- Folha de S. Paulo
Fusão de elites políticas e empresariais cria deficit democrático no Chile
“Fuímos ‘los ingleses’ de América”, afirmou Diego Portales (1793-1837), o arquiteto do sistema institucional chileno pós-independência. A Inglaterra era o ideal de centralização política sob o primado da ordem e da autoridade; de modernização institucional e preservação de elementos dinásticos. No século 19, o país assistiu a pugnas contra “lo peso de la noche” (Portales) protagonizadas por dinastias familiares que Alberto Edwards —uma espécie de Caio Prado Jr., por sua importância e extração fidalga— denominou de “fronda aristocrática”.
Esses traços dinásticos da elite e os escândalos que essa protagonizou são um ingrediente da crise atual. Ao contrário do Brasil ou Argentina, as famílias empresariais —Edwards, Larraín, Errázuriz, Matte, Chadwick, entre outras— têm longevo envolvimento na política.
O bilionário Sebastián Piñera tem dois ex-presidentes em sua ascendência materna, e seu pai foi embaixador na ONU. Seu irmão criou o atual modelo previdenciário em 1980, quando ministro da pasta.
Os Larraín já chegaram à Presidência, e três de seus membros já ocuparam a pasta da Fazenda (inclusive a atual).
A lista de ex-ministros das famílias Errázuriz e Edwards é extensa. Sua influência está presente na Constituição atual, cujo autor intelectual foi Jaime Guszmán Errázuriz Edwards. Quatro ex-presidentes chilenos no século 19 eram da família Errázuriz. A titularidade do Ministério da Fazenda já passou pelas mãos dos Edwards oito vezes desde 1886, e a família é proprietária do El Mercúrio.
A família Alessandri já ocupou a Presidência duas vezes —com Arturo (1923-1925 e 1932-1938) e seu filho Jorge (1958-1962). O genro do primeiro —Arturo Matte Larraín— é o fundador do conglomerado Matte e ex-ministro da Fazenda.
Do atual ministério de Piñera dois membros são da família Chadwick, inclusive o ministro da Justiça, seu primo e “mão direita”.
Vários desses grupos familiares estiveram envolvidos na última década em escândalos. Há casos de corrupção no financiamento eleitoral (que atingiu todos os partidos, independente de ideologia, como no caso SQM) e em fundos de pensão. Além de escândalos de formação de cartéis de preços —das farmácias aos supermercados— o que provocou a ira dos novos cidadãos-consumidores produtos da robusta modernização. O caso do cartel do papel higiênico envolveu as famílias Ruiz-Tagle e Matte e levou ao afastamento do ministro dos Esportes.
Relações de consumo politizam-se quando há fusão entre a elite econômica e a política. Problemas empresariais tornam-se políticos.
O país prosperou, mas a fronda continua. A Inglaterra ainda está longe.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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