- Folha de Paulo
No Youtube brasileiro, canais de direita são muito maiores que os demais
Publicamos na semana passada um pequeno estudo mapeando os canais políticos no Youtube (tiny.cc/youtubepolitico). Entre muitos resultados, uma coisa nos chamou a atenção: o tamanho dos canais de direita e seu isolamento em relação aos canais de esquerda e da grande imprensa. Essa característica contraria outros estudos sobre a estrutura do consumo de notícias por meio de mídias sociais no Brasil.
Nos Estados Unidos, estudos têm mostrado que, nas mídias sociais, quem interage com sites partidários de esquerda também interage com sites da grande imprensa; no entanto, quem interage com sites de direita geralmente não interage com a grande imprensa.
Em um livro influente ("Network Propaganda", Oxford University Press, 2018), Robert Farris e Yochai Benkler argumentam que esse isolamento dos consumidores de notícias de direita nos Estados Unidos faz com que os exageros e as distorções hiperpartidários não sejam corrigidos por reportagens factuais dos grandes meios de comunicação, gerando desinformação sistêmica --o que não ocorreria na esquerda, que teria na grande imprensa uma espécie de contraponto.
Nos estudos brasileiros, porém, esse fenômeno não aparecia. Eles indicavam, geralmente, uma estrutura tríptica, com esquerda e direita nos extremos e a grande imprensa no meio. Isso sugeria que, embora usuários com identidades políticas fortes transitassem mais intensamente em circuitos de informação partidários, eles também interagiam com a grande imprensa. Assim, em tese, os grandes meios de comunicação poderiam cumprir para os dois campos um papel de controle e averiguação factual.
Assim, foi preocupante descobrir, pela primeira vez no Brasil, um padrão semelhante ao americano no Youtube. Vimos que quem comenta em canais de esquerda, como o do Brasil 247, comenta também em canais da grande imprensa, como o da TV Folha ou o da BBC Brasil. No entanto, quem comenta em canais de direita, como o de Nando Moura, não costuma comentar em canais da grande imprensa, com exceção do jornalismo mais partidário (como o da Jovem Pan) e do jornalismo policial.
Benkler e Farris diziam, a respeito dos EUA, que a direita está se isolando do establishment. No Youtube brasileiro, porém, os canais de direita são muito maiores do que os demais --o que nos leva a perguntar quem é que está ficando isolado.
Uma antiga anedota inglesa diz que, certa vez, após um temporal que cortou a comunicação do Reino Unido com a Europa, um jornal londrino estampou na capa a manchete "Nevoeiro no canal da Inglaterra. Continente isolado".
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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