- Valor Econômico
Previdência retira 31 milhões de brasileiros da pobreza
A discussão sobre reforma da Previdência ganhou do Ministério da Fazenda na semana passada uma prova sobre como esse debate ainda está mal colocado na sociedade brasileira.
No balanço da gestão econômica do governo Michel Temer e nas perspectivas para o próximo mandato, o sistema de aposentadorias e pensões é tratado simplesmente como uma fonte de rombos fiscais e desigualdade social. O texto se apoia em cálculos mostrando que apenas 3% dos benefícios iriam para os 20% mais pobres do país, enquanto 41% iriam para os 20% dos brasileiros mais ricos.
Sem entrar no mérito do que mostram os números (o material não explicita como se chegou a eles), é possível dizer que esse é um tipo de meia-verdade que dificulta o processo de convencimento da população, representada pelos parlamentares no Congresso, sobre a necessidade de reforma.
Para quem olha com algum cuidado os números da Previdência, não há muitas dúvidas de que há algo errado e de que o sistema precisa ser ajustado. Os que contestam essa necessidade parecem defender algum tipo de teoria econômica exótica que ignora a realidade.
O Brasil é, por exemplo, um dos raros países onde não há idade mínima para se requerer aposentadoria. Definir uma regra alinhada com a elevada e crescente expectativa de vida, bem como critérios para transição são necessidades urgentes para garantir a sustentabilidade do sistema.
Além disso, há outros problemas a serem corrigidos, como a disparidade entre os regimes público e privado, em que está a grande injustiça do sistema. É claro que se deve caminhar para uma unificação de regras que não só traga melhores resultados fiscais, mas também estimule maior poupança da bem remunerada casta dos funcionários do governo, incluindo os militares.
Ainda assim, não é saudável tratar a Previdência como se fosse apenas um manancial de problemas para o Brasil. Documento periódico produzido pela Secretaria de Previdência aponta que os benefícios pagos "produzem impactos significativos sobre o nível de pobreza da população", retirando dessa condição cerca de 31 milhões de pessoas.
Pelas contas apresentadas no "Informe de Previdência" de junho, sem o pagamento de aposentadorias e pensões pelo INSS, quase 93 milhões de brasileiros estariam na pobreza (ante os 62 milhões efetivamente verificados em 2017). Isso foi ignorado no material da semana passada, bem como nos discursos econômicos realizados nos últimos dois anos.
Em grande medida, é por esse impacto gigantesco sobre a vida real de dezenas de milhões de brasileiros que esse tema é alvo de tanta resistência e temor dos políticos - sem ignorar a ação dos poderosos lobbies de servidores contrários à perda de privilégios.
Ao enfatizar que apenas 3% da Previdência beneficia os 20% mais pobres, a Fazenda, talvez sem perceber, contribui também para a desconfiança em torno da ideia de reforma. A renda média do brasileiro é muito baixa, pouco acima de um salário mínimo, e a vasta maioria da população (mais de 80%) tem renda inferior a R$ 3 mil. Para economistas do governo, isso pode até ser considerado rico, mas certamente não é como se percebe a maioria das pessoas que, com suas aposentadorias e pensões, fecha com muito custo suas contas do mês.
A falta dessa sensibilidade ajuda a entender por que, além do fator Joesley Batista, o atual governo fracassou em aprovar seu projeto no Congresso, que na versão saída da Comissão Especial da Câmara já estava com um formato bastante razoável.
Nesse sentido, é preciso que a equipe econômica e a articulação política do futuro governo, que ainda patina na definição de uma reforma a ser encampada no próximo ano, tenham clareza da importância dos benefícios previdenciários para o cotidiano das pessoas mais necessitadas do país.
Não basta dizer que é preciso reformar para que o país não quebre e se possa pagar aposentadorias no futuro. Tampouco é suficiente dizer que o sistema tem injustiças graves, ignorando que ele representa a sobrevivência de muitas pessoas.
Com seu jeito peculiar, coube ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, fazer na semana passada a declaração mais sensata sobre o assunto. Ao defender um processo fatiado de mudança nas regras para aposentadorias e pensões, ele aponta na direção que tem mais chance de a reforma ser bem-sucedida. Um processo gradual ajudaria na conquista da confiança da sociedade, sobretudo dos mais pobres.
Se conseguir aprovar pelo menos parte do que foi desenhado na Comissão Especial, como a idade mínima, uma regra de transição (mesmo que suave) e a convergência de regimes, o futuro governo já terá dado uma contribuição e tanto para a sustentabilidade fiscal do país no longo prazo. E é possível fazer isso sem que se anuncie o caos ou se fabrique mitos.
Privatizações
O número de R$ 802 bilhões calculado pelo Tesouro para o valor das empresas estatais é pouco relevante para uma mensuração do impacto fiscal do programa de privatizações que deve ser realizado no governo Bolsonaro.
Primeiramente porque o dado considera a venda de toda a carteira de empresas do governo (incluindo suas subsidiárias), o que já foi vetado pelo presidente eleito. Se não houvesse essa proibição, que o futuro ministro Paulo Guedes sonha em reverter, o maior impacto fiscal entre as grandes companhias seria gerado pela Caixa, dado que o governo detém 100% das ações da empresa.
Em segundo lugar, porque no caso de vendas de subsidiárias das grandes empresas o impacto fiscal é diferente, pois o Tesouro não detém ações diretamente. Nesse caso, o efeito no caixa federal só se dará por meio de dividendos e pela arrecadação de Imposto de Renda e Contribuição Social, cobrado sobre o ganho de capital obtido pelas empresas-mãe.
Além disso, hoje existem 138 empresas estatais federais, mas apenas 47 são de controle direto da União, sendo que 18 delas são empresas dependentes (contam com injeção de recursos do Tesouro). Ou seja, o maior impacto é de redução de despesa, e não de geração de caixa para abatimento da dívida pública, como quer Guedes.
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