- Valor Econômico
Para Campos, mercado ainda não absorveu realizações do governo
Setores do mercado financeiro estão vendo um excesso de otimismo do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, com o andamento das reformas e o seu potencial efeito na economia. Essa visão cor-de-rosa, para alguns, poderá influenciar as decisões de política monetária, levando a maior redução dos juros.
Campos, num evento sobre novas tecnologias, reconheceu a diferença de visão dentro e fora do BC. “Às vezes, vou fazer apresentações, e as pessoas falam: ‘As reformas não estão andando’”, relatou. “Eu falo: gente, como que não está acontecendo nada?” Para ele, por um problema de comunicação, “o mercado não está absorvendo todas as coisas que estão sendo feitas”.
Ele listou iniciativas do próprio BC e do governo. “Vamos pegar o mundo da abertura comercial, a gente fez acordo com a Europa”, disse. “Temos um plano para baratear o gás. Temos um plano para aumentar a competição no ‘business’ de petróleo. Passamos a lei de saneamento. Vamos olhar a infraestrutura: quantas concessões o ministro [da Infraestrutura] Tarcísio [Gomes de Freitas] já fez?”
Para analistas econômicos mais puristas, Campos não deveria se assumir como parte do governo. O presidente do BC, segundo essa visão, deve manter uma boa distância e receber as decisões governamentais como fatos exógenos nas decisões sobre juros, da mesma forma que um choque agrícola ou de petróleo.
Quando o BC se tornar sócio da agenda mais ampla de política econômica, surgem dúvidas se está subordinando a ela as decisões de política monetária.
Campos, na verdade, está assumindo dois chapéus diferentes. Um é o papel tradicional de chefe do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. O outro é de quem participou da formulação do programa econômico de Bolsonaro na campanha eleitoral e, já no BC, assumiu a liderança na agenda de reformas financeiras.
Em plateias de empreendedores, como nesse evento de tecnologia, ele assume o chapéu reformista e procura estimular o espírito animal do empresariado. “Acreditem no país, acreditem no plano [econômico], o plano tem um conteúdo mais liberal no sentido de ter menos governo e mais setor privado.”
Já na divulgação do Relatório de Inflação, em fins de setembro, usou o chapéu mais tradicional de chefe da autoridade monetária. “Não é o papel do BC categorizar ou fazer previsões sobre as reformas”, disse. “Nosso papel é simplesmente classificar e categorizar como isso influencia o nosso trabalho.”
Sob os dois chapéus, porém, está a mesma cabeça - e a inclinação parece ser uma visão otimista. Campos disse, na divulgação do Relatório de Inflação, que o andamento das reformas - junto com o risco de o alto nível de ociosidade da economia levar a uma inflação mais baixa - contrabalançou a piora no risco externo ocorrida nas semanas anteriores à última reunião do Copom. “Entendemos que tinha avançado a dimensão do hiato [ociosidade da economia] e das reformas, ainda que possa sempre ter um avanço mais rápido”, afirmou ele.
Analistas econômicos mais conservadores, porém, estão menos seguros sobre o progresso das reformas. Na semana passada, por exemplo, o governo sofreu uma derrota no Senado que murchou a reforma da Previdência em R$ 76,4 bilhões. A economia final da reforma, de R$ 800 bilhões ao longo de dez anos, é mais do que se sonhava há pouco meses, mas ela só estabiliza esse item de despesa. Será necessário um ajuste fiscal adicional hercúleo para evitar o estouro da regra do teto de gasto, para gerar superávits primários e para conter a alta da dívida pública.
Pelo grau de desorganização política do governo no Congresso, medidas adicionais de contenção de gastos deverão ser empurradas para 2020. O governo também tem atrapalhado muito o andamento de outras reformas que podem contribuir para o aumento da produtividade, com a tributária. Perdeu tempo, energia e capital político com a ideia de uma nova CPMF.
O governo, segundo essa visão dos setores mais céticos do mercado, também estaria superdimensionando os efeitos das propostas na economia. A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, por exemplo, chegou a calcular uma alta de 7% no PIB per capita com a aprovação da lei de liberdade econômica. A queda de 40% no preço do gás na nova regulamentação do setor parece uma miragem, dada a dificuldade de conciliar interesses dos Estados.
Quanto ao acordo de livre-comércio com a União Europeia, vai levar mais tempo ainda para ser concretizado, depois dos desentendimentos do Brasil com a França.
O Banco Central, porém, não precisa do cenário mais brilhante das reformas para continuar cortando juros. A hipótese de rejeição da reforma da Previdência representaria a concretização de um risco de cauda; agora que o projeto está encaminhado, mesmo com desidratação, o Copom pode deixar de classificá-lo como um “risco preponderante”, como fez na sua comunicação recente.
O BC alerta para o risco como “uma eventual frustração em relação à continuidade das reformas e à perseverança nos ajustes necessários na economia brasileira”. Isso significa que, mais do que a velocidade, importa a direção. O risco só se materializa se porventura o presidente Jair Bolsonaro ou o Congresso desistirem do ajuste e se o mercado perder a paciência.
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