quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Merval Pereira- Questões morais

- O Globo

Ao criticar quem “dedura”, Marcelo Odebrecht parte de princípio mafioso. O depoimento de Marcelo Odebrecht à CPI da Petrobras revela ao país um dos pontos fulcrais de nossa crise moral: uma confusão tão enraizada entre o público e o privado que empresários e agentes públicos muitas vezes perdem a noção do que seja legítimo, isso se considerarmos que as explicações do ex- presidente da maior empreiteira brasileira são sinceras, e não mais uma demonstração de cinismo como tantas que temos visto nos últimos anos.

Além de dizer que não tinha “nada a dedurar”, por orientação de seu advogado, Marcelo Odebrecht frisou que, além disso, “há questões de valores numa decisão dessas”, e deu um exemplo: “Quando lá em casa minhas meninas brigavam, eu perguntava: ‘ Quem fez isso?’. Eu talvez brigasse mais com quem dedurasse”.

É um valor moral ambíguo esse que ele ensina a suas filhas, pois se baseia na ideia de que é obrigação moral não denunciar malfeitos, ou crimes, como no caso da Petrobras. A decisão de não “dedurar” parte de um princípio mafioso de proteger os amigos, e incorre no mesmo erro da presidente Dilma, que diz que não respeita delatores, quando o que está em questão aqui são crimes contra o patrimônio público.

O juiz Sérgio Moro, no artigo sobre a Operação Mãos Limpas da Itália, fez um comentário sobre o instituto da delação premiada que repetiu no fim de semana passado em uma palestra: (...) “não se está traindo a pátria ou alguma espécie de ‘ resistência francesa’”. Para o juiz, “um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio”.

Aqui entramos em outra faceta da questão. Marcelo Odebrecht simplesmente não acha que cometeu crimes à frente da Odebrecht, apesar dos inúmeros relatos de companheiros seus de direção de empreiteiras, e o entendimento generalizado de que ele era um dos principais partícipes do esquema de corrupção na Petrobras.

Para ele, a Lava- Jato “está gerando desgaste desnecessário para a Petrobras e as empresas nacionais” e “devíamos cuidar melhor tanto da imagem da Petrobras como das empresas nacionais”.

Da mesma maneira, nem ele nem Lula veem como ilegais a atuação do ex- presidente a favor da Odebrecht em diversos países, com o apoio do BNDES, mesmo quando as condições para os empréstimos não correspondiam às exigências normais das regras do próprio banco estatal. Em certos países, sem crédito internacional, o simples fato de o BNDES dar seu aval é fator decisivo para que a empresa brasileira ganhe a concorrência.

S er iam apenas ações em favor de empresa brasileira, que gera empregos e prestígio para o país. Da mesma maneira, disse que certamente conversou sobre a Petrobras em encontros com a presidente Dilma Rousseff e com o expresidente Lula, considerando o fato “mais do que natural”.

A “amizade” entre políticos e empresários leva a que as relações deixem de ser “republicanas” — como Marcelo classificou suas conversas — para se tornarem acordos comerciais informais entre as partes, propiciando desvios de conduta como os que estão sendo desvelados pela Operação Lava- Jato.

Considerar absolutamente natural favores para autoridades é uma denegação da realidade que não resiste à enxurrada de provas e de depoimentos que estão vindo à tona. Basear a recusa à delação premiada em uma justificativa moral chega a ser patético, num ambiente em que a podridão sai pelo ladrão.

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