- Folha de S. Paulo
A esquerda marxista nunca deu muita bola para o Judiciário. Era tido como uma parte da superestrutura voltada especificamente a manter as relações de produção (infraestrutura) em termos favoráveis à burguesia. Há, portanto, certa ironia no fato de os herdeiros da esquerda marxista se aferrarem a supostos legalismos e minudências jurídicas para tentar preservar o mandato de Dilma Rousseff.
Como sabiam os marxistas de outrora, a disputa pelo poder não se dá por vias judiciais, mas é eminentemente política -quando não escancaradamente militar, como no caso de revoluções. E é justamente da esfera política que deverá vir o atestado de óbito do governo Dilma.
Com o desembarque do PMDB consumado, as extrapolações matemáticas sugerem que ela não pode mais contar com os 171 deputados necessários para barrar o impeachment.
No atual cenário, é irrelevante se a peça jurídica que substancia o pedido de afastamento está bem fundamentada, se o tipo criminal está bem descrito, se a presunção de inocência está sendo respeitada. O impeachment pelos chamados crimes de responsabilidade, embora vista as roupas de procedimento judicial, é essencialmente um juízo político. É por isso que ele é julgado por parlamentares e não pelo STF, como ocorreria se a presidente fosse acusada de delitos penais. É por isso que a lista dos crimes de responsabilidade inclui coringas como ferir "a dignidade, a honra e o decoro do cargo", que significa qualquer coisa que os julgadores queiram que signifique.
Se Dilma de fato cair, terá caído não porque perpetrou crimes monstruosos -até pode tê-los cometido, mas isso não está em questão- ou porque foi vítima de um golpe, mas mais simplesmente porque perdeu sua base política. Um governo que não consegue convencer um terço dos parlamentares a ficar em casa em vez de ir votar para derrubá-la não tem mesmo condições de continuar.
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