Os dedos de uma mão foram suficientes para contar os minutos que durou a reunião em que os representantes do PMDB aprovaram, por aclamação, o rompimento do partido com o governo. Com frieza, em um passo bastante preparado, o maior partido do Congresso deixará os cargos no governo e buscará ser o polo aglutinador de forças para obter o impeachment da presidente Dilma Rousseff. É o epílogo da longa desagregação da base governista, uma das maiores até hoje, articulada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para sustentar sua sucessora. Pode também ser o fim melancólico da era petista no poder.
Não houve surpresas na ação do PMDB, que até adiou o desembarque do governo, tanto pelas reviravoltas na avaliação da capacidade de Dilma se sustentar por todo o mandato quanto por sua histórica dificuldade de marchar unido em qualquer direção que não seja a de adesão ao poder. O rompimento foi o golpe mais forte, desferido, como previsto, quando impopularidade, baixo apoio político no Congresso e efeitos da Operação Lava-Jato se somassem para deixar o Planalto incapaz de qualquer ação.
A incompetência política do governo Dilma, desde que venceu a batalha pela reeleição, ajudou a cavar a cova na qual se pretende enterrar seu mandato. O Planalto tentou, logo depois do pleito, libertar-se simultaneamente do PMDB e da ala majoritária de Lula, uma trapalhada que deu a presidência da Câmara a Eduardo Cunha, criou atritos com o vice Michel Temer e deixou desconfiados os aliados. A volta atrás foi pior, com Temer fazendo o papel efêmero de bombeiro e sendo boicotado pela equipe de Dilma pelas costas.
A sucessão de erros não se restringiu à esfera política. A presidente aceitou o ortodoxo Joaquim Levy no ministério da Fazenda, mas em nenhum momento mostrou-se convencida de que precisava mudar de política. Atraiu para si então não só a fúria irresponsável da oposição, disposta a rasgar seus princípios para desgastar o governo, mas também a gritaria do próprio PT, inconformado com o desvio dos rumos prometidos na campanha eleitoral.
Tantos e sucessivos movimentos incongruentes exasperaram até Lula, alvo de um movimento, no fim de 2015, para que ingressasse no governo. Naquele que pode ter sido um erro fatal, o ex-presidente aceitou o convite no pior momento da história de Dilma. A improvisação e a pressa agudizaram a crise, após a divulgação de grampos legais autorizada pelo juiz Sergio Moro. Lula tomou posse, não assumiu e se desgastou na manobra. Nem todo seu carisma demoveu Temer de dizer-lhe, em conversa direta, que a saída do PMDB era irreversível. E assim foi.
Apesar de tudo, não é um passeio para o PMDB e para a oposição colocarem em plenário 342 deputados que aprovem o processo de impedimento. Governo e opositores travarão batalha para conquistar um "centrão" bem mais pulverizado, mas representado em maior número de parlamentares por PP, PR e PSD. O governo buscará cativar quantos "avulsos" puder, inclusive no PMDB, em uma jogada que, se for vitoriosa, terá o alto custo político, compatível com a situação desesperadora da administração petista.
A tarefa de remover Dilma não é fácil, mas agora tornou-se um pouco menos difícil. O argumento das pedaladas fiscais não teve força suficiente para arrastar a maioria dos partidos para o impeachment, mas o governo se desgastou a tal ponto que o impedimento será um julgamento puramente político, no qual vale a soma dos votos. Não importa que governadores e prefeitos tenham "pedalado" à vontade até há pouco, nem que políticos do PMDB e da oposição que capitaneam a insatisfação contra a corrupção estejam envoltos até o pescoço em suspeitas de tenebrosas transações. É o que Dilma e o PT chamam de "golpe", embora a disputa esteja toda ela sendo travada no campo legal.
Pelo passado de movimentos a esmo, errados, descoordenação e trapalhadas, é difícil, embora não impossível, que Dilma e o PT vençam essa guerra. Fora do Congresso, a falta de uma saída para a recessão criou um ambiente ruim, propício a permitir a atribuição da culpa de todos os males ao governo, que é responsável pela desarrumação da economia. As ruas estão inquietas e os grupos que querem Dilma fora do governo ganharam força. Segue-se agora um mês decisivo para o futuro do país.
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