O Globo
O fechamento do Estreito de Ormuz, pelo qual
passam 20% de todo o petróleo do mundo, parece algo que o governo do Irã
ameaça, porém teme realizar
A última carta que o Irã vai usar nesse conflito será o fechamento do Estreito de Ormuz, acredita o professor da USP Feliciano Guimarães. Portanto, o temor sob o qual a economia amanheceu ontem, pode não acontecer. “É uma ficha de barganha de ultrassensibilidade que, se usada, abre um espaço para uma retaliação tão grande dos Estados Unidos, dos países europeus e dos países árabes, que o risco é muito alto. Acho mesmo improvável”. O presidente Donald Trump anunciou um cessar-fogo, não confirmado por nenhum dos dois países.
A cada novo conflito envolvendo o Irã, a
economia teme o mesmo fantasma: o fechamento de um dos mais sensíveis gargalos
da geografia do mundo e pelo qual passam mais de 20% de todo o petróleo do
mundo. Por ser uma arma muito poderosa e capaz de gerar forte reação contra o
próprio Irã, o país só recorrerá a ela se for colocado contra a parede, diz o
professor.
— E se ele se sentir contra a parede é porque
Estados Unidos e Israel erraram.
Em relações internacionais, a gente aprende que não se pode colocar seu
adversário contra a parede, porque se ele não tiver alternativa alguma, vai
reagir de forma ultraviolenta — explica o professor do Instituto de Relações
Internacionais da USP.
Mapa mostra onde fica localizado o Estreito
de Ormuz — Foto: Arte O GLOBO
O ataque americano foi forte, poderoso, mas
contido, diz Feliciano. É como se Trump tivesse dado ao líder supremo do Irã, o
aiatolá Ali Khamenei, uma certa saída, dizendo: “eu posso destruir ainda mais”.
Seria uma forma de chamar o regime iraniano para a negociação.
O ataque do Irã à base americana no Catar foi, na
avaliação do professor, uma maneira de dar uma resposta interna. De fato, o
governo apresentou a sua narrativa de que tinha sido uma resposta à altura, só
que o próprio governo iraniano avisou antes que atacaria e isso permitiu que a
base fosse defendida pelas Forças Armadas do Catar.
Em seguida, Trump anunciou o cessar-fogo.
Houve a negativa dos dois países em conflito mas, se for confirmada,
alimentaria a esperança de que o fantasma de uma escalada no Oriente Médio seja
afastada no momento. Porém, nunca se sabe quando se tem atores como o
presidente Donald Trump,
que já mudou várias vezes o que ele mesmo havia dito. Ou Benjamin
Netanyahu, que iniciou essa etapa da guerra, após as vitórias contra o
Hamas e Hezbollah e que precisa do conflito.
O professor Feliciano lembra que, no fim de
semana, a Liga Árabe se reuniu na Turquia e mesmo sendo vários países
adversários do Irã, eles concluíram que um grande perigo no momento é o
expansionismo de Israel.
— Israel a ferro e fogo está tentando
reorganizar o mapa político do Oriente Médio. Dentro da Liga Árabe, e mais a
Turquia que nem é árabe, a percepção é de que quem se expande é Israel, e que é
ele, e não o Irã, o verdadeiro agente desestabilizador da região. No nosso lado
do mundo, a narrativa é que o Irã é o agente desestabilizador. Os árabes
sunitas estão em uma posição contraditória, porque o Irã é um adversário, mas a
expansão de Israel dessa forma agressiva também é um adversário — diz o
professor.
Esse momento de tensão tem o ingrediente
presente em todo o governo Trump, os sinais trocados do presidente. Uma hora
ele diz que a guerra não é para mudar o regime e, em seguida diz que o regime
deve ser mudado. Perguntei ao professor o que isso significa:
— Há dois cenários. Um deles é de que Israel
e Estados Unidos têm informação privilegiada de que existe dentro do regime
facções em disputa e que Khamenei estaria perdendo para revisionistas dentro do
governo. Neste caso um ataque israelense, seguido de um ataque americano,
serviria para desestabilizar o Khamenei. Não seria uma mudança de regime, mas
de governo, por uma outra teocracia mais aberta. Agora, se não houver essa
divisão interna aguda, aí só com uma invasão militar em grande escala se pode
derrubar o governo ou, eventualmente, o regime. Neste caso, precisa mesmo dos
americanos, porque Israel não tem essa força de invasão.
Seja o que for, o quadro econômico
internacional ficou muito mais complicado a partir do momento em que os Estados
Unidos atacaram o Irã. Isso tem que estar em todas as análises de conjuntura e
terá reflexos na economia. O pior cenário, contudo, que é o de fechamento do
Estreito de Ormuz, parece algo que o governo do Irã ameaça, porém teme
realizar. Se o fizer, o Irã mostrará que tem o poder de impactar a economia
global, mas ficará vulnerável ao contra-ataque dos países árabes exportadores,
como a Arábia
Saudita.
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