- O Globo
Só recentemente Bolsonaro começou a se relacionar com deputados e senadores na linguagem que eles entendem
O levantamento do pesquisador da USP Guilherme Faria Guimarães, divulgado pelo GLOBO, que demonstra que o presidente Jair Bolsonaro é o presidente que teve mais vetos derrubados pelo Congresso nesses primeiros nove meses de governo desde 1988, reflete a dificuldade que o novo governo tem no relacionamento com os parlamentares.
Dos 33 vetos analisados, oito (24%) foram rejeitados de forma parcial ou total. Entre 1988 e 2014, apenas oito de 1.103 proposições vetadas foram rejeitadas pelo Congresso. É certo que a comparação não obedece aos mesmos parâmetros, pois, só a partir de 2013, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a tornar obrigatória a análise dos vetos pelo Congresso, é que os parlamentares passaram a derrubá-los.
Uma resolução interna, em seguida, obrigou os parlamentares a analisarem as normas vetadas em até 30 dias. Mesmo assim, a então presidente Dilma teve 9,5% dos vetos derrubados e, no governo Temer, o número aumentou para 14%.
O presidente Bolsonaro começou o governo optando por não ter uma base governista formal. Tentou negociar por bancadas: evangélica, da bala, da saúde, e assim por diante. Como essas bancadas são transversais aos partidos, pensava poder contornar as direções partidárias, e negociar diretamente com os parlamentares. Não deu certo.
Teve que negociar com os partidos, mas foi uma relação conflituosa desde o início, pois Bolsonaro baseou sua campanha vitoriosa à Presidência da República na demonização da política tradicional, se apresentando como representante da “nova política”, contra o que seria a “velha política”.
Apesar de estar na política por quase 30 anos, dizia-se um “outsider” por ser do chamado “baixo clero” e nunca ter participado das negociações de cúpula do Congresso.
Essa relação conflituosa do governo Bolsonaro com o Congresso tem como consequência o número recorde de derrubada de seus vetos, uma forma de pressão dos políticos contra o Palácio do Planalto, que já teve que mudar de negociador parlamentar várias vezes nesses primeiros meses.
Só recentemente Bolsonaro começou a se relacionar com deputados e senadores na linguagem que eles entendem: liberando verbas e cargos para seus indicados.
O governo, que não tem uma base formal e articulada, começa a fazer o jogo da política tradicional.
A reviravolta tem a ver com os episódios envolvendo seu filho Flávio quando deputado estadual no Rio. Desde que surgiu a figura do Queiroz, hoje tristemente famoso, tem havido uma série de ações para controlar as investigações, com o apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), cujo presidente Dias Toffoli participou de um estranho “pacto republicano” entre os Três Poderes da República a pretexto de proteger a governabilidade de nossa democracia.
As ações de investigação do antigo Coaf ( Conselho de Controle de Atividades Financeiras) foram restringidas por ordem do STF, e a transferência do Ministério da Justiça para o Banco Central, com o nome de Unidade de Inteligência Financeira, limitou ainda mais a atuação do controle financeiro, que havia detectado “operações atípicas” de Queiroz.
Também a Receita Federal teve sua atuação limitada por decisões judiciais, e por legislações aprovadas pelo Congresso. A importância de ter o apoio do Senado, onde está hoje o filho Flávio, e que vai decidir o futuro do outro filho, Eduardo, como embaixador em Washington, está demonstrada pela manutenção do senador Fernando Bezerra como líder do governo, depois de acusado pela Polícia Federal de participação em esquema criminoso em obras públicas.
Outro acordo político, desta vez de ordem interna, é o que mantém no cargo o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, mesmo depois de indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas como participante do esquema de financiamento ilegal do PSL.
Não há nada que envolva diretamente o presidente Bolsonaro no esquema que teria sido montado por seu partido, o PSL, pois seu nome não está na planilha que baseia a acusação. O presidente pensa inclusive em deixar o partido pelo qual concorreu.
Mas a dificuldade que está tendo em tirar seu ministro indica uma mudança de comportamento em relação ao combate à corrupção, outra pedra de toque de sua campanha vitoriosa.
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