• Destino do petista pode ditar futuro de Dilma e do partido
- Valor Econômico
É preciso deixar claro logo de saída, neste momento de polarização política observado no país: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nega ter praticado qualquer irregularidade, ainda não foi julgado e, portanto, é inocente até que se prove o contrário. Ainda assim, se sobram incertezas a respeito dos rumos que as investigações sobre Lula tomarão, pode-se assegurar que um dos principais desafios do ex-presidente e aspirante a ministro, além de salvar o governo Dilma Rousseff do impeachment, é manter forte o mito que o levou ao poder, ajudou-o a ocupar um espaço de destaque na galeria dos líderes mais populares do país e hoje é considerado entre seus correligionários um dos fatores capazes de dar sobrevida ao projeto político do Partido dos Trabalhadores.
A biografia de Lula encantou milhões de eleitores e a comunidade internacional. A história do menino que nasceu no sertão pernambucano em uma casa sem luz e saneamento básico e mudou-se para o "Sul" ainda criança simboliza a trajetória de grande parte do povo brasileiro. Lula começou a trabalhar no setor metalúrgico ainda adolescente, formou-se num curso técnico e, depois de seguir carreira no sindicalismo, lançou-se na política em meio à redemocratização do país.
Em diversos países seria bem visto um ex-presidente de origem humilde tornar-se rico após deixar o poder. Seja proferindo palestras ou realizando qualquer outro tipo de atividade lícita, seu sucesso seria um sinal de que a sociedade em questão propicia a seus cidadãos oportunidades para trabalhar, vencer e aproveitar os prazeres da vida.
Lula, porém, sempre buscou preservar a imagem de que continua um homem simples, apesar dos luxos que legitimamente poderia alcançar depois de décadas de trabalho. Telefone celular? Não tem, dizem seus defensores. Apartamento na praia? Até pensou em comprar, argumentam, mas desistiu. E acrescentam: ele e sua família relaxam com frequência num sítio de amigos no interior de São Paulo, mas sua relação com o imóvel não passa disso. Lula parece ter caído numa armadilha que ajudou a armar ao fomentar o discurso do "nós contra eles" para cativar uma parcela do eleitorado: não deve exibir em público imóveis ou outros bens num país desigual como o Brasil, mesmo que sejam compatíveis com sua renda familiar.
O curioso é que em uma das interceptações telefônicas feitas pela Lava-Jato o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, liga para solidarizar-se com Lula após o petista ser levado a depor pela Polícia Federal. Ele trata Lula como o real dono do sítio e até zomba da propriedade, mas Lula não contesta o aliado. A força-tarefa da Lava-Jato acredita que "há evidências" de que Lula "recebeu valores oriundos do esquema Petrobras por meio da destinação e reforma de um apartamento tríplex e de um sítio em Atibaia, da entrega de móveis de luxo nos dois imóveis e da armazenagem de bens por transportadora".
As interceptações telefônicas, sobretudo as que tratam de sua nomeação para o primeiro escalão do Executivo e a preocupação de seus aliados em lhe garantir foro privilegiado, devem voltar a receber atenção na semana que vem, quando o Supremo Tribunal Federal julgar se Lula poderá exercer a chefia da Casa Civil da Presidência. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pronunciou-se favorável à nomeação, apesar de ter opinado pela manutenção das apurações envolvendo o ex-presidente na primeira instância "para evitar que a nomeação produza efeitos negativos na investigação".
Somadas à fragilidade do governo Dilma e ao avanço do processo de impeachment na Câmara, a demora do Supremo em definir a situação de Lula e a divulgação das conversas privadas do ex-presidente reduziram a margem de manobra do líder petista.
Como resultado, o ex-presidente não conseguiu impedir o desembarque do PMDB do governo e agora vê outros partidos aliados se preparando para deixar a base. Está trabalhando no varejo para arquivar o impeachment de sua sucessora, mas diversos parlamentares já sinalizam que a impopularidade do governo se tornou um fardo grande demais até para Lula carregar.
Essa deterioração do capital político do ex-presidente também é observada em pesquisas de opinião pública. Embora ainda lembrado como o melhor presidente da história do país, Lula apresenta um índice crescente de rejeição. Entre novembro de 2015 e meados deste mês, subiu de 47% para 57% o número de entrevistados pelo Datafolha que se recusariam a votar no ex-presidente novamente em um primeiro turno.
Esse percentual é maior entre jovens de 16 a 34 anos, quem tem maior escolaridade e renda familiar mensal. Mas a rejeição não é desprezível nas parcelas de entrevistados com ensino fundamental (46%), renda familiar de até dois salários mínimos (49%) ou entre dois e cinco salários (63%). Ela chega a 74% entre os que têm renda familiar superior a dez salários mínimos.
Até mesmo uma parte dos que dizem preferir o PT aos demais partidos ou ser contra a interrupção do mandato da presidente Dilma Rousseff também não votaria de jeito algum em Lula nas próximas eleições. Esses percentuais atingiram 10% e 23%, respectivamente. A rejeição ao petista continua maior nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, onde as críticas ao PT são mais evidentes. Mas 42% dos entrevistados no Nordeste e 51% no Norte tomariam a mesma decisão. A divisão também foi verificada em municípios de menor porte, apesar dos bons resultados do PT nos grotões.
Aliados de Lula protestam: há uma conjuração para interditar uma potencial candidatura do ex-presidente nas eleições de 2018 ou até mesmo em um pleito antecipado, caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decida cassar a chapa de Dilma e do vice-presidente Michel Temer. Lula já disse publicamente que há mais de 20 anos tentam desconstruir sua imagem e reputação. Mas talvez seja a hora de seus correligionários avaliarem se não foi o próprio Luiz Inácio quem sabotou Lula. Ainda que a situação do governo Dilma Rousseff pareça mais difícil a cada dia mas não se possa descartar que Lula conseguirá reverter esse cenário, o resultado dessa reflexão pode pelo menos influenciar o futuro do PT.
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