Entrevista com José Álvaro Moisés, diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP
Para José Álvaro Moisés, Brasil vive vácuo de lideranças políticas
Paulo Beraldo | O Estado de S.Paulo
As declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sugerindo a possibilidade de volta de um AI-5 caso haja radicalização de movimentos da esquerda é incompatível com a Constituição Federal e gravíssima para um parlamentar eleito democraticamente. A avaliação é do cientista político José Álvaro Moisés, professor da Universidade de São Paulo e diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da instituição.
Na entrevista, o pesquisador afirmou que cogitar alternativas assim é um reconhecimento implícito de que o governo não está indo bem. "Ao invés de adotar procedimentos próprios da democracia, como a busca de diálogo e entendimento com outras forças políticas, eles se voltam para políticas de exceção, como a hipótese de um golpe ou de uma radicalização dos conflitos políticos", afirmou Moisés, que lança o livro Crises da Democracia - O Papel do Congresso, dos Deputados e dos Partidos esta semana.
O cientista político afirmou ainda identificar no Brasil hoje um vácuo de lideranças capazes de interpretar o momento e os desafios do País, como a desigualdade de renda e a necessidade de crescimento econômico. "Há na sociedade um sentimento de que estamos sem alternativa, sem líderes capazes de interpretar o desafio do momento e oferecer perspectivas de futuro, que mostrem que podemos melhorar e recomeçar a construção de uma sociedade mais justa e solidária." Abaixo, a entrevista.
• Como o senhor vê a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro sugerindo a volta do AI-5 caso haja "radicalização da esquerda"?
Essa declaração é muito grave e suscita a necessidade de o Ministério Público Federal abrir um processo. Ele jurou compromisso com a Constituição. É uma declaração totalmente incompatível com a Constituição e uma coisa gravíssima que tem de ser objeto de ação da Justiça.
• Não é a primeira vez que o núcleo próximo do presidente fala sobre a possibilidade de ruptura institucional. O senhor vê essa possibilidade?
É preciso ver esse cenário a partir de dois olhares. Por um lado, não creio que haja apoio social, nem mesmo nas Forças Armadas, para isso. Mas, por outro, o fato de pessoas próximas do presidente mencionarem essa possibilidade, em uma tentativa de identificar uma saída para os dilemas que o governo enfrenta e não consegue resolver, é preocupante.
Se o governo estivesse sendo bem-sucedido no enfrentamento das crises e desafios que o acometem - o fogo na Amazônia, o derramamento de óleo nas praias do Nordeste, o desemprego de milhões, a perda de renda da população - não seria necessário cogitar alternativas de exceção como essas.
Cogitar isso é um reconhecimento implícito de que o governo está fracassando e que, diante disso, ao invés de adotar procedimentos próprios da democracia, como a busca de diálogo e entendimento com outras forças políticas, eles se voltam para políticas de exceção, como a hipótese de um golpe ou de uma radicalização dos conflitos políticos.
• Nesse contexto de radicalização, como vê a relação do presidente Jair Bolsonaro com a imprensa?
Líderes populistas no mundo inteiro não conseguem conviver bem com uma imprensa livre, crítica aos seus atos e decisões de governo. Bolsonaro não está fugindo desse perfil. Não consegue entender que a imprensa, e a mídia em geral, é um componente fundamental da democracia, mesmo quando essa venha a fazer críticas erradas, às quais governos democráticos sempre podem responder. Mas as suas reações à mídia não mostram tranquilidade para responder aos ataques que sofre. Ele reage destemperadamente a eles.