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O pacote social da Câmara – Editorial | O Estado de S. Paulo
A poucos dias de o governo apresentar ao Congresso um ambicioso pacote de reformas, propondo reajustes drásticos na administração pública e no regime fiscal, um grupo de deputados acionados pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), apresentou às suas lideranças uma série de propostas para a área social, envolvendo setores como educação, trabalho, geração de renda e saneamento básico. Trata-se de uma resposta política do Parlamento ao baixo perfil do governo nesse âmbito.
“Eu acho que o nosso tempo está correndo. Temos aí uma desigualdade que aumentou, a pobreza que aumentou e estamos vendo crises pela América do Sul”, disse Maia ao Estado. “O Brasil, que é um país mais pacífico que outros, tem a oportunidade de reconstruir a sua base na relação da política com a sociedade em outro patamar.”
A reconstrução dessa base se mostra de fato necessária desde que suas fissuras ficaram evidentes nas manifestações de 2013, que expuseram a crise de representatividade e a desconfiança generalizada em relação às instituições políticas e seus protagonistas tradicionais. Foi em parte esse vácuo de confiança que permitiu a ascensão de Jair Bolsonaro, o qual, embora deputado há décadas, capitalizou votos com um discurso ferozmente anti-establishment em nome da “Nova Política”.
Um elemento decisivo nessa retórica é a crítica ao assistencialismo, como se toda a atenção dada às camadas mais sacrificadas da população tivessem essa característica pejorativa. É inegável que a gestão petista praticou abusos – para não falar dos crimes – ao instrumentalizar programas sociais para fins eleitoreiros. Muitos desses abusos acentuaram o descontrole fiscal do Estado brasileiro, contribuindo para o quadro recessivo do qual a duras penas o País tenta se recuperar.
Mas isso não pode servir de pretexto para o governo ignorar a necessidade de combinar medidas de ajuste fiscal com programas de apoio aos mais desfavorecidos. Afinal, nos últimos anos, a população brasileira não só ficou mais pobre, como mais desigual, e os mais prejudicados foram os jovens e os trabalhadores menos qualificados. Até agora, contudo, o único compromisso do governo com programas assistenciais foi a manutenção do Bolsa Família, mas mesmo isso tem funcionado no limite, e entre maio e setembro a cobertura caiu de 14,3 milhões de famílias para 13,5 milhões.
“Há um vácuo, uma ausência muito grande do governo nessa área e que a Casa deveria ocupar”, disse a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), coordenadora do grupo da Câmara responsável pela elaboração do pacote social. As propostas apresentadas estão divididas em cinco eixos: distribuição de renda, incorporação de beneficiários de programas sociais no mercado de trabalho, incentivo à formalização de empregos, expansão do atendimento de saneamento básico e melhora da gestão de políticas.
Assim como o projeto de reformas estruturantes do governo, trata-se de um plano ambicioso, e, como ele, precisará ser submetido a um processo rigoroso que avalie a sua viabilidade econômica e política. Em outras palavras, é preciso calcular as fontes de receita, consultar as instâncias representativas da sociedade civil, escalonar a agenda político-administrativa e articular as propostas com as bases parlamentares.
As lideranças na Câmara, e em especial o seu presidente, já mostraram que têm condições de aprovar reformas importantes e até, em certa medida, impopulares, como foi o caso da reforma da Previdência, na qual atuaram não só com mais eficiência que o governo, mas não raro contra as dificuldades criadas por ele.
Até o momento, do pacote social definiram-se apenas linhas de ação promissoras, mas incertas. O grupo precisará demonstrar que são concretizáveis e como o serão. Mas o fato de a Câmara propor um contraponto social aos programas fiscais do governo, deixando claro que tais medidas não se contrapõem à agenda de reformas administrativas e econômicas, é um indicador de que o Congresso tenta manter-se em harmonia com o Executivo.
Estado e governo – Editorial | O Estado de S. Paulo
O governo do Uruguai convocou o embaixador brasileiro em Montevidéu, Antônio Simões, para dar explicações sobre as declarações do presidente Jair Bolsonaro a respeito da eleição no país vizinho. O candidato governista Daniel Martínez, da Frente Ampla, e Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, disputarão o segundo turno da eleição presidencial no dia 24 deste mês. O presidente brasileiro declarou apoio ao oposicionista Lacalle Pou.
A convocação de um embaixador pelo governo do país onde serve é uma prática relativamente comum na diplomacia. O que particulariza este caso envolvendo Uruguai e Brasil é o fato de se tratar da primeira resposta oficial de uma nação estrangeira a uma prática recorrente de Jair Bolsonaro, qual seja, a de se imiscuir em assuntos que não lhe dizem respeito.
A manifesta predileção por um dos candidatos à presidência do Uruguai foi mais do que um erro de Jair Bolsonaro como chefe de Estado. Foi um vexame. Luis Lacalle Pou, o candidato apoiado, simplesmente recusou o apoio, indicando que a chancela do presidente do Brasil é mais tóxica do que benéfica à sua campanha. “Não me parece uma coisa boa que diferentes políticos, ainda mais um governante, opinem sobre o que pode acontecer em outro país.
Por sorte, o Uruguai não decide o que os brasileiros pensam. O Uruguai decide sobre as coisas que aqui acontecem e sobre o que precisam os uruguaios”, disse o candidato da centro-direita ao jornal local El Observador. As palavras de Lacalle Pou soaram como uma admoestação sem a qual o presidente Jair Bolsonaro poderia muito bem ter passado. Com modéstia, o presidente brasileiro poderia refletir sobre sua manifestação pública e repensar seu modo de proceder na condução da política externa.
O presidente Jair Bolsonaro já declarou apoio à reeleição do presidente norte-americano Donald Trump no ano que vem. Está fresca na memória a imagem patética de um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), vestindo um boné da campanha de Trump. São comportamentos temerários, em desalinho com o melhor interesse do Estado brasileiro. Hoje não é possível sequer afirmar que o presidente dos Estados Unidos concluirá seu mandato, tendo em vista que a Câmara dos Representantes formalizou recentemente a abertura de um processo de impeachment contra ele. Que dirá ser reeleito.
O mesmo aconteceu no curso da eleição presidencial na Argentina, nosso maior parceiro regional. O presidente brasileiro apoiou a reeleição de Mauricio Macri. No domingo passado, Macri perdeu para o peronista Alberto Fernández. A relação entre Bolsonaro e Fernández já começou estremecida,
repleta de provocações de parte a parte. A quem serve esse bullying tolo entre dois chefes de Estado? Não aos interesses dos dois países, que continuarão caminhando juntos a despeito dos humores de seus chefes de Estado e de governo.
Por fim, vale lembrar que o presidente brasileiro também apoiou enfaticamente a recondução do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e o país se vê às voltas com um impasse político para formação do novo governo que pode levá-lo à terceira eleição em um ano.
Quais os riscos para o Brasil caso um candidato do Partido Democrata vença a eleição nos Estados Unidos em 2020? O que acontecerá caso – como já está mais do que claro – um candidato não alinhado a Jair Bolsonaro seja o novo premiê de Israel? Como será a relação entre Brasil e Argentina após a posse de Alberto Fernández?
Todas essas dúvidas seriam facilmente respondidas caso Jair Bolsonaro compreendesse que uma de suas mais importantes funções como presidente da República é atuar como o mais distinto representante dos interesses do Estado brasileiro, e não fazendo a advocacia administrativa de suas predileções pessoais.
São escassas as esperanças de que o presidente, enfim, possa mudar sua percepção em relação ao cargo. Resta-nos torcer para que o qualificado corpo diplomático do País atue na contenção de danos.
Uma grata surpresa – Editorial | Folha de S. Paulo
Giro internacional de Bolsonaro teve polêmicas, mas balanço é positivo
Jair Bolsonaro (PSL) retornou ao Brasil na semana passada após o maior giro externo desde que assumiu. Como seria previsível, polêmicas institucionais sérias se alternaram com episódios anedóticos que explicitam o provincianismo algo calculado do brasileiro.
O que é uma pena, não só pelo valor negativo intrínseco a essas distrações, mas também porque a viagem a cinco países registrou um balanço de pragmatismo e correção diplomática inauditos até aqui na gestão bolsonarista.
Tome-se por exemplo a escala de Bolsonaro na China. Apenas essa construção, unindo o presidente direitista e a ditadura comunista por ele tanto espicaçada, já causaria estranhamento. Mas foi uma visita bastante profissional.
Não eram esperados anúncios grandiosos, até porque a tradição chinesa desse tipo de contato interpessoal é a do estabelecimento de confiança. Qual avaliação Xi Jinping fez de Bolsonaro é incógnita, mas foi surpreendente ver o ideológico brasileiro se comportando de acordo com o objetivo da visita.
Houve até um excesso, o anúncio da abolição da exigência de vistos para chineses, mas nada altamente reprovável. Por questionável que o regime seja, nenhum país do mundo hoje pode prescindir de laços com o gigante asiático, muito menos o Brasil —de quem Pequim é o maior parceiro comercial.
Já a etapa árabe da viagem teve o tom de um “roadshow”, evento de venda de projetos do país a investidores externos. O setor de defesa, por exemplo, abriu interlocução com grandes compradores de armas que podem vir a adquirir aviões da Embraer, blindados ou lançadores de foguetes.
A região tem dinheiro e conflitos demais para ser ignorada —a Arábia Saudita tem o terceiro maior orçamento militar do mundo.
Também foi no reino controlado por Mohammed bin Salman que houve o único escorregão, de resto esperado, da nova orientação da política externa brasileira.
Os sauditas são aliados dos norte-americanos adorados por Bolsonaro e disputam a primazia regional no Oriente Médio com o Irã, país que já teve relações próximas com o Brasil nos anos do PT no poder.
Ao chamar MbS, como o príncipe herdeiro acusado pelo esquartejamento de um jornalista é conhecido, de “irmão”, o presidente colocou o Brasil num dos lados de um conflito que não lhe diz respeito.
De positivo, o brasileiro obteve a promessa da criação de um fundo de investimento em infraestrutura de US$ 10 bilhões a partir dos profundos cofres petrolíferos sauditas.
É desse tipo de iniciativa, e não de hienas imaginárias ou ataques histéricos à imprensa, que deveria ser composto o cardápio de próximas viagens presidenciais.
Desastres mostram fracasso da política para o meio ambiente – Editorial | O Globo
É incompreensível, por exemplo, a letargia do governo diante da calamidade nas praias do Nordeste
Uma sucessão de eventos desastrosos nos últimos dez meses atesta o fracasso da política nacional de proteção e defesa do meio ambiente. Também revela a inexistência de um sistema de Defesa Civil que permita uma resposta ágil, eficiente e coordenada entre governos federal, estaduais e municipais.
Perenizam-se as sequelas dos desastres provocados pelos rompimentos das barragem de rejeitos no Sudeste, pelos incêndios e desmatamentos na Amazônia e pelo petróleo cru que invadiu dois mil quilômetros do litoral do Nordeste.
Mais de quarenta semanas depois da tragédia em Brumadinho (MG), prossegue a procura de vítimas. Já se contaram 252 mortos e ainda há 18 desaparecidos sob a lama.
Do Vale do Rio Doce até o litoral do Espírito Santo ainda se observam as graves consequências sociais, econômicas e ambientais da catástrofe de 2015 em Mariana.
Na Amazônia registrou-se um aumento de 92,7% em áreas desmatadas até setembro. Houve queima e desmate em território equivalente a 7,8 mil quilômetros quadrados de florestas, segundo os alertas emitidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nos nove primeiros meses.
Pairam, ainda, os efeitos do óleo que há oito semanas contamina mais de duas centenas e meia de praias nordestinas e agora avança em direção ao litoral do Sudeste.
Nesses episódios sobressaiu o voluntariado comunitário, que se organiza e age na emergência até que os governos se mobilizem no socorro às vítimas.
A resposta federal, por exemplo, foi mais rápida nas tragédias de Mariana e Brumadinho do que nos incêndios e no desmatamento na Amazônia. E demorou excessivamente no caso do petróleo que invadiu a costa do Nordeste.
Se faz necessária e urgente uma profunda revisão das políticas ambiental e de Defesa Civil. É incompreensível, por exemplo, a letargia do Ministério do Meio Ambiente diante da calamidade nordestina. Simplesmente não acionou de imediato o sistema de contingência para vazamento de óleo no mar, previsto no decreto nº 8.127, de 2013.
Torna-se louvável, portanto, a iniciativa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de criar uma comissão parlamentar para analisar a política nacional de meio ambiente e o sistema de Defesa Civil. “Se não resolvermos isso, não adianta fazer reforma tributária, administrativa e previdenciária, porque há uma correlação crescente, e muito forte, entre o investimento e meio ambiente”, justificou.
Está na hora de mudança, também, em aspectos da política econômica como, por exemplo, na concessão de subsídios à produção de automóveis. O país incentiva a fabricação de carros e pouco investe em transporte de massa. É um contrassenso ambiental, com drásticas consequências econômicas.
Lei do saneamento é avanço, mas ainda restam incertezas - Editorial | Valor Econômico
Cria-se um ambiente muito mais favorável a aportes privados, sem os quais seria impossível alcançar os R$ 600 bilhões para a universalização dos serviços
No calor dos debates sobre o novo marco legal do saneamento básico, um parlamentar baiano de oposição criticou duramente o projeto de lei que busca atrair investimentos privados para o setor e observou: “Se essa proposta passar, os pequenos municípios do interior da Bahia vão ficar sem coleta e tratamento de esgoto”.
O sinal de alerta sobre danos futuros chega a ser risível quando se olha o drama que se vive nas cidades brasileiras. Seis mil piscinas olímpicas de esgoto são despejadas por dia nos rios do país. Seis mil. Por dia. Talvez seja a razão pela qual algumas pessoas que têm acompanhado as discussões no Congresso Nacional chamem esse projeto sobre o novo marco regulatório do saneamento de “PL Tiririca” - pior do que está, não fica.
A proposta, aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados na semana passada, tem mérito enorme ao criar um ambiente muito mais favorável a aportes privados - sem os quais seria impossível alcançar os R$ 600 bilhões necessários para a universalização dos serviços.
Novos contratos de programa (firmados diretamente entre prefeituras e companhias públicas de água e esgoto), sem licitação e sem metas, ficam vedados. Os atuais vão sendo substituídos por contratos de concessão, em concorrência aberta e com indicadores de fácil monitoramento. Troca-se um sistema que gira em torno de estatais com baixa capacidade de investimento por outro baseado no apetite do setor privado para oferecer serviços.
No entanto, restam dúvidas sobre como implementar a lei e fazer os novos contratos de concessão - o desafio pode ser particularmente grande em algumas áreas. O projeto aprovado atribui aos Estados a prerrogativa de formar regiões metropolitanas ou unidades regionais de saneamento, mediante lei votada nas assembleias legislativas, com agrupamentos de municípios que tenham viabilidade econômica.
Pode-se juntar localidades maiores e menores, superavitárias e deficitárias, filé com osso. A ideia é justamente criar uma blindagem contra o discurso alarmista de que pequenas cidades vão ficar sem saneamento porque o investidor privado terá olhos apenas para as grandes.
A rigor, o Estado inteiro poderia constituir uma única unidade regional de saneamento. Teria a mesma abrangência das companhias estaduais hoje em dia. Ficaria difícil sustentar a crítica de que o novo marco legal matará o sistema de subsídios cruzados que, bem ou mal, leva água tratada (mas quase nunca coleta de esgoto) aos rincões mais afastados.
Pelo texto recém-aprovado, os Estados têm 180 dias para desenhar suas unidades regionais de saneamento. Se isso não ocorrer, a União poderá atuar de “forma subsidiária” aos governos estaduais e estabelecer blocos de referência com municípios de um mesmo Estado. Mas caberá às prefeituras, titulares do serviço, aderir voluntariamente ou não aos blocos desenhados nos gabinetes de Brasília.
Há boas chances de funcionar na maioria dos casos, mas convém manter um olhar cauteloso. O projeto define o fim de 2033 como prazo para que seja alcançada a universalização dos serviços (99% de abastecimento de água e 90% de tratamento de esgoto), podendo chegar a 2040 em casos onde o investimento for muito pesado e tornar-se inviável atingir a meta antes.
Imagine-se um dos casos mais graves do país: o de Porto Velho (RO), com menos de 5% dos dejetos coletados e uma estatal incapaz de expandir sua rede pública. Ninguém pode enxergar a concessão como alternativa mais viável para os investimentos. De olho numa tarifa mais módica, entretanto, a prefeitura pode lutar por não associar-se a outros municípios de Rondônia e fazer um contrato sozinha. A União poderia utilizar sua nova prerrogativa legal e desenhar os blocos de referência, mas corre o risco de esbarrar na falta de “enforcement” da legislação. Há, como incentivo, apenas uma menção de que os entes federativos mais ágeis na formatação das concessões têm prioridade para receber recursos não onerosos - como empréstimos do BNDES e do FGTS - do governo federal.
Mesmo com elementos ainda nebulosos, o projeto de lei nº 3.261/19 traz perspectivas animadoras. Outros pontos, mais consensuais, envolvem a edição de normas de referência pela Agência Nacional de Águas (ANA) - hoje existe uma “salada regulatória” com a proliferação de agências estaduais e municipais - e a cobrança de tarifa nas residências ou estabelecimentos onde a rede estiver disponível. Justifica-se, assim, a aprovação do projeto em plenário o mais brevemente possível.
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