Folha de S. Paulo
Nas corporações e nos porões institucionais,
tramam-se agendas paralelas que tentam reger a vida política
Numa série sobre ovnis, em meio a depoimentos de cientistas e militares, um deles justifica o acobertamento do fenômeno até para presidentes americanos: "O que faria Trump com esse segredo..." Jimmy Carter, único publicamente interessado na matéria, foi bloqueado por George Bush, então diretor da CIA. Verdadeiras ou não, as informações seriam apanágio de uma camada específica de poder, composta por militares, empresários e especialistas em engenharia reversa.
A olhos públicos, esse assunto oscila entre o
ridículo e teorias da conspiração. Mas é plausível a hipótese de uma esfera de
conhecimento isolada e protegida no âmago de uma potência mundial. Longe de
entidade unitária, o Estado é um sistema de mediações jurídicas, políticas,
empresariais, uma das quais pode se erigir em contrapoder paralelo. Dwight
Eisenhower, o 34º presidente americano (1953-61), já advertia contra a
hipertrofia do complexo industrial-militar. As inovações mais decisivas nos
domínios bélico, científico e comercial, vedadas ao público, resultam da
imbricação de militares e indústrias. Big techs são aspirantes recentes à
parceria.
É assim possível conceber um político
chegando ao topo para descobrir que o poder total não está mais lá. Acontece na
superpotência, também em países periféricos onde o capitalismo financeiro
redefine o território nacional por quantificação da vida e extração de recursos
naturais. Nas corporações e nos porões institucionais, tramam-se agendas
paralelas que tentam reger a vida política.
Antitética ao princípio de representação
democrática, a razão digital e algorítmica é uma nova forma de extrativismo,
alheia a questões de soberania. Implica uma reordenação social em que a
política partidária se afigura como letra morta, da qual as estruturas montadas
ainda não conseguem se desvencilhar. Destituídos de poder real, os políticos
programados para ocupar posições de governo encenam o roteiro formal das regras
parlamentares, mas como simulação da legitimidade representativa perdida.
Desse modo, a corrupção preenche formas
vazias: escudado na Constituição em torno de seus próprios interesses, um
parlamento pode isolar-se como máquina pública de chantagem. Entre nós,
articulada a golpismo e crime organizado. Aos governantes, sem o monopólio dos
discursos de escolhas e decisões que mantêm o sistema social, abre-se a avenida
do histrionismo: interpretação burlesca de si mesmo e demanda exibicionista de
atenção, sem o senso de decência que ao menos aparentava a direita liberal. Mas
com método: detrás da palhaçada, o caos institucional atende à camada das sombras,
um consórcio conjuntural de interesses extrativistas.
Modelos ativos: Trump e Milei.
Condenado Bolsonaro,
fica o bolsonarismo como "uma mistura tóxica de conspiração,
ressentimento, fervor religioso e nostalgia da ordem militar" (Andre
Pagliarini, brasilianista). Trump, agora sem bravata, lamentou: "Uma coisa
terrível, eu pensava que ele era um bom homem". A isso se agarram as
sombras, sem pátria, com a mesma esperança crédula em disco voador.
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