- Folha de S. Paulo
Em tempos modernos, quem melhor desempenha esse papel é a mídia
“Ninguém ama o mensageiro que traz más notícias”. A frase é de Sófocles. Não conheço nenhuma lista de universais humanos que inclua a disposição de tomar o portador de más notícias como causa dos infortúnios, mas essa propensão é tão disseminada que poderia figurar entre as tendências indeléveis de nossa espécie. Além de Sófocles, escreveram sobre isso Plutarco, Shakespeare e Freud —para ficar só nos clássicos.
Em tempos modernos, quem melhor desempenha o papel de mensageiro é a mídia. É frequentemente ela que dá publicidade às notícias que podem causar dano a políticos. É sempre tensa, portanto, a relação entre governantes e a imprensa independente.
Se ataques de Bolsonaro à Folha são compreensíveis no plano psicológico, não têm a menor sustentação quando se adota a perspectiva da lógica. Reportagem de Camila Mattoso e Ranier Bragon, que motivou crítica presidencial, mostra que a PF relata a existência de documentos que sugerem que verbas do esquema de candidatas laranja tenham sido usadas para abastecer as campanhas de Bolsonaro e do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.
Em momento algum o jornal atribuiu a Bolsonaro a autoria de nenhum ilícito eleitoral e nem sugeriu que ele tivesse conhecimento de irregularidades, imputações que poderiam justificar uma negativa veemente por parte do presidente. Assim, a menos que se imagine que Bolsonaro tenha o dom da onisciência e saiba tudo o que se passou em sua campanha, ele próprio não pode ter certeza de que não ocorreram impropriedades.
A posição coerente, se ele de fato nada deve, seria pedir investigações rigorosas, que o isentassem de participação em qualquer tipo de fraude (o prazo para uma ação de cassação de mandato em tese já se esgotou e não deveria assombrá-lo).
Bolsonaro, porém, prefere culpar o mensageiro, como o fazem dirigentes desde tempos imemoriais.
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