domingo, 14 de setembro de 2025

A segurança pública como direito universal. Por Raul Jungmann

Correio Braziliense

A segurança pública deve ser tratada como um direito de todos, com fontes de financiamento estáveis e com a União na liderança do sistema

A operação integrada da Polícia Federal, do Ministério Público de São Paulo e da Receita Federal, no coração financeiro de São Paulo, oferece lições profundas. Entre elas, destaca-se a constatação de que o ciclo da segurança pública, tradicionalmente tratado como um serviço voltado apenas para as populações mais vulneráveis, chegou ao fim.

Muitos já comentaram a operação que ficou conhecida como Faria Lima, em referência à avenida que simboliza o mercado financeiro e a elite brasileira. No entanto, há um outro efeito que merece destaque: a necessidade urgente de tratar a segurança pública como um direito universal do cidadão, assim como ocorre com a saúde e a educação.

O episódio realça uma realidade alarmante: o crime organizado não é mais uma ameaça distante, mas uma força infiltrada de forma indiscriminada tanto nas camadas sociais mais altas quanto nas mais baixas. Já não é um inimigo externo, mas parte integrante do funcionamento do Estado e do setor privado, com uma infiltração que perdura por décadas, sem que o Estado brasileiro tenha desenvolvido uma resposta eficaz.

Quando a elite, antes apenas espectadora do crime organizado e autopatrocinadora de sua proteção — com segurança privada, condomínios fechados, guaritas, carros blindados, em contraste com as classes menos favorecidas —, torna-se também alvo e vítima, a segurança pública passa a ser percebida não como um privilégio, mas como um serviço essencial do Estado para todos.

Estamos diante de políticas públicas fragmentadas e desvinculadas de um sistema coeso e estruturado, que não enfrentam a raiz da violência e da insegurança. O resultado é a proliferação de propostas populistas que, ao invés de fortalecerem a democracia, ameaçam sua sustentação.

A operação Faria Lima deveria marcar o fim da política de enfrentamento à violência baseada apenas em mais violência. A ilusão de que a repressão bruta pode solucionar o problema da insegurança precisa ser superada. A resposta à violência exige a integração das três esferas de governo — União, estados e municípios — e deve ser baseada em uma abordagem estratégica, não em ações isoladas.

O sucesso dessa operação se deve, em grande parte, à integração das forças federais e estaduais, que permitiu desmantelar uma grande rede criminosa sem disparar um único tiro. Foi uma ação pautada em inteligência, compartilhamento de dados em canais seguros e rastreamento de produtos até a sua origem final.

A tramitação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) é um primeiro passo importante, mas insuficiente. Para que a segurança pública seja efetivamente reconhecida como um direito universal, é necessário que seja tratada de forma similar à saúde e à educação, com financiamento garantido pela seguridade social — ou seja, com recursos definidos e fontes identificadas.

Atualmente, os governadores pedem, em carta aberta, o retorno do Ministério da Segurança Pública, de que fui o primeiro e o último ministro. No entanto, sem uma reforma constitucional que reconheça a União como coordenadora do sistema, essa medida não terá o poder necessário para enfrentar o crime organizado — um fenômeno transnacional e sofisticado, em termos de logística, inteligência e armamento.

A exposição da vulnerabilidade da elite financeira e empresarial brasileira ao crime organizado é um reflexo de uma realidade global: o crime transnacional não conhece fronteiras sociais. A Faria Lima, tradicionalmente símbolo do poder econômico, agora é palco de prisões e operações de busca e apreensão, evidenciando que atingimos um limite crítico. Embora os sinais de alerta tenham surgido muito antes, a sociedade finalmente parece compreender que todos, sem exceção, são vítimas desse fenômeno.

Com muito ainda a ser feito, os exemplos da saúde e da educação mostram que a mudança é possível. O caminho que levou ambas as áreas a serem consideradas direitos universais deve ser estendido à segurança pública, que, assim como o direito à vida, está previsto na Constituição.

A segurança pública deve ser tratada como um direito de todos, com fontes de financiamento estáveis e com a União na liderança do sistema. Sem isso, a fragmentação das políticas de segurança nos Estados favorece o avanço do crime organizado, tornando impossível garantir o pleno exercício dos direitos civis, políticos e sociais.

Sem segurança, não há liberdade nem equidade. E, sem esses pilares, o Estado deixa de cumprir sua função fundamental de proteger seus cidadãos.

 

Nenhum comentário: