quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Pezão tenta unir governadores do PMDB para apoiar Dilma

• Reunião no Palácio Guanabara tem como meta ampliar apoio do partido a Dilma

Cássio Bruno, Gustavo Schmitt e Juliana Castro - O Globo

O governador Luiz Fernando Pezão ( PMDB) se reúne hoje com outros governadores do partido, no Rio, para angariar apoio à presidente Dilma Rousseff ( PT) e traçar estratégias de socorro aos estados mais castigados pela crise econômica. Até ontem, apenas dois dos seis convidados para o encontro no Palácio Guanabara confirmaram presença — Paulo Hartung ( Espírito Santo) e Confúcio Moura ( Rondônia).

O objetivo de Pezão é “trabalhar pela governabilidade de Dilma”. Para ele, a instabilidade política no Congresso e a discussão sobre os pedidos de impeachment da presidente têm prejudicado a economia brasileira.

— Nós, governadores, não podemos ficar só cuidando das folhas de pagamento. Vamos discutir uma saída para a crise e ver o que podemos fazer em nome do PMDB pra beneficiar o Brasil neste momento — disse Pezão.

Porém, há, nos bastidores, governadores da base aliada que resistem em fazer qualquer movimento de apoio a Dilma. Eles dizem que, agora, mais importante do que aprovar a política econômica do Planalto é apresentar propostas alternativas para a superação da crise.

— Isso ( manifestar apoio a Dilma) não une. Isso desune — disse um governador do PMDB ao GLOBO. — O foco tem que ser como a gente faz para o país continuar sem afundar.

Ao organizar o encontro, Pezão, um dos principais aliados de Dilma no partido, toma distância do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), que vem criando obstáculos para o governo em votações no Congresso.

Os governadores José Ivo Sartori ( Rio Grande do Sul) e Renan Filho ( Alagoas) alegaram outros compromissos e não participarão da reunião. Jackson Barreto ( Sergipe) está licenciado do cargo porque passou por uma cirurgia. Marcelo Miranda ( Tocantins) não foi localizado pelo GLOBO.

De olho em parcelamento
Ao mesmo tempo em que tenta enquadrar os colegas do PMDB, Pezão corre para tirar a corda do pescoço. O governo do Rio, que começou o ano com o maior déficit do país ( aproximadamente R$ 13,5 bilhões), ainda precisa cobrir um rombo de R$ 3 bilhões em suas contas até dezembro.

— Pezão trabalha para aumentar o parcelamento dessa dívida — diz um aliado de Pezão no PMDB fluminense.

Segundo Paulo Hartung, é necessária uma pauta para diminuir o impacto da crise:

— Precisamos, de uma maneira suprapartidária, construir pontos de convergência para seguirmos um caminho.

Pezão também quer discutir novos modelos para o financiamento da saúde. Ele chegou a defender a recriação da CPMF, desde que fosse compartilhada com estados e municípios.

Outro tema do encontro de hoje será a proposta do Senado que trata de ativos da dívida pública dos estados. A ideia do governo do Rio é conseguir a aprovação de um projeto de resolução no qual a cessão de créditos da dívida ativa dos estados a bancos não seja considerada uma operação de crédito.

Para MP, 'pedaladas' afetaram eleição de 2014

Por Vandson Lima – Valor Econômico

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff beneficiou-se eleitoralmente das chamadas pedaladas fiscais. É o que garante o procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira.

Durante audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, dedicada a discutir as pedaladas, Oliveira disse que o governo aumentou o volume de despesas não obrigatórias durante o período da eleição presidencial em 2014, mesmo tendo à época ciência de que a arrecadação já estava em queda. Para isso, disse, o Executivo valeu-se de "pedaladas financeiras".

"Uma das origens da Lei de Responsabilidade Fiscal [LRF] era a farra fiscal que se via nos anos eleitorais. Em 2014, apesar da arrecadação em queda, o governo federal aumenta despesas não obrigatórias com forte impacto junto à sociedade", disse, citando o Financiamento Estudantil (Fies), que saltou de R$ 5 bilhões em 2013 para mais de R$ 12 bilhões em 2014 como exemplo. "A despesa é meritória, o Fies é um programa maravilhoso, mas precisa ter sustentação financeira".

Oliveira explicou que as chamadas pedaladas fiscais têm dois componentes: primeiro uma manobra orçamentária e depois uma manobra financeira. "A manobra orçamentária é o governo não fazer um decreto de programação financeira fidedigno aos dados que estava recebendo. Ao não fazer isso, o governo deixa livres para execução despesas que teria que contingenciar".

A manobra financeira, disse, foi, para "ter dinheiro em caixa para o pagamento, terem colocado os bancos para assumirem despesas que seriam da União. A Caixa Econômica Federal passou a responder pela despesa do seguro-desemprego e abono salarial, o Banco do Brasil deixou de receber os juros da equalização. Vem uma portaria e joga para 24 meses o pagamento que a União deveria fazer ao BNDES ".

Para o procurador, "há dolo evidente ao manifestar situação fiscal irreal no período eleitoral e só trazer realidade agora".

A imparcialidade de Oliveira, no entanto, foi nos últimos meses colocada em xeque por sua ativa militância contra a presidente Dilma, alvo constante de suas críticas em redes sociais. Ele participou de manifestações populares recentes defendendo o impeachment presidencial.

Convidado para a audiência, o presidente do TCU, Aroldo Cedraz, enviou um representante.

Subprocurador critica questionamentos de Lula sobre investigação

• Eitel Santiago diz que 'todos podem ser investigados' sobre recurso de ex-presidente contra apuração da Procuradoria de suposta prática de tráfico internacional de influência envolvendo a empreiteira Odebrecht

Talita Fernandes e Beatriz bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O subprocurador-geral da República Eitel Santiago criticou nesta terça-feira, 1, os questionamentos feitos pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre decisão do Ministério Público Federal no Distrito Federal de abrir uma investigação contra o ex-presidente.

"Num sistema republicano, todos podem ser investigados. Me impressiona esse questionamento até porque o recorrido (procurador Anselmo Lopes), com muita clareza, trouxe à Tribuna que limitou-se a encaminhar notícias de que tomou conhecimento acerca da prática de atos infracionais", disse.

Em sessão do Conselho Superior do MP em que o colegiado rejeitou um recurso apresentado pela defesa de Lula, Santiago defendeu a atuação do procurador e disse que o que o procurador da República Anselmo Cordeiro Lopes fez é "nada mais nada menos do que cumprir o dever", justificou. Santiago disse ainda que, para aqueles que se dizem inocentes, "a investigação é o melhor atestado que se pode tirar", completou. Santiago ocupou a vice-presidência do Conselho, e foi secretário de Segurança Pública durante o governo do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), quando ele era governador da Paraíba, entre 2007 e 2009. Santiago deixou o cargo após a cassação do tucano.

Um despacho de Lopes deu início, em maio, a uma investigação preliminar contra Lula por suposta prática de tráfico de influência nacional e internacional para que empreiteiras como a Odebrecht conseguissem financiamento com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no Brasil e em outros países. O caso foi revelado por reportagem publicada em maio pela Revista Época.

Por unanimidade, o colegiado rejeitou um recurso apresentado pela defesa do ex-presidente Lula contra decisão da Corregedoria da Procuradoria Regional da República no Distrito Federal, de arquivar um procedimento interno que investigada a conduta de Lopes. Os conselheiros decidiram rejeitar o recurso apresentado pelos advogados de Lula por entenderem que já há um questionamento semelhante em curso no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) sobre a conduta do procurador, alegando que ele teria agido de forma pessoal.

Os advogados de Lula encaminharam questionamentos à Procuradoria da República no Distrito Federal e ao CNMP sobre os motivos que teriam levado Lopes a abrir uma investigação preliminar que apura suposta prática de tráfico internacional de influência de Lula envolvendo a empreiteira Odebrecht. No início de julho, a Procuradoria decidiu abrir então uma investigação formal sobre o caso, o que gerou novos questionamentos por parte da defesa do ex-presidente.

Durante a análise do recurso, o procurador Anselmo Lopes se defendeu de críticas de que ele teria motivações pessoais para conceder o despacho que deu início ao procedimento investigatório. "Nada tenho contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva e nem nunca tive. Não me sinto suspeito para nada, não me sinto impedido e não tenho inimizade com qualquer membro do Partido dos Trabalhadores", declarou.

Já o advogado de Lula, Cristiano Martins, esclareceu que Lula não tem a intenção de questionar a existência da investigação, mas a forma como ela vem sendo feita. "A impessoalidade é o pressuposto da investigação. O que se questiona não é aqui a investigação", completou.

Fundador do PT pede impeachment de Dilma

• Para jurista, presidente descumpriu Lei Fiscal com ‘ pedaladas’ nas contas de 2014 e foi condescendente com corruptos

Júnia Gama - O Globo

- BRASÍLIA- O 21 º pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff protocolado na Câmara este ano partiu de um dos fundadores do PT: o jurista Hélio Bicudo, de 93 anos. Cabe agora ao presidente da Casa, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), decidir se dará ou não prosseguimento à demanda. A ideia surgiu de uma conversa que Bicudo teve com advogados logo após as manifestações de 16 de agosto.

O pedido foi formulado, e ontem a filha de Bicudo, Maria Lúcia Pereira Bicudo, foi à Câmara para protocolá- lo. O ex- petista não participou da entrega do documento porque passou recentemente por um procedimento cirúrgico devido a um infarte, e permanece em casa, em repouso. Maria Lúcia espera agora entregar simbolicamente o documento a Cunha.

O jurista, que deixou o PT em 2005, no auge do escândalo do mensalão, baseiase nas apurações do Tribunal de Contas da União ( TCU) sobre as contas do governo para alegar que Dilma descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF) com as chamadas “pedaladas fiscais”. E defende ainda que a presidente faltou com probidade por causa de sua postura condescendente com os investigados na Lava- Jato.

“Houve uma maquiagem deliberadamente orientada a passar para a nação ( e também aos investidores internacionais) a sensação de que o Brasil estaria economicamente saudável e, portanto, teria condições de manter os programas em favor das classes mais vulneráveis”, diz o texto assinado por Bicudo.

O pedido aponta que houve “dolo” na omissão da presidente Dilma em responsabilizar seus subalternos diante das denúncias de corrupção na Petrobras.

• “Houve uma maquiagem deliberadamente orientada a passar para a nação (...) a sensação de que o Brasil estaria economicamente saudável” Hélio Bicudo
Jurista, fundador do PT

“Tudo indica ter a denunciada agido com dolo, pois a reiteração dos fatos, sua magnitude e o comportamento adotado, mesmo depois de avisada por várias fontes, não são compatíveis com mera negligência”, diz.

O líder do PT na Câmara, Sibá Machado ( AC), minimizou. Para Sibá, o pedido vindo de um petista histórico não difere tanto de outro de autoria da oposição, já que Hélio Bicudo rompeu com o partido há dez anos:

— Nosso bom velhinho está querendo participar do debate. Mas isso não preocupa, porque ele já estava rompido com o PT há algum tempo.

Dos 21 pedidos de impeachment protocolados contra Dilma este ano, nove já foram arquivados por não cumprirem requisitos formais, segundo a diretoria geral da Câmara.

Risco para País é corrupção, e não acusação contra esquema, diz Moro a jornal britânico

• Em reportagem do Financial Times, juiz diz que estrago econômico da corrupção é maior que as dificuldades geradas pela descoberta do escândalo

Fernando Nakagawa - O Estado de S. Paulo

LONDRES - O jornal britânico Financial Times publica reportagem nesta quarta-feira, 2, em que destaca o trabalho do juiz federal Sérgio Moro e o trabalho de investigação do esquema de corrupção na Petrobrás.

Com o título "Juiz insiste que risco para o Brasil é a corrupção e não a acusação", a reportagem dá espaço à avaliação de Moro de que o estrago econômico da corrupção é maior que as dificuldades geradas pela descoberta do esquema ilegal.

O jornal acompanhou as agendas de Moro nos últimos dias e exaltou que o juiz tem recebido "recepções entusiasmadas" em eventos públicos. Moro tem pedido à audiência que continue apoiando as investigações com o argumento de que enfrentar a corrupção "trará ganhos significativos para todos" e que o custo da corrupção é "extraordinário". "O policial que descobre um crime não é o responsável pelo cadáver", disse em um evento na capital paulista, acompanhado pelo FT.

A reportagem cita que a investigação ajuda a retrair o investimento em uma economia em recessão. O FT cita ainda um estudo recente da consultoria GO Associados que estima que o escândalo de corrupção na Petrobras terá impacto econômico superior a R$ 140 bilhões ou cerca de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

Produção industrial recua pelo segundo mês consecutivo

Por Robson Sales – Valor Ecoômico

RIO - A produção industrial caiu 1,5% em julho, na comparação com o mês anterior, na série com ajustes sazonais. Foi o segundo resultado negativo consecutivo e a maior queda desde dezembro de 2014, apontou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O dado ficou bem abaixo da queda média de 0,2% prevista por 20 analistas consultados pelo Valor Data. Também foi pior que a estimativa mais pessimista, de recuo de 0,6% no período.

Na comparação com julho de 2014, a produção industrial brasileira diminuiu 8,9%, o pior resultado desde 2009, quando recuou 10%.

O IBGE informou ainda que, em junho, a produção caiu 0,9% em relação ao mês antecedente, e não 0,3% como o informado inicialmente.

"A redução de 1,5% da atividade industrial na passagem de junho para julho teve predomínio de resultados negativos, alcançando três das quatro grandes categorias econômicas e 14 dos 24 ramos pesquisados", destacou o organismo em nota.

No confronto mensal, a produção de bens de capital cedeu 1,9%, a de bens intermediários declinou 2,1% e a de bens de consumo semi e não duráveis encolheu 3,4%. A produção de bens de consumo duráveis, contudo, teve expansão, de 9,6%.

Entre os setores, apontou o IBGE, a principal influência negativa foi registrada por produtos alimentícios, que declinaram 6,2%, eliminando a expansão de 4,3% observada no mês antecendente. Também chamaram a atenção as quedas nos segmentos de bebidas (-6,2%), de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-1,7%) e nas indústrias extrativas (-1,5%).

"Na comparação com julho de 2014, o setor industrial mostrou queda de 8,9% em julho de 2015, com perfil disseminado de resultados negativos, alcançando as quatro grandes categorias econômicas, 23 dos 26 ramos, 72 dos 79 grupos e 69,9% dos 805 produtos pesquisados. Entre as atividades, a de veículos automotores, reboques e carrocerias, que recuou 19,1%, e a de produtos alimentícios (-7,2%) exerceram as maiores influências negativas na formação da média da indústria", ressaltou o instituto.

Mantendo o confronto com o sétimo mês do ano passado, a produção de bens de capital teve baixa de 27,8%, a de bens intermediários decresceu 5,6%, ao passo que a produção de bens de consumo duráveis caiu 13,7% e a de bens de consumo semi e não duráveis diminuiu 9,2%.

Merval Pereira- Questões morais

- O Globo

Ao criticar quem “dedura”, Marcelo Odebrecht parte de princípio mafioso. O depoimento de Marcelo Odebrecht à CPI da Petrobras revela ao país um dos pontos fulcrais de nossa crise moral: uma confusão tão enraizada entre o público e o privado que empresários e agentes públicos muitas vezes perdem a noção do que seja legítimo, isso se considerarmos que as explicações do ex- presidente da maior empreiteira brasileira são sinceras, e não mais uma demonstração de cinismo como tantas que temos visto nos últimos anos.

Além de dizer que não tinha “nada a dedurar”, por orientação de seu advogado, Marcelo Odebrecht frisou que, além disso, “há questões de valores numa decisão dessas”, e deu um exemplo: “Quando lá em casa minhas meninas brigavam, eu perguntava: ‘ Quem fez isso?’. Eu talvez brigasse mais com quem dedurasse”.

É um valor moral ambíguo esse que ele ensina a suas filhas, pois se baseia na ideia de que é obrigação moral não denunciar malfeitos, ou crimes, como no caso da Petrobras. A decisão de não “dedurar” parte de um princípio mafioso de proteger os amigos, e incorre no mesmo erro da presidente Dilma, que diz que não respeita delatores, quando o que está em questão aqui são crimes contra o patrimônio público.

O juiz Sérgio Moro, no artigo sobre a Operação Mãos Limpas da Itália, fez um comentário sobre o instituto da delação premiada que repetiu no fim de semana passado em uma palestra: (...) “não se está traindo a pátria ou alguma espécie de ‘ resistência francesa’”. Para o juiz, “um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio”.

Aqui entramos em outra faceta da questão. Marcelo Odebrecht simplesmente não acha que cometeu crimes à frente da Odebrecht, apesar dos inúmeros relatos de companheiros seus de direção de empreiteiras, e o entendimento generalizado de que ele era um dos principais partícipes do esquema de corrupção na Petrobras.

Para ele, a Lava- Jato “está gerando desgaste desnecessário para a Petrobras e as empresas nacionais” e “devíamos cuidar melhor tanto da imagem da Petrobras como das empresas nacionais”.

Da mesma maneira, nem ele nem Lula veem como ilegais a atuação do ex- presidente a favor da Odebrecht em diversos países, com o apoio do BNDES, mesmo quando as condições para os empréstimos não correspondiam às exigências normais das regras do próprio banco estatal. Em certos países, sem crédito internacional, o simples fato de o BNDES dar seu aval é fator decisivo para que a empresa brasileira ganhe a concorrência.

S er iam apenas ações em favor de empresa brasileira, que gera empregos e prestígio para o país. Da mesma maneira, disse que certamente conversou sobre a Petrobras em encontros com a presidente Dilma Rousseff e com o expresidente Lula, considerando o fato “mais do que natural”.

A “amizade” entre políticos e empresários leva a que as relações deixem de ser “republicanas” — como Marcelo classificou suas conversas — para se tornarem acordos comerciais informais entre as partes, propiciando desvios de conduta como os que estão sendo desvelados pela Operação Lava- Jato.

Considerar absolutamente natural favores para autoridades é uma denegação da realidade que não resiste à enxurrada de provas e de depoimentos que estão vindo à tona. Basear a recusa à delação premiada em uma justificativa moral chega a ser patético, num ambiente em que a podridão sai pelo ladrão.

Dora Kramer - Matriz e filial

- O Estado de S. Paulo

A proposta de Orçamento da União para 2016 enviada ao Congresso contou ao Brasil o que já se sabia: o governo gastou mais do que deveria. A novidade é que as circunstâncias (pedaladas em processo de investigação, entre outras) não deixaram alternativas a não ser a confissão.

Louvável a rendição à transparência, não fosse pela prática habitual de expor a problemática sem se responsabilizar pela solucionática. O Executivo fez o que fez e agora, mais uma vez, empurrou para o Legislativo a tarefa de desfazer. Ou de amenizar o malfeito.

Foi assim no final do ano passado, quando o Parlamento escandalosamente concordou em alterar a meta do superávit primário para livrar a presidente Dilma Rousseff de punição em decorrência das maquiagens nas contas públicas por ela autorizadas e executadas pela equipe econômica.

Na ocasião, chegou a condicionar a aprovação da mudança ao pagamento de emendas parlamentares. A despeito de todos os protestos, suas excelências entregaram a encomenda, sob o argumento de que, uma vez consumado o mal, melhor limpar a cena do crime, a gastança desenfreada.

A ela se atribui culpa exclusiva de Dilma, mas nela o ex-presidente Luiz Inácio da Silva deixou impressas suas digitais. A origem de tudo está na concepção de Lula de que governar é gastar, improvisar e atuar com visão de curto alcance.

Isso quem disse foi ele em novembro de 2007, ao jornal O Globo, numa entrevista sobre o rumo do governo dali em diante. “A palavra de ordem deveria ser: pegou a bola fora da área, mete ela no gol. Chuta dez, uma entra”, dizia o chefe da Nação, defendendo a dinâmica da tentativa e erro em detrimento do planejamento.

Eufórico com a explosão do consumo - “um problema gostoso” -, o então presidente comemorava o endividamento dos brasileiros que, segundo ele, criava “uma população de dar inveja à China”. Questionado sobre os excessos no quesito gastos públicos, Lula orgulhava-se de ter “ousadia” para gastar: “Se fosse possível fazer a máquina funcionar diminuindo o dinheiro, seria ótimo.” Segundo ele, quanto mais gastasse, mais o Estado estaria sendo eficiente.

Apontava a gastança como salvação. Deu-se o oposto, contudo, abrindo-se o caminho para a perdição. Da população mais pobre, inclusive, aquele que, iludida, viria a garantir vitórias eleitorais ao seu partido e hoje pena nas garras da inflação.

Aquele Lula risonho e franco já ensaiava lançar como candidata à sucessão sua então ministra da Casa Civil, definida por ele como sua “sombra”, destinada a atuar como sua imagem e semelhança. Por mais que se buscassem marcar as diferenças de personalidade, na essência Dilma seguiu à risca a programação.

Até porque foi posta na condição de filial para não contestar os feitos da matriz. Seja no tocante à improvisação, ao imediatismo e à visão eleitoral do governo, seja no que tange a transações escusas que hoje se revelam.

A Lula agora interessa se mostrar descontente com Dilma, fiel ao hábito de dizer o que as pessoas querem ouvir. A dúvida pertinente é a seguinte: Dilma fosse diferente, tivesse ela cumprido outro roteiro, Lula estaria contente?

Dilma pode não saber por que foi escolhida pelo criador, mas ele sempre soube muito bem que sua motivação era a de controlar a criatura. Só não contava com a inépcia arrogante da escolhida, com a presteza das instituições naquilo que se pode considerar de fato uma “faxina” e com a esperteza do público, cuja capacidade de aceitar mistificações tem limite.

Bernardo Mello Franco - O príncipe e os súditos

- Folha de S. Paulo

Herdeiro da maior empreiteira do país, o executivo Marcelo Odebrecht é conhecido pelo apelido de príncipe. Nesta terça, ele deixou a prisão para ser cortejado por um diligente grupo de súditos: os deputados da CPI da Petrobras.

O depoimento se transformou em uma ação entre amigos. Os inquisidores pareciam concorrer para ver quem elogiava mais o empresário, que responde a ação penal por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.

"Senhor Marcelo, é a primeira vez que tenho a oportunidade de estar pessoalmente no mesmo ambiente que o senhor", desmanchou-se Altineu Côrtes (PR-RJ). Depois, ele disse conhecer empregados da Odebrecht que sentem "profundo orgulho" do patrão. Só faltou pedir autógrafo.

Valmir Prascidelli (PT-SP) formulou uma pergunta curiosa ao investigado. "O sr. acha adequada e correta a sua prisão, considerando que sempre se colocou à disposição da Justiça?" Odebrecht retribuiu, sensibilizado: "Agradeço muito as perguntas que o sr. está fazendo, porque elas seriam as minhas respostas".

Delegado Waldir (PSDB-GO), que na véspera chamara José Dirceu de "ladrão", parecia outra pessoa. "Parabéns, eu também me orgulho muito do meu pai", disse, quando o empreiteiro citou o patriarca Emilio.

Outro tucano, Bruno Covas (PSDB-SP), se mostrou compreensivo quando o réu se recusou a responder perguntas: "Não precisa pedir desculpas, até porque é um direito seu".

É elogiável que os deputados façam perguntas em tom educado. Mas o excesso de mesuras ficou constrangedor até para os padrões da CPI, que tem se empenhado em proteger réus e perseguir delatores da Lava Jato.

No fim, Carlos Andrade (PHS-RR) quis saber se o executivo continua a defender o financiamento privado de campanhas. Em 2014, o grupo Odebrecht doou R$ 918 mil a deputados da CPI. "Sou a favor, sempre fui", respondeu o príncipe encarcerado. Os súditos pareceram respirar aliviados.

Luiz Carlos Azedo - Jogo de máscaras

• O que será que levou Dilma e Cunha ao diálogo? Temores recíprocos, além da atuação do ex-presidente Lula nos bastidores do Congresso e do Palácio do Planalto

- Correio Braziliense

A presidente Dilma Rousseff recebeu em audiência ontem seu mais figadal adversário político, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para uma conversa cuja versão tornada pública pelo parlamentar teria sido das mais republicanas. Dilma estaria preocupada com a chamada pauta-bomba, principalmente quanto aos salários de diversas corporações, entre as quais delegados, procuradores de estados e municípios e integrantes da Advocacia-Geral da União.

Segundo Cunha, Dilma manifestou preocupação com projetos que geram gastos, mas não pediu para que o Congresso aprove aumento de impostos, como a recriação da CPMF, proposta anunciada na semana passada e logo engavetada em razão das reações contrárias. “A preocupação é o Orçamento, o deficit e o aumento da despesa pública por projetos que possam ser aprovados e que têm impacto orçamentário”, disse Cunha.

O presidente da Câmara aproveitou a oportunidade para demonstrar que sua relação com o Planalto é “institucional”, embora tenha reiterado que está em oposição ao governo. Dilma teria aberto um “canal de diálogo” com Cunha. “O que ela quis fazer, politicamente, é discutir um problema que está afetando as contas públicas do país, para ter o canal aberto para diálogo nas circunstâncias que forem necessárias”, disse ele.

O que será que os levou ao diálogo? Temores recíprocos, além da atuação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos bastidores do Congresso e do Palácio do Planalto. Dilma governa aos trancos e barrancos (a oposição diz que ela “desgoverna”) e teme um processo de impeachment; Cunha foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por supostamente ter recebido US$ 5 milhões de propina oriunda da compra de dois navios-sonda pela Petrobras.

Lula atuou como bombeiro para evitar efeitos colaterais na disputa, isto é, que a CPI da Petrobras, que Cunha controla, faça uma política de terra arrasada, convocando pessoas próximas ao ex-presidente da República, como o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto. Por isso, Dilma a marcou a audiência com Cunha.

Nada disso, entretanto, deve mudar a rota da crise política, que se retroalimenta da recessão, do desemprego, da inflação e da alta do dólar, de um lado, e da Operação Lava-Jato, de outro. Cerca de 100 políticos já estariam sob investigação. Com certeza, 47 integram o Congresso. Ninguém sabe ao certo quem são a maioria dos envolvidos, supõe-se que sejam os enrolados de sempre. Mas os possíveis acusados sabem o que fizeram no esquema de propina e isso cria um ambiente de muita apreensão tanto na Câmara quanto no Senado.

Ontem, a Polícia Federal indiciou o ex-ministro da casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o empreiteiro Gerson Almada, da Engevix, por envolvimento no desvio de R$ 56 milhões da Petrobras. De outra parte, o Ministério Público Federal denunciou o almirante da reserva Othon Luiz Pinheiro da Silva e executivos da Andrade Gutierrez e da Engevix, num total de 15 pessoas. Ou seja, é uma marcha inexorável, que cedo ou tarde chegará aos parlamentares e demais políticos envolvidos no escândalo.

Orçamento
O Palácio do Planalto parece apostar no acuo dos parlamentares envolvidos no escândalo da Lava-Jato ao encaminhar para o Congresso uma proposta orçamentária com deficit de R$ 30,5 bilhões. Apesar da grita da oposição, que pede a devolução da proposta para o Executivo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), não pretende fazê-lo. Cunha apoia essa decisão.

Retórica oposicionista à parte, um dos líderes mais importantes da oposição minimiza a polêmica. Argumenta que toda proposta orçamentária “é uma peça de ficção” e que há uma “tempestade em copo d´água”. Nos bastidores, avaliava-se que a inusitada proposta de Orçamento para 2016 seria resultado da luta na equipe econômica.

Estão em disputa aberta os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, cada vez mais prestigiado no Palácio do Planalto, e da Fazenda, Joaquim Levy, cada dia mais jururu. Quem pontifica e dá as cartas é o chefe da Casa Civil, ministro Aloizio Mercadante. Perdida, Dilma concorda com Barbosa, mas tem medo da saída de Levy.

Eliane Cantanhêde - O desgoverno dos recordes

- O Estado de S. Paulo

Ao jogar a toalha e admitir sua incapacidade para fechar as contas, algo essencial à função de governar, a presidente Dilma Rousseff expõe não apenas a fragilidade do seu mandato como também as intrincadas desavenças internas. Com Dilma catatônica, pendurada unicamente no Minha Casa, Minha Vida, ninguém mais se entende.

Qualquer decisão de governo virou uma tortura, como a última: como Joaquim Levy (Fazenda) queria cortar gastos, Nelson Barbosa (Planejamento) preferia aumentar impostos e Dilma não admite nem cortar gastos nem aumentar impostos, o jeito foi... não fazer nada. Empurraram para o outro lado da rua um Orçamento com previsão de déficit, e o Congresso que se vire para fechar contas que não fecham.

Cá para nós, isso não é jeito de governar. Aliás, nem de administrar uma cidadezinha de interior, uma quitanda da esquina ou a casa da gente. É a não decisão, a não administração, o não governo, além de um desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. E é assim que o governo vai pulando de encruzilhada em encruzilhada, sem levar a lugar nenhum.

Sem receita, a Saúde e a área econômica lançaram a proposta de recriação da CPMF, mas não combinaram com ninguém. A reação foi em cadeia. O vice-presidente e ex-coordenador político Michel Temer ironizou a iniciativa como “burburinho” e o governo virou uma ilha cercada de irritação, na Câmara, Senado, empresariado, setor de serviços, confederações, aposentados, desempregados, empregados do serviço público e da área privada. Foi quase unânime.

Com o recuo, nova encruzilhada: sem novas receitas, divulgar ou não o Orçamento de 2016 com déficit? Levy ponderava que seria um desastre para a já combalida credibilidade do País, iria afugentar investidores e aumentar o risco de perda do grau de investimento. Ok. Mas qual seria a alternativa? Como ponderou o sempre ponderado Temer, o governo não poderia mentir nem promover novas pedaladas fiscais, com o TCU à espreita, pronto para dar um bote e questionar as contas, as pedaladas e o próprio mandato de Dilma. Melhor não ir por aí...

Eis, então, que este governo dos recordes colheu mais um: nunca antes neste País o Executivo enviou ao Congresso um Orçamento prevendo déficit. Aliás, um déficit que era originalmente de R$ 30,5 bilhões, mas, olhando com lupa, não para de crescer - apesar do aumento de impostos de bebidas e de produtos de informática.

Com isso, Dilma empurrou a responsabilidade pelas contas públicas para o Congresso, o que significa jogar o governo ainda mais no colo do PMDB num momento em que o “alguém” Temer sai da coordenação política, vive de tititi com a turma de Paulo Skaf (Fiesp) e já não se constrange ao bater de frente com o governo, agora por causa da CPMF e do aumento de impostos.

Num clima assim, com o governo sem comando, a Lava Jato correndo solta e o ícone petista José Dirceu novamente indiciado, a coisa foge do controle e explode até uma crise entre o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o ministro Gilmar Mendes (STF e TSE). Coisa raramente vista. 

Ao desqualificar o pedido de Gilmar para investigar desvios na campanha de Dilma em 2014, Janot recorreu ao mesmo argumento da militância petista, de que tudo não passa de xororô de derrotados: 

“Os derrotados devem conhecer sua situação e se preparar para o próximo pleito”. Gilmar, furibundo, acusou o procurador de atuar como advogado de Dilma e criticou sua posição como “ridícula, de infantil a pueril”.

É a tal história: quando o(a) presidente deixa de presidir, o clima é de desgoverno e tudo pode acontecer. À crise política, à crise econômica e à Lava Jato, segue-se agora o bater de cabeças dentro do próprio governo e entre os Poderes, com Senado para um lado, Câmara para outro, o procurador e o ministro do TSE às turras e... um Orçamento que nem inglês pode ver. E ainda tem como piorar.

Rosângela Bittar - A casa já caiu

• Trinca Alvorada mantém Levy como grife de segurança

- Valor Econômico

Por que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não sai do governo Dilma Rousseff, estando fraco, desprestigiado, alijado das decisões? Todos os dias dos últimos trinta, pela manhã, há um jogo de adivinhação entre mercados e políticos para ver quem acerta o alvo, ministro no cargo ou fora? É um mistério que tenha topado passar por essa temporada de humilhações com visibilidade nacional e internacional. Considerando-se sua vaidade, obsessão pelo acerto, horror ao fracasso, racionalidade, experiência, capacidade de trabalho, credibilidade, para que manter-se em fritura pública num governo que não aceita suas ideias?

Ele vai ficando, estranhamente. Tendo suas atribuições de manejo da política fiscal transferidas para o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que desde o primeiro dia do segundo mandato deixou clara sua decepção por não ter ido para a Fazenda, cargo para o qual se preparou no Instituto Lula e na campanha eleitoral, formulando projetos para o PT que agora coloca na roda. Levy vai ficando.

Tendo suas decisões reformadas também pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Vai ficando. Tendo perdido todas as disputas de posições quanto a caminhos a percorrer na economia, notadamente a mais recente decisão de não cortar despesas, mas criar novos gastos e novos impostos. Vai ficando enquanto segue o governo da trinca Alvorada, que atua nos gabinetes onde Levy só chega quando tudo já foi resolvido por Dilma, Mercadante e Barbosa. Vai ficando.

Foi Nelson Barbosa quem inventou a nova CPMF e tentou emplacá-la na sociedade com a mesma fantasia antes derrotada de imposto para a saúde; foi Mercadante quem empurrou ao Congresso o desafio do Orçamento deficitário, cheio de pautas-bomba, essas sim, criadas pelo governo para explodir no bolso da classe média. Foram ambos que se socorreram da cínica tese do Orçamento elaborado com "realismo e transparência", para classificar o fato inédito de mandar ao Parlamento um Orçamento com déficit, em que o governo foi o único a não assumir suas responsabilidades. Levy submete-se, concede. Vai ficando.

Até por pressão da presidente que, quando o sente cambalear, dá-lhe um pouco de ar, faz elogios, justifica a ausência. À trinca que comanda o governo neste momento interessa ter Levy no cargo de ministro da Fazenda como uma grife de garantia de equilíbrio fiscal, respeito dos mercados nacional e internacional, enquanto pratica uma gestão de confronto às suas ideias e pregações. Vai ficando. Por quê?

Duas razões já foram citadas em conversas políticas sobre o assunto para a resistência do ministro da Fazenda em se deixar tombar, ceifado que já foi, na prática, pela trinca que conduz o governo. O primeiro dos ensaios é que o padrinho da sua nomeação, o presidente do Bradesco, convidado ao posto que viria a recusar e indicar Levy, é o líder da concertação de empresários que tenta manter a presidente no cargo e deve achar que a saída de Levy faz o governo embicar ainda mais ladeira abaixo. A segunda é que o próprio Levy não tem clareza sobre o que vai acontecer após sua saída. Há quem ouse lhe dizer não vai acontecer nada, pois a casa já caiu. E vai ficando.

Enquanto o ministro não se decide e a presidente toca a gestão da economia com Barbosa e Mercadante, a cotação de nomes substitutos surge no vácuo, premida pelo iminente desenlace. Nelson Barbosa, finalmente, assume com mais assertividade os assuntos da Fazenda, para os quais se preparou. Sempre foi o candidato "in pectore" do PT a esse cargo.

Agradaria a Lula, mas o ex-presidente também continua a gostar e voltou a mencionar a opção Henrique Meirelles. Entrou de novo no ranking, lista que transita entre mãos da cúpula petista, Paulo Nogueira Batista. Embora a maioria dos homens de governo afaste a possibilidade, assessores mais próximos de Dilma não ousam colocar a mão no fogo por suas escolhas, dependendo do humor do momento e o grupo a quem queira surpreender. Mas a conjectura governamental sobre novo ministro da Fazenda ainda não incluído na roda de decisões da trinca mas por cuja eficiência e capacidade de liderança empresarial Dilma está encantada, é Armando Monteiro Neto, ministro do Desenvolvimento.

O mais provável, porém, é que o ministro da Fazenda de direito, caso Levy resolver não mais ir ficando, seja quem vem tomando as decisões de fato e já está praticamente lá, Nelson Barbosa.

A sabatina de Rodrigo Janot pelo Senado, que o reconduziu à função de procurador-geral da República, não fez jus ao que deveria ser a apresentação de credenciais, conhecimento e cultura de quem se candidata a ocupar o maior cargo de promotoria do Brasil em um momento crucial da elucidação de crimes sucessivos de corrupção no poder público. Apesar da exagerada curvatura dos senadores, o procurador recebeu consideração mais pela desqualificação de seu inimigo do que por seu desempenho. Janot não conseguiu explicar questões básicas daquele dia, como, por exemplo, sua opinião sobre o projeto de legalização de recursos mantidos no exterior, em torno do qual empresas interessadas e parlamentares que precisam votar se debruçam, com extrema desconfiança. Não foi convincente e nem se deu ao trabalho de tentar ser sobre por que, tendo cerca de 40 parlamentares envolvidos na Operação Lava-Jato, só denunciou dois até agora.

Como também passou ao largo da satisfação ao público sobre seus encontros secretos fora de horários de expediente e até fora do Brasil com o ministro da Justiça do Executivo. Janot não brindou o Brasil, que tentava lhe dar mais um mandato, com conhecimento sobre o que fazer diante da corrupção endêmica incrustrada no governo.

Uma luz sobre esse pífio desempenho apareceria depois, quando se tornou conhecido despacho em que arquiva pedido da justiça eleitoral para investigar a campanha da presidente Dilma Rousseff. A resposta diante de uma suspeita de crime eleitoral foi militante. Considerou inconveniente a justiça ser "protagonista exagerada" do espetáculo da democracia, cujos atores principais devem ser "candidatos e eleitores". Argumento pouco científico para o chefe do Ministério Público.

Elio Gaspari - Levy saiu do prazo da garantia

• A questão agora é saber se ele ou a sua relação com a doutora Dilma estourarão também o prazo de validade

- O Globo

O Joaquim Levy "mãos de tesoura" não existe mais. Havia algo de fantasia na figura do banqueiro sorridente e severo que daria um novo rumo ao desastre econômico produzido pela doutora Dilma. Ele parecia o tal porque todo ministro da Fazenda que entra é o imperador Napoleão chegando a Moscou. Quando as coisas dão errado, a menos que vá embora porque não aguenta mais, sai como o general Bonaparte, ferrado, voltando para Paris.

Levy saiu do prazo de garantia. Não é mais o que seria, mas, na verdade, nunca chegou a sê-lo. Resta saber qual o prazo que lhe resta para sair do prazo de validade. Guido Mantega, seu antecessor, nunca teve certificado de garantia ou de validade e tornou-se o primeiro caso de ministro apreendido, publicamente dispensado em setembro para deixar o cargo em janeiro.

Levy sempre foi um estranho no "bunker" dos comissários. O que ninguém esperava é que fritassem a gestão da economia com episódios vulgares. O senador Renan Calheiros, genericamente abençoado pelo Planalto, propôs cobrar o atendimento no SUS. Dois dias depois, desistiu. O ministro Nelson Barbosa soltou a ideia do retorno da CPMF. Durou dois dias e o recuo se deu enquanto Levy defendia a medida numa palestra em Campos de Jordão. Nesse episódio encapsula-se algo maior. Faltou alguém que lhe mandasse ao menos um tuíte: "Saltamos da CPMF".

Coisas desse tipo só acontecem quando outras coisas já aconteceram. Mandar ao Congresso um Orçamento prevendo um deficit de R$ 30,5 bilhões sem dizer mais nada é uma cenografia irresponsável. O que o governo chama de uma peça realista e transparente significa apenas que parou de mentir.

Se um presidente e seu ministro da Fazenda caminham na mesma direção, as coisas podem funcionar. Isso sucedeu com Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, ou com FHC e Pedro Malan. Dilma e Guido Mantega mostraram que essa regra é falível, pois formaram uma inédita dupla de fracasso. Quando caminham em direções diferentes, não há a menor chance de dar certo.

Levy já se deu conta de que se meteu numa encrenca. Tendo perdido a garantia, fica diante do risco de uma característica dos ministros com validade vencida. Quando ela caduca, a iniciativa de ir embora sai das suas mãos. Transformado em lenço de papel, acaba voltando para casa e seu sucessor é homenageado pela Fiesp, com direito a um jantar no Alvorada com os empresários habituais.

Entre esses dois momentos, todos os ministros vivem num dilema. Percebem que chegou a hora de ir embora, mas temem que isso piore a situação do país, o que nem sempre é verdade. A maioria fica e pioram os dois.

Assim como Dilma nunca se associou à Operação Lava Jato ("não respeito delator") ela nunca se associou a Levy. De certa maneira, nem ele a ela. Contudo, adotou o mantra roussefiano da "crise transitória". Isso não quer dizer nada, pois tudo é transitório, inclusive os dois e até mesmo a rainha Elizabeth 2ª.

As pedaladas retóricas em que se meteram Dilma e Levy colocam o país diante de um retorno ao pesadelo que foi a Década Perdida. Não se sabe direito quando ela começou, mas terminou em 1993 quando o presidente Itamar Franco botou Fernando Henrique Cardoso no ministério da Fazenda e os dois andaram juntos.
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Serviço: Nas próximas quatro semanas, o signatário passará para o regime semiaberto e não escreverá.

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Elio Gaspari é jornalista

Vinicius Torres Freire - O último baile do ajuste fiscal

• Sociedade e poder público desconversam sobre o conflito grave e iminente que vem da crise fiscal

- Folha de S. Paulo

Não há alternativa confortável para a solução do desastre das contas do governo. As opções indigestas, social e politicamente sombrias, são as seguintes.

Primeira, a sociedade vai entrar em conflito sério e feio sobre o uso e a origem dos dinheiros públicos. Isto é, uma disputa a respeito de quem paga a conta dos cortes de despesas ou dos aumentos de impostos. As reações ao corte de despesas sociais do primeiro pacote fiscal de Dilma 2 ou à volta da CPMF são os primeiros tiros desse conflito. Haverá mais.

Segunda, degradação crítica ou crônica da situação econômica. Isto é, no caso mais provável, aumento sem limite da dívida pública, com decorrentes aumentos de taxas de juros e desvalorizações da moeda, talvez súbitos, a depender da velocidade do endividamento e das condições da economia mundial. No caso mais primitivo, há mais inflação.

A conversa sobre redução do número de ministérios é uma desconversa ridícula, no que diz respeito ao que interessa, dinheiro grosso. A ideia de que é possível dar um jeito nas contas do governo com "cortes na máquina", contornando o conflito social sério e feio, é uma divagação fofa, para ser delicado. É possível chutar no escuro que o governo tem ineficiências. Mas é uma conversa mole dizer que no curto prazo assim se vai reduzir a despesa de modo relevante, menos ainda para dar conta da presente crise aguda.

Essa conversa mole deriva em parte da ideia de que o governo, assim como o inferno, são os outros. A conta da despesa pública é atribuída a um ente extraterreno, alienada, ao governo que consome os recursos "da sociedade". A "sociedade" também não existe, posta assim deste modo: é dividida e cada uma dessas divisões absorve os recursos recolhidos pelos impostos.

Para descer à terra, são bem conhecidos os fatores do aumento do gasto do governo federal nos anos de governo Dilma 1. Os maiores são os seguintes.

Primeiro, subsídios. O governo subsidiou as empresas, por meio de empréstimos baratos, tomando empréstimos caros no mercado (fazendo mais dívida pública). O programa Minha Casa, Minha Vida levou um tanto importante de subsídio. A "desoneração da folha", outro naco pesado –o governo reduziu as contribuições que as empresas devem ao INSS, à Previdência (como não tinha dinheiro, na prática comprou empregos a preço alto fazendo mais dívida pública). Além do mais, dados o erro desastroso na política de energia e a seca, subsidiou as contas de luz.

Segundo, gastos da Previdência, aposentadorias, pensões, auxílio-doença etc. Tais gastos crescem "sozinhos", de modo vegetativo, dadas as normas legais, várias delas questionáveis. Com aumentos reais excessivos de salário mínimo, a conta ficou ainda mais salgada.

Terceiro, gastos com saúde e educação aumentaram além do previsto mesmo pela lei.

Quarto, gastos sociais como benefícios que não são pagos pelo INSS (tais como seguro-desemprego ou Bolsa Família).

Em relação ao tamanho da economia, do PIB, o gasto com pessoal caiu (sic), embora isso não queira dizer que tal despesa esteja em nível adequado. O investimento ("em obras") ficou na mesma.

Aumentam-se impostos, com os efeitos decorrentes, ou disputa-se a escassez, ponto. A alternativa é mais crise econômica.

Celso Ming - E agora, Banco Central?

• Importa menos o nível dos juros pelo qual o Copom acabará optando e bem mais os novos parâmetros da economia que adotará para suas decisões

- O Estado de S. Paulo

O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, presidido pelo economista Alexandre Tombini (foto), realiza nesta quarta-feira mais uma reunião para definir o nível dos juros, em condições econômicas claramente ruins e num clima político especialmente conturbado.

O governo Dilma desistiu de cravar o centro da meta inflacionária (4,5%) ao fim de dezembro de 2016, conforme compromisso firme do Banco Central. No Projeto de Lei Orçamentária de 2016, o governo passou a trabalhar com inflação de 5,4%, ignorando o cumprimento da meta da autoridade monetária.

O que precisa ser cobrado agora do Copom é se continua insistindo nesses 4,5% ou se vai afrouxar sua política para empurrar a inflação para os mesmos 5,4% adotados como premissa na definição do Orçamento de 2016.

E há o desdobramento dessa nova postura do governo para a administração das expectativas, item muito importante na política de metas. Como é que o Banco Central vai seguir tentando convencer o mercado financeiro e os fazedores de preços de que a inflação de 2016 convergirá para a meta, se nisso nem a equipe econômica do governo acredita? Ou será que o Banco Central não adotará a tal postura “realista” evocada pelos ministros da área econômica?

Outra preliminar é a grave questão fiscal. São novos os parâmetros que definem a situação das contas públicas. Desde agosto de 2013, a autoridade monetária vem repetindo o mantra de que a política fiscal é sua aliada. Reitera que o jogo do governo na administração das contas públicas tende para neutralidade como fator de inflação, ou seja, caminha, afirma o Banco Central, para uma situação em que nem produz nem reduz inflação, podendo até mesmo reduzir. Além disso, como consta na última Ata do Copom, vinha contando com um superávit primário (sobra de receita para pagamento da dívida) de 0,15% do PIB em 2015 e de 0,7% do PIB em 2016.

A novidade é a de que o governo jogou miseravelmente a toalha. Ao apresentar o Projeto de Lei Orçamentária de 2016, reconheceu que, às condições previstas, ficarão faltando R$ 30,5 bilhões para fechar as contas públicas. O governo federal admite que não conseguirá mais do que um déficit primário de 0,5% do PIB. Ainda assim, um grande número de contas e subcontas continua vago o suficiente para levantar dúvidas sobre a obtenção até mesmo desse resultado ruim.

O Banco Central não terá outra saída senão reconhecer que a área fiscal não ajuda a combater a inflação e que sobrará mais esforço para a política monetária (política de juros). Também terá de dizer como enfrentará os efeitos sobre a inflação da desvalorização cambial, de 10,8% só nos últimos 40 dias.

Vêm aumentando as pressões sobre o Banco Central para que largue o que tanta gente denuncia como turrice ortodoxa, que reconheça a dureza do momento e desista de puxar os juros para os cornos da lua. Cartolas do empresariado local, como o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, repetem isso todos os dias. E recorrem a conchavos para obter por vias políticas a flacidez da política monetária que não conseguem defender com argumentos racionais.

Enfim, nesta reunião, importa menos o nível dos juros pelo qual o Copom acabará optando e bem mais os novos parâmetros da economia que adotará para suas decisões.

Míriam Leitão - Alvo errado

- O Globo

País começa a ver a reprise de conflito entre ministros pelo comando da economia. Ter um ministro como Joaquim Levy, com seu currículo e sabedoria, para transformá- lo em saco de pancada e não ouvir suas ponderações revela a insensatez do governo. Levy é solução, o problema foi criado pelo governo Dilma ao expandir gastos, pedalar, abrir mão de receita. Não se chegou a este ponto por causa do ministro, a dúvida é por que ele aceitou um emprego onde não o querem.

Na semana passada, ele foi o alvo de um ataque do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e não foi defendido pelo governo. É bom lembrar que Skaf apresentou- se, em anúncio na TV, como o idealizador da redução do preço da energia, política que desorganizou o setor elétrico e acabou provocando um tarifaço. Seria bom se ele usasse os mesmos recursos do sistema Sesi- Fiesp, com os quais se alavancou perto das eleições, para voltar à televisão e assumir que sua redução de tarifas fracassou e o distinto público pagou a conta.

Quem mais critica Levy é quem mais precisa dele: o PT. É o partido que está em apuros com uma crise econômica e uma crise política, isso sem falar em outros eventos mais constrangedores. Essa recessão que está aí é fruto de erros cometidos pelo governo e os equívocos teóricos dos economistas petistas. E não culpa de Levy. Ele se dispôs a ir para o governo, apesar do ambiente hostil, porque acreditava que poderia reverter as consequências dos erros cometidos no primeiro mandato. Mas o governo continua errando principalmente por não ouvi- lo. A presidente Dilma acha que suas convicções econômicas funcionam — a despeito das fortes evidências em contrário — e, por isso, só ouve quem não a contraria.

Como se chegou a um orçamento desequilibrado? O governo ignorou todos os sinais prévios de que estava havendo uma deterioração das contas públicas. O superávit primário despencou e, quando bateu no chão, foi camuflado pelas manobras que estão agora sendo analisadas pelo Tribunal de Contas da União ( TCU). O então secretário do Tesouro e o então ministro que cometeram todos aqueles erros tiveram o respaldo da presidente.

O país está começando a ver um remake do conflito entre dois ministros pelo comando da economia. Isso já aconteceu várias vezes e nunca deu certo, enfraqueceu o país, piorou a conjuntura. O próprio governo alimenta a ideia de que há um ministro bom que lutará contra o ministro mau. Ninguém tem o monopólio da verdade, e o normal é que qualquer ministro perca a discussão em algum momento, mas o que está acontecendo é o governo ignorar sucessivas vezes o alerta e as propostas do ministro Joaquim Levy.

O ministro foi nomeado não por se aceitar as ideias dele, mas porque o governo achava que assim compraria um seguro contra a falta de credibilidade na política econômica anterior. Não se queria exatamente mudar de rumo, mas sim pagar um prêmio ao que eles definem como “mercado”, mas que é a realidade. Agora, que já sabotaram as principais ideias do ministro, o governo reclama que ele não teve um bom desempenho.

O ajuste fiscal foi fraco demais, e o governo tem sido hesitante sobre cada uma de suas ideias. Basta ver a Previdência. Em vez de propor uma reforma que realmente reduzisse o ritmo acelerado de crescimento das despesas, o governo propôs apenas uma redução no gasto com as viúvas jovens. Quando o Congresso transformou aquela medida provisória em veículo para derrubar o fator previdenciário e propor uma fórmula que incentiva a aposentadoria precoce, era hora de o governo vetar e apresentar uma proposta com fixação de idade mínima. O executivo vetou, mas fez uma proposta que apenas altera um pouco o projeto do Congresso. Agora, está falando que quer uma reforma da Previdência com idade mínima. Esta deveria ter sido a primeira ideia e não a terceira.

Como é que o governo quer reconquistar a confiança sendo hesitante e ambíguo? Se é para não seguir as orientações do ministro da Fazenda, por que mantê- lo? Pergunta que as autoridades devem se fazer. É preciso avaliar o custo para o país da saída de Joaquim Levy. Pode ser maior do que o Planalto imagina.

Gustavo Loyola - Economia de botequim

• O pior que pode ocorrer é o abandono a meio caminho da retomada da responsabilidade macroeconômica

- Valor Econômico

Ao reagir contra a proposta de restabelecimento da CPMF, o presidente da Fiesp pediu publicamente a cabeça do ministro da Fazenda. Por que? Segundo ele, Joaquim Levy merece sair porque, entre outros pecados, "vai levar o país ao caos com seus erros". Na mesma entrevista, disse que "em vez de reduzir impostos, Levy está fazendo o oposto, aumentando juros, reduzindo o crédito e aumentando os impostos".

Trata-se de uma crítica curiosa, no mínimo. Não me consta seja o atual ministro da Fazenda o responsável pelo caos fiscal e pela inflação elevadíssima que assolam o País. Tampouco Levy teve algo a ver com o desastroso experimento de derrubada na marra das tarifas de energia elétrica em 2013 ou com o uso abusivo dos bancos públicos para gerar privilégios para setores e empresas eleitas pelo governo.

Não é preciso ser nenhum Sherlock Holmes para descobrir que as pegadas da fracassada "nova matriz econômica" conduzem mais a um certo edifício da Avenida Paulista do que ao escritório de Joaquim Levy. Muitos dos que hoje pedem a cabeça de Levy no passado pediram a desoneração da folha de pagamento, a depreciação forçada do câmbio e redução voluntarista dos juros pelo Banco Central (ainda que a inflação estivesse acima da meta). Deve ser por isso que não há registro de ter o presidente da Fiesp alguma vez pedido a cabeça do antecessor de Levy, enquanto a inflação subia e as contas públicas degringolavam.

O pior que pode hoje acontecer ao Brasil é o abandono a meio caminho do esforço de retomada da responsabilidade macroeconômica, fortemente abalada na gestão pouco competente (mas infelizmente longeva) do antecessor imediato de Levy.

Não se trata de negar que o ajuste da economia esteja sendo doloroso e que, infelizmente, a recessão não será revertida tão cedo. Também não se nega que há erros na execução da política fiscal, como foi o caso do mal pensado adiamento do pagamento da primeira parcela do décimo-terceiro aos beneficiários do INSS, assim como equivocada foi a ideia da volta da CPMF, agora sob forma de imposto a ser partilhado pela União com outros entes da Federação.

É compreensível que os empresários, assim como toda a sociedade, se manifestem contrários ao aumento de tributos e se impacientem com a falta de resultados até aqui da política de ajuste iniciada em janeiro último. Tal exasperação é ainda mais fundada porque vem após uma campanha presidencial em que a candidata à reeleição teceu reiteradas loas à política econômica de então e atribuiu todos os problemas da economia brasileira à situação internacional.

Contudo, ao contrário do que afirmou a presidente Dilma durante a última campanha eleitoral, a crise de crescimento pela qual passa no momento o Brasil tem suas raízes principais nas políticas equivocadas dos últimos seis anos. O abuso de medidas procíclicas, as pedaladas e a maquiagem fiscal, o abandono da meta de 4,5% de inflação, a intervenção excessiva e errática nos mercados, com o intuito de direcionar a alocação de recursos, o fechamento adicional da economia, a manipulação das empresas estatais com objetivo político, são alguns dos itens de um extenso rol de erros que fizeram o Brasil desaguar nos seus problemas econômicos atuais. Em consequência, o crescimento da produtividade se estagnou e a taxa de investimento caiu drasticamente.

Desse modo, somente um economista de botequim poderia pensar que a volta aos "bons tempos" da nova matriz econômica de Guido Mantega resgataria o Brasil de suas dificuldades presentes. No momento, reduzir impostos, derrubar juros e estimular o crédito, como parece reivindicar o presidente da Fiesp, não seria a solução para as atuais dificuldades da economia brasileira.

O Brasil precisa completar o ajuste macroeconômico, equilibrar as contas públicas e trazer a inflação para a meta e, principalmente, avançar numa agenda para aumentar a produtividade e o investimento e melhorar o ambiente de negócios, o que no mínimo exige o alinhamento de suas lideranças empresariais a esse propósito. Por outro lado, a saída de Levy, como exigiu o presidente da Fiesp, significaria muito provavelmente perder a oportunidade de corrigir os erros na gestão econômica que foram acumulados ao longo dos últimos anos.

Vale ressaltar que o setor empresarial produziu nos últimos anos alguns excelentes diagnósticos e sugestões de políticas públicas que, caso adotadas, poderiam contribuir muito para acelerar de forma sustentada o crescimento da economia brasileira, assim como conduzir à redução das desigualdades sociais. A CNI, por exemplo, mapeou uma série de ações com vistas a reduzir o custo Brasil, muitas das quais exigem reformas estruturais que necessitam amplo apoio político na sociedade.

No momento de crise econômica, em que ambas as casas do Congresso se esmeram em votar "pautas-bomba", seria mais razoável ouvir as vozes da indústria apoiarem os ajustes na economia e demandarem reformas mínimas necessárias para a retomada do crescimento sustentável em vez de publicamente pedirem a saída do ministro da Fazenda.
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Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central

O que está em questão entre Levy e Barbosa – Editorial / O Globo

• Os ministros repetem um conflito clássico na História do Brasil, mas com o agravante de ocorrer em meio a uma séria crise política

Emerge do imbróglio criado no envio ao Congresso da proposta orçamentária para 2016, com a previsão de déficit, uma zona mais nítida de tensão entre os ministros da Fazenda e Planejamento, Joaquim Levy e Nelson Barbosa. Do ponto de vista da história republicana brasileira, nenhuma novidade. É antiga esta oscilação entre “desenvolvimentistas” e “estabilizadores”. Ela é observada, por exemplo, em Rui Barbosa (Deodoro) e Joaquim Murtinho (Campos Sales), passa por Delfim, Reis Veloso, Simonsen (Médici, Geisel e Figueiredo), Malan e Serra (FH).

Não por acaso, a predominância de “desenvolvimentistas” num governo chefiado por Dilma Rousseff, com Guido Mantega e o maquiador de estatísticas Arno Augustin, quebrou o país. Entraram para a História. E com Dilma 2, volta a tradicional dualidade nas figuras de Levy e Nelson Barbosa.

Com a diferença que é um agravante: o cabo de guerra se dá no bojo de uma séria crise política, com a credibilidade/popularidade da inquilina do Planalto ao rés do chão.

Nesse contexto, surge a proposta de Orçamento com déficit — melhor do que com um superávit surgido dos laboratórios a contabilidade criativa. Mas, se reconhecer o problema é parte da solução, não é seguro que a saída será encontrada com facilidade. Um Congresso que, num ajuste fiscal, gera despesas, não pode ser confiável.

O Executivo terá necessariamente de conduzir as reformas para que os gastos públicos obrigatórios deixem de aumentar de maneira autônoma, ao sabor da correção por meio de um salário mínimo descolado da produtividade da economia. Um pecado mortal, fonte de fortes pressões inflacionárias.

Aqui surgem as diferenças entre Levy, mais preocupado com as despesas, e Barbosa, defensor da garimpagem por novas fontes de receitas, apesar da já enorme carga tributária. Ou seja, mais impostos. Repete-se o filme. Faz, portanto, sentido que Barbosa seja defensor da volta da famigerada CPMF, também defendida pelo PT, partido de que é próximo. Mas é grave equívoco.

O melhor é que haja um entendimento entre as duas correntes, em nome de um mínimo de governabilidade na crise. Impostos já estão previstos no orçamento deficitário (sobre bebidas, produtos eletrônicos etc.). Mas todos os esforços precisam ser canalizados para mudanças estruturais, como a reforma da Previdência e em alterações na correção do salário mínimo. Espera-se que o Planalto saiba que Levy continua a ser visto como fiador de alguma sensatez na condução dos ajustes.

Não é desprezível o risco de o Brasil entrar em longo processo de estagnação e até retrocesso. A Argentina, no começo do século passado, já ostentou renda e outros indicadores de país desenvolvido. Hoje é um pária no mundo globalizado.

A responsável pelo fiasco – Editorial / O Estado de S. Paulo

Elaborar um Orçamento é questão complexa, que envolve ampla variedade de minúcias técnicas e legais e, principalmente, pressupostos políticos que têm a ver – ou deveriam ter – com as prioridades de uma proposta de governo consagrada nas urnas. Para bom entendimento, porém, a ideia de orçamento pode ser resumida a uma equação mais simples: receita e despesa. O governo avalia o quanto precisa e quer gastar e prevê os recursos de que disporá para tanto, partindo do princípio de que terá capacidade gerencial para fechar a conta. Essa é a teoria. Na prática, a presidente Dilma Rousseff, que não teve competência para propor ao País um Orçamento equilibrado para 2016, decidiu, pela primeira vez na história da República, encaminhar ao Congresso uma peça deficitária, que prevê um rombo de mais de R$ 30 bilhões. Lei de Responsabilidade Fiscal, nem pensar.

Passando ao largo de maiores considerações a respeito das razões por detrás da crise política, econômica, social e moral que o País enfrenta e se reflete, também, nesse lamentável episódio do orçamento deficitário, basta dizer que tudo isso é o resultado da conjugação de sectarismo ideológico com incompetência gerencial. Do estatismo populista com o aparelhamento partidário do governo.

Principalmente quando a ideia é “passar o País a limpo”, como continua cinicamente pregando o lulopetismo, o desafio de governar exige duas qualidades fundamentais do governante: coragem e habilidade política. Coragem não falta a Dilma Rousseff. Ela o demonstrou na juventude, quando colocou a própria vida em risco na luta armada para substituir um regime autocrático de direita por um regime autocrático de esquerda. A habilidade política da presidente da República, no entanto, é zero. Ela parece acreditar ainda hoje que essa coisa de “habilidade política” não é mais do que uma desprezível enganação “burguesa” a serviço da exploração do povo. A presidente é a voz do povo e isso basta. O resto é “terceiro turno”.

Por força da convivência com o poder, Dilma certamente percebeu que não poderia deixar de conversar e até mesmo de delegar responsabilidades. Mas como ela tem absoluta certeza do que o País precisa, só ouve seu marqueteiro eleitoral. Delegação de poderes, por sua vez, não combina com sua natureza autoritária, e qualquer coisa parecida com isso jamais passou de simples coincidência. O que explica o relacionamento dela com Joaquim Levy e Michel Temer, para citar os exemplos mais notórios que nos remetem, também, ao lamentável episódio do orçamento deficitário.

Diante da necessidade – mas não totalmente convencida disso – de colocar as contas do governo em ordem, depois da gastança desenfreada do ano eleitoral, Dilma contrariou sua natureza e suas convicções e foi atrás de alguém habilitado para a missão, um economista “liberal”, alto executivo do Bradesco, e a ele “delegou” o comando da equipe encarregada do reajuste fiscal. É óbvio que só o fez para causar boa impressão aos agentes econômicos no País e lá fora. A maior “vitória” de Joaquim Levy até o momento é permanecer no cargo. Calejou-se de tanto bater cabeça com o núcleo duro da assessoria presidencial e perder a parada. A série de derrotas culminou com a do Orçamento, mas isso não o abalou da posição ministerial.

Com Michel Temer deu-se quase o mesmo, com a diferença de que, neste caso, Dilma estava lidando com um político experiente. E lá foi o vice-presidente da República, com os poderes “delegados” pela presidente que fingia apoiá-lo, realizar o que os petistas não sabem e não gostam de fazer: recompor alianças. Mas é claro que como a tal delegação não era para valer, Temer foi sabotado por todos os lados. Afastou-se educadamente e acabou faltando ao governo, consequentemente, apoio e sabedoria política para apresentar uma peça orçamentária decente.

Esse fiasco tem muitos pais, mas a maior responsável por ele é a presidente Dilma, que se recusou a aceitar cortes que equilibrariam o orçamento e não tem apoio político, e muito menos popular, para sair da crise.

Rombo no Orçamento – Editorial / Folha de S. Paulo

• Ao projetar saldo negativo nas contas de 2016, governo tenta transferir para o Congresso uma responsabilidade que é sua

Pela primeira vez na nossa história, o Executivo enviou ao Congresso uma proposta de Orçamento na qual projeta para o ano seguinte receitas menores do que as despesas. Em outras palavras, o governo admite sua incapacidade de controlar as próprias contas.

Se há algo de positivo nesse desastre contábil é que o Planalto deixou para trás expedientes com os quais buscava maquiar o saldo negativo. Nem por isso se deve imaginar que o governo Dilma Rousseff (PT) experimentou súbita conversão às virtudes da transparência. O que houve foi pura capitulação.

Há um mês, a equipe econômica contava com meta positiva de R$ 34 bilhões em 2016. Agora, precisa se resignar com um deficit primário (saldo de receitas e despesas antes do pagamento de juros) calculado em R$ 30,5 bilhões.

Como pode ter havido frustração dessa magnitude em tão pouco tempo? Não há explicação para a diferença de R$ 64,5 bilhões a não ser o completo alheamento do governo quanto às consequências da gestão temerária que praticou nos últimos anos.

Os impactos dessa nova bomba serão graves. Para começar, o deficit projetado jogou por terra qualquer tênue esperança de que a austeridade pudesse prevalecer. A dívida pública, por isso, adquire comportamento explosivo: deve passar dos atuais 66% do PIB para 72% no ano que vem.

Assim, torna-se quase certa a perda do selo de bom pagador concedido pelas agências de classificação de risco. Na prática, o mercado já antecipa o quadro. As taxas de juros dispararam e o dólar atingiu novos picos, solapando o pouco que restava de confiança entre os agentes econômicos.

O Banco Central assiste ao colapso geral quase como coadjuvante, restando o consolo de o Brasil dispor de elevadas reservas internacionais. Estas, no entanto, têm escassa serventia para manter a credibilidade do país quando o problema é doméstico, como hoje. Recessão e desemprego surgem como desdobramentos automáticos.

Desnudou-se definitivamente, ademais, que não há ajuste possível sem enfrentar as regras que impõem um crescimento vegetativo das despesas obrigatórias, que representam 90% do Orçamento.

São necessárias reformas duras, como a da Previdência, e um esforço sério para mudar as práticas administrativas perdulárias. Só a partir daí será possível discutir mais impostos para fechar as contas.

A falência do governo está declarada sem meias palavras; terá de ser confrontada pelo sistema político e pela sociedade. A presidente Dilma Rousseff, porém, demonstra não ter diagnóstico claro do problema e muito menos sugestão de tratamento para resolvê-lo.

Incapaz de oferecer solução, pensa que pode se desvencilhar do aperto transferindo ao Congresso uma responsabilidade que é sua –no que erra mais uma vez.

Mercado antecipa perda do grau de investimento – Editorial / Valor Econômico

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, puxou as orelhas do mercado financeiro reunido recentemente no congresso da BM&FBovespa, em Campos de Jordão, pelo que chamou de "bingo do investment grade", as apostas em torno de quando as agências podem rebaixar o risco de crédito do país. No entanto, o governo não tem dado motivos para uma atitude diferente. Nos últimos dez dias, novos sinais de deterioração da política fiscal amplificaram o receio de rebaixamento do risco de crédito do Brasil e de perda do grau de investimento.

Primeiro foi a decisão do Tesouro de elevar o teto da dívida mobiliária federal deste ano para R$ 2,8 trilhões pois o limite anterior, de R$ 2,6 trilhões, já foi superado. Os resultados fiscais de julho foram péssimos, levando o déficit primário acumulado em 12 meses a R$ 51 bilhões, ou 0,89% do Produto Interno Bruto (PIB). A revisão do orçamento de 2016, que passa agora a prever um déficit de R$ 30,5 bilhões, equivalente a cerca de 0,5% PIB, em comparação com o superávit de 2% perseguido anteriormente, é a mais recente notícia negativa. Sem apoio político, o governo não pode contar com o aumento da carga tributária ou com o corte significativo de gastos das despesas denominadas obrigatórias.

Os resultados fiscais ruins alimentam o receio de aumento da dívida bruta, um dos indicadores mais observados pelas agências de rating. Calcula-se que o governo deveria produzir superávits primários de 2,5% a 3% do PIB para estabilizar a dívida bruta. Mas isso não acontece há algum tempo e a dívida continua a subir, está em 64,6% do PIB e o próprio governo prevê que chegará a 65,7% no fim do ano. Nessa toada, pode chegar aos 70% do PIB antes de 2018, como era esperado - um patamar considerado o estopim para as agências de avaliação de risco de crédito rebaixarem o Brasil.

Neste ano, a Moody's rebaixou o rating do Brasil para mais perto do território especulativo, com perspectiva estável, após decisão similar anunciada antes das eleições da Standard & Poor's, que tem uma perspectiva negativa para o Brasil. A Fitch Ratings ainda classifica o Brasil dois degraus acima do nível especulativo, com perspectiva negativa.

A preocupação do mercado financeiro com a perspectiva de perda do grau de investimento fica evidente no prêmio dos Credit Default Swap (CDS), instrumentos de cobertura de risco dos títulos da dívida brasileira. O prêmio dos CDS brasileiros de cinco anos superaram os 350 pontos-base, o maior desde 2009. Países com rating igual ao do Brasil pagam pouco menos da metade. Mesmo no caso de países sem grau de investimento, a cotação dos CDS é inferior, em média de 235 pontos.

Estudo feito pelo ex-presidente do Banco Central (BC), Affonso Celso Pastore, mostra que a deterioração do CDS brasileiro foi gradual. No início da década, até 2012, o CDS de 10 anos do Brasil era cotado quase à mesma taxa do título do México, que também tem grau de investimento e avaliação mais positiva das agências de rating. A partir de 2013, quando ganharam visibilidade as manobras fiscais com a contabilidade criativa e pedaladas, com impacto sensível na dívida bruta, a cotação do CDS brasileiro foi se descolando do mexicano e se aproximando do título da Turquia, que não tem grau de investimento. A partir deste ano, no entanto, até o título turco ficou para trás.

O movimento do CDS guarda relação com o do câmbio porque a percepção de maior risco leva à saída de capital dos investidores que procuram se antecipar ao rebaixamento do rating. Foi o que revelaram os resultados mais recentes das contas externas. Há investidores institucionais que simplesmente não podem investir em países sem grau de investimento. Os dados do Banco Central mostraram que, em julho, houve uma saída líquida de US$ 4,1 bilhões em investimento estrangeiro em carteira, principalmente da renda fixa. O investimento estrangeiro em carteira no Brasil está acumulado em US$ 23,1 bilhões no ano, com queda de 32% em comparação com igual período de 2014. Há reflexos também no investimento estrangeiro no país, que soma US$ 36,9 bilhões no ano até julho, com queda de 33%, embora esse movimento tenha também influência da desaceleração da economia e das investigações de corrupção relacionadas à Operação Lava-Jato.

O mercado financeiro dá sinais de já ter colocado no preço dos ativos a perda do grau de investimento do Brasil. Não é torcida, porque nesse tipo de aposta ninguém sai ganhando.

Sanfona Sentida - Dominguinhos, Mariana Aydar e Duani

Fernando Pessoa - Cada um

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.