domingo, 14 de setembro de 2025

Sombras ocultas do poder. Por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Nas corporações e nos porões institucionais, tramam-se agendas paralelas que tentam reger a vida política

Numa série sobre ovnis, em meio a depoimentos de cientistas e militares, um deles justifica o acobertamento do fenômeno até para presidentes americanos: "O que faria Trump com esse segredo..." Jimmy Carter, único publicamente interessado na matéria, foi bloqueado por George Bush, então diretor da CIA. Verdadeiras ou não, as informações seriam apanágio de uma camada específica de poder, composta por militares, empresários e especialistas em engenharia reversa.

A olhos públicos, esse assunto oscila entre o ridículo e teorias da conspiração. Mas é plausível a hipótese de uma esfera de conhecimento isolada e protegida no âmago de uma potência mundial. Longe de entidade unitária, o Estado é um sistema de mediações jurídicas, políticas, empresariais, uma das quais pode se erigir em contrapoder paralelo. Dwight Eisenhower, o 34º presidente americano (1953-61), já advertia contra a hipertrofia do complexo industrial-militar. As inovações mais decisivas nos domínios bélico, científico e comercial, vedadas ao público, resultam da imbricação de militares e indústrias. Big techs são aspirantes recentes à parceria.

É assim possível conceber um político chegando ao topo para descobrir que o poder total não está mais lá. Acontece na superpotência, também em países periféricos onde o capitalismo financeiro redefine o território nacional por quantificação da vida e extração de recursos naturais. Nas corporações e nos porões institucionais, tramam-se agendas paralelas que tentam reger a vida política.

Antitética ao princípio de representação democrática, a razão digital e algorítmica é uma nova forma de extrativismo, alheia a questões de soberania. Implica uma reordenação social em que a política partidária se afigura como letra morta, da qual as estruturas montadas ainda não conseguem se desvencilhar. Destituídos de poder real, os políticos programados para ocupar posições de governo encenam o roteiro formal das regras parlamentares, mas como simulação da legitimidade representativa perdida.

Desse modo, a corrupção preenche formas vazias: escudado na Constituição em torno de seus próprios interesses, um parlamento pode isolar-se como máquina pública de chantagem. Entre nós, articulada a golpismo e crime organizado. Aos governantes, sem o monopólio dos discursos de escolhas e decisões que mantêm o sistema social, abre-se a avenida do histrionismo: interpretação burlesca de si mesmo e demanda exibicionista de atenção, sem o senso de decência que ao menos aparentava a direita liberal. Mas com método: detrás da palhaçada, o caos institucional atende à camada das sombras, um consórcio conjuntural de interesses extrativistas.

Modelos ativos: Trump e Milei. Condenado Bolsonaro, fica o bolsonarismo como "uma mistura tóxica de conspiração, ressentimento, fervor religioso e nostalgia da ordem militar" (Andre Pagliarini, brasilianista). Trump, agora sem bravata, lamentou: "Uma coisa terrível, eu pensava que ele era um bom homem". A isso se agarram as sombras, sem pátria, com a mesma esperança crédula em disco voador.

 

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