terça-feira, 24 de junho de 2025

O estreito que a economia teme - Míriam Leitão

O Globo

O fechamento do Estreito de Ormuz, pelo qual passam 20% de todo o petróleo do mundo, parece algo que o governo do Irã ameaça, porém teme realizar

A última carta que o Irã vai usar nesse conflito será o fechamento do Estreito de Ormuz, acredita o professor da USP Feliciano Guimarães. Portanto, o temor sob o qual a economia amanheceu ontem, pode não acontecer. “É uma ficha de barganha de ultrassensibilidade que, se usada, abre um espaço para uma retaliação tão grande dos Estados Unidos, dos países europeus e dos países árabes, que o risco é muito alto. Acho mesmo improvável”. O presidente Donald Trump anunciou um cessar-fogo, não confirmado por nenhum dos dois países.

A cada novo conflito envolvendo o Irã, a economia teme o mesmo fantasma: o fechamento de um dos mais sensíveis gargalos da geografia do mundo e pelo qual passam mais de 20% de todo o petróleo do mundo. Por ser uma arma muito poderosa e capaz de gerar forte reação contra o próprio Irã, o país só recorrerá a ela se for colocado contra a parede, diz o professor.

— E se ele se sentir contra a parede é porque Estados Unidos e Israel erraram. Em relações internacionais, a gente aprende que não se pode colocar seu adversário contra a parede, porque se ele não tiver alternativa alguma, vai reagir de forma ultraviolenta — explica o professor do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Mapa mostra onde fica localizado o Estreito de Ormuz — Foto: Arte O GLOBO

O ataque americano foi forte, poderoso, mas contido, diz Feliciano. É como se Trump tivesse dado ao líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, uma certa saída, dizendo: “eu posso destruir ainda mais”. Seria uma forma de chamar o regime iraniano para a negociação.

O ataque do Irã à base americana no Catar foi, na avaliação do professor, uma maneira de dar uma resposta interna. De fato, o governo apresentou a sua narrativa de que tinha sido uma resposta à altura, só que o próprio governo iraniano avisou antes que atacaria e isso permitiu que a base fosse defendida pelas Forças Armadas do Catar.

Em seguida, Trump anunciou o cessar-fogo. Houve a negativa dos dois países em conflito mas, se for confirmada, alimentaria a esperança de que o fantasma de uma escalada no Oriente Médio seja afastada no momento. Porém, nunca se sabe quando se tem atores como o presidente Donald Trump, que já mudou várias vezes o que ele mesmo havia dito. Ou Benjamin Netanyahu, que iniciou essa etapa da guerra, após as vitórias contra o Hamas e Hezbollah e que precisa do conflito.

O professor Feliciano lembra que, no fim de semana, a Liga Árabe se reuniu na Turquia e mesmo sendo vários países adversários do Irã, eles concluíram que um grande perigo no momento é o expansionismo de Israel.

— Israel a ferro e fogo está tentando reorganizar o mapa político do Oriente Médio. Dentro da Liga Árabe, e mais a Turquia que nem é árabe, a percepção é de que quem se expande é Israel, e que é ele, e não o Irã, o verdadeiro agente desestabilizador da região. No nosso lado do mundo, a narrativa é que o Irã é o agente desestabilizador. Os árabes sunitas estão em uma posição contraditória, porque o Irã é um adversário, mas a expansão de Israel dessa forma agressiva também é um adversário — diz o professor.

Esse momento de tensão tem o ingrediente presente em todo o governo Trump, os sinais trocados do presidente. Uma hora ele diz que a guerra não é para mudar o regime e, em seguida diz que o regime deve ser mudado. Perguntei ao professor o que isso significa:

— Há dois cenários. Um deles é de que Israel e Estados Unidos têm informação privilegiada de que existe dentro do regime facções em disputa e que Khamenei estaria perdendo para revisionistas dentro do governo. Neste caso um ataque israelense, seguido de um ataque americano, serviria para desestabilizar o Khamenei. Não seria uma mudança de regime, mas de governo, por uma outra teocracia mais aberta. Agora, se não houver essa divisão interna aguda, aí só com uma invasão militar em grande escala se pode derrubar o governo ou, eventualmente, o regime. Neste caso, precisa mesmo dos americanos, porque Israel não tem essa força de invasão.

Seja o que for, o quadro econômico internacional ficou muito mais complicado a partir do momento em que os Estados Unidos atacaram o Irã. Isso tem que estar em todas as análises de conjuntura e terá reflexos na economia. O pior cenário, contudo, que é o de fechamento do Estreito de Ormuz, parece algo que o governo do Irã ameaça, porém teme realizar. Se o fizer, o Irã mostrará que tem o poder de impactar a economia global, mas ficará vulnerável ao contra-ataque dos países árabes exportadores, como a Arábia Saudita.

 

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