- Folha de S. Paulo
Problema de censores com sexo fazia plateia gargalhar no meio de cena violenta
Quem foi criança durante a ditadura deve se lembrar. Pouco antes de o filme começar, surgia na tela um documento onde se lia no alto: Ministério da Justiça, Departamento de Polícia Federal, Divisão de Censura de Diversões Públicas. De um lado havia um brasão da República e do outro uma faixa verde e amarela, cores que se intuía, pois o documento era reprodução em preto e branco.
A projeção durava alguns segundos de silêncio. No cinema, era a senha para também ficarmos quietos, não por respeito ao momento grave e sim pela expectativa do início do filme. O tempo era curto, mas meus olhos sempre conferiam as principais informações: o nome da obra, o nome em inglês quando o filme era americano, o campo para a “justificação de impropriedade”, tipo “cenas de sexo”, e a assinatura do censor, à mão, “Solange M.T. Hernandes”.
Dona Solange tinha letra redonda e firme. Imaginava-a como uma professora igualmente redonda e brava. Afinal, ela assistia a um monte de coisas antes da gente para ver se era adequado. Até cenas de sexo.
O campo da “classificação” só chamava a atenção quando conseguíamos, por fraude na carteirinha ou complacência do bilheteiro, entrar em filme proibido para a nossa idade. Foi um troféu ler pela primeira vez “IMPRÓPRIO PARA MENORES DE 18 ANOS”. Não havia sexo no filme.
Dona Solange e colegas tinham problemas com isso, o sexo. “Império dos Sentidos” e “Laranja Mecânica” levaram anos para serem exibidos. O filme de Stanley Kubrick só passou após os censores colocarem bolinhas pretas nas partes pudendas que apareciam. Como as partes pudendas eram mais rápidas que as bolinhas pretas, a plateia começava a gargalhar no meio da cena violenta.
Se tivermos um gênio como Kubrick, neste momento, tentando se expressar através de sua obra, infelizmente não o fará em um centro cultural da Caixa. Sim, as bolinhas pretas sempre perdem a corrida, mas vamos continuar a gargalhar no meio da cena violenta?
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