- Valor Econômico
Cortar mais os juros parece ser a alternativa caso se materialize o risco de a inflação muito baixa se perpetuar, por meio da inércia
Setores do mercado financeiro tiraram conclusões definitivas sobre o comunicado divulgado semana passada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Alguns dizem que o colegiado riscou uma linha no chão e que os juros dificilmente caem abaixo de 4,5% ao ano. Outros, que 4% ao ano é o piso.
Embora o comunicado do Copom tenha, de fato, algumas cores de “forward guidance”, indicando a possível trajetória da taxa básica para além da próxima reunião, não há um compromisso claramente assumido pela autoridade monetária. O ponto terminal do atual ciclo de distensão monetária segue em aberto e condicionado pela evolução do cenário econômico.
A esse respeito, será muito importante conhecer em mais detalhe os debates do Copom sobre dois pontos novos que foram citados no balanço de riscos para a inflação. De um lado, a inflação corrente está muito baixa e, se seguir assim, poderá contaminar favoravelmente, via inércia, as projeções de inflação. De outro lado, o ciclo de baixa de juros está avançado, ampliando a incerteza sobre os seus efeitos na economia e na inflação.
A ata do Copom, que será divulgada amanhã, não deverá necessariamente trazer divisões entre os membros do colegiado sobre esses temas. Ainda assim, essas forças antagônicas devem ser cuidadosamente ponderadas dentro do comitê ao longo dos próximos meses para definir quanto os juros vão cair.
As dúvidas dentro do colegiado, muito provavelmente, espelham as dos especialistas do mercado. A inflação corrente está muito baixa, e não apenas devido a eventos passageiros. Os núcleos de inflação, quando ajustados sazonalmente, caíram abaixo do piso da meta de inflação.
Neste ano, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve fechar em 3,4%, mais perto do piso da meta (2,75%) do que do que do centro (4,25%). A inflação tenderá a recuar no começo de 2020, quando índices mensais mais altos deste ano serão descartados, entrando no lugar percentuais mensais mais baixos.
Algumas projeções do Relatório de Inflação de setembro mostram que, ao longo do primeiro semestre de 2020, a inflação poderá cair abaixo de 3%. Pelas estimativas de inflação mensais do mercado, o IPCA acumulado em 12 meses vai atingir a mínima de 2,7% em abril de 2020.
Alguns economistas já vinham levantando a hipótese de que a inflação muito baixa poderá levar o Banco Central a repensar, mais adiante, o tamanho do ciclo de corte de juros. Um deles é Carlos Thadeu de Freitas Filho, responsável pelo Termômetro da Inflação, feito pela Ativa Investimentos, que diz que esse ambiente benigno ocorrerá no momento em que o horizonte relevante da política monetária estará se deslocando para 2021.
Uma variável relevante é o impacto que a continuidade desse ambiente de inflação baixa poderá ter nas expectativas. Hoje, o mercado projeta uma inflação de 3,6% para 2020, abaixo da meta definida para o ano (4%), já tomando como certo que o BC vai cortar os juros a 4,5% ao ano. Ao longo do primeiro semestre de 2020, a inflação corrente baixa tende a afetar as projeções do mercado para o ano seguinte, 2021. Nesse momento, diz Freitas Filho, pode ganhar força a tese do juro real negativo.
Nenhuma linha do comunicado do Copom diz que o colegiado cogita, pelo menos por enquanto, se aventurar nesse terreno. Feita essa ressalva, cortar mais os juros parece ser a alternativa caso se materialize o risco de a inflação muito baixa se perpetuar, por meio da inércia. Não é a primeira vez que o Copom se depara com esse tipo de situação. Em fins de 2017, quando o Copom também caminhava para os estágios finais de um ciclo de distensão monetária, passou a citar no seu balanço de riscos a “possível propagação, por mecanismos inerciais, do nível baixo de inflação corrente”.
Hoje, há mais coisas em comum com aquele período. No comunicado da semana passada, o Copom disse que “o atual estágio do ciclo econômico recomenda cautela em eventuais novos ajustes no grau de estímulo”. Em 2017, disse coisa bem parecida: “o estágio do ciclo recomenda cautela na condução da política monetária”. Agora, muitos acreditam que a prescrição de cautela seja um limite bem definido para a queda de juros. Dois anos atrás, porém, a recomendação de cautela significou um princípio mais geral na condução da política monetária; o colegiado, usando palavras da época, comunicou que “houve consenso em manter liberdade de ação”.
Na prática, a cautela significou a redução no ritmo de corte de juros, desacelerando de 0,5 ponto percentual para 0,25 ponto percentual. Nas reuniões seguintes, o comitê continuou a monitorar a evolução da inflação corrente e, em particular, os núcleos de inflação, que naquela época oscilavam entre confortáveis e baixos. Também colheu mais informações sobre como estímulos anteriores estavam se transmitindo à economia. Usando os graus de liberdade que havia comunicado, o Copom fez dois movimentos de baixa de juros de 0,25 ponto percentual e chegou a sinalizar um terceiro, que não foi efetivado devido à piora do ambiente externo.
O que aconteceu há dois anos não é, de nenhuma forma, um roteiro da estratégia atual. Mas ilustra que a sinalização do Copom não é exatamente quantitativa, revelando quanto os juros vão cair, e sim qualitativa, indicando as variáveis relevantes para definir a trajetória da taxa básica.
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