é francamente revolucionário. Foi o voto de confiança numa figura messiânica que prometia, com a sua força redentora, "acabar com essa palhaçada" que é a velha política brasileira.

Foi um verdadeiro feito de marketing que um deputado com 27 anos de Câmara, boa parte deles no PP, que loteou a política carioca com seus filhos, um membro do baixo clero do que há de mais velho na política nacional, tenha conseguido se vender como um renovador radical que veio para limpar tudo. Antes mesmo de iniciar o mandato, contudo, a imagem do "mito" já está se desfazendo, para revelar o que ele de fato sempre foi: um velho político.

As revelações do Coaf sobre as transações suspeitas do ex-assessor de Flávio Bolsonaro apenas ilustram o fato. É cedo para tirar qualquer conclusão, mas é uma possibilidade que Flávio Bolsonaro cobrasse mesada dos cargos comissionados de seu gabinete. Se for isso mesmo, ele apenas fez o que tantos políticos e partidos brasileiros sempre fizeram. É como a política brasileira funciona.

O caixa dois, o "dízimo" para o partido ou para o representante, o carguinho para amigos e familiares, a aliança com indivíduos suspeitos. Tudo isso é ruim, e o Brasil será um país melhor quando essas práticas forem menos abrangentes. Mas isso dependerá de reformas do sistema, e não da perseguição implacável a cada um dos que simplesmente jogaram o jogo e tiveram o azar de serem pegos. Não é, portanto, um motivo para demonizar o novo governo.

Andrea Jubé: "Braço forte, mão amiga": até quando?

- Valor Econômico

Governo Bolsonaro claudica sem o apoio das Forças Armadas

Na política, quase sempre, os gestos são mais eloquentes do que as palavras. É sintomático que em seu primeiro compromisso oficial em Brasília após a eleição, o presidente eleito Jair Bolsonaro tenha se reunido reservadamente apenas com oficiais da cúpula das Forças Armadas. Um dos auxiliares civis que o acompanhavam - o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes - foi convidado depois a se somar ao grupo. O outro civil da comitiva teve de aguardar do lado de fora.

Quando aterrissou em Brasília pela primeira vez depois da consagração nas urnas, no dia 6 de novembro, Bolsonaro fez uma visita institucional ao ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna. Estava acompanhado dos filhos, do vice-presidente, general Hamilton Mourão, do futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e de dois auxiliares civis: Paulo Guedes e Gustavo Bebianno, que assumirá a Secretaria-Geral da Presidência.

Ao fim da reunião fechada no gabinete do ministro, com um grupo restrito de oficiais - da qual participaram os filhos, Mourão e Heleno -, Guedes foi chamado para tratar do orçamento das três Forças e da reforma previdenciária dos militares. Bebianno aguardou do lado de fora, segundo relato de um dos presentes.

O retrato da reunião com os oficiais, sem os civis, fala por si: Bolsonaro tem deferência especial pelas Forças, instituição que considera um escudo moral de sua gestão. Somente no Palácio do Planalto, são três os generais da reserva escalados: Heleno e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), na linha de frente; Floriano Peixoto, "vice-ministro" da Secretaria-Geral, na retaguarda. Além do general Mourão na Vice-Presidência.

Em síntese, sem o apoio das Forças Armadas - instituição na qual os brasileiros mais confiam, segundo pesquisas recentes -, o governo Bolsonaro claudica.

A novidade é que, a depender dos desdobramentos do episódio revelado pelo jornal "O Estado de S. Paulo" na quinta-feira, sobre as movimentações financeiras do ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente, esse apoio pode ruir.

Merval Pereira: Catão dos outros

- O Globo

É preciso definir se aconteceu o esquema e, em caso positivo, por quantos anos a família Bolsonaro se utilizou dele

O presidente eleito, e agora diplomado, Jair Bolsonaro chega ao momento da posse devendo uma explicação plausível sobre o caso de Fabrício Queiroz, seu amigo pessoal há 40 anos, como afirmou, e motorista de seu filho, senador eleito Flávio Bolsonaro, que teve um movimento financeiro detectado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) de R$ 1,2 milhão tendo um salário de R$ 8,5 mil por mês.

A explicação do presidente para vários depósitos, num total de R$ 24 mil, para a futura primeira-dama Michelle, é plausível: tratar-se-ia de pagamento de um empréstimo, que não foi declarado no Imposto de Renda. Até aí, nada grave.

É normal ajudar funcionários em dificuldade, e receber pagamentos parcelados, tudo de maneira informal. Não declarar no IR pode ser uma falha, nunca um crime. A coisa começa a pegar quando o presidente, e seu futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, consideram que, com a explicação, o caso sai de suas alçadas e vai para a do próprio Fabrício.

Nem mesmo do filho Flávio é cobrada qualquer explicação para a movimentação de dinheiro de seus funcionários na Assembleia Legislativa, onde atuava como deputado estadual.

É claro que, mesmo que tenha dado uma explicação para o caso de sua mulher, o comportamento dos filhos alcança o presidente, assim como as acusações contra Lulinha alcançam Lula, mesmo que as quantias conhecidas sejam consideravelmente menores.

À boca pequena sabe-se, sem que tenha sido investigado e comprovado ainda, que parlamentares de maneira geral, com raras exceções, e em todos os níveis de representação, costumam, e não é de hoje, cobrar um pedágio de seus funcionários.

Bernardo Mello Franco: Rosa deu uma aula pública a Bolsonaro

- O Globo

Presidente do TSE usou a diplomação para cobrar respeito às minorias. Ela lembrou que proteger os direitos humanos é uma obrigação, e não uma escolha dos governantes

Jair Bolsonaro recebeu o diploma de presidente no Dia Mundial dos Direitos Humanos. A ministra Rosa Weber aproveitou a data para cobrar respeito às liberdades, às minorias e ao direito sagrado de discordar do governo.

A presidente do TSE começou com um aviso: o pleito ocorreu com “absoluta segurança e total lisura”. Foi o primeiro recado a Bolsonaro, que passou meses lançando suspeitas sobre a urna eletrônica.

A ministra celebrou o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Em país de tantas desigualdades como o nosso, refletir sobre as declarações de direitos não constitui mero exercício teórico, mas necessidade inadiável que a todos se impõe, governantes ou governados”, disse.

Ela julgou necessário lembrar que a democracia não se resume à realização de eleições a cada quatro anos: “É, também, exercício constante de diálogo e de tolerância, de mútua compreensão das diferenças, de sopesamento pacífico de ideias distintas, até mesmo antagônicas, sem que a vontade da maioria, cuja legitimidade não se contesta, busque suprimir ou abafar a opinião dos grupos minoritários”.

Míriam Leitão: Tarefas difíceis na economia

- O Globo

Equipe econômica do futuro governo ainda trabalha com a ideia de aprovar a reforma da Previdência que já está em tramitação no Congresso

O presidente Jair Bolsonaro, diplomado ontem, terá de enfrentar batalhas duras na economia. A primeira delas será a reforma da Previdência. O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu várias vezes, mesmo antes de integrar a campanha de Bolsonaro, que o Congresso aprovasse a proposta do presidente Temer. E continuou repetindo que era melhor aproveitar o texto que já está em tramitação. É com essa ideia que ainda se trabalha na equipe econômica do novo governo. Mas não será só isso.

Ao mesmo tempo, o futuro governo prepara outra reforma mais ampla e com transição para o regime de capitalização. A ideia não é aprovar só a idade mínima num primeiro momento e, depois, ir votando aos poucos os novos parâmetros. Há entendimento de que isso levaria ao risco de uma contrarreforma. O que se defende é que a atual proposta seja apenas o começo de uma mudança mais profunda do sistema de pensões e aposentadorias do país.

Ainda não se sabe qual será o custo desta transição de um regime da repartição, como é atualmente, para o de capitalização, que é o que será sustentável no futuro. No estudo feito pelo economista Armínio Fraga, entraria em vigor apenas para os que nasceram a partir de 2014. No futuro governo, há quem defenda que esteja disponível bem antes.

José Casado: A irmandade do suborno

- O Globo

Todo dia a Petrobras compra e vende petróleo e derivados no mercado mundial. Durante a última década e meia, negociou em média 400 mil barris a cada jornada de 24 horas, a preços variáveis.

Agora descobriu-se que parte dessas transações não teve qualquer registro e deu prejuízos à empresa estatal, mediante subornos pagos a funcionários, intermediários, políticos do PT, MDB, Progressistas (antigo PP) e do PSDB.

Eles receberam propinas entre dez centavos e US$ 2 por barril de petróleo e derivados nas negociações diárias, com pagamento à vista, e em contratos de longo prazo — mostram os novos processos abertos na Operação Lava-Jato.

O grupo fazia a Petrobras comprar a preços acima de mercado e a vender a preços mais baratos. Numa negociação de 300 mil barris, por exemplo, acertavam com o cliente estrangeiro “comissão” de US$ 1 por barril e embolsavam US$ 300 mil. Chegaram a “sumir” com 17,5 mil toneladas métricas de combustível da estatal embarcadas em três navios. Em 2012, celebraram o recorde de US$ 2 de propina sobre uma carga levada a Fortaleza.

Ricardo Noblat: Rosa espeta o capitão

- Blog do Noblat |Veja

Aula de democracia para um aluno mal comportado

Quem diz o que quer deve estar pronto para ouvir o que não quer. Seguramente, Jair Bolsonaro não estava preparado para ouvir a longa lição sobre democracia que lhe deu a ministra Rosa Weber, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, no ato de sua diplomação em Brasília, ontem, como presidente eleito.

Afinal, pouco antes no seu discurso, Bolsonaro fizera longos elogios à justiça que tanto criticou durante a campanha, e reconhecera a eleição como limpa e justa. Evitou repetir que mesmo assim deseja reformá-la, como avisou aos seus devotos da extrema direita reunidos em convescote no último fim de semana.

O presidente que se ofereceu para governar todos os brasileiros, e não apenas os que lhe deram seu voto, e que se apropriou de um jargão da esquerda para destacar que o “poder popular” dispensa intermediação, ouviu Rosa responder que numa democracia a voz da minoria é tão importante quanto a voz da maioria.

Rosa ensinou: “A democracia é também exercício constante de diálogo e de tolerância, de mútua compreensão das diferenças (…) sem que a vontade da maioria, cuja legitimidade não se contesta, busque suprimir ou abafar a opinião dos grupos minoritários, muito menos tolher ou comprometer seus os direitos”.

E ensinou: “Inquestionável é que o Estado brasileiro se encontra comprometido com a efetivação dos direitos humanos. Isso resulta claro não só dos deveres assumidos perante a comunidade internacional, mas, sobretudo pela Constituição”. Quer dizer: nada dessa história de direitos humanos para humanos direitos.

Se Bolsonaro não passou recibo, preferindo rezar depois junto com um pastor evangélico da igreja de sua mulher, seus fiéis seguidores se apressaram em fazê-lo – é claro, nas redes sociais. Até o início da madrugada de hoje, pelo menos quatro deputados federais do PSL usaram o Twitter para reclamar de Rosa e dos seus espinhos.

'Poder popular não precisa mais de intermediação', diz Bolsonaro ao ser diplomado

Presidente eleito exaltou papel das redes sociais na eleição deste ano

Talita Fernandes , Reynaldo Turollo Jr. , Marina Dias e Letícia Casado | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Disposto a estabelecer um novo modelo à frente do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro fez um discurso conciliatório nesta segunda (10), em que afirmou que governará para todos os brasileiros, sem distinções, e ressaltou que o poder popular “não precisa mais de intermediação”.

Diplomado presidente da República em cerimônia no Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro foi orientado por auxiliares a fazer um pronunciamento “mais solene”, no qual pediu a confiança inclusive dos que não o apoiaram em outubro. Além disso, fez acenos à Justiça Eleitoral, criticada por ele durante toda a campanha.

“As eleições revelaram uma realidade distinta das práticas do passado. O poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias permitiram nova relação direta entre o eleitor e seus representantes”, declarou.

Bolsonaro foi eleito com forte presença nas redes sociais e pouquíssimo tempo de propaganda eleitoral de TV.

“Serei presidente dos 210 milhões de brasileiros, governarei em benefício de todos, sem distinção de origem social, raça, sexo, cor, idade ou religião”, completou.

Durante quase três décadas de vida pública, Bolsonaro fez discursos contra minorias. Como presidente, ponderam aliados, o capitão reformado precisará rever o tom de algumas de suas falas pelo menos em eventos como o de sua diplomação.

Antes de subir ao púlpito para ler o discurso de cerca de dez minutos, Bolsonaro bateu continência a uma plateia repleta de autoridades e militares fardados, que o aplaudiam e o chamavam de “mito”.

Ainda dentro da linha conciliadora exaltou o processo eleitoral, tantas vezes criticado por ele, e disse que o compromisso com a soberania do voto popular é “inquebrantável”.

A presidente do TSE, Rosa Weber, defendeu os direitos humanos e as instituições democráticas em seu discurso durante a cerimônia.

“A democracia não se resume a escolhas periódicas, por voto secreto e livre, de governantes. Democracia é, também, exercício constante de diálogo e de tolerância, de mútua compreensão das diferenças, de sopesamento pacífico de ideias distintas, até mesmo antagônicas, sem que a vontade da maioria, cuja legitimidade não se contesta, busque suprimir ou abafar a opinião dos grupos minoritários, muito menos tolher ou comprometer-lhes os direitos constitucionalmente assegurados”, afirmou.

“Em uma democracia, maioria e minoria, como protagonistas relevantes do processo decisório, hão de conviver sob a égide dos mecanismos constitucionais destinados à promoção do amplo debate [...]. Mais do que isso: a todos os cidadãos, sem qualquer exclusão, se assegura um núcleo essencial de direitos e garantias que não podem ser transgredidos nem ignorados pelo simples fato de não refletirem em dado momento histórico a vontade dos grupos majoritários.”

MP investiga ex-motorista de Flávio Bolsonaro

Dados em contas bancárias dos parlamentares estaduais, inclusive do senador eleito Flavio Bolsonaro, filho mais velho do presidente eleito Jair Bolsonaro, foram apontados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras

Constança Rezende e Fábio Serapião | O Estado de S. Paulo

RIO / BRASÍLIA - O Ministério Público do Estado do Rio investiga movimentações atípicas em contas bancárias de assessores de 22 deputados estaduais do Estado, detectadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Um dos parlamentares cujos auxiliares estão sob investigação é o também senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente eleito Jair Bolsonaro. O ex-assessor do parlamentar Fabrício José Carlos de Queiroz, de acordo com relatório produzido pelo Coaf na Operação Furna da Onça, movimentou, de 1 de janeiro de 2016 a 31 de janeiro de 2017, R$ 1,2 milhão.

O Ministério Público Federal também teve acesso ao relatório do Coaf há cerca de seis meses, mas não encontrou indícios de envolvimento dos deputados citados no relatório com o esquema desmantelado por sua investigação em conjunto com a Polícia Federal. A investigação aborda crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, loteamento de cargos públicos e de mão de obra terceirizada, principalmente no Detran-RJ. Por não ter competência legal para investigar deputados estaduais por crimes não federais, essa parte ficou com o MPRJ.

O assessor Queiroz, que atuava como segurança e motorista, foi exonerado do gabinete de Flávio Bolsonaro em 15 de outubro deste ano. Ele também policial militar. O Coaf detectou que da sua conta saíram recursos depositados em nome da futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Diplomado, Bolsonaro celebra o fim da 'intermediação' do poder popular

Murillo Camarotto, Luísa Martins, Isadora Peron e Fabio Murakawa | Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente eleito Jair Bolsonaro disse em seu discurso de diplomação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ontem, que as redes sociais eliminaram a necessidade de intermediação para o exercício do que chamou de "poder popular". De acordo com ele, as eleições deste ano marcaram uma virada na relação entre a população e seus representantes.

"As eleições revelaram uma realidade distinta das práticas do passado. O poder popular não precisa mais de intermediação", afirmou Bolsonaro, cuja campanha teve nas redes sociais a principal ferramenta de difusão das ideias do então candidato, eleito com quase 58 milhões de votos.

Mesmo depois a vitória, Bolsonaro continua privilegiando a comunicação direta com a população. O anúncio oficial da maioria dos ministros que irão compor o próximo governo foi feito pelo presidente eleito em suas páginas nas redes sociais. Bolsonaro também mantém uma relação conflituosa com a imprensa.

A maior parte do discurso - que durou dez minutos - teve um tom conciliador. O presidente eleito pediu a confiança dos que não o apoiaram nas eleições e disse que pretende governar para todos os 200 milhões de brasileiros, "sem distinção de origem social, raça, sexo, cor, idade ou religião".

"Aos que não me apoiaram, peço sua confiança para construirmos juntos um futuro melhor para nosso país. Com humildade e tendo fé em Deus para iluminar minhas decisões, me dedicarei dia e noite ao objetivo que nos une: a construção de um país mais justo e seguro. Isso é o nosso norte", afirmou o presidente.

Entrevista - "PSL é frágil e incapaz de assegurar sustentação política"

Magna Inácio: "Bancadas temáticas não reúnem condições para formação de maiorias estáveis no contexto brasileiro"

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - Jair Bolsonaro definiu seus ministérios de maneira errática e oscilante, sem fazer um estudo aprofundado das estruturas burocráticas da máquina do Estado, opina a cientista política Magna Inácio, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, especializada em estudos sobre coalizões de governo.

Antes mesmo de o PSL, o partido do presidente, explicitar suas divisões internas, a professora afirmou, em entrevista ao Valor, que o partido de Bolsonaro é extremamente frágil e incapaz de lhe assegurar sustentação política no Congresso. Além de inexperientes, a maioria dos parlamentares "foram eleitos, em boa medida, por serem pessoas que tinham reputações ou visibilidade pessoal, então são pessoas que não vão ceder facilmente a qualquer pressão do governo se forem distintas daquelas que elas querem votar. É um partido que, embora grande, terá muito mais dificuldade para ter uma atuação coordenada e disciplinada dentro do Congresso."

Esta fragilidade talvez explique o fato de Bolsonaro ter feito um desenho de governo totalmente fechado, sem abrir negociações com partidos. Para a professora, não se sabe como o papel de liderança de Bolsonaro vai funcionar neste modelo. Ela crê, ainda, que a sucessão no Congresso vai ser fortemente influenciada pelos entes federativos, que ficaram sem espaço e sem interlocução no futuro governo, e buscarão, no Legislativo, um contraponto. 

Veja os principais trechos da entrevista:

Valor: Os ministérios do futuro governo foram definidos sem observância da composição partidária. O que se pode esperar desta coalizão?

Magna Inácio: O grupo predominante é egresso da área militar; há o grupo de tecnocratas com experiências em decisões políticas, como consultores do Legislativo e membros do governo Temer; e um grupo, bem menor, formado por políticos. Há dois elementos fundamentais para pensar a estratégia que esse governo vai assumir. Um é a estratégia de redesenho da própria estrutura de governo, com a criação de dois superministérios (Economia e Justiça). Os dois vão atuar com centralização decisória muito grande, pelas áreas que vão aglutinar, e outros ministérios que tiveram sua conformação redesenhada. Mudanças, de estruturas bastante consolidadas, com burocracias antigas e institucionalizadas, como o Ministério do Trabalho, requerem conhecimento profundo para que se possa pensar num mínimo de coerência interna e capacidade de articulação horizontal entre ministérios. O que permanece ainda como interrogação é quais são os objetivos do governo acerca desta reorganização.

Valor: Há indicativos de que não houve um estudo profundo deste redesenho, já que foram inúmeros recuos, vaivém, dúvidas?

Magna: O processo, como tem ocorrido, mostra que não se trata de uma proposta desenhada com base no conhecimento da máquina administrativa. Inclusive este processo de idas e vindas de alguns ministérios, a síndrome do "resisto ou não resisto". Como foi o caso da Funai, uma estrutura que tem importância política fundamental. Essa oscilação na montagem da estrutura de governo sugere um processo que está sendo pensando na transição, e com bastante incerteza da própria equipe.

Valor: O objetivo da restruturação parece ser o enxugamento da máquina. Quais seriam as consequências de se montar um ministério sem estudos detalhados?

Magna: O processo de transição errático e oscilante confirma que é um plano de governo que está sendo experimentado neste momento como ensaio e erro. Estamos a estratégia de centralizar decisões em algumas áreas e vincular a realização de certos objetivos de governo à gestão de pessoas muito leais e muito próximas àquilo que o governo quer ver aprovado, que são os casos da Economia, Justiça, e os postos dos generais da reserva próximos ao presidente. É o que a gente chama de politização, mas não no sentido de partidarização. É escolher pessoas com base na lealdade ou proximidade de posições que o governo defende. A supercentralização decisória na área da economia não pode ser dissociada da confiança e expectativas depositadas na gestão do Paulo Guedes. É a expectativa de que a pessoa tenha a capacidade excepcional de fazer funcionar esta estrutura e garantir estes objetivos. É uma dependência muito maior de pessoas do que de uma arquitetura institucional que indique coerência interna, clareza sobre como será feita a coordenação horizontal no governo.

A façanha de errar de véspera: Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo de Jair Bolsonaro & família ainda não começou, mas tem conseguido a façanha de errar antes da estreia, com explicações que, em vez de explicarem e esclarecerem, geram mais suspeitas. É lamentável o modo como Jair Bolsonaro e sua equipe vêm tratando o caso relativo ao ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente eleito.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou movimentação atípica, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, no valor de R$ 1,2 milhão, feita por Fabrício Queiroz, policial militar que, até 15 de outubro, estava lotado no gabinete de Flávio Bolsonaro. Segundo o Coaf, as movimentações são “incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira” do ex-assessor parlamentar.

O documento do Coaf foi anexado pelo Ministério Público Federal (MPF) à investigação que deu origem à Operação “Furna da Onça”, deflagrada no mês passado e que levou à prisão dez deputados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Entre as transações listadas, consta a compensação de um cheque de R$ 24 mil em favor da mulher do presidente eleito, Michelle Bolsonaro.

Em relação a esse cheque, Jair Bolsonaro disse que era o pagamento de uma dívida de Queiroz, e que não a declarara ao Imposto de Renda porque os repasses foram crescendo. “O empréstimo foi se avolumando e eu não posso, de um ano para o outro, (colocar) mais R$ 10 mil, mais R$ 15 mil. (...) Foi na (conta) da minha esposa, pode considerar na minha. Só não foi na minha por uma questão de mobilidade”, disse Jair Bolsonaro. Como se esclarecesse definitivamente o assunto, o presidente eleito ainda afirmou que “ninguém recebe ou dá dinheiro sujo com cheque nominal” e que sobre “a conta do Queiroz não tenho nada a falar”. Questionado pelo Estado sobre a movimentação financeira considerada atípica, Queiroz respondeu que não sabe “nada sobre o assunto”.

Ambiente tenso: Editorial | Folha de S. Paulo

Escolhas de Damares Alves e Ricardo Salles para ministérios ensejam previsões de polêmicas

Após cogitar fundir os ministérios da Agricultura e do Ambiente, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), fez sua última indicação de primeiro escalão ao designar o advogado Ricardo Salles para a segunda pasta. Apesar do abandono da ideia de fusão, a escolha indica que não será apaziguadora a gestão da área no futuro governo.

Nada a estranhar, para quem teve como bandeira de campanha a saída do Brasil do Acordo de Paris (2015). Bolsonaro já criticou mais de uma vez, também, unidades de conservação e terras indígenas como barreiras ao desenvolvimento.

Salles teve passagem conturbada pela secretaria paulista do Ambiente. Desgastou-se com ambientalistas, contrariou recomendações de técnicos e tornou-se réu em ação de improbidade administrativa por alegada adulteração em áreas de proteção de várzeas do rio Tietê.

Candidato não eleito a deputado pelo Partido Novo, Salles chamou atenção por associar seu número (3006) a um tipo de munição, a ser usada contra javalis, a esquerda e o MST. Em entrevista à Folha, mostrou comedimento, propondo só revisar práticas de fiscalização que reputa “ideológicas”, para restringi-las ao prescrito na legislação.

Evitou repetir opiniões anteriores contrárias a terras indígenas, dizendo não ser assunto de seu ministério. Foi evasivo sobre o aquecimento global (“discussão inócua”) e cauteloso sobre a alta do desmatamento (“falta qualificar o dado”).

Falta definir coordenação política: Editorial | O Globo

Sem isso, governo Bolsonaro pode fracassar, por melhor que sejam seus projetos de reforma e programa

Concluída no domingo a montagem de sua equipe de 22 ministros e diplomado ontem pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente eleito Jair Bolsonaro prepara-se para se submeter ao teste de vida real a partir de 1º de janeiro. Até a etapa vencida ontem, pode-se dizer que foi bem-sucedido, ao construir um ministério com dois fortes pilares, as duas superpastas da Economia e da Justiça e Segurança Pública.

Acerta, de fato, ao criar ministérios robustecidos, para enfrentar dois focos de sérias dificuldades para o Estado e a sociedade: o desajuste fiscal, gerado e mantido por uma previdência desajustada em relação ao estágio demográfico brasileiro, e ainda responsável por privilégios de castas incrustadas na máquina burocrática; e a longa crise de segurança pública, que chega a ameaçar o próprio estado democrático de direito.

Além disso, a pasta tratará da corrupção instalada no Estado por meio do conluio entre políticos e grandes empreiteiros, mas já sendo reprimida pelas instituições, embora haja mesmo a necessidade de ajustes na legislação, não só para evitar retrocessos no que já foi feito, mas também a fim de se avançar na prevenção. São corretas as escolhas do economista Paulo Guedes e do juiz Sergio Moro para os ministérios.

Por uma dessas coincidências, Bolsonaro repete o primeiro governo Lula (2003-2006), quando o petista montou uma equipe econômica à altura da crise daquele momento, causada pelo temor com a chegada do PT ao Planalto, o que provocou uma corrida contra o real. Com Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, o Banco Central presidido por Henrique Meirelles, e Joaquim Levy na Secretaria do Tesouro, a situação foi contornada, a inflação saiu da zona dos dois dígitos, e o PIB voltou a crescer.

Bolsonaro, como Lula, se equivoca em algumas nomeações de inspiração ideológica. A entrega do Ministério das Relações Exteriores para o jovem embaixador Ernesto Araújo, defensor de Trump em textos na rede social e publicações acadêmicas, cria preocupações com a necessidade de o Brasil não estabelecer alinhamentos automáticos, mais ainda no momento em que Estados Unidos e China, os dois maiores parceiros comerciais do país, estão em uma guerra de tarifas.

Indicadores sociais acentuam desafios do futuro governo: Editorial | Valor Econômico

O IBGE divulgou uma série de indicadores que põe em evidência a gravidade dos problemas sociais que o futuro presidente Jair Bolsonaro vai encontrar quando assumir o governo, daqui a menos de 20 dias. Na Síntese de Indicadores Sociais (SIS) o que sobressai é a desigualdade perversa da renda, educação, habitação e mercado de trabalho, problemas que devem ser enfrentados com soluções complexas e abrangentes.

O SIS mostrou que os dois anos de recessão de 2015 e 2016 e a fraca saída da crise em 2017 tiveram impacto bastante negativo na vida da população. O número de pobres, assim considerados os que têm menos de US$ 5,50 para viver por dia, conforme classificação do Banco Mundial, ou R$ 406 por mês, aumentou em 1,97 milhão de pessoas em 2017, ou 3,7%, passando de 52,8 milhões para 54,8 milhões. O grupo representa 26,5% da população e está concentrado no Nordeste, onde vivem 44,8% dos pobres do país, somando 25,5 milhões de pessoas. Já o número de pessoas na extrema pobreza, com renda inferior a US$ 1,90 por dia, ou R$ 140 por mês, aumentou mais, 12,6%, passando de 13,5 milhões em 2016 para 15,2 milhões de pessoas em 2017, de 6,6% para 7,4% da população do país.

Algumas peculiaridades tornam esse quadro mais severo. O percentual de crianças e adolescentes até 14 anos pobres passou de 42,9% para 43,5%; e a quantidade na pobreza extrema saltou 10% para 12,5%, que corresponde a 470 mil crianças a mais, totalizando 5,253 milhões. Vivendo com fome, problemas de saúde e de moradia, muito provavelmente a criança terá que começar a trabalhar cedo para complementar a renda da família e dificilmente poderá se dedicar aos estudos de modo regular.

João Gilberto - Nova ilusão

Affonso Romano de Sant’Anna: Arte-final

Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
quem toma uma por outra
confunde e mente.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Opinião do dia: Alberto Aggio

Mesmo numa conjuntura problemática, a democracia tem possibilitado aberturas tanto ao que se poderia chamar de hiperdemocracia (a democracia como critério para tudo) quanto ao hiperpluralismo (uma ampliação ilimitada de sensibilidades que invadem o espaço público). Mas, conforme Giovanni Orsina (La Democrazia del Narcisismo, 2018), a emergência de uma cultura narcísica, ao subjetivar todas as atividades, vem alterando o sentido do individualismo moderno. Essa cultura é uma obsessão baseada na incapacidade de perceber a própria pessoa e a realidade como duas entidades separadas e autônomas, de distinguir o que está dentro do que está fora, em suma, o objetivo do subjetivo.

A repercussão disso na política é devastadora. O cidadão, o individuo democrático, fechado em si mesmo, passa a não escutar mais, refuta interpretações e avaliações da realidade que venham de fora dele. Sua relação com o mundo é inteiramente determinada pelo filtro de uma perspectiva subjetiva não educada nem amadurecida pelo confronto. Onipotente, é incapaz de imaginar o futuro a não ser como espelho do desejo, sem mediações, avesso à política.

A irrupção da antipolítica nas sociedades contemporâneas, e no Brasil em particular, não pode ser reduzida ao “fantasma do populismo” nem ao maniqueísmo do embate entre democracia e fascismo. Recuperar a política como um desígnio moderno, sem polarizações estéreis, é o desafio do tempo presente.
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* Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp. ‘A irrupção da antipolítica’, O Estado de S. Paulo, 9/12/2018

Marcus André Melo: Governo e controles

- Folha de S. Paulo

Tudo depende de como Bolsonaro reagirá às instituições que não controla

“A escolha do presidente da República continua a constituir o maior drama do país, seu único drama.” Se é verdade o que afirma Hermes Lima, em 1955, vivemos agora o entreato: passado o momento da escolha, as expectativas voltam-se para o que vem pela frente. O que será o futuro governo Bolsonaro?

Os cenários foram antecipados pelo autor: “Se o presidente é dotado de forte personalidade e seu partido conta com maioria no Congresso, o Executivo, já poderoso pelo seu caráter unipessoal, impõe avassaladoramente sua vontade. Se o presidente é fraco, o Congresso toma o freio nos dentes. Em qualquer dessas hipóteses, não há colaboração, há predomínio”.

Para Lima, há assim um jogo de soma zero nas relações Executivo-Legislativo. Mas, na realidade, há ganhos de troca nessa relação e ambos podem beneficiar-se.

O modo default de funcionamento das relações Executivo-Legislativo é com predominância do presidente: o Executivo domina a agenda do Congresso, porque tem instrumentos regimentais para isso, dispõe da caneta para nomear, demitir e liberar recursos do Orçamento. A popularidade presidencial é crucial nesse jogo.

Assim, no modo normal de operação, é fácil construir maiorias porque para os parlamentares há incentivos para a cooperação, e o saldo líquido de custos e benefícios é positivo. A estratégia dominante para os atores é cooperar.

Vinicius Mota: 30 anos à luz do Sol

- Folha de S. Paulo

É profundo o contraste entre o Brasil do AI5, decretado há 50 anos, e o de hoje, em que as liberdades são plenas e a força se submete ao direito

Nesta semana completam-se 50 anos da decretação do quinto ato institucional da ditadura militar brasileira, que inaugurou a fase mais violenta do regime. Relembrar aquele mergulho repressivo revela um quadro de profundo contraste com a situação atual.

Há três décadas os brasileiros são regidos por uma Constituição democrática. As liberdades são plenas, partidos se alternam no poder, a força se submete ao direito, as chagas da ignorância, da pobreza e da desigualdade são combatidas, embora com resultados ainda insatisfatórios.

Ninguém desafia abertamente a ordem constitucional. Ideias tresloucadas de constituintes exclusivas, de intimidação do Judiciário e de cerceamento da imprensa não prosperam. Não há alternativa de fato à democracia, como houve de 1946 a 1964 no Brasil. Na Venezuela, na Turquia e na Hungria, o caminho alternativo nunca foi fechado. Aqui foi.

Populistas de esquerda e de direita eleitos têm de governar conforme as regras. Devem satisfação a diversas instâncias autônomas e respeito às decisões dos outros Poderes. Quem caminha pelas margens flerta com a ingovernabilidade, a impopularidade e a cadeia.

Leandro Colon: O Coaf no mensalão

- Folha de S. Paulo

Futuro ministro questionou papel do órgão no esquema investigado no governo Lula

“A pergunta é: onde é que estava o Coaf no mensalão?”, questionou Onyx Lorenzoni antes de abandonar entrevista na sexta (7) ao se irritar com a insistência dos repórteres para que comentasse as suspeitas sobre a movimentação financeira do motorista de Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito.

Falta memória ao futuro ministro da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro. As notas taquigráficas do Congresso podem ajudá-lo a recuperá-la. Às 10h21 do dia 10 de janeiro de 2006, uma terça-feira, foi aberta uma sessão da CPI dos Correios para ouvir o então presidente do Coaf, Antônio Gustavo Rodrigues.

Criada no ano anterior, a comissão parlamentar investigou o esquema do mensalão do governo Lula.

O deputado Onyx era o sub-relator de Normas de Combate à Corrupção e conduziu o depoimento do presidente do Coaf naquele dia, na sala 2 da ala Senador Nilo Coelho, no Senado. Foi o primeiro a indagá-lo sobre a atuação do órgão de controle financeiro do governo federal.

Onyx, aliás, agradeceu Rodrigues, em nome da CPI, pela presença. Depois de uma longa fala, o deputado perguntou sobre normas do Banco Central, eventuais falhas de fiscalização financeira e o alcance do Coaf.

Rodrigues detalhou o modelo de trabalho do órgão e seus limites de ação, sobretudo em relação a investigações em torno de uma transação considerada atípica. “Se você não tem outros elementos que circunstanciem aquela movimentação, diria que é praticamente impossível você chegar a identificar tudo”, disse.

Celso Rocha de Barros: Bolsonaro queima a largada

- Folha de S. Paulo

Depósito de assessor dispara todos os alarmes de quem investiga corrupção

A verdade é que ninguém estava pronto para um escândalo desses já agora.

Acabamos de sair da pior campanha eleitoral de nossa história, e mesmo os derrotados da eleição estavam aproveitando a trégua para respirar e se reorganizar. A maioria dos eleitores brasileiros votou em Bolsonaro, e, como convém a maiorias eleitorais no mês entre a eleição e a posse, ainda se permite ter esperança com o novo governo. Em não se tratando de reeleição, alguma lua de mel sempre é concedida ao recém-eleito.

Até porque, qual a probabilidade de aparecer uma denúncia de corrupção quente, antes da posse, que não tenha aparecido na campanha?

Pois é.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou que Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador recém-eleito Flávio Bolsonaro, movimentou em 2016 e 2017 muito mais dinheiro do que poderia, plausivelmente, ter ganho com suas fontes de renda conhecidas. Entre os vários depósitos suspeitos feitos por Fabrício, R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro, nossa nova primeira-dama.

O presidente recém-eleito, aparentemente, achou que ainda não estava suficientemente envolvido no escândalo e resolveu dizer que ele, Jair Bolsonaro, emprestou dinheiro para Fabrício Queiroz e que o depósito para a primeira-dama seria pagamento do empréstimo.

Olha, sinceramente, se era para inventar um negócio desses, era melhor ter pedido ajuda ao Olavo. Ele teria contado que Queiroz era do Foro de São Paulo, que o dinheiro havia sido roubado por George Soros usando a Lei Rouanet, que Bolsonaro nasceu no Quênia, enfim, algo que tampouco nos convenceria, mas, ao menos, nos manteria entretidos.

Assessor de político depositando dinheiro para a família do chefe é o tipo de coisa que dispara todos os alarmes de quem investiga corrupção. Na mesma hora em que as denúncias foram publicadas, por exemplo, o cientista político Sérgio Praça lembrou do caso do esquema de distribuição de dinheiro de PC Farias no governo Fernando Collor.

E, falando em gente que investiga corrupção, o que Sergio Moro pretende fazer? O novo ministro da Justiça não poderá continuar evitando perguntas sobre o assunto, e é bem ruim que as tenha evitado até agora.

Se um acusado da Lava Jato, sentado no banco dos réus, contasse essa história do empréstimo, Moro acreditaria?

Os bolsonaristas sabem que sofreram um golpe duro. Excepcionalmente, a bolsosfera calou-se. 

Fernando Limongi: A política familiar

- Valor Econômico

Um enredo conhecido que já se repetiu vezes sem conta

O dia da família, 8 de dezembro, não foi comemorado pelos Bolsonaro. A efeméride não gerou as esperadas mensagens na rede social, talvez porque os negócios da família, suas amizades e dívidas, tenham ocupado o noticiário. Cheques depositados na conta da futura primeira dama precisaram ser explicados e, como de costume, contabilizados como dívidas pessoais de um velho amigo que se perdeu pelo caminho.

Não é de hoje que os negócios dos amigos e dos familiares são fontes de embaraço para políticos. O enredo é conhecido e se repetiu vezes sem conta.As iniciativas do filho de Lula que ocuparam o noticiário durante a semana estão aí para comprovar. Há sempre um empresário a postos para bancar a aventura em troca das oportunidades que a proximidade com o poder gera.

Magno Malta, o puxador oficial das preces presidenciais, não chegou a ministro porque, para usar a expressão cunhada por Jacques Wagner, começou a se lambuzar com as sinecuras do poder antes mesmo de ocupar o cargo. A generosidade do empresário Eraí Maggi para com Malta, cedendo aeronaves para facilitar deslocamentos do candidato, não foi interpretada como um ato de comprometimento com a defesa da família, da pátria e dos bons costumes. A dupla Malta e Eraí já dava como certo até que emplacariam Adilton Sachetti no Ministério da Agricultura. Malta não resistiu ao escrutínio dos lotados na equipe de transição. Aparentemente, outros tantos aliados de primeira hora não obtiveram o aval da equipe por razões similares. Eraí Maggi, com certeza, não foi o único a investir recursos para usufruir da intimidade do novo núcleo do poder.

Obviamente, políticos e membros da 'entourage' presidencial não se distinguem dos lotados nos demais poderes. Não por acaso, o Conselho Nacional de Praticagem (CONAPRA) se lembrou de incluir os Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio entre os convidados a participar do seminário que promoveu em Búzios, no Ferradura Resort. Entre os palestrantes, destacou-se Rodrigo Fux, filho do ministro Luiz Fux, que representa a CONAPRA em causa a ser julgada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Ao explicar o papel do prático, o Ministro Marco Aurélio evidenciou porque sua presença era imprescindível: "É um verdadeiro comandante. Ele assume o navio para a entrada no porto. Ele que conhece os aspectos alusivos ao porto, inclusive os canais existentes."

Denis Lerrer Rosenfield*: Quebra-cabeça

- O Estado de S.Paulo

Equipe do novo governo parece não se entender quanto à urgência de reformar a Previdência

Ideias que levam um candidato a conquistar a Presidência da República não são necessariamente as que o levam a governar. Conquistar o apoio da população pressupõe ganhar a opinião pública por meios retóricos, que não são os que podem ajudar a resolver os problemas mais urgentes do País. Um candidato deve, muitas vezes, escolher entre dizer a verdade sobre a situação econômica ou ocultá-la, esperando, entrementes, ganhar os corações.

Acontece que a conquista dos corações pode ou não coincidir com escolhas racionais, baseadas em argumentos para transformar o País. É muito mais fácil eleitoralmente prometer empregos, como se fosse possível criá-los por passe de mágica, do que produzir riquezas, pressupondo contas públicas saneadas e assumindo a responsabilidade fiscal. Pouco foi dito, afora generalidades, sobre a necessidade de uma reforma da Previdência como condição para que o Brasil volte a crescer de forma sustentável.

O discurso do candidato Jair Bolsonaro foi, sobretudo, baseado na luta contra a corrupção, o resgate de valores conservadores e o combate ao petismo. Suas tiradas foram muito pertinentes e ele soube fazer excelente uso das redes sociais. No que toca a esses pontos, pode-se dizer que a formação de sua equipe é coerente com o que foi proposto eleitoralmente.

Todavia as ideias de combate à corrupção e os valores morais e religiosos não são de nenhuma valia para a condução da economia de um país, salvo a honestidade no tratamento dos negócios públicos. Nada nos dizem sobre a necessidade, inelutável, de uma reforma da Previdência para o saneamento das contas públicas e a redução da dívida pública. Se nada for feito rapidamente, é o destino do Brasil e do próprio governo que estará em jogo. Aqui, a retórica e a demagogia terão alcance muito limitado. A verdade aparecerá logo ali, dentro de um ano ou, no máximo, dois.

Fernando Gabeira: Um cão no supermercado

- O Globo

Percorrer o Brasil atenua o impacto das más notícias. A imprensa não pode deixar de divulgá-las: são parte da realidade

Florianópolis. De novo na estrada. Glória a Deus. Digo isso porque no período eleitoral entrevistei o Cabo Daciolo. No final da entrevista, me convidou para ser ministro de seu governo. Daciolo esperava vencer, no primeiro turno, com 51%. Aceitei o convite mas lembrei: “Olha, Daciolo, Deus costuma escrever certo por linhas tortas.” Tínhamos que estar preparados para a derrota.

Portanto, glória a Deus: de novo peregrinando pelo Brasil, constato o valor dessa escolha.

No meio da semana, telefonei para casa e soube de uma notícia triste: um cachorro foi morto a golpes de barra de ferro, no supermercado Carrefour. Logo na semana em que o cachorro do velho Bush comoveu o mundo deitado defronte ao caixão de seu dono.

Estava no meio de um trabalho com cachorros. Não podia fugir desse tema. Passei a tarde seguindo um cão-guia e seu dono pelas ruas de Camboriú, Itajaí e Navegantes.

É uma história sobre a escola de cães-guia Helen Keller, em Camboriú. A cadela se chama Alegria e é tão importante para o seu dono que ele tatuou no braço o nome e a pata de sua amiga. Impressionante segui-los, pois ela é muito concentrada, ignora latidos, paqueras e segue no caminho de casa perto do hospital de Navegantes.

Esta semana, conheci também Atobá, um labrador de cara grande. Ele é chamado de Doutor Atobá no Hospital Joana de Gusmão, onde faz um trabalho. Brinca com crianças com câncer e às vezes as acompanha nos seus dias finais.

Além disso, Atobá ajuda na terapia de crianças que sofreram paralisia cerebral ao nascer e ajuda os que têm problema de mobilidade.

Rosiska Darcy de Oliveira: A ministra e as mulheres

- O Globo

Eleito em pleito democrático, o presidente Bolsonaro, no uso de seu direito, escolheu uma pastora da Igreja Quadrangular, Damares Alves, para a pasta que cuidará de Mulheres, Família e Direitos Humanos.

A ministra tem opinião formada sobre o que é ser mulher: “A mulher nasceu para ser mãe e o homem protetor, cuidador e provedor”. De que mulheres e homens está falando?

Será ministra de um país em que mulheres ocupam a metade do mercado de trabalho, a natalidade vem caindo sem nenhum programa de planejamento familiar, por livre escolha das mulheres. O aumento da escolaridade abriu para elas outros horizontes, o que não significa que não criem os filhos que têm com dedicação e amor. O número de lares brasileiros chefiados por mulheres saltou de 23% para 40% em 20 anos segundo os dados do Ipea.

A ministra quer um país sem aborto e diz que não tratará do assunto. No Brasil, os abortos clandestinos são mais de um milhão por ano, refletindo uma política de prevenção precária e um tempo em que as mulheres exercem a liberdade de decidir quando querem ser mães. Um país sem aborto seria o resultado da eficácia mágica de uma politica pública ou da repressão que punisse o aborto como crime, na contramão de um mundo em que a maioria das democracias ocidentais já o descriminalizou?

Cacá Diegues: O sorriso do professor

- O Globo

No antigo curso ginasial de meu colégio de adolescente, havia um professor de Português que nos enjoava sempre com seu ar de tristeza e pessimismo, sobretudo quando saía um pouco do currículo previsto e se punha a dissertar sobre algum acontecimento político que tivesse ocupado recentemente os jornais. Um fracasso qualquer.

Uma manhã, o tal professor chegou à sala de aula parecendo feliz, sorrindo pelos quatro cantos da boca. (Bem, sei que a boca só tem dois cantos, mas vamos exagerar um pouco, para melhor entender o professor). Como sabíamos que ele era um solteiro inveterado, suspeitamos de que se tratasse de alguma conquista amorosa em seu solitário destino. Mas não era.

Não demorou muito e o professor, sem conseguir se controlar, começou a elogiar uma vitória política qualquer, contra uma tirania qualquer, em algum lugar do mundo, talvez até no próprio Brasil. Ele arriscava assim sua pele de mestre, num colégio que nem primava tanto pela liberdade de expressão. Muito menos quando essa liberdade protegia expressão contrária ao pensamento dominante dos padres de plantão e no poder do colégio, considerado o melhor e dos mais selecionados do Rio de Janeiro.

O dia inteiro foi de chacota e comemorações que, naquele tipo de conversa, uma coisa não existia sem a outra. O professor fazia com que seus superiores, os sacerdotes que mandavam nele, não percebessem o que se passava na sala de aula. Aquela era uma vitória particular sua, saída da vitória política conquistada no noticiário do dia, que o fazia tão leve, sorridente e cheio de imaginação. O professor comemorava sozinho a liberdade conquistada em outro continente, por outro povo, enquanto nós, que gostávamos tanto dele (ou, no mínimo, achávamos tanta graça nele), tentávamos compreender o que se passava em sua cabeça ou em seu coração. Por que estava tão alegre o nosso sorumbático adulto exemplar.

Nunca havia visto antes uma pessoa rir tanto para dentro, como se o sorriso só servisse a ele mesmo e a mais ninguém. Nem mesmo a nós, que ele sabia que o amávamos tanto.

Marcus Pestana: Mais saúde, mais médicos

- O Tempo (MG)

A saúde é prioridade absoluta e desafio permanente. A reforma sanitária brasileira inverteu o modelo assistencial, colocando a atenção primária como centro organizador do sistema. Além das ações de prevenção, vigilância em saúde e promoção da saúde, é preciso que as equipes da estratégia de saúde da família tenham resolutividade clínica.

A estratégia da saúde da família conseguiu muitos avanços e êxitos. Mas a expansão do programa não é nada fácil num país continental como o Brasil e de tamanha diversidade.

Na organização das redes assistenciais, tendo com núcleo gravitacional a saúde da família, o maior gargalo é o capital humano, principalmente em relação aos médicos. Há diversos problemas: formação médica, descentralização territorial, fixação dos profissionais para a consolidação de laços permanentes com a população, educação permanente em trabalho, organização do mercado de trabalho, padrões salariais.

Há mais de 400 mil médicos no Brasil. Temos mais de dois médicos atuando no país por cada mil habitantes. Índice próximo aos de países como Estados Unidos, Japão e Canadá. O problema é a distribuição regional. Mais de 55% atuam no Sudeste brasileiro. Mais de 55% dos profissionais estão nas capitais, que representam apenas 24% da população.

Para suprir os vazios assistenciais, o governo federal concebeu o programa Mais Médicos. Sempre opinei no Congresso que seria uma saída paliativa e não sustentável. As relações trabalhistas são precárias, e a qualidade da assistência é questionável.

Cida Damasco: Expectativas ‘fatiadas’

- O Estado de S.Paulo

Vacilos de Bolsonaro expõem insegurança sobre Previdência mais adequada ao País

A semana terminou com uma “nova” reforma da Previdência. Fatiada, inicialmente restrita à fixação da idade mínima e talvez escorada na proposta de Temer. Aquela proposta execrada por Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil e até o momento formalmente responsável pela articulação política do governo Bolsonaro. Mais um capítulo da interminável série “O que fazer com a Previdência”, que tem no mínimo um “spoiler” por semana e um enredo em constante mutação. Sabe-se lá, portanto, qual será a reforma que vai vingar das conversas dos próximos dias.

Não há sombra de dúvida que a reforma da Previdência é o objeto dos desejos dos mercados e do setor produtivo e foco dos planos de ajuste fiscal que circulam há bom tempo nos debates acadêmicos e políticos – e ganharam eco, inclusive, na campanha eleitoral. Mas, pelo número de vezes que o futuro presidente e seus assessores anunciaram os rumos da reforma e pelo número de vezes que eles recuaram nesses rumos, dá para imaginar que, na melhor das hipóteses, não há segurança no grupo de Bolsonaro sobre qual é a reforma mais adequada para as necessidades do País. Por mais adequada, entenda-se a mais eficiente para evitar o colapso das finanças públicas, a mais capacitada para ajudar a reduzir as desigualdades sociais e, por fim, a mais viável para emplacar no Congresso.

Bolsonaro declarou na semana passada que a reforma começaria pela fixação de uma idade mínima “dois anos acima”, sem especificar de que base esse cálculo partiria – hoje não há idade mínima e, na proposta formatada no governo Temer e estacionada no Congresso, foram estabelecidos pisos de 65 e 62 anos, respectivamente para homens e mulheres. Essa parte, segundo Bolsonaro, teria condições de ser votada ainda no primeiro semestre de 2019. O restante ficaria para depois. O futuro presidente também não disse mais nada sobre o que está incluído nesse restante, mas é possível concluir que se refere, por exemplo, a mudanças importantes para equiparar os sistemas de aposentadoria dos servidores públicos com os dos trabalhadores do setor privado, outro ponto fundamental da reforma.

Fabio Graner: Previdência: reforma, mitos e virtudes

- Valor Econômico

Previdência retira 31 milhões de brasileiros da pobreza

A discussão sobre reforma da Previdência ganhou do Ministério da Fazenda na semana passada uma prova sobre como esse debate ainda está mal colocado na sociedade brasileira.

No balanço da gestão econômica do governo Michel Temer e nas perspectivas para o próximo mandato, o sistema de aposentadorias e pensões é tratado simplesmente como uma fonte de rombos fiscais e desigualdade social. O texto se apoia em cálculos mostrando que apenas 3% dos benefícios iriam para os 20% mais pobres do país, enquanto 41% iriam para os 20% dos brasileiros mais ricos.

Sem entrar no mérito do que mostram os números (o material não explicita como se chegou a eles), é possível dizer que esse é um tipo de meia-verdade que dificulta o processo de convencimento da população, representada pelos parlamentares no Congresso, sobre a necessidade de reforma.

Para quem olha com algum cuidado os números da Previdência, não há muitas dúvidas de que há algo errado e de que o sistema precisa ser ajustado. Os que contestam essa necessidade parecem defender algum tipo de teoria econômica exótica que ignora a realidade.

O Brasil é, por exemplo, um dos raros países onde não há idade mínima para se requerer aposentadoria. Definir uma regra alinhada com a elevada e crescente expectativa de vida, bem como critérios para transição são necessidades urgentes para garantir a sustentabilidade do sistema.

Além disso, há outros problemas a serem corrigidos, como a disparidade entre os regimes público e privado, em que está a grande injustiça do sistema. É claro que se deve caminhar para uma unificação de regras que não só traga melhores resultados fiscais, mas também estimule maior poupança da bem remunerada casta dos funcionários do governo, incluindo os militares.

Ainda assim, não é saudável tratar a Previdência como se fosse apenas um manancial de problemas para o Brasil. Documento periódico produzido pela Secretaria de Previdência aponta que os benefícios pagos "produzem impactos significativos sobre o nível de pobreza da população", retirando dessa condição cerca de 31 milhões de pessoas.

Pelas contas apresentadas no "Informe de Previdência" de junho, sem o pagamento de aposentadorias e pensões pelo INSS, quase 93 milhões de brasileiros estariam na pobreza (ante os 62 milhões efetivamente verificados em 2017). Isso foi ignorado no material da semana passada, bem como nos discursos econômicos realizados nos últimos dois anos.

Em grande medida, é por esse impacto gigantesco sobre a vida real de dezenas de milhões de brasileiros que esse tema é alvo de tanta resistência e temor dos políticos - sem ignorar a ação dos poderosos lobbies de servidores contrários à perda de privilégios.

Ao enfatizar que apenas 3% da Previdência beneficia os 20% mais pobres, a Fazenda, talvez sem perceber, contribui também para a desconfiança em torno da ideia de reforma. A renda média do brasileiro é muito baixa, pouco acima de um salário mínimo, e a vasta maioria da população (mais de 80%) tem renda inferior a R$ 3 mil. Para economistas do governo, isso pode até ser considerado rico, mas certamente não é como se percebe a maioria das pessoas que, com suas aposentadorias e pensões, fecha com muito custo suas contas do mês.

A falta dessa sensibilidade ajuda a entender por que, além do fator Joesley Batista, o atual governo fracassou em aprovar seu projeto no Congresso, que na versão saída da Comissão Especial da Câmara já estava com um formato bastante razoável.

Nesse sentido, é preciso que a equipe econômica e a articulação política do futuro governo, que ainda patina na definição de uma reforma a ser encampada no próximo ano, tenham clareza da importância dos benefícios previdenciários para o cotidiano das pessoas mais necessitadas do país.

Não basta dizer que é preciso reformar para que o país não quebre e se possa pagar aposentadorias no futuro. Tampouco é suficiente dizer que o sistema tem injustiças graves, ignorando que ele representa a sobrevivência de muitas pessoas.

Com seu jeito peculiar, coube ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, fazer na semana passada a declaração mais sensata sobre o assunto. Ao defender um processo fatiado de mudança nas regras para aposentadorias e pensões, ele aponta na direção que tem mais chance de a reforma ser bem-sucedida. Um processo gradual ajudaria na conquista da confiança da sociedade, sobretudo dos mais pobres.

Se conseguir aprovar pelo menos parte do que foi desenhado na Comissão Especial, como a idade mínima, uma regra de transição (mesmo que suave) e a convergência de regimes, o futuro governo já terá dado uma contribuição e tanto para a sustentabilidade fiscal do país no longo prazo. E é possível fazer isso sem que se anuncie o caos ou se fabrique mitos.