- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:
Laranja indigesta – Editorial | Folha de S. Paulo
Sem dar explicação para suspeitas investigadas pela PF, Bolsonaro ataca a Folha
Em fevereiro, pouco mais de um mês depois da posse de Jair Bolsonaro, esta Folha publicou a primeira de uma série de reportagens que trariam sinais de que o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, envolveu-se em um esquema de candidaturas de fachada no PSL, partido ao qual o presidente da República é filiado.
O ministro, que na campanha comandava a sigla em Minas Gerais, patrocinou o repasse de R$ 279 mil a quatro supostas postulantes à Câmara dos Deputados e à Assembleia Legislativa do estado.
Nenhuma delas, na realidade, disputava o pleito para valer —apenas serviam como laranjas para o esquema de desvio de verbas eleitorais. Basta dizer que juntas obtiveram pouco mais de 2.000 votos.
Além disso, parte do dinheiro foi empenhada em serviços fictícios de empresas ligadas a Álvaro Antônio e assessores seus.
Logo a seguir, o jornal revelou que uma candidata a deputada federal do PSL por Pernambuco havia recebido R$ 400 mil para sua campanha, a quatro dias da votação. O aparente esforço de fortalecer a postulante na última hora resultou em minguados 274 votos.
Com o passar dos meses, outras informações vieram à tona e o escândalo acabou por derrubar o ministro Gustavo Bebbiano, da Secretaria-Geral da Previdência.
Não obstante, Álvaro Antônio manteve-se em seu cargo. Tal situação chama mais atenção por se tratar de um ministro político, sem maior qualificação técnica, a ocupar uma pasta decorativa —candidata natural à extinção no processo de enxugamento administrativo promovido pelo governo.
Nos últimos dias o auxiliar deu mais motivos de preocupação ao Planalto. Uma planilha de gráfica e um depoimento colhido pela Polícia Federal sugerem que dinheiro da fraude promovida no PSL pode ter vazado, por meio de caixa dois, para as campanhas de Bolsonaro e do próprio Álvaro Antônio.
Haissander Souza de Paula, então assessor parlamentar do atual ministro, disse à PF que “acha que parte dos valores depositados para as campanhas femininas, na verdade, foi usada para pagar material de campanha de Marcelo Álvaro Antônio e de Jair Bolsonaro”.
Sem nenhum dado objetivo para embasar suas palavras, o presidente da República reagiu ao noticiário de maneira destemperada. Acusou a Folha de descer “às profundezas do esgoto”. Paralelamente, a área de comunicação do governo fez acusações descabidas e pregou retaliação à imprensa.
Já o ministro da Justiça, Sergio Moro, apressou-se em defender de público o chefe do Executivo, dando razão a quem vê incongruências entre sua atuação no primeiro escalão e o discurso moralizador que anteriormente pregava.
Cabe à PF —como está fazendo— prosseguir nas investigações, bem como à imprensa continuar cumprindo seu papel de informar. Do presidente, do ministro do Turismo e de outras áreas do governo esperam-se apenas esclarecimentos.
O desafio de manter empregos com os avanços da tecnologia – Editorial | Valor Econômico
Países devem amenizar os solavancos da transição investindo na educação e na qualificação das pessoas
Não bastasse contabilizar 12,6 milhões de desempregados, quase 36 milhões de trabalhadores por conta própria ou sem carteira assinada, além de 4,7 milhões de desalentados, o Brasil ainda pode ter pela frente o desafio de ver quase 60% dos empregos formais ou informais existentes desaparecerem.
O percentual equivale 52,1 milhões de postos de trabalho, que podem vir a ser desempenhados por máquinas e robôs nos próximos 10 a 20 anos. A previsão não é ensaio de ficção científica e sim resultado do cruzamento de informações da base de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do IBGE com estudo da Universidade de Oxford que identifica as ocupações em risco de ficarem obsoletas em consequência do avanço tecnológico, feito pela consultoria IDados e obtido pelo Valor (3/10). Há países que podem ter quase 80% dos empregos ameaçados, como China e Cambodja.
O levantamento leva em conta empregos com risco alto (acima de 70%) de serem realizados nas próximas décadas por tecnologias já existentes. Condutores de automóveis, táxis e caminhonetes, cobradores de ônibus, entrevistadores de pesquisa de mercado, garçons, balconistas de bares e lanchonetes estão entre os exemplos de empregos com elevada chance de se tornarem obsoletos. A substituição dos condutores chega a ser estimada em 98% pela IDados.
Outros 19,1% dos empregos são classificados como de risco médio de automação, o equivalente a 17,1 milhões de postos de trabalho. Com baixo risco de automatização estão 22,8% dos empregos, o correspondente a 20,5 milhões de vagas, mais blindadas porque demandam criatividade, originalidade, capacidade de relacionamento socioemocional e conhecimentos técnicos específicos.
Exercer uma função extremamente técnica e especializada não é garantia de estabilidade no emprego, como mostrou o Mapa do Trabalho Industrial, elaborado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e recentemente divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). As constantes transformações tecnológicas demandam atualização frequente. O Senai calculou que o país terá que qualificar cerca de 10,5 milhões de trabalhadores para o setor industrial, entre 2019 e 2023, dos quais três quartos estão empregados e o restante precisa se preparar para disputar um emprego.
O impacto da tecnologia no mercado de trabalho é um tema que preocupa desde os tempos do ludismo, movimento de operários ingleses de fiação e tecelagem, que destruíam máquinas como forma de protesto no início da Revolução Industrial. Paper dos economistas Adrian Peralta e Agustin Roitman, do Fundo Monetário Internacional (FMI), lembra que as mesmas inquietações surgiram na década de 1960, após um período de forte crescimento da produtividade; e na década de 1980, no início da revolução informática. O vertiginoso encurtamento do espaço de tempo entre o surgimento das inovações significativas torna a situação mais angustiante. Dos barcos a vapor até a eletricidade decorreu quase um século; entre o celular e o PC, menos de dez anos. As inovações também afetaram a vida das empresas, causando a ruína das que não se modernizaram.
Muitos preveem que a atual onda de inovações tecnológicas será mais disruptiva do que as anteriores, principalmente para o mercado de trabalho, dado o crescimento tímido dos salários reais e a participação decrescente do trabalho na renda nacional nas últimas décadas.
Avanços como a inteligência artificial, a automação e a robótica podem ter impacto ainda maior ao substituir habilidades humanas. Mas eles acreditam que as inovações mais transformam do que acabam com empregos; e que os países devem amenizar os solavancos da transição investindo na educação e na qualificação das pessoas.
As especializações e as novas profissões que ganham espaço com o desenvolvimento tecnológico exigem, por exemplo, sólida formação em matemática e física, disciplinas em que o desempenho dos alunos da rede pública brasileira de ensino fundamental e médio tem sido sofrível, como revela o histórico do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), promovido pela OCDE. Devem, portanto, receber atenção especial. Essas disciplinas darão base para o aprofundamento do estudo de conhecimentos necessários para se sobreviver no novo mundo.
O tamanho gigantesco do Estado-empresário – Editorial | O Globo
Número de companhias públicas e de participações federais é cinco vezes maior do que se sabia
O ministro Paulo Guedes, antes de assumir o cargo, havia prometido captar em privatizações R$ 1 trilhão, a ser canalizado para abater a preocupante dívida interna, em elevação constante enquanto o Estado brasileiro não conseguir fechar suas contas com um saldo positivo para pagar juros da dívida. Não há superávit desde 2013. Pareceu um exagero, até pelo prazo muito curto em que o futuro ministro prometeu atingir esta meta.
Não foi possível cumprir o prometido, como se previa, mas este mundo paralelo em que o Estado atua como empresário tem uma dimensão para além do que se sabia.
O que significa que há grande potencial para o Estado abater a dívida pública com a receita proveniente de desestatizações. Costumava-se usar como parâmetro o número de 134 empresas federais, distribuídas entre dependentes do Tesouro (leiase, o contribuinte), não dependentes e subsidiárias.
É cinco vezes mais, exatamente 637. Chegou-se ao número, anunciado pelo secretário Salim Mattar, por meio do levantamento feito pela Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, subordinada a Paulo Guedes.
Mesmo que seja necessária alguma depuração — a Petrobras, por exemplo, cria “coligadas” com seus sócios para explorar petróleo, por uma questão de organização jurídico-empresarial — a quantidade de empresas e de participações é impactante.
Significa, também, que há muito trabalho para Salim Mattar, devidamente apoiado pelo governo. Mas não se está na estaca zero. Na entrevista que concedeu na quinta-feira, o secretário destacou que a meta de US$ 20 bilhões definida para as desestatizações este ano já foi alcançada.
Na cifra estão a vendas de distribuidoras da Eletrobras, contra o interesse de políticos do Norte e Nordeste; a privatização do controle da BR Distribuidora feita no mercado de ações; a alienação pela Petrobras de campos de petróleo etc.
O ganho com as privatizações não se esgota nos recursos auferidos com a venda. Há o efeito não desprezível no caixa do Tesouro, obrigado a fazer transferências para muitas estatais: em dez anos, as empresas públicas que não geram lucos receberam do contribuinte R$ 160 bilhões, enquanto as não dependentes do Erário, R$ 30 bilhões. Ao todo, R$ 190 bilhões. Parte dos quais poderia ter sido investida para tirar o saneamento básico do país do padrão medieval em que se encontra em várias regiões.
O maior obstáculo a um amplo e necessário programa de privatização é político. Cada uma dessas participações do Estado gera interesses que se opõem à desestatização, e com algum trânsito nos Três Poderes.
O Estado brasileiro tende historicamente a se expandir. É de sua natureza. Para se estatizar uma empresa é sempre mais fácil, do ponto de vista político e jurídico, do que privatizar. Não por acaso.
Populismo virtual – Editorial | O Estado de S. Paulo
Em entrevista ao Estado, o presidente Jair Bolsonaro garantiu que a gestão da economia em seu governo “é 100% com Guedes” (referência ao seu ministro da Economia, Paulo Guedes), depois de dizer que não pode nem pretende interferir nessa área. No entanto, Bolsonaro informou que às vezes dá “sugestões” a seu ministro, transmitindo a Paulo Guedes o que o presidente chamou de “anseio popular”. Esse “anseio popular”, segundo Bolsonaro, é medido pelo que ele capta “nas mídias sociais”, que diz consultar madrugada adentro. Quando se depara com alguma recomendação ou reclamação que considera pertinente, o presidente conta que imprime a mensagem e a envia a Paulo Guedes – e então “o ministro dá uma satisfação”.
Sabe-se, desde a época da campanha eleitoral, que o presidente Bolsonaro não tem familiaridade com os temas mais importantes da economia, deixando essas questões sob responsabilidade de Paulo Guedes. Uma vez no exercício da Presidência, contudo, é imprescindível que Bolsonaro lidere seus ministros na direção do programa vencedor nas urnas – pois, afinal, foi ele o eleito com quase 56 milhões de votos, e não seus auxiliares. Por isso é natural que o presidente considere necessário nortear até mesmo o ministro que “é 100%” gestor de sua área, como é o caso de Paulo Guedes.
Dito isso, preocupa o modo como o presidente Bolsonaro escolheu interferir na administração da área econômica. Com naturalidade, Bolsonaro admite que dá atenção a manifestações de seus seguidores nas redes sociais e que são essas manifestações que orientam suas decisões ou observações a respeito da condução da economia – o presidente chega a encaminhar ao ministro Paulo Guedes as mensagens que leu na internet, cobrando providências.
Na entrevista, Bolsonaro disse que não consegue mais sair às ruas para sentir o pulso da população, como fazia quando era deputado federal. Mesmo que o fizesse, contudo, muito dificilmente teria condições, nesse contato, de perceber o real “anseio popular”, pois algumas dezenas de admiradores não representam o conjunto dos brasileiros.
É claro que, de tempos em tempos, o dirigente deve deixar o perímetro de seu gabinete para auscultar o povo que governa, mas numa sociedade complexa e multifacetada como a brasileira não é recomendável que uma simples conversa com eleitores se converta em política de Estado, pois é óbvio que esses eleitores são apenas uma fração do todo nacional.
Essa limitação é ainda mais evidente nas ruas virtuais, isto é, nas redes sociais. Ali, as rachaduras da sociedade se tornam explícitas, sem qualquer hipótese de conciliação de pontos de vista divergentes. Hooligans políticos nutrem entre si profundo ódio, como se a existência de um dos grupos dependesse da aniquilação dos outros. A democracia é simplesmente irrealizável num ambiente com tal animosidade.
É evidente, assim, que os arroubos de militantes virtuais não podem ser levados em consideração por aqueles sobre quem recai a responsabilidade de governar para todos. Políticas públicas formuladas ao sabor da gritaria nas redes sociais se prestam a saciar os extremistas, mas dificilmente cumprirão sua função de resolver os problemas do País.
Quando um presidente da República admite que não apenas dá ouvidos ao que se diz nas virulentas redes sociais, como espera que seus mais importantes ministros levem em conta as demandas daí originadas, constata-se a emergência de um novo tipo de populismo. No lugar das antigas massas manipuladas pelo líder populista, surgem as raivosas hostes virtuais que, malgrado minoritárias e sem mandato, se julgam presentes no Palácio do Planalto.
Cabe ao presidente da República, bem como às demais instituições republicanas, proteger o edifício democrático da ameaça representada por esse populismo virtual. Para isso, é preciso valorizar os mecanismos de representação política – os únicos capazes de traduzir os interesses de todos os brasileiros – e tomar decisões de Estado com base exclusivamente na realidade, e não na algaravia irresponsável dos manifestantes de Twitter.
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