quarta-feira, 30 de março de 2016

Mais três ministros do PMDB devem entregar os cargos

• Mauro Lopes, Eduardo Braga e Helder Barbalho sinalizam saída

Júnia Gama, Isabel Braga, Cristiane Jungblut e Simone Iiglesias - O Globo

- BRASÍLIA- A entrega dos cargos da metade dos ministros do PMDB é dada como certa após a decisão do partido de desembarcar do governo. Entre os seis ministros que permanecem no cargo — na noite de segunda-feira Henrique Alves deixou o Turismo —, a expectativa é que três sigam este caminho nos próximos dias: Mauro Lopes (Aviação Civil), Helder Barbalho (Portos) e Eduardo Braga (Minas e Energia). Outros dois, Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) e Marcelo Castro (Saúde), ambos com mandatos de deputado, deverão permanecer mais alguns dias, até que esteja mais claro o cenário sobre a aprovação do impeachment. A ministra Kátia Abreu (Agricultura) é a única que pretende permanecer ao lado da presidente Dilma Rousseff independentemente dos desdobramentos do impeachment e, para isto, pode mudar de partido.

Em almoço ontem com a bancada de deputados do PMDB de Minas Gerais, Mauro Lopes afirmou que iria seguir a determinação do partido e entregar seu cargo no governo. Apesar de o Diretório Nacional do PMDB não ter definido prazo para que os ministros deixem seus postos, a expectativa é que o ministro comunique sua saída em breve ao Palácio do Planalto. Na noite anterior, Mauro Lopes já havia comunicado ao líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ) — que foi fiador de sua nomeação — que iria acompanhar a decisão da maioria do partido.

Castro e Pansera continuam
Helder Barbalho e Eduardo Braga também já sinalizaram aos dirigentes do PMDB que irão deixar os cargos. Em conversas com a cúpula do partido, os ministros afirmaram que não pretendem se desfiliar do PMDB, uma das opções para aqueles que desejarem permanecer em seus cargos. Braga, um dos peemedebistas que mais resistiu à saída e trabalhou para ajudar a presidente, disse a integrantes da cúpula que é “homem de partido” e que pedirá demissão. Ele chegou ao governo em janeiro do ano passado, após perder a eleição para o governo do Amazonas. Antes de se tornar ministro, foi líder do governo Dilma no Senado.

Hélder Barbalho também chegou na Esplanada no início do segundo mandato de Dilma, ano passado, quando assumiu o Ministério da Pesca. Na última reforma ministerial, anunciada em outubro pela presidente Dilma, a pasta da Pesca deixou de ser ministério, mas Hélder foi remanejado para a Secretaria de Portos. Na época, ele passou a ser considerado da “cota” de Michel Temer.

Já Marcelo Castro e Celso Pansera, da ala considerada mais alinhada ao governo, devem permanecer o máximo possível nos cargos. Segundo interlocutores, os dois manterão a defesa do governo, mas até o limite do avanço do processo de impeachment da presidente. Como ambos têm mandatos de deputado federal e não há determinação de prazo no PMDB para a entrega dos cargos, a situação deles é considerada “confortável”.

Depois da decisão de desembarque do PMDB, cresce a pressão nas demais bancadas de partidos aliados por uma definição de saída da base. O PP se reúne hoje para discutir o desembarque e, segundo deputados, já está certo que haverá a convocação do diretório para discutir a questão. A dúvida é em relação à data da consulta, se antes da votação na comissão do impeachment ou da votação em plenário.

No documento entregue ao presidente nacional do PP, Ciro Nogueira ( PI), 22 dos 49 deputados assinaram favoravelmente à convocação do diretório, além de quatro dos seis senadores.

A bancada do PP está rachada e, de acordo com deputados, Ciro Nogueira mantém conversas com interlocutores do governo esteve anteontem com a presidente Dilma. Não houve, ainda, avanços nas conversas para atender a pleitos dos parlamentares. O PP tem apenas um ministério e, com o aumento da bancada para 49 deputados, a direção do partido acredita que outra pasta possa ser oferecida.

PR deve liberar bancada
O PR, partido que comanda o Ministério dos Transportes, deverá liberar a bancada de deputados sobre o impeachment. Dos 40 deputados, segundo contas de dirigentes, 25 são a favor do afastamento de Dilma.

O governo começa a fazer uma ofensiva sobre partidos menores que teriam menos chances de ocupar cargos em um eventual governo Temer.

Um dos alvos do governo é o PTN, que tem 13 deputados. O partido já garantiu um aliado na Fundação Nacional de Saúde, mas ainda sonha com um ministério. Ontem, o líder Aluísio Mendes ( MA), fez uma reunião com a bancada.

— Não discutimos ministério. Primeiro teremos que decidir se o PTN fica ou não na base de apoio — disse Mendes.

Governo prepara nova reforma ministerial para garantir votos

• Mudanças, que devem ocorrer até sexta, visam a recompor base

Catarina Alencastro, Eduardo Barreto, Letícia Fernandes, Júnia Gama e Cristiane Jungblut - O Globo

- BRASÍLIA- Após o já esperado rompimento formal do PMDB com o governo, a presidente Dilma Rousseff começou a preparar uma reforma ministerial, que deverá ser anunciada até sexta-feira. Escalado para falar em nome do governo, o ministro da Chefia de Gabinete da presidente, Jaques Wagner, chegou a falar em “governo novo” e a dizer que a saída do principal aliado abre uma “boa” oportunidade para que Dilma inicie uma nova fase, com outros aliados nos espaços deixados pelo PMDB. O governo conta com um mapa dos cerca de 580 cargos da máquina federal hoje ocupados por indicação de peemedebistas.

— A decisão dele (PMDB) chega numa boa hora. Numa boa hora porque oferece à presidenta Dilma uma ótima oportunidade de repactuar o seu governo. Eu poderia até falar de um novo governo, no sentido de que sai um parceiro importante e, portanto, abre espaço político para uma repactuação de governo. Política é assim. É vivida da realidade — disse Wagner. — Estou muito confiante de que esta oportunidade será uma boa caminhada da presidente Dilma.

Ontem, Dilma deixou o Palácio do Planalto no início da noite rumo ao Palácio da Alvorada, residência oficial, para decidir com seus principais ministros quem poderá substituir os peemedebistas no governo. O Planalto espera que o desembarque do PMDB possa facilitar a batalha por votos contra o impeachment de Dilma.

O raciocínio é matemático: o PMDB “bloqueava” sete ministérios e só entregava de 25 a 30 votos na Câmara. Com a liberação desses ministérios, outros partidos aliados poderão ocupa-los e entregar, em troca, no mínimo o dobro dos votos. Segundo um auxiliar da presidente, o cálculo é chegar a 80 votos — como o governo tem pelo menos cem votos já garantidos, isso seria suficiente para chegar aos 172 necessários para barrar o impeachment.

Outra aposta do governo é redistribuir cargos nos diversos escalões da República, além de atender demandas específicas de parlamentares. Segundo interlocutores do Planalto, Lula está à frente desse trabalho. O governo pretende redistribuir os cargos para garantir votos contra o impeachment. O ex-presidente tem dito a pessoas próximas que pretende fazer uma “higienização” no quadro de apadrinhados políticos para assegurar que cada cargo ou demanda atendida corresponda a ao menos um voto contrário ao afastamento de Dilma no Congresso.

PT quer colar Temer a Cunha
O PT, por sua vez, intensificou o discurso de fortes críticas a Temer e ao que chama de “conspiração” para tomar o lugar da presidente. O vice foi escolhido como alvo prioritário do partido; uma das estratégias nesse sentido será a de colar sua imagem à do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), na tentativa de enfraquecê-lo.

Os petistas creem que os manifestantes a favor do impeachment de Dilma não defendem a entrada de um governo do PMDB. A ideia, portanto, é mostrar que Temer, Cunha e os demais peemedebistas estão aproveitando o momento político para “assaltar” o poder.

— O Temer, infelizmente, está tendo uma postura lamentável. Ele virou um conspirador e, para mim, chefia o golpe com o Eduardo Cunha, os dois estão à frente do golpe — disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).

O PT ainda atacará o programa que o PMDB defende, caso chegue ao poder, chamado “Ponte para o futuro”. Esse programa sugere a redução de gastos públicos, a necessidade de um rigoroso ajuste fiscal e a desvinculação orçamentária na Saúde e na Educação. Os petistas dirão que essas medidas ceifariam os direitos dos trabalhadores.)

Planalto articula bloco de apoio

Por Leandra Peres, Lucas Marchesini e Bruno Peres - Valor Econômico

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto está negociando com partidos da base governista um novo bloco de apoio no Congresso Nacional em resposta ao rompimento do PMDB com o governo. Para isso, pretende usar os cargos hoje ocupados por pemedebistas para ampliar o espaço de aliados como PSD, PP e PR e conter a debandada nesses partidos.

O ministro-chefe do Gabinete Pessoal da Presidência, Jaques Wagner, disse que até sexta-feira devem ser anunciadas mudanças na composição do governo. Numa declaração dura e dirigida diretamente ao vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), o ministro afirmou ainda que a relação política da presidente Dilma Rousseff com o seu vice está "interditada".

"[A saída do PMDB] chega em boa hora [porque] oferece a presidente Dilma Rousseff uma ótima oportunidade de repactuar o seu governo. Poderia até falar de novo governo, no sentido que sai parceiro importante então abre espaço político para repactuação de governo", avaliou Wagner.

A estratégia desenhada pelo governo dobra a aposta na capacidade do Planalto de garantir os votos necessários para barrar o impeachment numa negociação de "varejo" e no confronto direto com o ex-aliado.

Nos bastidores, o Planalto diz que pemedebistas preocupados com a perda de cargos já procuraram o governo para conversar e sinalizaram que o alinhamento com a cúpula do partido não é integral. Uma mostra disso, segundo o Palácio, é que nenhum outro ministro seguiu a decisão de Henrique Eduardo Alves, do Turismo, que entregou sua carta de demissão à presidente e um dos aliados mais próximos do vice-presidente Temer.

O governo também pressiona para que os ministros Helder Barbalho (PMDB-PA) e Eduardo Braga (PMDB-AM) continuem nos cargos. Ao mesmo tampo avisa que a manutenção dos cargos dependerá da capacidade de os ministros garantirem votos. "Não interessa ao Palácio imobilizar seis ministérios sob o comando do PMDB para garantir só 25 votos", diz uma autoridade.

A "repactuação" da base aliada, pelos planos do governo, não ficará restrita apenas à votação do afastamento da presidente Dilma. O objetivo é que esse novo arranjo seja suficiente para demonstrar que, mesmo com uma base aliada mais enxuta, o governo terá capacidade de aprovar projetos de sua pauta econômica, vencido o impeachment.

No Congresso, a reação da bancada petista ecoou a estratégia do Planalto. O vice-líder do governo na Câmara, Paulo Teixeira (PT-SP), disse que a parcela do partido que está desembarcando nunca esteve alinhada à presidente Dilma Rousseff. "O PMDB que sairá é o PMDB que nunca esteve [no governo]. É do lado da conspiração", afirmou Teixeira.

O líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), atacou diretamente o vice-presidente. "O Michel Temer migrou de constitucionalista para golpista", afirmou o petista.

O ministro Jaques Wagner voltou a falar no impeachment como "num golpe disfarçado" por não cumprir o requisito legal de ter acontecido no atual mandato da presidente. E explicou que existe uma agenda positiva que inclui as entrevistas concedidas pela presidente Dilma Rousseff, manifestações de rua e de intelectuais a favor do governo e o lançamento do Minha Casa Minha Vida 3, prevista para hoje, como esforços para conseguir os votos contra o impeachment. "Se alguém com 54 milhões de votos tem dificuldade, quem não tem terá dificuldade ainda maior?"

Apesar do discurso incisivo do Palácio do Planalto, o governo deverá encontrar dificuldades para atrair partidos para a base, inclusive os médios como o PP e o PSD. No caso do PSD, o ministro Gilberto Kassab (Cidades), que também é fundador e presidente do partido, pretende liberar seus deputado para a votação do impeachment. Kassab está sendo pressionado especialmente pelos candidatos a prefeito nas eleições de outubro. (Colaboraram Thiago Resende e Raphael Di Cunto)

As versões de Lula no exterior

• Argumentos de ex-presidente à imprensa estrangeira, parte da estratégia do petista e do governo, têm relatos distintos de jornais

Marco Grillo - O Globo

A entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a jornalistas estrangeiros, parte da estratégia para sensibilizar a opinião pública estrangeira, rendeu diferentes relatos sobre as declarações feitas pelo petista — de olhares mais críticos, recheados de detalhes das investigações, a abordagens relatoriais, menos incômodas.

Em diversas frentes, o governo vem buscando na imprensa internacional um meio de amplificar sua versão. Dois pilares compõem o plano: os argumentos em defesa da continuidade do mandato da presidente Dilma Rousseff e a resposta às denúncias que recaem sobre o ex-presidente.

Há poucos dias, Dilma já cumprira o roteiro ao conversar com correspondentes estrangeiros. Jaques Wagner, hoje chefe de gabinete da presidente, e o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, também seguiram o script. Ontem, o Instituto Lula manteve a estratégia ao divulgar uma nota, em três idiomas (português, inglês e espanhol), em que aborda a situação do ex-presidente junto à Justiça.

Em contra- ataque, líderes da oposição também recorreram à imprensa internacional ( veja ao lado).

Para o jornal espanhol “El País”, o convite de Lula foi um “sintoma” de como andam as relações entre o governo e a imprensa brasileira. O britânico “The Guardian” classificou a entrevista como um esforço de driblar o que o PT considera uma “mídia hostil”. Já o francês “Le Monde” pôs no título: “Lula com a missão de seduzir para defender Dilma Rousseff ”.

As reportagens do norte-americano “The New York Times” e do “Guardian” apresentaram contrapontos que põem em dúvida a estratégia de massificar a reprodução de pontos de vista favoráveis a Lula e ao governo. Ao lembrar que a sua nomeação na Casa Civil está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o “New York Times” citou que as investigações levaram à cadeia “magnatas da construção, executivos do petróleo e confidentes de Lula”.

O “Guardian” afirmou que o ex-presidente não conseguiu explicar como ele e Dilma comandaram o país sem notar que “enormes esquemas de corrupção” financiavam campanhas eleitorais de grandes partidos.

Os impactos políticos do desembarque do PMDB, oficializado ontem, foram lembrados pelo argentino “La Nación”. A velocidade dos acontecimentos força o governo, agora, a acelerar conversas com outros interlocutores: deputados e senadores, os responsáveis por deter ou permitir o impeachment.

A correspondentes, Aécio diz que ‘ governo Dilma acabou’

• Na entrevista para jornalistas estrangeiros, partidos da oposição repudiam ideia de golpe

Maria Lima - O Globo

- BRASÍLIA- Em entrevista ontem a correspondentes estrangeiros, convocada pela oposição para desconstruir “a narrativa do golpe”, os presidentes de seis partidos — PPS, PSB, Democratas, PSC, Solidariedade e PSDB — reafirmaram que o impeachment é constitucional, que um eventual governo Michel Temer não é “a solução dos sonhos”, que não há intenção de obstruir as investigações da Lava- Jato e que apoiarão uma agenda dura, de reformas estruturais, para a retomada do crescimento. Participaram da coletiva jornalistas de “Le Monde”, “El País”, “Wall Street Journal”, “France Presse”, “Reuters”, “La Nacion”, “Agencia EFE”, “Agência Ansa” e “Página 12”.

— O debate sobre se é ou não golpe repercute mais no Brasil do que lá fora. Lá, as pessoas têm uma visão global da situação. Sabem que a presidente Dilma está fraca e que pode acontecer o impeachment. Meus leitores querem saber é como o Brasil chegou a essa situação e se vai voltar a crescer. Veem com tristeza e preocupação a possibilidade de o Brasil retornar aos anos 80, da década perdida — relatou um dos correspondentes após a entrevista.

Segundo Anthony Boadle, da “Reuters”, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves ( MG), disse que o desembarque do PMDB do governo de Dilma “fecha a tampa do caixão” da gestão da petista. Aécio anunciou que, na próxima segunda- feira, o PSDB vai reunir seus governadores, líderes partidários e o ex- presidente Fernando Henrique para detalhar como será a participação em um eventual governo de coalizão junto com Michel Temer, definindo questões essenciais para a transição, se aprovado o impeachment

— O governo Dilma acabou. A saída do PMDB fecha a tampa do caixão de um governo moribundo que não tem mais condições mínimas para sinalizar o que todos nós queremos: a retomada do crescimento, a geração de empregos, a melhoria dos indicadores sociais — disse Aécio.

Ainda segundo Boadle, Aécio disse que a saída do PMDB levará com ele outras forças partidárias que ainda sustentavam o governo. 

Apoio da OAB e de Ministros
Na entrevista, José Agripino, presidente do DEM e líder da oposição no Senado, disse aos correspondentes que o governo utiliza o discurso de que há um golpe “por não ter como explicar as razões de ter enganado o povo brasileiro”. Ele argumentou que o impeachment tem o apoio da OAB e respaldo de ministros do Supremo Tribunal Federal.

— Essa é uma atitude meramente escapista de um governo que não tem como explicar porque tem enganado a sociedade — disse Agripino.

Moro pede desculpas ao STF por divulgação de áudios de Lula e nega motivação política

• Juiz da Lava Jato afirma à Corte, em ofício, que não agiu com 'intuito político-partidário'

Por Beatriz Bulla e Gustavo Aguiar – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em ofício ao Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, pediu “escusas” à Corte e disse que a divulgação de áudios do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve intuito “político-partidário”. A manifestação foi encaminhada ao ministro Teori Zavascki, que solicitou esclarecimentos a Moro ao determinar a remessa de todo o material das conversas de Lula ao Supremo.

“O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato político partidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional, mas, atendendo ao requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça”, escreveu o juiz.

Na peça, Moro admite que pode ter “se equivocado em seu entendimento jurídico” ao dar publicidade ao material, mas comenta cada uma das gravações divulgadas e justifica sua decisão. “Ainda que este julgador tenha se equivocado em seu entendimento jurídico e admito, à luz da controvérsia então instaurada que isso pode ter ocorrido, jamais, porém, foi a intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/03, provocar polêmicas, conflitos ou provocar constrangimentos, e, por eles, renovo minhas respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal”, escreveu Moro.

Em 31 páginas, Moro argumenta que a interceptação telefônica estava amparada na lei e tinha “foco exclusivo” nas condutas de Lula e outras pessoas que não possuem foro privilegiado. Segundo o juiz, os diálogos do ex-presidente com autoridades que possuem foro privilegiado, como a presidente Dilma Rousseff, foram “colhidos fortuitamente”. A divulgação, segundo ele, só foi feita com relação ao material que possui conteúdo “jurídico-criminal relevante” por revelarem tentativas de Lula obstruir a justiça. Moro argumenta ainda que não há provas de que qualquer autoridade com foro privilegiado grampeada nas conversas tenha atendido solicitação do petista para interceder junto à Justiça.

Ele diz ter agido, na condução dos processos sobre a Lava Jato, “em geral, com cautela e prudência” e informa o STF que não havia qualquer pedido de decretação de prisão cautelar de Lula “mesmo no caso envolvendo o ex-Presidente, apesar de todo esse contexto acima exposto, de aparente intimidação, obstrução e tentativas de influenciar indevidamente magistrados”.

Na quinta-feira, o plenário do Supremo Tribunal Federal deve analisar a decisão de Teori Zavascki que ordenou que Moro remetesse o material à Corte. Ontem, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou parecer ao STF na qual alega que a posse de Lula na Casa Civil é válida, mas pede a manutenção das investigações com Moro.

“Entendeu este Juízo que, nesse contexto, o pedido do MPF de levantamento do sigilo do processo se justificava exatamente para prevenir novas condutas do ex-Presidente para obstruir a Justiça, influenciar indevidamente magistrados ou intimidar os responsáveis pelos processos atinentes ao esquema criminoso da Petrobrás”, escreveu Moro. O juiz informou a Zavascki que é praxe levantar o sigilo sobre interceptações telefônicas após o encerramento das diligências, para garantir publicidade ao processo.

Dilma – Ao Supremo, Moro afirmou que não há indicativos de que as autoridades com foro privilegiado que aparecem em conversas com Lula – como a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa – tenham concordado com tentativas do ex-presidente de obter influência junto à Justiça.

O juiz afirmou que o foco da investigação era o ex-presidente da República e disse que “não parece que era tão óbvio assim” que o diálogo com Dilma poderia ser relevante juridicamente para a presidente. Na conversa, a presidente diz a Lula que enviaria o termo de posse como ministro da Casa Civil antes da cerimônia na qual o petista assumiria o cargo.

“Quanto ao conteúdo, da mesma forma que os demais, entendeu este julgador que ele tinha relevância jurídico-criminal para o ex-Presidente, já que presente a apuração se a aceitação por ele do cargo de Ministro Chefe da Casa Civil teria por objetivo obter proteção jurídica contra as investigações. Considerando que a investigação tinha por foco condutas supostamente criminais do ex-Presidente e o conteúdo, na perspectiva criminal, juridicamente relevante do diálogo para ele, entendi que não haveria óbice na interceptação e no levantamento do sigilo. No momento, de fato, não percebidos eventuais e possíveis reflexos para a própria Exma. Presidenta da República”, escreveu Moro.

Mais diálogos – Moro informou ao STF que há uma “quantidade bem maior de diálogos interceptados” e que não foram divulgados e permanecem em sigilo. O material será remetido “em mãos e com as cautelas devidas” ao STF, segundo o juiz. “Não seria correto, portanto, afirmar que os diálogos foram juntados ao processo sem o maior cuidado”, escreveu Moro. Constam nestes áudios, segundo o juiz, conversas com outro advogado que não é investigado, além de conversas de “índole eminentemente privada”.

Sobre a interceptação de Roberto Teixeira, advogado de Lula, Moro justifica que ele é supostamente investigado por participar do processo de compra do sítio de Atibaia. “Se o advogado se envolve em condutas criminais, no caso suposta lavagem de dinheiro por auxiliar o ex-Presidente na aquisição com pessoas interpostas do sítio em Atibaia, não há imunidade à investigação a ser preservada, nem quanto à comunicação dele com seu cliente também investigado”, escreveu o juiz.

Equipe de Dilma discutiu proposta de convocar novas eleições gerais

Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Antes do agravamento da crise, a equipe da presidente Dilma Rousseff chegou a discutir uma proposta para salvar a petista do impeachment que passava pela convocação de eleições gerais no país.

A ideia foi levada por interlocutores do governo a ministros há cerca de um mês e meio, mas não chegou a ser apresentada formalmente a Dilma pelos idealizadores da estratégia.

Na época, a avaliação de alguns dos defensores da ideia era que a crise poderia piorar e tornar o impeachment da presidente um risco real. Daí, para evitar uma queda da petista, ela apresentaria a proposta de fazer uma eleição geral no âmbito federal, para presidente, deputados e senadores.

Nesta terça (29), data do rompimento formal do PMDB com o governo, dois interlocutores diretos da presidente admitiram à Folha que a ideia foi de fato discutida, mas não obteve consenso para ser apresentada oficialmente à petista.

Nas discussões sobre o tema, a estratégia seria lançada como uma proposta de unificação nacional, que seria encaminhada na forma de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) ao Congresso pela própria Dilma.

Um dos interlocutores da presidente fez questão de destacar que a estratégia não foi realmente apresentada formalmente à presidente e ficou mais restrita a discussões dentro do grupo de ministros próximos dela.

Até o ex-presidente Lula foi ouvido sobre a estratégia há cerca de um mês. Na ocasião, ele teria ficado de refletir sobre o assunto, que acabou não prosperando.

Nos últimos dias, diante da deterioração acentuada do cenário político, que levou o PMDB a decidir sair do governo, a proposta voltou a ser ventilada por alguns assessores da presidente Dilma.

A avaliação, porém, foi a de que, hoje, o Palácio do Planalto perdeu o "timing" para a apresentação da medida. Segundo um interlocutor, lançá-la agora seria um reconhecimento oficial de derrota e tanto o PMDB como a oposição dificilmente embarcariam na proposta.

Um auxiliar próximo de Dilma, que participou das conversas, reagiu à possibilidade de volta do debate sobre o tema afirmando que a presidente, na atual circunstância, não aceitaria discuti-la "de jeito nenhum".

Delações
Dentro do governo, porém, a proposta não é de todo descartada. Na hipótese de a crise se agravar ainda mais com as novas delações em curso, atingindo inclusive lideranças peemedebistas, a convocação de eleições gerais poderia prosperar novamente.

Segundo um assessor, seria a forma de "ouvir" de fato o desejo das ruas, que estariam não só contra Dilma mas também não dariam aval total a um governo do vice-presidente Michel Temer.

Hoje, porém, um interlocutor da presidente reconhece que lançar a proposta iria soar como um "golpe no golpe" do impeachment. Tentar escapar de última hora de um afastamento da Presidência com a convocação de eleições gerais.

Não vai ter golpe - Merval Pereira

- O Globo

A por enquanto incipiente manobra de aliados governistas em torno de um acordo para que a própria presidente Dilma convoque eleição presidencial antecipada — a se realizar juntamente com as eleições municipais em outubro deste ano — depende de duas coisas: que o processo de impeachment que já tramita no Congresso seja sustado, e que o vice Michel Temer aceite renunciar também.

Como se vê, há na proposta um golpe embutido, da mesma qualidade que a ideia de implantar-se o parlamentarismo ou o semiparlamentarismo, em meio ao mandato em curso. Não, não vai ter golpe. O que esses engenhosos políticos estão articulando é dar um fôlego à presidente Dilma até outubro, para que ela tente empinar seu governo para que o PT, provavelmente com Lula de candidato se ele não for condenado antes pelo juiz Moro, tenha alguma chance de reverter a situação atual.

E vai que, no meio do caminho, Lula recupera sua antiga verve e carisma, e convença a maioria dos brasileiros de que tudo o que a Operação Lava- Jato desvendou é uma grossa mentira. Nada indica que isso poderia acontecer, mas a esperança é a última que morre.

A Rede de Marina Silva, por exemplo, se sente atraída pela ideia de eleições presidenciais já, que em tese parece ser a melhor saída mesmo. Mas não há soluções legais para que isso aconteça, a não ser que se espere a decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a campanha presidencial de 2014.

A questão do tempo decorrido pode não ser obstáculo legal, pois uma alteração no Código Eleitoral, feita em 2015, diz que a qualquer momento, menos a seis meses do fim do mandato, a substituição será por eleição direta: “Art. 224, parágrafos 3 e 4 do Código Eleitoral.

§3 º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.

Parágrafo 3 º acrescido pelo art. 4 º da Lei n º 13.165/ 2015.

§4 º A eleição a que se refere o§ 3 º correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será:

I – Indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato;
II – Direta, nos demais casos. Parágrafo 4 º e incisos I e II acrescidos pelo art. 4 º da Lei n º 13.165/ 2015.”

Embora essa alteração no Código Eleitoral possa ser contestada no Supremo, já que a Constituição determina que a eleição seja indireta a partir do terceiro ano do mandato do presidente impedido, até agora isso não foi feito. E é difícil imaginar quem será a favor de uma eleição indireta pelo Congresso. Não vale pensar em Eduardo Cunha ou Renan Calheiros e similares, pois não terão força eleitoral para fazer vingar esse golpe.

A dificuldade aí parece ser a certeza de que o país não aguenta mais muito tempo sem direção. O impeachment é a saída constitucional mais eficaz e rápida para resolver um problema institucional sério. Não há mais dúvida de que existem motivos de sobra para o impedimento da presidente, falando-se apenas de crimes de responsabilidade.

Além das pedaladas, há no pedido da Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB) dois outros crimes de responsabilidade cometidos pela presidente: as tentativas de obstruir a Justiça com a nomeação de Lula para seu Ministério, em vias de ser reconhecida pelo STF, e a pressão sobre um ministro do Superior Tribunal de Justiça ( STJ), relatada pelo senador Delcídio Amaral em sua delação premiada, para soltar empreiteiros presos na Operação Lava- Jato.

Mas, assim como o processo de impeachment não pode ser parado, também o do Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) tem que continuar, com o perigo de que, com a impugnação da eleição de 2014, também Michel Temer perca seu lugar no Palácio do Planalto. Ou que a Operação Lava- Jato faça uma surpresa ao PMDB.

Se assim for, teremos novas eleições presidenciais e, por caminhos tortuosos, chegaremos a uma solução bem mais palatável sem recorrermos a atalhos que parecem bons dependendo de quem os defende, mas são na verdade tentativas de burlar a Constituição. No momento, no pós- impeachment cada vez mais provável, Temer será empossado presidente. Sem golpes.

Temer, Lula e o pós-Dilma - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Com o rompimento do PMDB, o foco sai da presidente Dilma Rousseff e passa para o vice Michel Temer, já que o impeachment ganhou ímpeto e tem até um “deadline”: a chegada da tocha olímpica ao Brasil, prevista para meados de maio. A intenção é gerar um ambiente de festa, congraçamento e recomeço – com um novo governo para mostrar ao mundo.

Quanto mais Dilma representa o passado, mais Temer passa a personificar o futuro, para o bem e para o mal. Para o bem, porque o vice sonha entrar para a história como o presidente da transição que reconduziu o País aos trilhos. Para o mal, porque ele vai atrair, junto com montanhas de adesões, também os raios e trovoadas do PT.

Se o discurso do PT e do governo é de que está em curso “um golpe” contra a democracia, agora é hora de dar cara, voz, cor e partido a esse “golpe”. É por isso que o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT), acusa Temer de “chefe do golpe” e o líder no Senado, Humberto Costa (PT), ameaça: se Dilma for destituída, Temer “seguramente será o próximo a cair”.

É a estratégia do medo, enquanto o Planalto troca as negociações partidárias (no “atacado”) por cooptação deputado a deputado (no “varejo”). Ambas – o medo e o varejo – são de altíssimo risco e de resultados incertos porque, quando a onda encorpa, ninguém segura.

Com o rompimento do PMDB, o cálculo de governo e oposição é que os partidos da base aliada vão debandar. O PSB já se foi e, aliás, fez um programa de TV duríssimo contra o governo na semana passada. O PRB também já vai tarde, apesar de a Igreja Universal do Reino de Deus ter lá seus interlocutores com o Planalto. O PSD libera os correligionários para votarem como bem entenderem. O PP e o PR serão os próximos.

Dilma acha que, além de comprar um voto daqui outro dali no Congresso, é capaz de se sustentar graças aos movimentos sociais alinhados com o PT. Eles vão às ruas agora para gritar contra “o golpe” e são uma ameaça a um eventual governo Temer – como, de resto, a qualquer composição que substitua Dilma e exclua o PT. Isso, porém, depende muito menos de Dilma e do governo e muito mais de Luiz Inácio Lula da Silva.

PT, CUT, UNE, MST... não vão às ruas por Dilma, mas sim por Lula e o que ele chama de “nosso projeto”, ameaçado pela Lava Jato e pela quebradeira da Petrobrás, mas principalmente pelo desastre Dilma, que desestruturou de tal forma da economia a ponto de, como informou o Estado, fechar 4.451 indústrias de transformação num único ano, 2015, e num único Estado, São Paulo, gerando milhões de desempregados. Não foi à toa que em torno de 400 entidades publicaram um contundente anúncio nos jornais de ontem clamando pelo impeachment.

Aí chegamos a Lula e à conversa que ele teve com o vice Michel Temer em São Paulo, em pleno Domingo de Páscoa. Lula não iria a Temer mendigar uma reviravolta do PMDB ou o adiamento da reunião que selou o fim da aliança com o Planalto. Mas Lula iria ao vice, sim, fazer uma avaliação dos cenários (inclusive o de Dilma fora, Temer dentro) e discutir um pacto de convivência que, em vez de destruir a transição com Temer, possa construir uma chance para o PT em 2018. De forma mais direta: Lula e o PT sabem que Dilma está perdida e já discutem o “day after”. Partir para uma guerra com Temer em que ninguém sobreviveria ou selar uma trégua para uma recomposição de forças políticas e a recuperação da economia?

Para todos os efeitos, Lula está empenhado ao máximo em salvar Dilma. Na prática, está se mexendo para nem ele nem o PT morrerem com ela. Isso passa por um acordo com Temer e pode chegar a uma ordem de comando para, no caso da posse do vice, o exército vermelho sair das ruas e ficar apenas de prontidão.

Desembarque - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

A esquerda marxista nunca deu muita bola para o Judiciário. Era tido como uma parte da superestrutura voltada especificamente a manter as relações de produção (infraestrutura) em termos favoráveis à burguesia. Há, portanto, certa ironia no fato de os herdeiros da esquerda marxista se aferrarem a supostos legalismos e minudências jurídicas para tentar preservar o mandato de Dilma Rousseff.

Como sabiam os marxistas de outrora, a disputa pelo poder não se dá por vias judiciais, mas é eminentemente política -quando não escancaradamente militar, como no caso de revoluções. E é justamente da esfera política que deverá vir o atestado de óbito do governo Dilma.

Com o desembarque do PMDB consumado, as extrapolações matemáticas sugerem que ela não pode mais contar com os 171 deputados necessários para barrar o impeachment.

No atual cenário, é irrelevante se a peça jurídica que substancia o pedido de afastamento está bem fundamentada, se o tipo criminal está bem descrito, se a presunção de inocência está sendo respeitada. O impeachment pelos chamados crimes de responsabilidade, embora vista as roupas de procedimento judicial, é essencialmente um juízo político. É por isso que ele é julgado por parlamentares e não pelo STF, como ocorreria se a presidente fosse acusada de delitos penais. É por isso que a lista dos crimes de responsabilidade inclui coringas como ferir "a dignidade, a honra e o decoro do cargo", que significa qualquer coisa que os julgadores queiram que signifique.

Se Dilma de fato cair, terá caído não porque perpetrou crimes monstruosos -até pode tê-los cometido, mas isso não está em questão- ou porque foi vítima de um golpe, mas mais simplesmente porque perdeu sua base política. Um governo que não consegue convencer um terço dos parlamentares a ficar em casa em vez de ir votar para derrubá-la não tem mesmo condições de continuar.

Renúncia com estilo - Luiz Carlos Azedo

• A proposta de um acordo com Dilma para antecipar as eleições e evitar o impeachment mostra a existência de setores do PT que dão a derrota como certa e tentam uma saída

- Correio Braziliense

A decisão do PMDB de deixar o governo, tomada ontem, numa reunião que durou apenas três minutos, pôs um ponto final no casamento de conveniência da legenda com o PT, que durou 12 anos. Foi o sinal para que as demais legendas da coalizão de governo iniciassem um movimento semelhante, como é o caso do PP, do PTB e do PR. A situação mais esquizofrênica é a do PSD, cujo presidente, o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, liberou a bancada para votar como quiser e permanece no ministério, numa das pastas mais importantes.

Hoje, a expectativa de poder já gravita em torno do anexo do Palácio do Planalto, onde fica o gabinete do vice-presidente Michel Temer. A essa altura do campeonato, o baixo clero da base do governo na Câmara já fez a baldeação para o impeachment, à revelia ou com apoio tácito de seus líderes. Dilma conta de verdade com o PT, enquanto for conveniente para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e com o PCdoB, que estreita sua relação com a presidente da República para ocupar mais espaços na Esplanada. O PDT ainda apoia Dilma, mas já tem seu próprio projeto: Ciro Gomes. A estratégia do Palácio do Planalto de distribuir os cargos ocupados pelo PMDB entre os pequenos partidos é de eficácia duvidosa. Temer pode trucar e prometer os cargos atualmente ocupados pelos petistas àqueles que apoiarem o impeachment.

Entre os partidos de esquerda, o PPS forma na primeira fila dos defensores do impeachment — ao lado do PSDB, do DEM e do Solidariedade — desde quando a propostas parecia inviável e sem apoio popular. O PSB recentemente decidiu apoiar o impeachment, sem subterfúgios, após se afastar definitivamente do governo. O primeiro deve apoiar o governo de transição de Michel Temer, talvez até dele fazer parte, se o vive assumir de fato. O segundo tende a se manter à distância regulamentar e tentar articular uma coalizão com Marina Silva, cujo partido, a Rede, deve ser abster na votação do impeachment. A mesma posição é adotada pelo PSOL, que se opõe ao impedimento com certa estridência e, por isso, é acusado de linha auxiliar do PT pelos demais partidos de oposição.

Parlamentares do PT, PSB, PSOL, Rede e até do PPS, porém, articulam uma proposta de acordo para antecipação das eleições, por meio de emenda constitucional, em troca da não-aprovação do impeachment de Dilma Rousseff. Marina Silva, seria a maior beneficiária da redução do mandato de Dilma e acompanha as conversas por meio do líder da bancada, Alexandre Molon(RJ), sem se comprometer com a proposta.

Desconfiança
A proposta de um acordo com Dilma para antecipar as eleições e evitar o impeachment mostra a existência de parlamentares do PT que já dão a derrota como certa e tentam uma saída de olho no futuro, que pode ser até o surgimento de um novo partido. São esses setores que estão discutindo a desfiliação do PT e somente continuam na canoa do governo por causa da forte influência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas suas bases eleitorais. Além da redução do mandato de Dilma, defendem sua desfiliação do PT e a formação de um governo técnico para conduzir o país até que as eleições aconteçam.

A tese é vista com desconfiança por gregos e baianos. Reflete certa dificuldade da esquerda não-petista em relação ao pós-Dilma, ou seja, ao governo de Michel Temer, caso o vice-presidente venha a assumir o poder. Além disso, ao contrário do impeachment, dependeria de uma decisão da presidente Dilma Rousseff, pois implicaria na renúncia à metade do mandato e no envio de uma proposta de emenda constitucional convocando as eleições.

Dilma tem reiterado que não pretende renunciar. Mesmo que o fizesse, dificilmente reuniria forças no Congresso para aprovar a antecipação das eleições, porque isso não interessa ao ex-presidente Lula, nem ao vice-presidente Michel Temer. Somente o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), e Marina Silva (Rede) se beneficiariam da proposta. Por isso, a tendência é que a articulação pró-antecipação das eleições morra na praia.

Isso não significa, porém, que elas não possam ocorrer. Assim como o processo de impeachment anda a passos de gazela na Câmara, o processo de cassação da presidente Dilma Rousseff e do vice-presidente Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral também pode ganhar velocidade. Depende apenas da Corte. O ponto de aceleração será o acolhimento do pedido de impeachment pela comissão especial, que deve precipitar a data de votação em plenário, provavelmente o dia 15 de abril.

Começar de novo - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

O PMDB ontem encerrou um capítulo da longa narrativa da crise ao confirmar a retirada de seu apoio ao governo e, com isso, aproximar o Brasil da possibilidade de ver interrompido o segundo mandato presidencial no espaço de pouco mais de 20 anos.

O epílogo dessa história, no entanto, ainda está por ser escrito. Caso venha mesmo a ocorrer o impeachment da presidente Dilma Rousseff, essa tarefa caberá ao conjunto das forças políticas – se possível com o PT incluído – em aliança com a sociedade e as demais instituições. O País não aguenta mais o atual governo, é verdade.

A hipótese do fim antes do tempo regulamentar propicia um horizonte de alívio imediato, embora não represente a solução para os males que nos assolam nem significa o fim do caminho. Ao contrário: marca a urgente necessidade de um recomeço, pois o Brasil tampouco aguenta mais conviver com a incúria, a corrupção e o cinismo na forma de fatores imprescindíveis ao exercício do poder.

A luta, portanto, continua, vai além do ciclo do PT. É muito maior que a montagem de um governo de transição “surpreendentemente bom”, conforme as palavras do senador José Serra, espectador e interlocutor privilegiado do episódio atual e daquele que resultou na queda de Fernando Collor há 24 anos. Se a provável interrupção do governo Dilma não resultar numa proposta firme e séria de recomeço, o impeachment não terá valido de coisa alguma.

Suas excelências estejam atentas: trocar seis por meia dúzia não vai angariar a simpatia do público escaldado e temente até de água fria. O governo de Itamar Franco cumpriu seu dever de transição. Serviu a uma alteração de paradigmas logo de imediato, mas não se prestou à extinção das velhas e viciadas práticas. Apesar disso, construiu algo ao resultar no Plano Real que estabilizou a economia e preparou o País para o crescimento.

Se for o caso de Dilma ser substituída, a quem vier a assumir no lugar dela – o vice ou um novo eleito – caberá dar início a um processo de demolição de uma obra podre e, ato contínuo, a reconstrução de um Brasil em alicerces fincados em valores segundo os quais incúria, corrupção, cinismo, demagogia não sejam regra e passem a ser exceção.

Disposição transitória. Os tucanos, inclusive aqueles favoráveis à participação do PSDB em eventual governo de transição presidido por Michel Temer, defendem como premissa para qualquer acordo o compromisso do vice de não se candidatar a presidente em 2018.

No ano passado, quando as conversas sobre o tema consideravam o afastamento de Dilma como hipótese ainda remota, o tucanato chegou a propor a Temer a apresentação de uma emenda ao capítulo das Disposições Transitórias da Constituição, cujo texto contemplaria essa condição.

Na época, Temer rechaçou a proposta.

Para concluir. A título de mero registro: dos ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal que já se pronunciaram em prol da legalidade do processo de impeachment, repudiando a tese do “golpe”, cinco foram indicados em governos do PT. Luis Roberto Barroso, Antônio Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto e Eros Grau.

Isso sem contar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que durante os últimos anos esteve entre a omissão e a ponderação no tocante a críticas ao governo, que não apenas respalda como acaba de apresentar novo pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

Evidência de que, no caso em tela, a espada é a lei.

À vista ou a prazo – Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

O desembarque do PMDB o governo zonzo, como um pugilista que leva um cruzado no queixo e passa a cambalear pelo ringue. O golpe já era esperado, mas o Planalto não fechou a guarda nem esboçou uma reação minimamente coordenada. No fim do dia, conselheiros de Dilma Rousseff pareciam desorientados, sem discurso ou estratégia para sair da lona.

A entrevista do ministro Jaques Wagner ilustrou bem o estado de catatonia dos petistas. Seis dias depois de a presidente dizer que "queria muito" manter a aliança com o PMDB, seu chefe de gabinete declarou que o rompimento com o partido do vice chegava em "boa hora".

O ministro tentou vender a tese de que a debandada abrirá espaços para uma "repactuação do governo", eufemismo para um novo loteamento em busca de votos contra o impeachment. Uma repórter quis saber quantos peemedebistas deixarão a Esplanada. "Não sei", respondeu Wagner, desta vez em tom mais sincero.

O petista deixou claro que o único plano do governo é oferecer cargos em troca de votos. Para surpresa geral, acrescentou que até a Casa Civil pode entrar na barganha, se o Supremo não autorizar a posse do ex-presidente Lula. "Claro que, ele não podendo assumir, este seria um posto a ser negociado", disse Wagner.

O problema será convencer os parlamentares de que negociar à vista com Dilma é mais vantajoso do que barganhar a prazo com Michel Temer. Se o impeachment for mesmo decidido na base do fisiologismo, os anos de experiência no balcão tendem a contar a favor do vice.

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Ao romper com Dilma aos gritos de "Brasil urgente, Temer presidente", o PMDB deixou claro que vê o impeachment como atalho para chegar ao Planalto sem o voto popular. Três décadas depois de defender a volta das eleições presidenciais, o partido decidiu assumir a bandeira das Indiretas Já.

A oligarquia depenou o PT - Elio Gaspari

• Dilma aceitou jogar cartas com um baralho viciado e perdeu o prazo de validade porque finge não saber disso

- O Globo

O PMDB nunca pensou, não pensa em sair do governo e sente- se ofendido se alguém admite essa hipótese. Quem corre o sério risco de sair do governo é o PT. O partido que foi de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves e hoje é de Eduardo Cunha e Renan Calheiros quer apenas tirar uma licença de alguns meses, até o início do governo de Michel Temer, seu atual presidente.

A ideia de que o PMDB resolveu sair do governo não tem nexo nem propósito e destina- se apenas a esconder um objetivo. Os doutores querem que se creia que nada têm a ver com a ruína e pretendem retornar ao poder como se Michel Temer fosse o sucessor constitucional da senhora Rousseff por ocupar a vice-presidência do Flamengo, não a da República, eleito por duas vezes, sempre compartilhando a chapa.

O PMDB sai do governo para continuar no poder, dando esperanças a oposicionistas que não tiveram votos e a todos os gêneros de maganos tementes da Operação Lava- Jato. Ninguém sabe quais são os planos dessa coalizão para um eventual dia seguinte à posse de Temer, mas seu objetivo essencial está claro: trata- se de desossar a Lava- Jato.
A armação oligárquica precisa sedá-la, pois há barões na cadeia e marqueses temendo a chegada dos homens de preto da Federal.

O PT e Dilma reagiram às investigações das ladroeiras com uma conduta que foi da neutralidade- contra à pura hostilidade. Se hoje a rua grita o nome do juiz Sérgio Moro e pede “Fora PT”, isso se deve em parte à incapacidade dos companheiros de perceber que se tornaram fregueses num jogo viciado.

O comissariado acorrentou- se à própria falta de princípios. Desprezou a lição trazida pelas sentenças do mensalão e achou que pularia a fogueira do petrolão. A cada um desses lances de soberba jogou n’água uma parte de suas bases populares. Confiando na própria esperteza, foi para um carteado com jogadores profissionais e um baralho viciado. Os oligarcas depenaram-no. (Refresco para a crise: Quem quiser pode ver “Cincinatti Kid”, com Steve McQueen e Edward G. Robinson num de seus melhores momentos. Nessa mesa o baralho era honesto.)

Sem cartas, Lula compara- se a Getúlio Vargas e seu comissariado grita “Golpe”. Tudo parolagem. Getúlio foi encurralado por uma rebelião militar a partir de um caso em que membros de sua guarda pessoal tentaram matar o principal líder da oposição. Getúlio era um homem frugal. Ao contrário de Lula, nunca teve apartamento na praia e sua fazenda vinha de herança familiar. Não pode ser golpe o cumprimento de um dispositivo constitucional seguindo- se o ritual da lei, sob as vistas do Supremo Tribunal.

Resta uma questão: as pedaladas fiscais não seriam motivo suficiente para o impedimento de um presidente. Além das pedaladas, há sobre a mesa otras cositas más.

Admita- se que essas cositas fazem parte de outro processo. Na atual etapa, tudo desemboca numa questão político- aritmética: a Câmara só poderá decidir a abertura do processo contra a doutora pelo voto de dois terços mais um de seus deputados. Como Dilma, eles foram eleitos pelo povo, e a Constituição diz que é deles a decisão nessa fase do julgamento. Sem os dois terços, não haverá impeachment. Com eles, haverá. Ademais, era nesse Congresso que o PT cevava sua maioria, a famosa base de apoio.
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Elio Gaspari é jornalista

O homem Luiz Inácio e o mito Lula - Fernando Exman

• Destino do petista pode ditar futuro de Dilma e do partido

- Valor Econômico

É preciso deixar claro logo de saída, neste momento de polarização política observado no país: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nega ter praticado qualquer irregularidade, ainda não foi julgado e, portanto, é inocente até que se prove o contrário. Ainda assim, se sobram incertezas a respeito dos rumos que as investigações sobre Lula tomarão, pode-se assegurar que um dos principais desafios do ex-presidente e aspirante a ministro, além de salvar o governo Dilma Rousseff do impeachment, é manter forte o mito que o levou ao poder, ajudou-o a ocupar um espaço de destaque na galeria dos líderes mais populares do país e hoje é considerado entre seus correligionários um dos fatores capazes de dar sobrevida ao projeto político do Partido dos Trabalhadores.

A biografia de Lula encantou milhões de eleitores e a comunidade internacional. A história do menino que nasceu no sertão pernambucano em uma casa sem luz e saneamento básico e mudou-se para o "Sul" ainda criança simboliza a trajetória de grande parte do povo brasileiro. Lula começou a trabalhar no setor metalúrgico ainda adolescente, formou-se num curso técnico e, depois de seguir carreira no sindicalismo, lançou-se na política em meio à redemocratização do país.

Em diversos países seria bem visto um ex-presidente de origem humilde tornar-se rico após deixar o poder. Seja proferindo palestras ou realizando qualquer outro tipo de atividade lícita, seu sucesso seria um sinal de que a sociedade em questão propicia a seus cidadãos oportunidades para trabalhar, vencer e aproveitar os prazeres da vida.

Lula, porém, sempre buscou preservar a imagem de que continua um homem simples, apesar dos luxos que legitimamente poderia alcançar depois de décadas de trabalho. Telefone celular? Não tem, dizem seus defensores. Apartamento na praia? Até pensou em comprar, argumentam, mas desistiu. E acrescentam: ele e sua família relaxam com frequência num sítio de amigos no interior de São Paulo, mas sua relação com o imóvel não passa disso. Lula parece ter caído numa armadilha que ajudou a armar ao fomentar o discurso do "nós contra eles" para cativar uma parcela do eleitorado: não deve exibir em público imóveis ou outros bens num país desigual como o Brasil, mesmo que sejam compatíveis com sua renda familiar.

O curioso é que em uma das interceptações telefônicas feitas pela Lava-Jato o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, liga para solidarizar-se com Lula após o petista ser levado a depor pela Polícia Federal. Ele trata Lula como o real dono do sítio e até zomba da propriedade, mas Lula não contesta o aliado. A força-tarefa da Lava-Jato acredita que "há evidências" de que Lula "recebeu valores oriundos do esquema Petrobras por meio da destinação e reforma de um apartamento tríplex e de um sítio em Atibaia, da entrega de móveis de luxo nos dois imóveis e da armazenagem de bens por transportadora".

As interceptações telefônicas, sobretudo as que tratam de sua nomeação para o primeiro escalão do Executivo e a preocupação de seus aliados em lhe garantir foro privilegiado, devem voltar a receber atenção na semana que vem, quando o Supremo Tribunal Federal julgar se Lula poderá exercer a chefia da Casa Civil da Presidência. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pronunciou-se favorável à nomeação, apesar de ter opinado pela manutenção das apurações envolvendo o ex-presidente na primeira instância "para evitar que a nomeação produza efeitos negativos na investigação".

Somadas à fragilidade do governo Dilma e ao avanço do processo de impeachment na Câmara, a demora do Supremo em definir a situação de Lula e a divulgação das conversas privadas do ex-presidente reduziram a margem de manobra do líder petista.

Como resultado, o ex-presidente não conseguiu impedir o desembarque do PMDB do governo e agora vê outros partidos aliados se preparando para deixar a base. Está trabalhando no varejo para arquivar o impeachment de sua sucessora, mas diversos parlamentares já sinalizam que a impopularidade do governo se tornou um fardo grande demais até para Lula carregar.

Essa deterioração do capital político do ex-presidente também é observada em pesquisas de opinião pública. Embora ainda lembrado como o melhor presidente da história do país, Lula apresenta um índice crescente de rejeição. Entre novembro de 2015 e meados deste mês, subiu de 47% para 57% o número de entrevistados pelo Datafolha que se recusariam a votar no ex-presidente novamente em um primeiro turno.

Esse percentual é maior entre jovens de 16 a 34 anos, quem tem maior escolaridade e renda familiar mensal. Mas a rejeição não é desprezível nas parcelas de entrevistados com ensino fundamental (46%), renda familiar de até dois salários mínimos (49%) ou entre dois e cinco salários (63%). Ela chega a 74% entre os que têm renda familiar superior a dez salários mínimos.

Até mesmo uma parte dos que dizem preferir o PT aos demais partidos ou ser contra a interrupção do mandato da presidente Dilma Rousseff também não votaria de jeito algum em Lula nas próximas eleições. Esses percentuais atingiram 10% e 23%, respectivamente. A rejeição ao petista continua maior nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, onde as críticas ao PT são mais evidentes. Mas 42% dos entrevistados no Nordeste e 51% no Norte tomariam a mesma decisão. A divisão também foi verificada em municípios de menor porte, apesar dos bons resultados do PT nos grotões.

Aliados de Lula protestam: há uma conjuração para interditar uma potencial candidatura do ex-presidente nas eleições de 2018 ou até mesmo em um pleito antecipado, caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decida cassar a chapa de Dilma e do vice-presidente Michel Temer. Lula já disse publicamente que há mais de 20 anos tentam desconstruir sua imagem e reputação. Mas talvez seja a hora de seus correligionários avaliarem se não foi o próprio Luiz Inácio quem sabotou Lula. Ainda que a situação do governo Dilma Rousseff pareça mais difícil a cada dia mas não se possa descartar que Lula conseguirá reverter esse cenário, o resultado dessa reflexão pode pelo menos influenciar o futuro do PT.

Crises da Nova República Velha – Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Michel Temer é assediado como novo presidente desde a semana passada, quando o PMDB decidiu jogar Dilma Rousseff ao mar. Dados os últimos e frenéticos acontecimentos, o novo presidente corre o risco grande de levar problemas e cadáveres demais para essa Nova República Velha.

Dadas notícias frescas, o novo regime, por assim dizer, pode ser empesteado ainda pelo seguinte:

1) Eduardo Cunha está solto feito um zumbi frenético. Estreou ontem uma chicana nova. Se zanzar pelos palácios da Nova República Velha, levará a peste para lá;

2) Alguns indicadores essenciais da economia ainda pioram em ritmo cada vez mais rápido (emprego, crédito e receita do governo), tem-se visto nos últimos dias. Pior, não há praticamente nada a fazer a respeito até o final do ano, quando talvez a pororoca recessiva arrefeça;

3) Há, sim, pressão grande a favor de uma "transição transada" (Brasil!), algum acordo de salvação de cabeças de políticos sob risco de cadeia, acordo que inclui gente do PT, favor prestar atenção.

No entorno do ainda vice quase presidente, a conversa intensa, porém, é que resta menos de um mês para definir o ministério. Há especulação fortíssima, mas por ora apenas especulação, de Henrique Meirelles na Fazenda, de Nelson Jobim na Casa Civil ou na Justiça (mandando nos dois, de qualquer modo) e de peemedebistas típicos, como Eliseu Padilha e Moreira Franco, em cargos de "articulação".

Meirelles seria uma "ponte do passado com o futuro", diz um próximo de Temer e Renan Calheiros. Representa o "PT racional na economia", veio do PSDB, "fala com todo o mundo", do mercado a vários partidos menores. Apesar da animação meirellista desse senador do PMDB, o assunto ainda parece muito nebuloso.

E o PSDB? Não ficaria com a economia. Além do mais, Temer estaria agastado com a afoiteza dos novos aliados tucanos, que ainda negociam como o novo governo virtual, embora o ritmo dos contatos tenha diminuído, até pelo calendário de feriados e desembarques, e seja conduzido de modo muito mais discreto.

Como é óbvio histórico, essa conversa de ministérios terá muitas idas e vindas até que Temer esteja com a boca na botija. De qualquer modo, arrumar uma equipe de governo apresentável até que não deve ser tarefa muito difícil, dadas as trupes de desclassificados e tolos que Dilma em geral reuniu, nos últimos cinco anos. Não é bem esse o problema.

Temer terá de administrar coisas como Eduardo Cunha, repita-se. Não convém subestimar a revolta do povo, de coxinhas a mortadelas. Apenas 28% do eleitorado espera que Temer faça um governo melhor que o Dilma Rousseff (para 60%, será igual ou pior, está no Datafolha).

Dar fuga a Cunha ou, ainda pior, deixá-lo no lugar de vice vai provocar de cinismo a fúria imediatos. Ontem, no dia em "histórico" do desembarque do PMDB, esse sujeito chicaneava para evitar sua cassação.

Temer agora pretende "preservar-se" enquanto não for votado o afastamento da presidente, dizem próximos do novo poder. Que se ocupe então de não levar o lixo de agora para o seu virtual governo, que assumiria sob desconfiança popular enorme, sob crise econômica incontrolável até o fim do ano e provável protesto na rua, greves ou outros embates.

Caminho estreito - Míriam Leitão

- O Globo

O fato de ser o senador Romero Jucá a comandar a reunião do PMDB que rompeu com o governo tornou a cena ainda mais caricata. Jucá foi líder dos governos FHC, Lula e Dilma. Ser governista é a sua natureza, assim como a do partido. Para piorar, sentado à mesa, estava o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados. Em nome de que ideias se reúne o PMDB?

Oque está acontecendo, como disse ontem neste espaço, é a dinâmica da fuga de um governo cadente. E não fogem por virtude. Eles tentam escapar da cena do crime, porque acham que assim se salvam, mas a explicação que dão só poderia ser aceita se o país tivesse um surto coletivo de perda de memória. Os peemedebistas querem convencer o país de que não estiveram onde estiveram, não foram sócios do poder, não sustentaram as mesmas medidas.

A cena de ontem lembra um outro momento da história política. Em 1984, ao fim do regime militar, e depois de servi-lo fielmente por toda a ditadura, o senador José Sarney abandonou a presidência do PDS, partido do governo, e fez uma encenação de que estava sendo perseguido pelo regime. Apesar de tudo, o final da história o favoreceu: ele foi para o PMDB e virou presidente.

Na verdade, estão todos nos pedindo que apaguemos os arquivos da memória. O governo, com a ladainha de que há um golpe em andamento e que a democracia está ameaçada por um novo ciclo autoritário, quer trazer de volta um fantasma no qual só eles acreditam ou fingem acreditar. Tentam impor um medo sem qualquer base achando que assim reavivam um trauma do Brasil.

Até fatos recentes, as pessoas públicas querem que esqueçamos. O ministro Nelson Barbosa foi ontem ao Congresso defender o déficit público como algo bom para estabilizar a economia. Ao falar dessa sua crença na capacidade milagrosa do déficit, o ministro explicou que ele é resultado de dois problemas: o aumento forte das despesas obrigatórias e a queda das receitas a partir de 2010. Ora, quem estava no governo em 2010? E quem nos anos seguintes não adotou qualquer medida para resolver o problema? Pelo contrário, o governo Dilma ampliou subsídios e isenções num período de queda da receita. E nada fez para enfrentar o aumento das despesas obrigatórias. Os dois gráficos exibidos pelo ministro mostram o desgoverno — do qual ele fez e faz parte — que nos conduziu à pior recessão da nossa história e à grave crise fiscal que o país atravessa.

O governo Dilma acabou. Nenhum governo se sustenta com índice tão alto de rejeição, depois de mergulhar o país numa crise da qual não sabe como tirar, diante de acusações de corrupção tão graves como as que estão sendo divulgadas e no meio de uma debandada da sua base parlamentar.

A contradição é que o partido que se apresenta como sucedâneo é o sócio do mesmo governo, parceiro nas mesmas transações, co- piloto das mesmas políticas. Evidentemente não é crível como opositor ao governo do qual ainda sequer se desligou.

Do ponto de vista da defesa de novos valores, ontem foi um dia emblemático. Voluntários entregaram ao Congresso dois milhões de assinaturas em uma proposta de medidas contra a corrupção. Elas foram colhidas em todos os estados cumprindo o percentual de cada unidade da federação estabelecido pela Lei. Foi um ano de campanha em que pessoas se mobilizaram no país inteiro no esforço de convencimento de que aquelas ideias poderiam ajudar o Brasil.

A proposta das dez medidas nasceu no Ministério Público Federal de Curitiba após o estudo de casos de países que tiveram sucesso no combate à corrupção. Este não é, claro, um problema só brasileiro. Muitos países, no entanto, conseguiram subir vários degraus na escala da Transparência Internacional. Foi a partir de medidas que deram certo em vários países que se fez a proposta que chegou ontem ao Congresso como projeto de iniciativa popular.

O momento é de extrema gravidade. Não há solução boa no curto prazo, mas é em iniciativas como esta, das dez medidas, que deve repousar nossa esperança. Uma esperança cansada, admito, mas este é o sentido da mudança que devemos perseguir, por mais estreito que seja o caminho. Foi em nome destas ideias que se reuniram dois milhões de assinaturas num tempo breve.

Marginais em ação – Editorial / O Estado de S. Paulo

Lula é o Partido dos Trabalhadores. Sem ele o PT não existe. Para os petistas, a palavra de Lula é lei, mandamento supremo que, como tal, se sobrepõe a qualquer preceito legal, inclusive os estabelecidos pela Constituição federal. Em 2012, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou por corrupção a cúpula dirigente do PT no rumoroso processo do mensalão, Lula decidiu que as sentenças foram ditadas “sem provas”, por pressão da opinião pública e da mídia. Sua palavra de ordem foi rigorosamente acatada pela manada petista, que, para compensar a “injustiça” praticada contra seus ex-dirigentes, elevou-os à categoria de “guerreiros do povo brasileiro”. A partir de então ficou estabelecido para o lulopetismo o princípio à luz do qual as leis devem ou não ser respeitadas: o interesse de Lula. A partir de então, do ponto de vista legal – e não se trata, neste caso, de nada relacionado com a Lava Jato – Luiz Inácio Lula da Silva optou claramente pela marginalidade, para a qual arrasta todo o seu séquito, inclusive a presidente da República.

Hoje, a grande questão legal em jogo é o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Vários ministros do STF já declararam que o impeachment é um instituto legal previsto pela Constituição federal. Com base nesse princípio, a própria Suprema Corte recentemente estabeleceu os procedimentos a serem observados pelo Congresso Nacional para o julgamento do impeachment da chefe do Executivo. Mas Lula, Dilma e os petistas não querem saber. Para eles, impeachment é golpe. Repetem isso incansavelmente, como um mantra. E é lamentável verificar que pessoas supostamente bem informadas, a pretexto de defender “as instituições democráticas” que Lula demoliu, não se pejam de engrossar o coro.

Em torno do interesse maior de Lula, que é sua própria sobrevivência política, e sob sua coordenação, está em curso uma ampla e agressiva campanha para combater o “golpe” e, a partir do desembarque do PMDB do governo, para tentar desmoralizar Michel Temer, sucessor natural da presidente, cujo mandato está agora por um fio. Essa campanha tem dois focos distintos. No âmbito do Congresso, destina-se a comprar, literalmente, o apoio de parlamentares em número suficiente para barrar o processo de impeachment. Trata-se de uma compra pura e simples, porque a mercadoria à venda é o cargo público a ser pago com um voto contra o impeachment.

No âmbito mais amplo da opinião pública, a estratégia cumprida por determinação de Lula envolve ações que variam das ameaças verbais a investidas no melhor estilo black bloc, como a realizada na segunda-feira na Câmara dos Deputados, e ainda a mobilização dos movimentos sociais que giram na órbita lulista para manifestações de rua, como as programadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O episódio de guerrilha urbana promovido na Câmara dos Deputados teve o patrocínio de juristas e advogados militantes ou simpatizantes do PT e destinava-se a impedir – o termo, por absurdo que pareça, é exatamente este – que o presidente e outros membros da direção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolassem o pedido de impeachment de Dilma Rousseff que foi aprovado por 26 votos contra 2 pelo Conselho Federal da entidade. Aos berros, empurrões e tapas, os quadrilheiros de Lula procuraram, em vão, impedir que o documento da OAB fosse entregue. É assim que a turma de Lula defende a democracia.

No plenário do Senado, o líder do PT, Humberto Costa, ameaçou Michel Temer de ser “o próximo a cair” depois de Dilma e garantiu: “Não haverá trégua a esse movimento golpista, nem antes, nem depois, caso ele venha, vergonhosamente, a se materializar”. Por sua vez, um dos coordenadores do MST, Alexandre Conceição, em ato pró-Dilma na Câmara repetiu a palavra de ordem ditada por Lula: “Está ocorrendo uma manobra inconstitucional, um golpe”. E acrescentou que Eduardo Cunha e Michel Temer doravante “não vão ter paz”, para concluir com uma proclamação de enorme alienação: “Para manter os ganhos sociais só há uma saída: manter Dilma na Presidência”. Alguém precisa explicar ao moço quem é que está pondo a perder os “ganhos sociais”.

Os donos da festa – Editorial / Folha de S. Paulo

Com a ausência do vice-presidente Michel Temer, a reunião nacional do PMDB, realizada nesta terça-feira (29) em Brasília, formalizou em clima festivo, e em poucos minutos, a ruptura do partido com o Palácio do Planalto.

A decisão, inegavelmente insólita no histórico de fisiologia da legenda, representa sério baque para as esperanças governistas de barrar o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

Ainda que existam alguns pontos de dissenso dentro da agremiação –caso dos ministros Celso Pansera (Ciência e Tecnologia), Marcelo Castro (Saúde) e Kátia Abreu (Agricultura)–, eles parecem insuficientes para reequilibrar a balança no Congresso, cada vez mais favorável aos anseios oposicionistas.

Se Temer haverá de ser o principal beneficiário de eventual afastamento de Dilma, ele não foi o único dono dessa, passe o trocadilho, reunião a jato promovida pelo PMDB. A festa também pertencia ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que há vários meses manifesta diuturna hostilidade contra o Planalto.

O paradoxo e a complexidade desta crise política se expressam nessa circunstância. O PMDB apenas cumpre, com a proverbial astúcia de seus membros, o roteiro imposto pela sobrevivência política.

Embora a sigla se associe ao repúdio da expressiva maioria da população, é incontornável a constatação de que, a começar de Cunha, a rebeldia da legenda não a isenta das mais sérias desconfianças.

Os peemedebistas que agora rompem a sociedade mantida durante toda a administração petista intentam uma proeza. Saem do governo como se dele não houvessem participado, fingindo trazer a solução para um problema que não ajudaram a criar. Nada mais falso.

Ademais, enquanto o processo de impeachment corre com celeridade, é natural que a mesma população que quer o afastamento de Dilma se pergunte como o presidente da Câmara se mantém no cargo.

Cunha tem sido o regente de toda a investida oposicionista. Não só articulou diretamente a nomeação do presidente e do relator da comissão especial do impeachment como também atenta para detalhes como a garantia de seu quorum.

Paralelamente, noticia-se que Eduardo Cunha, valendo-se de seu notório conhecimento regimental e de sua influência sobre dezenas de deputados, pavimenta caminhos para escapar ileso do processo que enfrenta no Conselho de Ética.

A cisão entre o mundo político e a opinião pública, concentrada no impeachment, também se manifesta no que tange a Cunha e ao PMDB. Dessa perspectiva, a cerimônia desta terça-feira em nada altera o quadro geral.

Governo inicia guerra pelos votos contra impeachment – Editorial / Valor Econômico

Os dedos de uma mão foram suficientes para contar os minutos que durou a reunião em que os representantes do PMDB aprovaram, por aclamação, o rompimento do partido com o governo. Com frieza, em um passo bastante preparado, o maior partido do Congresso deixará os cargos no governo e buscará ser o polo aglutinador de forças para obter o impeachment da presidente Dilma Rousseff. É o epílogo da longa desagregação da base governista, uma das maiores até hoje, articulada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para sustentar sua sucessora. Pode também ser o fim melancólico da era petista no poder.

Não houve surpresas na ação do PMDB, que até adiou o desembarque do governo, tanto pelas reviravoltas na avaliação da capacidade de Dilma se sustentar por todo o mandato quanto por sua histórica dificuldade de marchar unido em qualquer direção que não seja a de adesão ao poder. O rompimento foi o golpe mais forte, desferido, como previsto, quando impopularidade, baixo apoio político no Congresso e efeitos da Operação Lava-Jato se somassem para deixar o Planalto incapaz de qualquer ação.

A incompetência política do governo Dilma, desde que venceu a batalha pela reeleição, ajudou a cavar a cova na qual se pretende enterrar seu mandato. O Planalto tentou, logo depois do pleito, libertar-se simultaneamente do PMDB e da ala majoritária de Lula, uma trapalhada que deu a presidência da Câmara a Eduardo Cunha, criou atritos com o vice Michel Temer e deixou desconfiados os aliados. A volta atrás foi pior, com Temer fazendo o papel efêmero de bombeiro e sendo boicotado pela equipe de Dilma pelas costas.

A sucessão de erros não se restringiu à esfera política. A presidente aceitou o ortodoxo Joaquim Levy no ministério da Fazenda, mas em nenhum momento mostrou-se convencida de que precisava mudar de política. Atraiu para si então não só a fúria irresponsável da oposição, disposta a rasgar seus princípios para desgastar o governo, mas também a gritaria do próprio PT, inconformado com o desvio dos rumos prometidos na campanha eleitoral.

Tantos e sucessivos movimentos incongruentes exasperaram até Lula, alvo de um movimento, no fim de 2015, para que ingressasse no governo. Naquele que pode ter sido um erro fatal, o ex-presidente aceitou o convite no pior momento da história de Dilma. A improvisação e a pressa agudizaram a crise, após a divulgação de grampos legais autorizada pelo juiz Sergio Moro. Lula tomou posse, não assumiu e se desgastou na manobra. Nem todo seu carisma demoveu Temer de dizer-lhe, em conversa direta, que a saída do PMDB era irreversível. E assim foi.

Apesar de tudo, não é um passeio para o PMDB e para a oposição colocarem em plenário 342 deputados que aprovem o processo de impedimento. Governo e opositores travarão batalha para conquistar um "centrão" bem mais pulverizado, mas representado em maior número de parlamentares por PP, PR e PSD. O governo buscará cativar quantos "avulsos" puder, inclusive no PMDB, em uma jogada que, se for vitoriosa, terá o alto custo político, compatível com a situação desesperadora da administração petista.

A tarefa de remover Dilma não é fácil, mas agora tornou-se um pouco menos difícil. O argumento das pedaladas fiscais não teve força suficiente para arrastar a maioria dos partidos para o impeachment, mas o governo se desgastou a tal ponto que o impedimento será um julgamento puramente político, no qual vale a soma dos votos. Não importa que governadores e prefeitos tenham "pedalado" à vontade até há pouco, nem que políticos do PMDB e da oposição que capitaneam a insatisfação contra a corrupção estejam envoltos até o pescoço em suspeitas de tenebrosas transações. É o que Dilma e o PT chamam de "golpe", embora a disputa esteja toda ela sendo travada no campo legal.

Pelo passado de movimentos a esmo, errados, descoordenação e trapalhadas, é difícil, embora não impossível, que Dilma e o PT vençam essa guerra. Fora do Congresso, a falta de uma saída para a recessão criou um ambiente ruim, propício a permitir a atribuição da culpa de todos os males ao governo, que é responsável pela desarrumação da economia. As ruas estão inquietas e os grupos que querem Dilma fora do governo ganharam força. Segue-se agora um mês decisivo para o futuro do país.

A farsa do ‘ golpe’ construída pelo lulopetismo – Editorial / O Globo

• Aceitar a tese de que seria ilegal o afastamento de Dilma é admitir que o STF participaria de uma ação de cunho político contra princípios da Constituição

Na estratégia de defesa e nas ações de agitação e propaganda do PT e de uma presidente acuada no Planalto, a palavra “golpe” ganha grande relevância. “Golpe” é curto, fácil de pronunciar e adequado para ser gritado em manifestações — mas nada tem a ver com a crise política por que passa o país, na qual estão atolados PT e Dilma, e muito menos com o processo de impeachment da presidente em tramitação na Câmara.

O partido se encalacra a cada avanço da LavaJato, e ontem a presidente sofreu derrota emblemática, com a formalização pelo PMDB da saída da base do governo. Deve puxar uma fila de novas defecções, porque político, em geral, não gosta de ser sócio de derrocadas.

À medida que a campanha pelo impedimento crescia e o juiz Sérgio Moro, com a força- tarefa da Lava- Jato, se aproximava do ex- presidente Lula, a militância criou termos paradoxais, como “golpe constitucional”. Ora, se é golpe, não pode ser constitucional.

PT e aliados marcaram para amanhã, 31 de março, manifestações em defesa do governo e, por óbvio, farão referência ao golpe dado pelos militares, apoiados pelas classes média e alta, há 52 anos.

Pura manipulação, porque o Brasil de 2016 nada tem a ver com o de 1964. A Lava- Jato, em que atuam de maneira coordenada a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal, trabalha sem atropelos constitucionais. E quando a defesa considera haver alguma ilegalidade recorre às devidas instâncias judiciais. Se não tem conseguido muitos êxitos é pela solidez das provas e pelos argumentos do juiz Sérgio Moro. Equivocam-se, então, os que enxergam uma conspiração antidemocrática no combate à corrupção.

Já o processo de impeachment de Dilma, por sua vez, transita pelas instituições sem ilegalidades. Em 64 seria diferente. Acreditar no conto da carochinha do “golpe” é aceitar como verdadeiro o conluio do Supremo numa operação para defenestrar por vias ilegais Dilma do Planalto. Só numa alucinação. Vários ministros da Corte já negaram esta ideia tresloucada: seu presidente, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Celso de Mello, por exemplo. Prova irrefutável da institucionalidade do impeachment é que seu rito foi estabelecido pelo próprio STF, com base naquele seguido contra Collor, em 1992.

Em 1964, houve ruptura institucional, com o esmagamento, pelos militares, das instituições. O golpe farsesco convence apenas desinformados e ingênuos, serve tão- somente aos mal- intencionados — estes, sim, golpistas — que desejam envolver numa espessa nuvem de fumaça as provas e as evidências de grossa corrupção que envolve quadros petistas.

Aceite quem quiser que políticas de supostos benefícios aos pobres podem justificar a roubalheira. Não num país com instituições republicanas sólidas.