terça-feira, 8 de outubro de 2019

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

É possível unir o centro democrático progressista, mas é preciso começar a trabalhar já.


*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República. O Estado de S. Paulo, 8/10/2019

Luiz Werneck Vianna* - A hipótese Bacurau

- Revista IHU On-Line.

Vive-se em tempos sombrios e arriscados, embora seja plausível a argumentação de que as condições de vida, em escala planetária, comparadas com as do passado, estejam conhecendo avanços como sustenta o economista Thomas Piketty em sua última obra, Capital e ideologia. As ameaças às conquistas civilizatórias que o Ocidente trouxe ao mundo não teriam origem na dimensão econômica que se beneficia com a incorporação da ciência ao sistema produtivo, e sim na da política, lugar em que se manifesta uma encarniçada reação às pressões, cada vez mais generalizadas e intensas, aos ideais e lutas por igual-liberdade em maré montante em todos os quadrantes da terra. Dissemina-se a percepção de que a raiz das desigualdades reinantes provém de privilégios protegidos pelos que detém o poder.

Nesse sentido, a marcha das coisas no mundo tem sido crescentemente adversa à reprodução do sistema de dominação atualmente existente, e daí as tresloucadas iniciativas ora em curso de tentar parar o relógio da história e fazê-la recuar, negando a Renascença, o Iluminismo e as duas revoluções, a americana e a francesa, que democratizaram a política para desgosto dos que desejam nos devolver ao capitalismo vitoriano. Nesse empreendimento, os arautos do retrocesso não recuam diante dos altos riscos a que expõem a sobrevivência da espécie com a desenfreada militarização que levam a cabo e os danos ambientais que infligem à natureza. No caso, fazem lembrar a obra Dr. Fantástico do notável cineasta Stanley Kubrick, de 1964, em que um paranoico general americano dos tempos da Guerra Fria investe por sua conta contra o território da URSS, encarapitado no dorso de uma bomba atômica, precipitando uma catástrofe terminal do planeta.

Ricardo Noblat - Moro, o Coringa de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Sem controle sobre o seu destino
A esta altura do jogo, de pouco valem as afirmações do ex-juiz Sérgio Moro de que não será candidato à sucessão de Jair Bolsonaro, nem candidato a vice na sua chapa, ou de que apenas deseja servir ao governo até o fim como ministro da Justiça.

O futuro de Moro não pertence a ele, mas a Bolsonaro. Ou ao que acontecer com Bolsonaro. É assim desde que Moro aposentou a toga na condição de herói brasileiro da luta contra a corrupção para aderir ao candidato que mais se beneficiou do que ele fez.

Em qualquer parte do mundo seria um escândalo de grande monta um juiz influenciar a história política do seu país do modo tão marcante como Moro fez para no momento seguinte ir servir sem nenhum pudor ao presidente que ajudou a eleger. Não aqui.

Moro entrou no governo como um dos dois ministros irremovíveis, com a mesma estatura de Paulo “Posto Ipiranga” Guedes, o xerife da Economia. Fazia sentido. Guedes avalizou Bolsonaro junto aos donos das grandes fortunas. Moro, junto aos revoltados.

Luiz Carlos Azedo - Vem aí a reforma administrativa

Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Em conversas privadas e declarações públicas intempestivas, Guedes deu demonstrações de insatisfação e ameaçou cuidar da vida se as coisas não acontecerem como deseja”

Um dos problemas do governo Bolsonaro é o fato de que o presidente da República não sabe aproveitar em seu favor as críticas ao governo, encara tudo como se fosse ofensa pessoal grave, ainda mais quando tem razão. Foi o caso, por exemplo, da notícia que a equipe econômica estuda acabar com a estabilidade dos servidores federais, atribuída ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A expectativa é qu o governo encaminhe ao Congresso, nos próximos dias, o projeto da reforma administrativa, que deve prever o fim da estabilidade para servidores públicos. Em outra proposta, o Executivo vai propor mudanças na regra de ouro, mecanismo que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, como salários, benefícios de aposentadoria, contas de luz e outros custeios da máquina pública. O acerto teria sido feito domingo entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente Jair Bolsonaro, em um encontro fora da agenda no Palácio da Alvorada.

Bolsonaro ficou bravo, na manhã de ontem, em entrevista quebra-queixo (aquela de improviso, em que os repórteres se amontoam com microfones e celulares nas mãos), acusou o Correio e a Folha de São Paulo, que também divulgou a proposta, de publicar mentiras. Segundo ele, a proposta não passou pelo seu crivo e não se mexe na estabilidade dos servidores. Mais tarde a equipe econômica atuou nos bastidores para dizer que a mudança atingiria somente os que ingressarem no serviço público após a sua aprovação, o que também foi retificado por Maia.

Muito pior para o governo, porém, foi a nota publicada na coluna Esplanada, do jornalista Keandro Mazzini, do jornal carioca O Dia, especulando sobre a possível saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, o que provocou pânico no mercado, derrubou a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que fechou a menos 1,93%, e provocou alta do dólar, cotado no fechamento a R$ 4,10. Uma simples nota especulativa de jornal, por mais credibilidade que tenha uma coluna, só deixa o mercado em pânico quando coincide com os rumores que circulam nesse meio. Esses rumores são provocados por comentários em conversas privadas e declarações públicas intempestivas do ministro Guedes, que já deu várias demonstrações de insatisfação e ameaçou cuidar da vida se as coisas não acontecerem como deseja.

Não é assim que as coisas funcionam na economia política. Guedes é homem do mercado financeiro, agora está tendo que lidar com a política concreta, que alguém já disse que é a economia concentrada. Aproveitando a onda “americanista”oficial, vale lembrar uma frase famosa do presidente Woodrow Wilson, dos Estados Unidos, em seu discurso de posse, em 1913: “Devemos lidar com o nosso sistema econômico como ele é e como pode ser modificado, e não como se tivéssemos uma folha de papel em branco para escrever”. Esse parece ter sido o erro do ministro da Economia.

Gaudêncio Torquato* - A ‘podernite’

- O Estado de S. Paulo

Os governantes, regra geral, padecem de grave doença: a ‘podernite’. Que afeta, sobretudo, membros do Poder Executivo, a partir do presidente da República, governadores e prefeitos, podendo, ainda, pegar protagonistas de outros Poderes e os corpos da burocracia.

Como todas as ites, trata-se de uma inflamação, que, ao invés de atacar o corpo, invade a alma. Podemos designá-la como a “doença do poder’”. Se alguém quiser associá-la ao egotismo, a importância que uma pessoa atribui a si mesmo, está correto, pois os conceitos são próximos.

O presidente Bolsonaro, vez ou outra, avisa que o poder é dele. Inclusive, o poder da caneta BIC, substituída pela caneta Compactor, quando tomou conhecimento que a primeira é de origem francesa. (Bolsonaro, lembremos, azucrinou o presidente Emmanuel Macron por conta da questão amazônica). O STF, nos últimos tempos, tem pontuado: em última instância, o poder é nosso. A decisão de conceder aos delatados a condição de serem os últimos a falar nas investigações da Lava Jato é um exemplo do poder da última palavra.

O Legislativo, assustado com a invasão de suas competências e queixoso da debilidade do governo na frente da articulação política, assume papel de protagonista principal em matéria de reformas. Nesse ciclo de grandes interrogações, cada qual quer ter mais poder. Até porque no vácuo, um poder toma o lugar de outro.

O poder traz fruição, deleite, sentimento de onipotência. Governantes e até burocratas se acham donos do pedaço, tocados pela ideia de que são eles que conferem alegrias e tristezas, fecham e abrem horizontes, fazem justiça.

A ‘podernite’ tem graus variados de metástase. Nos homens públicos qualificados, talhados pela razão, os tumores são de pequena monta. Nos Estados mais desenvolvidos, com culturas políticas mais evoluídas, a doença não se espalha muito porque as críticas da mídia e de grupos formadores de opinião funcionam como antivírus. Nos Estados menos aculturados, dominados por estruturas paternalistas e sistemas feudais, a doença geralmente chega a graus avançados.

Hélio Schwartsman - Matem o mensageiro

- Folha de S. Paulo

Em tempos modernos, quem melhor desempenha esse papel é a mídia

“Ninguém ama o mensageiro que traz más notícias”. A frase é de Sófocles. Não conheço nenhuma lista de universais humanos que inclua a disposição de tomar o portador de más notícias como causa dos infortúnios, mas essa propensão é tão disseminada que poderia figurar entre as tendências indeléveis de nossa espécie. Além de Sófocles, escreveram sobre isso Plutarco, Shakespeare e Freud —para ficar só nos clássicos.

Em tempos modernos, quem melhor desempenha o papel de mensageiro é a mídia. É frequentemente ela que dá publicidade às notícias que podem causar dano a políticos. É sempre tensa, portanto, a relação entre governantes e a imprensa independente.

Se ataques de Bolsonaro à Folha são compreensíveis no plano psicológico, não têm a menor sustentação quando se adota a perspectiva da lógica. Reportagem de Camila Mattoso e Ranier Bragon, que motivou crítica presidencial, mostra que a PF relata a existência de documentos que sugerem que verbas do esquema de candidatas laranja tenham sido usadas para abastecer as campanhas de Bolsonaro e do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.

Pablo Ortellado* - Continente isolado

- Folha de Paulo

No Youtube brasileiro, canais de direita são muito maiores que os demais

Publicamos na semana passada um pequeno estudo mapeando os canais políticos no Youtube (tiny.cc/youtubepolitico). Entre muitos resultados, uma coisa nos chamou a atenção: o tamanho dos canais de direita e seu isolamento em relação aos canais de esquerda e da grande imprensa. Essa característica contraria outros estudos sobre a estrutura do consumo de notícias por meio de mídias sociais no Brasil.

Nos Estados Unidos, estudos têm mostrado que, nas mídias sociais, quem interage com sites partidários de esquerda também interage com sites da grande imprensa; no entanto, quem interage com sites de direita geralmente não interage com a grande imprensa.

Em um livro influente ("Network Propaganda", Oxford University Press, 2018), Robert Farris e Yochai Benkler argumentam que esse isolamento dos consumidores de notícias de direita nos Estados Unidos faz com que os exageros e as distorções hiperpartidários não sejam corrigidos por reportagens factuais dos grandes meios de comunicação, gerando desinformação sistêmica --o que não ocorreria na esquerda, que teria na grande imprensa uma espécie de contraponto.

Joel Pinheiro da Fonseca* - O Coringa é a extrema direita

- Folha de Paulo

São vários os que surfam a onda da revolta popular para atingir objetivos pessoais

A polícia americana reforçou a segurança para a pré-estreia de “Coringa” em cidades como Nova York e Los Angeles. O filme tem sido chamado de “irresponsável” por críticos, por potencialmente estimular atiradores nas salas de cinema.

Suspeito que não veremos tiroteios nas sessões do filme. Mas o risco tem sido tão comentado que se tornou parte do fenômeno. Assim, o medo de que junto conosco na sessão haja um atirador psicopata —o que nos leva a olhar ressabiados para qualquer movimento ou barulho estranho na sala— se tornou parte da experiência de assistir “Coringa”.

É um filme pretensamente tão perigoso que nossa própria vida corre perigo; que dirá nossa alma. Não consigo pensar num marketing mais eficaz que esse.

“Coringa” passa essa sensação de perigo porque mostra, sem juízo de valor —na verdade, com alguma dose de celebração— a frustração e o ressentimento que levam tanto aos atos de violência sem propósito dos “mass shooters” (fenômeno que hoje, infelizmente, é brasileiro também) quanto, e aqui reside seu maior interesse, à revolta “antissistema” que tem fervido ao redor do mundo.

Occupy e Tea Party, Primavera Árabe, junho de 2013, protestos de Hong Kong; há um sentimento corrosivo sendo gestado, pronto a destruir a ordem estabelecida. É com ele que “Coringa” dialoga.

Andrea Jubé - O jogador

- Valor Econômico

Bolsonaro erra no time e enfrenta Congresso dividido

Mequinho que se cuide porque o presidente Jair Bolsonaro aventurou-se na arte do tabuleiro. Mais de uma vez, ele comparou o governo a uma partida de xadrez, o jogo milenar de estratégia que surgiu na Índia e dialoga com o que lhe é caro. Em sânscrito, o nome do jogo significa “os quatro elementos de um exército”: a infantaria (peões), a cavalaria, as carroças (torres) e os elefantes (bispos).

Autoproclamado Rei, Bolsonaro convocou autoridades para o seu time e distribuiu-as no tabuleiro. O que está em xeque na política brasileira é a relação do governo com o Congresso.

O Planalto aguarda o desfecho da reforma da Previdência que o Senado calculadamente tarda em concluir. Monitora o desdobramento da reforma tributária, que fatiada em três - a dos deputados, a dos senadores e a promessa do ministro Paulo Guedes - avançará aos solavancos.

E observa Câmara e Senado, convulsionados pela partilha dos recursos da cessão onerosa e pela disputa de protagonismo entre Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. “Há vários dias acontecem fatos que põem em xeque a relação harmônica entre os poderes que fazem o Legislativo”, reconheceu o líder do PP, Arthur Lira (AL), após o entrevero com o senador Cid Gomes (PDT-CE).

Merval Pereira – A arma do Congresso

- O Globo

Só recentemente Bolsonaro começou a se relacionar com deputados e senadores na linguagem que eles entendem

O levantamento do pesquisador da USP Guilherme Faria Guimarães, divulgado pelo GLOBO, que demonstra que o presidente Jair Bolsonaro é o presidente que teve mais vetos derrubados pelo Congresso nesses primeiros nove meses de governo desde 1988, reflete a dificuldade que o novo governo tem no relacionamento com os parlamentares.

Dos 33 vetos analisados, oito (24%) foram rejeitados de forma parcial ou total. Entre 1988 e 2014, apenas oito de 1.103 proposições vetadas foram rejeitadas pelo Congresso. É certo que a comparação não obedece aos mesmos parâmetros, pois, só a partir de 2013, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a tornar obrigatória a análise dos vetos pelo Congresso, é que os parlamentares passaram a derrubá-los.

Uma resolução interna, em seguida, obrigou os parlamentares a analisarem as normas vetadas em até 30 dias. Mesmo assim, a então presidente Dilma teve 9,5% dos vetos derrubados e, no governo Temer, o número aumentou para 14%.

O presidente Bolsonaro começou o governo optando por não ter uma base governista formal. Tentou negociar por bancadas: evangélica, da bala, da saúde, e assim por diante. Como essas bancadas são transversais aos partidos, pensava poder contornar as direções partidárias, e negociar diretamente com os parlamentares. Não deu certo.

Carlos Andreazza - A chance de Aras

O Globo

Augusto Aras assumiu. Não existe mais. Somente — sob o resgate urgente do princípio da impessoalidade — o procurador-geral da República; aquele que, na condição de chefe do Ministério Público Federal, indicado pelo presidente e aprovado pelo Senado, recebeu a delegação da sociedade para mover a ação penal. Não é pouca responsabilidade: o controle do gatilho acusador. Missão que desempenhará bem se tiver a Constituição como único norte. Seria uma inovação, depois dos anos da doença janotista, cujo vírus justiceiro ainda por muito destruirá. Seria uma inovação; e o único caminho de recuperação institucional para o Brasil: um choque de Constituição.

Em depressão política profunda, talvez o maior déficit do país seja o de respeito ao que diz a legislação. O novo PGR terá uma chance de contribuir para a estabilidade republicana se desarticular a máquina lavajatista-corporativa por meio da qual Rodrigo Janot desdobrou quatro anos de projeto pessoal. O novo PGR tem uma chance; isto porque será o primeiro em anos a ocupar tal posição sem que a escolha deva algo à lista tríplice do sindicato.

O novo PGR tem a chance de ser um PGR livre; isto porque o maior problema do MPF —para o que concorreu a imposição da tal lista tríplice como virtude da independência em relação a governantes —é haver se voltado para dentro, para o anabolismo da agenda de classe, na prática determinando, no grito, o procurador-geral da República, e transferindo para si o poder de ascendência outrora atacado como nocivo na mão do presidente.

José Casado - Confissões do centro do poder

- O Globo

Conhecer pessoas certas em áreas-chave do governo pode ser lucrativo, embora seja radioativo.

Amigos no poder podem prover informações exclusivas, que possibilitem ganhos de 90% em 24 horas ou lucros de 400% em um ano. Também podem criar um monopólio na corretagem de planos de saúde. Decidir uma bilionária disputa entre sócios de um supermercado. Resgatar um industrial arruinado na especulação cambial. Ou mandar fundos de pensão estatais salvar banqueiros.

Cenas explícitas desse capitalismo de laços estão nas confissões de Antonio Palocci à polícia. O ex-ministro de Lula e Dilma conta em 39 episódios como funcionavam as conexões entre governo e empresas amigas.

Narra uma constante de troca de favores com bancos (Bradesco, Unibanco, Santander, Safra, BTG e Votorantim); supermercados (Grupo Diniz e Casino); construtoras (Odebrecht, OAS, Camargo, Queiroz, Andrade, Asperbras, UTC, Engeform e PDG Realty); indústrias (JBS, Ambev, BRF, Souza Cruz); serviços (Rede D’Or, Grupo São Luiz, Amil e Qualicorp); estaleiros(KeppeleJurong);montadoras (Mitsubishi e Caoa) e seguradoras (BB Seguros, Prudential e Mapfre), entre outras. Todos negam ilícitos.

Bernardo Mello Franco - O poder amoleceu o coração de Moro

- O Globo

Em Curitiba, Moro se vendia como um implacável caçador de corruptos. Agora ele se mostra um aliado compreensivo, disposto a perdoar todos os suspeitos que o cercam

O exercício do poder amoleceu o coração de Sergio Moro. Antes de virar ministro, ele se vendia como um implacável caçador de corruptos. Agora se mostra um aliado compreensivo, disposto a perdoar todos os suspeitos que o cercam.

Quando pontificava em Curitiba, o então juiz dizia que o caixa dois era “um crime contra a democracia”. “A corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito”, sentenciou, numa palestra em 2017.

Ao pendurar a toga, ele foi confrontado com as confissões de Onyx Lorenzoni, que admitiu ter recebido R$ 100 mil no caixa dois. Generoso, disse que o colega continuava a contar com sua “grande admiração”. “Ele admitiu o erro, pediu desculpas e tomou providências para repará-lo”, justificou.

Míriam Leitão - A difícil conciliação entre atos e palavras

- O Globo

Bolsonaro é contra o fim do monopólio da Caixa no FGTS. Essa é só uma das interferências que derrubam a ideia de autonomia de Paulo Guedes

O presidente Jair Bolsonaro disse que a economia é “100% com o Guedes”, na entrevista publicada pelo “Estado de S. Paulo” no domingo, mas ontem mesmo ele disse que não será quebrado o monopólio da Caixa Econômica na administração do dinheiro do FGTS. Essa é apenas mais uma interferência.

Desde o começo do governo, Bolsonaro já demitiu o presidente do BNDES e o secretário da Receita, derrubou a proposta de reforma tributária formulada no Ministério, vetou uma publicidade do Banco do Brasil e suspendeu um aumento do diesel. Guedes não tem evidentemente a carta branca e a autonomia que Bolsonaro sempre disse que ele teria.

Qualquer manual básico de liberalismo econômico criticará monopólios em geral. No caso da Caixa com o FGTS é pior porque é uma poupança compulsória do trabalhador à qual ele não tem acesso, que é sub-remunerada e que o banco estatal cobra o valor abusivo de 1% de taxa de administração.

O que estava sendo negociado entre a Câmara dos Deputados e o governo é que outros bancos tivessem acesso a esse dinheiro, quebrando-se o monopólio da Caixa. Ontem o presidente Bolsonaro avisou que era contra essa medida.

O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) disse que nem entendeu o comentário do presidente, porque ele estava negociando o texto com técnicos do governo. E disse que vai mantê-lo.

Para ser mais liberal, a proposta tinha que dar ao trabalhador, dono do dinheiro, a portabilidade da sua conta. Ele deveria ter o direito de escolher em que banco deixar o seu dinheiro, e isso fomentaria a competição que reduziria as taxas e elevaria a rentabilidade.

Eliane Cantanhêde - Máquina de guerra

- O Estado de S.Paulo

Após estrago no meio ambiente, metralhadora ideológica mira a cultura

Quando surgiu a notícia de que o Ministério da Cidadania havia demitido 19 funcionários do Centro de Artes Cênicas da Funarte, a primeira reação foi de aplauso. Afinal, o governo afastava o diretor Roberto Alvim, que, entre outras barbaridades, ofendeu Fernanda Montenegro como “mentirosa” e “sórdida”. Ledo engano. Era bom demais para ser verdade.

Logo ficou claro o contrário: foram demitidos os coordenadores, gerentes e subgerentes, menos... o chefe Alvim! Ou seja, o governo “limpou a área” para Alvim fazer o que bem entender.

Esse é apenas mais um capítulo da nova guerra ideológica do governo Jair Bolsonaro, com o mundo todo já espantado com sua visão e suas declarações sobre meio ambiente – aliás, o tema central do Sínodo que ocorre neste momento no Vaticano, sob a liderança do papa Francisco.

É enorme o estrago à imagem do Brasil no exterior, por desmatamento, queimadas e, agora, a gravíssima mancha de óleo nas praias de todo o Nordeste, mas principalmente pela nova política para o setor. Ainda enfrentando essa frente, o governo já aprofunda os ataques, investidas e ingerências na área da cultura, onde habitam velhos fantasmas do bolsonarismo, embolados no tal “marxismo cultural”.

A expressão, sempre presente nos escritos e nas falas do chanceler Ernesto Araújo, é também frequente no mundo e nas fantasias do diretor Roberto Alvim, que também vê inimigos esquerdistas e perigosos por toda a parte, prontos a implodir a “cultura judaico-cristã do Ocidente”.

Alvim, que quer transformar o Teatro Glauce Rocha em “teatro evangélico”, seja lá o que isso seja, também já vinha conclamando “profissionais conservadores” a integrarem uma “máquina de guerra cultural” na Funarte. Ai, que medo! Imaginem só o que vai virar o Centro de Artes Cênicas. Um amontoado de críticos à nossa produção cultural, nossos diretores, nossos atores.

Vera Magalhães - Reforma administrativa entra na fila

- O Estado de S. Paulo

Governo começa a discutir revisão da estabilidade e critérios para demissões no setor público, mas tema é complexo

Hercúlea. Eis que o Ministério da Economia parece efetivamente disposto a colocar a reforma administrativa na fila das prioridades para depois da aprovação da reforma da Previdência. Caso leve adiante a disposição, será uma briga diretamente proporcional à importância da empreitada. Reportagem especial do Estadão nesta segunda-feira esmiuçou o que devem ser as linhas centrais da proposta.

Em boa hora. A discussão sobre a necessidade de rever a estabilidade de servidores e fixar critérios para promoções, reajustes e demissões no setor público já é consenso entre economistas que olham para a necessidade de promover um ajuste profundo no gasto público.

Três frentes. A discussão sobre a reforma do chamado "RH" do Estado, ou seja, do funcionalismo, deve ser tratada em paralelo com uma proposta de emenda à Constituição para desvincular receitas orçamentárias (que está sendo construída em parceria com o Congresso) e com as tratativas já em andamento do pacto federativo.

Onde pega. Além da profunda resistência que a discussão da estabilidade do funcionalismo deverá enfrentar por parte das corporações, esse tema costuma ser tabu no Judiciário: toda vez que são confrontados com a necessidade de arbitrar tentativas de governos de adiar reajustes ou cortar privilégios, os tribunais superiores têm decidido a favor dos chamados direitos adquiridos e da preservação do regime jurídico único, estabelecido pela Constituição de 1988 e que assegura a estabilidade no serviço público.

Centro deve ‘trabalhar já’, afirma FHC

Em evento, ex-presidente diz que grupo deve superar polarização e reclama que forças políticas só se mobilizam em função da eleição

Paulo Beraldo | O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem que integrantes do chamado centro democrático precisam começar a “trabalhar já” para superar a polarização política que se instalou na sociedade brasileira nos últimos anos. “É possível unir o centro democrático progressista, mas é preciso começar a trabalhar já”, disse ao Estado após um evento na Fundação Fernando Henrique Cardoso, no centro de São Paulo, sobre inteligência artificial, direito e privacidade de dados pessoais.

Questionado se vê essa articulação ocorrendo, FHC disse que o “Brasil se mobiliza sempre em função da eleição”. “Vai demorar um pouquinho, mas acredito que haverá um certo cansaço da polarização.” Perguntado se o momento está chegando, respondeu: “Espero”.

Em setembro, o Estado mostrou que um grupo de lideranças tem se mobilizado para viabilizar a construção de uma alternativa de centro na política nacional. Eles defendem uma agenda liberal na economia e “progressista” na área social.

Entre os apoiadores há nomes como o economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, líderes políticos como o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (sem partido) e o presidente do Cidadania, Roberto Freire. Grupos de renovação política e empresários como Guilherme Leal, da Natura, também apoiam a ideia. A articulação tem na figura do apresentador Luciano Huck um possível candidato “outsider” à Presidência da República. A possibilidade foi aventada para a eleição passada, mas Huck preferiu esperar.

O ex-presidente também demonstrou preocupação com as fake news, que têm tido papel decisivo em processos eleitorais em diversos países. “Na política, um bom demagogo não precisa da realidade, ele cria uma realidade virtual. (Diz) eu sou vítima, e acabou. Conta a história e o pessoal acredita”.

Também participaram do debate o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça, o advogado Ronaldo Lemos, pesquisador representante do MIT Media Lab no Brasil, Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e o juiz federal americano Peter Messitte, do Estado de Maryland.

Os participantes traçaram um panorama das leis de privacidade digital e avaliaram as consequências das transformações digitais para os mais diversos aspectos da vida humana, como o trabalho, as relações sociais e seus reflexos na esfera política e jurídica.

Fernando Henrique não foi palestrante, mas em intervenção após o debate defendeu a regulação e a capacitação dos profissionais de diferentes meios para lidar com a realidade de uma sociedade cada vez mais conectada.

O ex-presidente comentou ainda que a política é um dos setores mais resistentes aos avanços e às inovações tecnológicas. “Os partidos políticos não conseguiram entender o que vivemos hoje”, afirmou. Para FHC, a crise da democracia representativa vivida hoje no Brasil é parte de um fenômeno global. “As pessoas estão com medo do que vem pela frente, medo do futuro. Há um movimento de polarização e irracionalidade que não é só aqui, é mais amplo”, disse.

“Os partidos políticos não conseguiram entender o que vivemos hoje”, afirmou. Para FHC, a crise da democracia representativa vivida hoje no Brasil é parte de um fenômeno global. “As pessoas estão com medo do que vem pela frente, medo do futuro. Há um movimento de polarização e irracionalidade que não é só aqui, é mais amplo”, disse.

'Lava Jato tem melhores publicitários do que juristas', diz Gilmar Mendes

No Roda Viva, ministro do STF vê 'gangsterismo' no Ministério Público e na Receita Federal, e pede um combate à corrupção 'sem personalismos'

Redação | O Estado de S.Paulo

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes voltou a criticar a Operação Lava Jato e defendeu um combate à corrupção "sem personalismo" no País. Em entrevista nesta segunda-feira, 7, a jornalistas no programa Roda Viva, da TV Cultura, Gilmar disse que os membros da operação usaram a opinião pública para criticar decisões do Supremo que foram de encontro aos interesses de procuradores e apontou "abusos" da força-tarefa.

"A Lava Jato tem melhores publicitários do que juristas, eles usam isso", alfinetou Gilmar. "Eu torço não só para a Lava Jato, para todas as operações, para que de fato nós continuemos combatendo a corrupção, agora sem esse personalismo, sem a necessidade, talvez, de forças-tarefa."

Como exemplo de abuso de autoridade, Gilmar citou mais de uma vez o caso do auditor fiscal Marco Aurélio Canal, da Receita Federal, preso na última quarta-feira, 2 acusado de cobrar propinas de réus e delatores da Lava Jato em troca de suspensão de multas do Fisco. Em mais de uma oportunidade, o ministro o citou como o responsável por elaborar o dossiê dados fiscais seus e de sua mulher, Guiomar Feitosa. O ministro também criticou o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, que tem sido acusado de atuação ilegal na condução da operação por suposto uso de provas ilegais e vazamentos à imprensa, além de conversas sobre a estratégia da operação com o então juiz Sergio Moro.

"É preciso que de fato essas pessoas (procuradores) cumpram a lei, sejam servos da lei, que não exorbitem", disse o ministro. "O Ministério Público assumiu feições soberanas, e isso é um problema."

Rodrigo Janot
Gilmar falou brevemente, no início do programa, sobre a revelação pelo ex-procurador geral da República Rodrigo Janot de que teria planejado matá-lo a tiros dentro do próprio STF. O ministro diz que, ao saber do plano, sentiu "uma pena enorme das instituições brasileiras".

"Quando a gente imagina que a procuradoria estaria, agora, entregue em mãos de alguém que pensava em faroeste ou coisa do tipo, isso realmente choca e dá pena de ver como nós degradamos nossas instituições, como se fizeram escolhas tão desastradas", disse o ministro.

Lula
Questionado sobre a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado na Lava Jato, de recusar o regime semiaberto, o ministro disse que o petista "não tem esse direito, a rigor". Ele considerou que o ex-presidente só poderia questionar o regima nos tribunais caso houvesse "imposição ou uma condição ilegítima". No entanto, Gilmar disse que estranhou a posição de procuradores da Lava Jato no caso.

"O que me chamou atenção nesse episódio foi alguns procuradores oferecerem o regime semiaberto ao Lula", disse. "Nunca foram garantistas, mas agora se convenceram. E se convenceram porque era conveniente."

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Laranja indigesta – Editorial | Folha de S. Paulo

Sem dar explicação para suspeitas investigadas pela PF, Bolsonaro ataca a Folha

Em fevereiro, pouco mais de um mês depois da posse de Jair Bolsonaro, esta Folha publicou a primeira de uma série de reportagens que trariam sinais de que o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, envolveu-se em um esquema de candidaturas de fachada no PSL, partido ao qual o presidente da República é filiado.

O ministro, que na campanha comandava a sigla em Minas Gerais, patrocinou o repasse de R$ 279 mil a quatro supostas postulantes à Câmara dos Deputados e à Assembleia Legislativa do estado.

Nenhuma delas, na realidade, disputava o pleito para valer —apenas serviam como laranjas para o esquema de desvio de verbas eleitorais. Basta dizer que juntas obtiveram pouco mais de 2.000 votos.

Além disso, parte do dinheiro foi empenhada em serviços fictícios de empresas ligadas a Álvaro Antônio e assessores seus.

Logo a seguir, o jornal revelou que uma candidata a deputada federal do PSL por Pernambuco havia recebido R$ 400 mil para sua campanha, a quatro dias da votação. O aparente esforço de fortalecer a postulante na última hora resultou em minguados 274 votos.

Poesia | Joaquim Cardozo -Território entre o gesto e a palavra

Entre o gesto e a palavra: território escondido dentro de mim
Marcas de mortas visões; tentativas, indecisões, regozijos,
Entre o gesto e a palavra. Território:
Um silêncio, um gemido, um esforço imaturo
Possibilidade de um grito, modulação de uma dor.
— Ritmos mais doces que os das águas,
— Ternuras mais íntimas que as do amor
Entre o gesto e a palavra. Território
Onde as idéias se ocultam e os pensamentos se perdem
Os conceitos se escondem, os problemas se dissolvem
Entre o gesto e a palavra. Território.
— Os problemas da escolha, os princípios;
Transcendências: transparências, mediante
Uma luz que não se acende, existem
No território contido entre o gesto e a palavra.
— Um axioma, um lema, um versículo, um fonema,
Uma ameaça, uma tolice, o som velar, o eco,
Talvez a estátua de uma atitude.
Estão no campo depois do gesto
E antes da palavra.
Também estás para mim, amiga, entre esses dois expressivos
Entre alguma coisa de mímico ou de sonoro
Alguma coisa que é aceno ou que é voz:
Entre o de mim e o de ti: Tu estou
Tu vivo
Tu falo
Tu choro
Estás, mesmo que entre nós dois não exista
Um aparato gramático — uma sentença verdadeira
— ou uma síntese poética
Ilusória expressão com que se conformam os ingênuos —
Mesmo que a palavra se reduza a simples gesto verbal
Entre o gesto e este gesto há um infinito real.

In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.207-208.

Música | Samba da São Clemente - Carnaval 2020

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

Será que estaremos condenados nas próximas eleições presidenciais a votar em polos agarrados a ideologias mofadas? Ou teremos capacidade para unir o centro democrático e progressista para retomar, com a vitória nas urnas, o rumo de grandeza que o País necessita e merece?


* Sociólogo, foi presidente da República. ‘Falta rumo’, O Estado de S. Paulo, 6/10/2019

Fernando Gabeira - Não há como tirar as crianças da sala

- O Globo

Quem combate Greta ou se assusta com seu tom talvez não tenha ainda uma ideia nítida de como as coisas vão se complicar

Na semana passada, escrevi um artigo sobre o Supremo. As coisas de sempre, bloqueio de investigações financeiras, o flerte com o autoritarismo. Mas, com tanto problema interno no Brasil, deixei de lado algo que talvez possa contribuir: a passagem de Greta Thunberg pela ONU e as reações que ela suscitou no Brasil.

Muitos estranharam o fervor da adolescente. Mas ela vem de uma cultura em que, apesar do grande avanço material, a religião ainda tem um peso. A religião é um dos temas resilientes. Ela nunca desaparece, comunistas e liberais são constantemente apontados como adeptos de uma religião secular.

Isso é secundário diante do agravamento da crise ambiental. Ela não só está produzindo personalidades como Greta, mas influencia também as crianças do mundo inteiro. As praias de Alagoas, depois do vazamento de óleo, foram limpas por crianças de escolas primárias, e seu discurso era bastante consciente da gravidade do problema.

Adultos costumam se irritar com a precocidade política. Esquecem, no entanto, que estão diante de um tema singular, diferente dos outros. Crianças o tomam como seu porque entendem que o próprio destino está em jogo. Têm, portanto, legitimidade.

Cacá Diegues - Não estamos sós

- O Globo

É preciso que o presidente também respeite, ouça e atenda as minorias que não votaram nele. Essa é a base da democracia

A grande mídia e as redes sociais não deram muita bola para o caso, mal o anunciaram. Mas três procuradores da República entraram, no dia 1º de outubro, com uma Ação Pública contra o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Os procuradores Antonio do Passo Cabral, Jaime Mitropoulos e Sérgio Gardenghi Suiama alegam censura e improbidade administrativa no recente cancelamento, por parte do ministro, de edital da Ancine para produção de filmes, que o presidente da República havia condenado com argumentos homotransfóbicos.

Os procuradores propõem a ação por considerar que o cancelamento do edital, além de ser um ato grave de censura, é também um irresponsável dispêndio de recursos públicos. Para atender o presidente, que havia declarado que não tinha cabimento fazer filmes com aqueles enredos, o ministro discrimina cidadãos brasileiros, suas ideias e opções pessoais, ferindo as garantias de liberdade de expressão que estão em nossa Constituição.

Mas é também um ato ímprobo, na medida em que o ministério já havia dispendido, do dinheiro público que financiava o concurso, R$ 1.786.067. Por causa de capricho pessoal do poder, gastou-se esses quase um milhão e oitocentos mil reais em vão, deixando ao relento profissional 600 produtores e cineastas que haviam investido tempo, além de recursos artísticos e materiais, para alinhar seus projetos. Tudo isso por causa de quatro títulos de filmes que não haviam agradado ao chefe.

Demétrio Magnoli - O dilema do impeachment

- O Globo

Legitimidade fornecida pelo voto popular tem limites, definidos pelas leis mais vitais

O impeachment de Donald Trump estava fora dos planos dos líderes do Partido Democrata. A mudança de curso não se deveu às pressões incessantes da ala esquerda do partido, mas à notícia explosiva de que o presidente chantageou o governo da Ucrânia na tentativa de manchar a reputação de Joe Biden, possível antagonista nas próximas eleições. Não havia outra saída: era deflagrar o processo ou renunciar à última linha de defesa da democracia.

O impeachment foi inscrito na Constituição dos EUA — e replicado na lei maior de diversas nações — para remediar atos dos governantes que ameaçam os alicerces da polis . Trump classificou a iniciativa democrata como “um golpe destinado a tirar o poder do povo”, num curioso eco do grito lançado pelo PT. A mensagem veiculada pelo instrumento do impeachment é essencialmente antipopulista: a legitimidade fornecida pelo voto popular tem limites, definidos pelas leis mais vitais. Em tese, os parlamentares jamais usarão o remédio final como arma nas disputas partidárias normais.

Até o escândalo da Ucrânia, a sombra agourenta do impeachment de Bill Clinton protegeu Trump. No caso de Clinton, a maioria republicana na Câmara conduziu o processo a partir de desvios menores ligados ao affaire Monica Lewinsky. Os eleitores identificaram a natureza partidária da estratégia e puniram os republicanos nas eleições legislativas de 1998.

O impeachment de Dilma Rousseff situa-se a meio caminho entre os casos de Clinton e Trump. A violação da lei orçamentária pelas pedaladas fiscais, um desvio menor à luz de padrões brasileiros, provavelmente não redundaria no afastamento do cargo. Mas, na encruzilhada fatal, Sergio Moro deu publicidade ao diálogo no qual a presidente alçava Lula ao Ministério com o aparente propósito de obstruir procedimentos judiciais. Então, o chão ruiu sob seus pés.

Formalmente, Dilma caiu da bicicleta. De fato, foi destronada por um ato de obstrução de Justiça, crime maior. Contudo, atrás do apoio popular majoritário ao impeachment, estava a crise econômica gerada por insustentáveis políticas voluntaristas, numa atmosfera envenenada pelo escândalo de corrupção na Petrobras. O impeachment pertence ao universo da política: em sistemas democráticos, o presidente só é derrubado quando perdeu as condições mínimas para governar.

Carlos Pereira - Lava Jato 2.0

- O Estado de S.Paulo

Ajustes à Operação Lava Jato antes de arrefecê-la tendem a qualificá-la

Um dos questionamentos mais recorrentes entre alunos e pesquisadores do sistema político brasileiro se refere aos limites da atuação das organizações de controle no Brasil. Essa preocupação é extremamente relevante em função da escolha da maioria dos legisladores, desde a constituinte de 1988, em delegar amplos poderes para as organizações de justiça, especialmente o Judiciário e o Ministério Público. O temor seria o de que essas organizações teriam ficado tão independentes ao ponto de estarem “fora de controle”.

A exposição quase que visceral de sucessivos escândalos de corrupção e a subsequente atuação das organizações de controle impondo perdas não triviais para os envolvidos nesses escândalos reforçaram ainda mais as justificativas para que essas organizações se fortalecessem e se tornassem cada vez mais independentes.

O ponto de virada para que isso acontecesse parece ter sido o julgamento do mensalão, quando o desempenho do STF punindo envolvidos no escândalo alinhou-se com a preferência da maioria da população. Cristalizou-se a percepção de que ninguém estaria acima da lei, com a imposição de perdas judiciais a políticos, burocratas e empresários ricos e poderosos.

Uma série de inovações institucionais pós mensalão (lei da ficha limpa, lei da transparência, lei anticorrupção, lei da delação premiada, lei da leniência, decisão do STF de implementar a pena após condenação em segunda instância judicial colegiada, etc.) criou condições para o sucesso subsequente da Operação Lava Jato, que, apesar das várias iniciativas para enfraquecê-la, vem conseguindo resistir. Na realidade, a surpresa para muitos reside justamente na grande resiliência organizacional e institucional até o momento.

Cida Damasco - Reformas com justiça

- O Estado de S.Paulo

Quadro social mostra que acertar as contas é crucial, mas não é tudo

Da fartura de dados incluídos na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada na sexta-feira pelo IBGE, emerge um quadro preocupante de carências sociais no País. Só para começar, vamos a três das principais conclusões desse levantamento. De 2008/2009 para 2017/2018, a proporção de famílias das classes mais pobres, que recebem até dois salários mínimos por mês, aumentou de 21,6% para 23,9%. Além disso, quase 20% da renda do País está em poder de apenas 2,7% das 69 milhões de famílias consideradas pelo IBGE. E tem mais: gastos de consumo, saúde, educação, transporte e outros itens de “manutenção” das famílias engoliram 96% dos orçamentos – tornando praticamente inexistente o espaço para investimentos.

São números e números comprovando o que se assiste, há bom tempo, em várias dimensões da “vida real” no Brasil. Lojas com vendedores na porta em busca de consumidores arredios, filas quilométricas de candidatos a empregos, qualificados ou não, e, mais dramático ainda, um contingente cada vez maior de moradores de rua vivendo em “acampamentos” sob viadutos, em qualquer canto da cidade.

Analistas escoram-se em alguns indicadores de atividade mais recentes, para mostrar que a economia pode estar engatando um novo ciclo de crescimento, embora as projeções para a alta do PIB neste ano mantenham-se abaixo de 1%. Porém, mesmo que essa visão mais otimista acabe prevalecendo, a pesquisa do IBGE deixa evidente que é preciso um crescimento maior e, por mais tempo, para que as carências sociais sejam significativamente reduzidas.

Nesse quadro, as discussões sobre os efeitos das reformas econômicas em andamento no País ganham um significado maior. Como se pode ver, não basta “acertar as contas” dos orçamentos públicos, como muitas vezes sugerem discursos áridos de especialistas – ainda que acertar as contas seja uma etapa essencial do processo. É preciso ir bem mais longe e mirar na justiça social.

Mario Vargas Llosa* - Esperança no Peru

- O Estado de S.Paulo

Dissolução do Congresso é um passo à frente da democracia peruana

Fez muito bem o presidente do Peru, Martín Vizcarra, em dissolver o Congresso e convocar novas eleições para 26 de janeiro, data que acaba de ser confirmada pelo Tribunal Eleitoral. E bem fizeram as Forças Armadas e a polícia reconhecendo a autoridade do chefe de Estado. Não é frequente na história do Peru que as forças militares apoiem um governo constitucional como o que Vizcarra preside. O “normal” é contribuírem para derrubá-lo.

A decisão de fechar o Congresso foi rigorosamente constitucional, como demonstraram vários juristas eminentes e como explicou ao grande público, com sua lucidez característica, uma das melhores e mais corajosas jornalistas do Peru: Rosa María Palacios. A Constituição autoriza o chefe de Estado a fechar o Congresso se este negar duas vezes um voto de confiança, e obriga o presidente a convocar imediatamente eleições para substituir o Parlamento destituído.

Ambas as exigências foram cumpridas. Não se trata de um golpe de Estado, como quer fazer crer a aliança pró-fujimorista, que tinha maioria simples no Congresso e o havia transformado em um circo grotesco de foragidos e semianalfabetos, com poucas (e respeitáveis) exceções. Por isso, centenas de milhares de peruanos saíram às ruas, em todas as cidades importantes do país, aplaudindo Vizcarra e comemorando a medida tomada em nome da liberdade e da legalidade das quais a maioria parlamentar de apristas e fujimoristas debochava.

Como sempre, por baixo e por trás das discussões legais que sustentam as instituições de uma democracia, existem interesses pessoais, muitas vezes, ignóbeis, que costumam prevalecer. Para isso, existem a liberdade de expressão e o direito de crítica, que, bem exercidos, fazem os esclarecimentos e as denúncias necessários, estabelecendo as prioridades e tirando das trevas a verdade e a liberdade nas quais seus inimigos quiseram escondê-las.

Nesse caso, sem a menor dúvida, ambos os valores estão representados pela decisão de Vizcarra. Os verdadeiros inimigos da verdade e da liberdade são aqueles que até agora emporcalharam até extremos inconcebíveis o Congresso da república, convertendo-o num instrumento da vingança de Keiko Fujimori contra Pedro Pablo Kuczynski, que a derrotou nas urnas em eleições presidenciais que ela acreditava ganhas - assim diziam as pesquisas.

Bruno Carazza* - A batalha final

- Valor Econômico

Uma reportagem e dois livros explicam para onde vamos

Em maio de 2016 a Operação Lava-Jato estava na sua 29ª fase, quando prendeu João Cláudio Genu. Velho conhecido dos tribunais - havia sido condenado no mensalão -, dessa vez o ex-tesoureiro de campanhas do PP (hoje Progressistas) recebia a visita dos homens da Polícia Federal por ter organizado a distribuição do dinheiro desviado da Petrobras para os políticos do seu partido.

Àquela altura, a operação estava a pleno vapor. Nas semanas anteriores, Moro condenara Marcelo Odebrecht; o ex-presidente Lula havia sido alvo de um mandado de condução coercitiva para explicar seu relacionamento com o megaesquema de corrupção; a PF acabara de descobrir a central de propinas da maior empreiteira do país; e o marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas presidenciais do PT, teve sua prisão decretada.

Alex Ribeiro - O excesso de otimismo do BC com as reformas

- Valor Econômico

Para Campos, mercado ainda não absorveu realizações do governo

Setores do mercado financeiro estão vendo um excesso de otimismo do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, com o andamento das reformas e o seu potencial efeito na economia. Essa visão cor-de-rosa, para alguns, poderá influenciar as decisões de política monetária, levando a maior redução dos juros.

Campos, num evento sobre novas tecnologias, reconheceu a diferença de visão dentro e fora do BC. “Às vezes, vou fazer apresentações, e as pessoas falam: ‘As reformas não estão andando’”, relatou. “Eu falo: gente, como que não está acontecendo nada?” Para ele, por um problema de comunicação, “o mercado não está absorvendo todas as coisas que estão sendo feitas”.

Ele listou iniciativas do próprio BC e do governo. “Vamos pegar o mundo da abertura comercial, a gente fez acordo com a Europa”, disse. “Temos um plano para baratear o gás. Temos um plano para aumentar a competição no ‘business’ de petróleo. Passamos a lei de saneamento. Vamos olhar a infraestrutura: quantas concessões o ministro [da Infraestrutura] Tarcísio [Gomes de Freitas] já fez?”

Para analistas econômicos mais puristas, Campos não deveria se assumir como parte do governo. O presidente do BC, segundo essa visão, deve manter uma boa distância e receber as decisões governamentais como fatos exógenos nas decisões sobre juros, da mesma forma que um choque agrícola ou de petróleo.

Quando o BC se tornar sócio da agenda mais ampla de política econômica, surgem dúvidas se está subordinando a ela as decisões de política monetária.

Campos, na verdade, está assumindo dois chapéus diferentes. Um é o papel tradicional de chefe do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. O outro é de quem participou da formulação do programa econômico de Bolsonaro na campanha eleitoral e, já no BC, assumiu a liderança na agenda de reformas financeiras.

José Henrique Mariante - Censura nunca mais

- Folha de S. Paulo

Problema de censores com sexo fazia plateia gargalhar no meio de cena violenta

Quem foi criança durante a ditadura deve se lembrar. Pouco antes de o filme começar, surgia na tela um documento onde se lia no alto: Ministério da Justiça, Departamento de Polícia Federal, Divisão de Censura de Diversões Públicas. De um lado havia um brasão da República e do outro uma faixa verde e amarela, cores que se intuía, pois o documento era reprodução em preto e branco.

A projeção durava alguns segundos de silêncio. No cinema, era a senha para também ficarmos quietos, não por respeito ao momento grave e sim pela expectativa do início do filme. O tempo era curto, mas meus olhos sempre conferiam as principais informações: o nome da obra, o nome em inglês quando o filme era americano, o campo para a “justificação de impropriedade”, tipo “cenas de sexo”, e a assinatura do censor, à mão, “Solange M.T. Hernandes”.

Dona Solange tinha letra redonda e firme. Imaginava-a como uma professora igualmente redonda e brava. Afinal, ela assistia a um monte de coisas antes da gente para ver se era adequado. Até cenas de sexo.

Celso Rocha de Barros* - Laranjal financiou Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Essa será uma boa oportunidade para medir o quanto da aprovação de Bolsonaro ainda é lavajatismo

O esquema de laranjas do PSL deu dinheiro para a campanha presidencial de Jair Bolsonaro. A revelação da suspeita, feita com base em investigação da Polícia Federal, foi publicada na Folha deste domingo (6). O operador do esquema seria o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que também teria desviado dinheiro para sua própria campanha. Álvaro Antônio foi indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais na última sexta-feira (4).

Se fosse governo de esquerda, caía. Não é governo de esquerda. Mas a crise entre bolsonarismo e lavajatismo deve se acentuar.

As revelações publicadas pela Folha foram feitas pela Polícia Federal. Bolsonaro está em guerra contra a Polícia Federal porque ninguém lá desistiu de investigar Flávio Bolsonaro e Queiroz. A Polícia Federal agora mostrou que não vai se deixar intimidar facilmente, e tenta exercer sua autonomia enquanto ainda a tem.

Essa será uma boa oportunidade para medir o quanto da aprovação de Bolsonaro ainda é lavajatismo, e o quanto o lavajatismo dos bolsonaristas era só oportunismo. Pois é, também acho que era só sacanagem.

As revelações de ontem também podem criar novas tensões entre Bolsonaro e o PSL. Segundo o podcast “Papo de Política” da última quinta-feira, já havia um risco real de Bolsonaro sair do PSL. Essa probabilidade, agora, cresceu ou diminuiu?

Leandro Colon – A PF de Moro e os fatos

- Folha de S. Paulo

Suspeita de caixa dois coloca em xeque liberdade de polícia comandada por ministro da Justiça

Aos fatos. Um homem de confiança do ministro do Turismo citou, em depoimento à Polícia Federal, as campanhas de Marcelo Álvaro Antônio a deputado e a de Jair Bolsonaro ao Planalto como possível destino da verba que deveria bancar as chapas de mulheres do PSL.

Em planilha apreendida pela PF, nomeada como "MarceloAlvaro.xlsx", há referência ao fornecimento para a campanha de Bolsonaro com a expressão "out" —pagamento "por fora", segundo os investigadores.

As informações acima foram publicadas neste domingo (6) pela Folha. A reportagem é de Camila Mattoso e Ranier Bragon, que descobriram e revelaram o laranjal do PSL e o envolvimento do ministro filiado ao partido do presidente da República.

Marcus André Melo* - Crise no Peru, mal-estar no Brasil

- Folha de S. Paulo

As instituições importam frente ao 'choque Odebrecht'

O Peru viveu uma crise constitucional: o país teve dois presidentes, um eleito pelo voto popular e outro entronizado pelo Parlamento. Entre nós a arbitragem do conflito constitucional tem sido feita pelo STF. Iniciativas do Executivo tem sido anuladas ou rejeitadas pelos demais Poderes; os atores acatam as decisões.

O caso peruano dá margem a equívocos dado o desconhecimento de seu sistema de governo: a variante presidencial-parlamentar de semipresidencialismo. Não há nada exótico aqui —o semipresidencialismo está presente em quase um quarto dos países; é o modelo escolhido pela maioria dos países que se democratizaram nas duas últimas décadas. Do total de 14 países pós-comunistas, 12 adotaram o sistema; das 12 novas democracias africanas, 7 são semipresidencialistas.

Nesse sistema há um presidente eleito pelo voto popular e um gabinete responsável perante à Assembleia. Na variante presidencial-parlamentar, o primeiro ministro é responsável perante tanto à Assembleia quanto o presidente; na premiê-presidencial apenas perante à primeira. Muitos analistas defendem o sistema por evitar crises em situações em que um presidente é minoritário.

Ao contrário do regime de Weimar ou Áustria, no Peru o presidente sofre restrições quanto à dissolução do Parlamento: só pode fazê-lo caso duas iniciativas suas, apresentadas como moções de confiança, sejam derrotadas no Parlamento (o presidente francês só pode faze-lo uma única vez por ano). E foi o que aconteceu.

A fragmentação partidária tem gerado alta rotatividade: os mandatos dos premiês tem duração média de cinco meses.

O confronto virulento entre Poderes explica-se por razões semelhantes ao que aconteceu no Brasil: o choque da exposição de corrupção sistêmica, levando ao impeachment de um presidente, ao suicídio de outro, além da prisão da filha de um ex-presidente, convertida em líder da oposição e candidata presidencial em duas eleições.

Ricardo Noblat - Em julgamento, a Lava Jato

- Blog do Noblat | Veja

E o jornalismo também
Nada mais fácil do que detectar erros quando se olha a História pelo retrovisor. Tanto mais se o que está em exame é algo perecível como o jornalismo produzido enquanto os fatos se sucedem.

Não reconhecer os erros, porém, e não cavoucar para saber por que aconteceram é a forma mais segura de repeti-los no futuro – do mesmo modo ou de modo pior ainda.

A história da Operação Lava Jato começou em 17 de março de 2014. Investigava-se então uma rede de postos de gasolina em Brasília usada para lavar dinheiro de origem ilícita.

Menos de dois anos depois, investigava-se o maior escândalo de corrupção da história do país que derrubaria um governo e mandaria para a cadeia agentes públicos, empresários e políticos.

A face oculta da operação só começou a se tornar conhecida de junho para cá com a revelação de conversas hackeadas de procuradores que envolveram até o ex-juiz Sérgio Moro.

O acervo de conversas está longe de se esgotar. Mas o que já foi mostrado põe em dúvida algumas verdades que antes pareceram irrefutáveis ou que foram aceitas como tais.

Não é cedo para que se pergunte: se tivéssemos, nós jornalistas, de contarmos outra vez a história da Lava Jato nos valeríamos dos mesmos métodos e escreveríamos o que já publicamos?

Diga-se a favor de Moro e dos procuradores da Lava Jato que eles nunca esconderam que precisavam do apoio da imprensa para convencer a opinião pública do acerto de suas ações.

Diga-se também, e nesse caso a favor da verdade pura e simples, que cumprimos esse papel sem maiores questionamentos. Ouvir o outro lado não significa abrir espaço para o benefício da dúvida.

Comportamo-nos na maioria das vezes como meros repetidores da voz que vinha do alto, e receptadores dos vazamentos administrados para que se construísse a narrativa desejada.

Se não procedemos assim por desonestidade, foi por pressa e incúria. Comodismo e preguiça. Desejo de acreditar na versão atraente que nos caía no colo e aumentaria nossa audiência.

Entre as muitas frases célebres e duras sobre o exercício do jornalismo está uma que cito de memória: “O jornalismo serve para separar o joio do trigo e publicar o joio.” Não creio nisso.

Prefiro acreditar em duas outras:
“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”. (George Orwell)

“O jornalismo é antes de tudo e, sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter”. (Cláudio Abramo)

Revisitar pelo menos parte da história da Lava Jato seria a melhor maneira de nos reconciliarmos com o que sempre nos propusemos a fazer: buscar a verdade, por mais que ela pareça inalcançável.

No meio do caminho, a Constituição

O que a mídia pensa – Editorial

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O ‘Estado empresário’ – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo tem participação direta e indireta em 637 empresas, segundo balanço divulgado pelo Ministério da Economia na quinta-feira passada. Até agora, o governo, em seus projetos de privatização, trabalhava com o número de 133 estatais, entre controladas e subsidiárias. Ou seja, o desafio de promover a ampla desestatização prometida na campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro é muito maior do que o previsto – e, a julgar pela lentidão do processo até agora, o governo poderá ter grandes dificuldades para conduzir o programa de privatização a um desfecho ótimo.

“É um Estado empresário”, disse o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, ao apresentar o balanço. A União tem participação minoritária em 43 empresas. As demais companhias relacionadas têm o BNDES e o Banco do Brasil como sócios.

No caso do BNDES, a injeção de recursos públicos em empresas privadas teve como objetivo declarado estimular o desenvolvimento de setores então considerados estratégicos. Assim surgiram algumas das companhias chamadas de “campeãs nacionais”, famosas nos governos petistas por receber vultosos investimentos estatais para fazer delas grandes competidores internacionais e, em contrapartida, gerar muitos empregos no Brasil. Como se sabe, essa estratégia beneficiou basicamente os controladores das empresas.