O governo de Jair Bolsonaro & família ainda não começou, mas tem conseguido a façanha de errar antes da estreia, com explicações que, em vez de explicarem e esclarecerem, geram mais suspeitas. É lamentável o modo como Jair Bolsonaro e sua equipe vêm tratando o caso relativo ao ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente eleito.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou movimentação atípica, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, no valor de R$ 1,2 milhão, feita por Fabrício Queiroz, policial militar que, até 15 de outubro, estava lotado no gabinete de Flávio Bolsonaro. Segundo o Coaf, as movimentações são “incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira” do ex-assessor parlamentar.
O documento do Coaf foi anexado pelo Ministério Público Federal (MPF) à investigação que deu origem à Operação “Furna da Onça”, deflagrada no mês passado e que levou à prisão dez deputados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Entre as transações listadas, consta a compensação de um cheque de R$ 24 mil em favor da mulher do presidente eleito, Michelle Bolsonaro.
Em relação a esse cheque, Jair Bolsonaro disse que era o pagamento de uma dívida de Queiroz, e que não a declarara ao Imposto de Renda porque os repasses foram crescendo. “O empréstimo foi se avolumando e eu não posso, de um ano para o outro, (colocar) mais R$ 10 mil, mais R$ 15 mil. (...) Foi na (conta) da minha esposa, pode considerar na minha. Só não foi na minha por uma questão de mobilidade”, disse Jair Bolsonaro. Como se esclarecesse definitivamente o assunto, o presidente eleito ainda afirmou que “ninguém recebe ou dá dinheiro sujo com cheque nominal” e que sobre “a conta do Queiroz não tenho nada a falar”. Questionado pelo Estado sobre a movimentação financeira considerada atípica, Queiroz respondeu que não sabe “nada sobre o assunto”.
Não bastasse a falta de clareza em tema tão sensível, o futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tratou o caso como se fosse perseguição da imprensa contra Jair Bolsonaro. “Quero pedir para a imprensa que nos acompanha, por favor, uma trégua, em nome do Brasil”, disse Onyx Lorenzoni na sexta-feira passada.
“Algumas áreas da imprensa brasileira abriram francamente um terceiro turno. Temos nossas limitações, nossas dificuldades. Vamos fazer um grande pacto. Não ganhamos carta em branco. Sabemos que temos oposição. Temos tido todo respeito do ponto de vista do futuro do nosso país. A partir do dia 1.° de janeiro, quando o governo assumir e tiver diretriz, aí sim, se estiver errado, critica”, afirmou Lorenzoni.
É preocupante a confusão feita por ele. A governabilidade exige clareza de informações e não comporta explicações pela metade, muito menos por parte de quem se elegeu proclamando a alvorada da honestidade na política. Não há nenhuma tentativa de terceiro turno. O presidente eleito para assumir o Palácio do Planalto no dia 1.º de janeiro de 2019 é Jair Bolsonaro e, justamente por isso, deve à população explicações consistentes, bem fundamentadas, sobre assunto que afeta sua família, que teve e tem grande influência sobre a política nacional. Eleito com a bandeira de uma nova moralidade pública – repetimos –, Jair Bolsonaro não pode deixar dúvidas sobre a lisura de seus familiares no trato de dinheiro.
Pedir trégua à imprensa, atribuindo o caso a uma injusta perseguição, beira a irresponsabilidade. Além de revelar completo desconhecimento do papel da imprensa num Estado Democrático de Direito, a declaração de Onyx Lorenzoni traz dúvidas sobre a capacidade do futuro governo de lidar com situações adversas.
A equipe de Bolsonaro parece não se dar conta de que, em menos de um mês, terá a responsabilidade de governar o País. Enfrentará problemas muito mais sérios do que este. Precisará, por isso, demonstrar maturidade, seja para esclarecer as questões que virão à tona, seja para não criar novos problemas.
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