Correio Braziliense
A segurança pública deve ser tratada como um
direito de todos, com fontes de financiamento estáveis e com a União na
liderança do sistema
A operação integrada da Polícia Federal, do
Ministério Público de São Paulo e da Receita Federal, no coração financeiro de
São Paulo, oferece lições profundas. Entre elas, destaca-se a constatação de
que o ciclo da segurança pública, tradicionalmente tratado como um serviço
voltado apenas para as populações mais vulneráveis, chegou ao fim.
Muitos já comentaram a operação que ficou conhecida como Faria Lima, em referência à avenida que simboliza o mercado financeiro e a elite brasileira. No entanto, há um outro efeito que merece destaque: a necessidade urgente de tratar a segurança pública como um direito universal do cidadão, assim como ocorre com a saúde e a educação.
O episódio realça uma realidade alarmante: o
crime organizado não é mais uma ameaça distante, mas uma força infiltrada de
forma indiscriminada tanto nas camadas sociais mais altas quanto nas mais
baixas. Já não é um inimigo externo, mas parte integrante do funcionamento do
Estado e do setor privado, com uma infiltração que perdura por décadas, sem que
o Estado brasileiro tenha desenvolvido uma resposta eficaz.
Quando a elite, antes apenas espectadora do
crime organizado e autopatrocinadora de sua proteção — com segurança privada,
condomínios fechados, guaritas, carros blindados, em contraste com as classes
menos favorecidas —, torna-se também alvo e vítima, a segurança pública passa a
ser percebida não como um privilégio, mas como um serviço essencial do Estado
para todos.
Estamos diante de políticas públicas fragmentadas
e desvinculadas de um sistema coeso e estruturado, que não enfrentam a raiz da
violência e da insegurança. O resultado é a proliferação de propostas
populistas que, ao invés de fortalecerem a democracia, ameaçam sua sustentação.
A operação Faria Lima deveria marcar o fim da
política de enfrentamento à violência baseada apenas em mais violência. A
ilusão de que a repressão bruta pode solucionar o problema da insegurança
precisa ser superada. A resposta à violência exige a integração das três esferas
de governo — União, estados e municípios — e deve ser baseada em uma abordagem
estratégica, não em ações isoladas.
O sucesso dessa operação se deve, em grande
parte, à integração das forças federais e estaduais, que permitiu desmantelar
uma grande rede criminosa sem disparar um único tiro. Foi uma ação pautada em
inteligência, compartilhamento de dados em canais seguros e rastreamento de
produtos até a sua origem final.
A tramitação do Sistema Único de Segurança
Pública (Susp) é um primeiro passo importante, mas insuficiente. Para que a
segurança pública seja efetivamente reconhecida como um direito universal, é
necessário que seja tratada de forma similar à saúde e à educação, com
financiamento garantido pela seguridade social — ou seja, com recursos definidos
e fontes identificadas.
Atualmente, os governadores pedem, em carta
aberta, o retorno do Ministério da Segurança Pública, de que fui o primeiro e o
último ministro. No entanto, sem uma reforma constitucional que reconheça a
União como coordenadora do sistema, essa medida não terá o poder necessário
para enfrentar o crime organizado — um fenômeno transnacional e sofisticado, em
termos de logística, inteligência e armamento.
A exposição da vulnerabilidade da elite
financeira e empresarial brasileira ao crime organizado é um reflexo de uma
realidade global: o crime transnacional não conhece fronteiras sociais. A Faria
Lima, tradicionalmente símbolo do poder econômico, agora é palco de prisões e
operações de busca e apreensão, evidenciando que atingimos um limite crítico.
Embora os sinais de alerta tenham surgido muito antes, a sociedade finalmente
parece compreender que todos, sem exceção, são vítimas desse fenômeno.
Com muito ainda a ser feito, os exemplos da
saúde e da educação mostram que a mudança é possível. O caminho que levou ambas
as áreas a serem consideradas direitos universais deve ser estendido à
segurança pública, que, assim como o direito à vida, está previsto na
Constituição.
A segurança pública deve ser tratada como um
direito de todos, com fontes de financiamento estáveis e com a União na
liderança do sistema. Sem isso, a fragmentação das políticas de segurança nos
Estados favorece o avanço do crime organizado, tornando impossível garantir o
pleno exercício dos direitos civis, políticos e sociais.
Sem segurança, não há liberdade nem equidade.
E, sem esses pilares, o Estado deixa de cumprir sua função fundamental de
proteger seus cidadãos.
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